Revista do Brasil nº 073

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ERASMO CARLOS “Quando eu cantava em inglês me sentia um papagaio repetindo gringos”

RÁDIO EM EXPANSÃO Rede Brasil Atual consolida veículos e amplia jornalismo

nº 73 julho/2012 www.redebrasilatual.com.br

SUSTENTÁVEL É...

Menina participa do evento Favela na Praia

Exemplar de associado. Não pode ser vendido.

...erradicar a pobreza e a fome, promover o trabalho decente e a igualdade de oportunidades e respeitar os limites da natureza

R$ 5,00



Meio ambiente, desenvolvimento sustentável, Código Florestal, Rio+20 e muito mais sobre a proteção do planeta e qualidade de vida você encontra todos os dias em outros veículos, mas

só a Revista do Brasil ousou enfrentar o debate sobre a proibição da distribuição das sacolinhas plásticas nos supermercados paulistas.

Em vez de proibir, deve-se incentivar o processo reverso na própria cadeia produtiva. É louvável a decisão das pessoas que, mostrando consciência ambiental, não apenas carregam as próprias sacolas às compras como também se preocupam, por exemplo, com a separação de materiais recicláveis de seu lixo orgânico. Isso não as remete à ingenuidade de acreditar em bom senso por parte do governo do estado mais rico do país – onde, aliás, são escassas as políticas públicas de coleta seletiva ou mesmo de remuneração e tratamento digno aos catadores de recicláveis, verdadeiros heróis em meio a uma selva de hipocrisia. A imposição, entretanto, não traz ganho algum de consciência. Apenas mais lucros aos gigantes do setor de supermercados, raramente compartilhados com o consumidor.” Editorial, edição 68

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CARTAS Excelente artigo. Foi de uma precisão cirúrgica. A regulação da mídia será o instrumento para termos uma sociedade justa, uma sociedade para todos. Marco Antonio, São Paulo (SP)

www.redebrasilatual.com.br Núcleo de planejamento editorial Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Fábio M. Michel, João Paulo Soares, Sarah Fernandes, Gisele Brito, João Peres, Suzana Vier, Virgínia Toledo Arte: Júlia Lima. Iconografia: Sônia Oddi Revisão: Márcia Melo Capa Foto de Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328-8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 Claudia Aranda e Carla Gallani Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares

Conselho diretivo Adi dos Santos Lima, Admirson Medeiros Ferro Jr., Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Sérgio Nobre Diretores financeiros Rita Berlofa Teonílio Monteiro da Costa

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JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

Sob suspeita Considerando a importância da pluralidade das fontes de informação jornalísticas para a melhor formação dos cidadãos, que é uma luta diária a manutenção de veículos de informação fora da grande mídia e que a democracia só se faz possível com imprensa livre e independente, destacamos o excelente trabalho jornalístico realizado pela Revista do Brasil na missão de manter informados com transparência e profissionalismo vasto número de leitores. Damos especial ênfase, para ilustrar nosso respeito e admiração, à reportagem “Sob suspeita” (capa da edição 72), de Lalo Leal, que rompe com pacto de silêncio impetrado pela grande mídia e trata de maneira clara das relações entre a revista Veja e o grupo do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Trecho de voto de congratulações à Revista do Brasil, aprovado pela Câmara Municipal de São Caetano do Sul (SP), por indicação do vereador Edgar Nóbrega. A editora agradece a mensagem encaminhada pelo presidente da Casa, Sidnei Bezerra da Silva.

Fora a capa Recebi a edição de junho 2012 e está muito boa, sensacional. Só não gostei da capa, por colocar um dos maiores picaretas dos meios de comunicação e dono da revista Veja. Mas as reportagens estão excelentes. Nota 1.000 para a Rede Brasil Atual. José Aguiar, São Paulo (SP)

Guerra suja Esse facínora (ex-delegado Cláudio Guerra, autor do livro Memórias de uma Guerra Suja, na reportagem “O caminho da verdade”, ed. 72) está envolvido, juntamente com o ex-secretário de Segurança José Cristiano Lopes, na morte de meu irmão lá em Cariacica, Espírito Santo. José Aguiar, Vitória (ES) Edição de maio Os banqueiros sempre levaram a melhor explorando o povo, cobrando juros escorchantes e com aval dos governos que cediam a esses agiotas que tomavam as propriedades dos que trabalham e produzem. Este governo vem de encontro aos anseios da população. Congratulo-me com esta revista, suas reportagens têm sido muito úteis em sala de aula junto aos meus alunos. A edição de maio (nº 71) é ouro em pó para tratarmos os problemas brasileiros e mundiais com a juventude em formação. Ivan Carvalho Boccanera, Brasília (DF) Discriminação em São Paulo É um contrassenso uma cidade formada por imigrantes discriminar imigrantes (“Pluralismo restrito” ed.71). Os avós ou os pais dos contraventores que agora incorrem na perseguição aos bolivianos chegaram aqui de que forma? Por que uns têm o direito de aqui chegar, se estabelecer e viver de forma digna e outros não? Os imigrantes, bolivianos ou não, vêm para São Paulo em busca de emprego e melhores condições de vida, trabalham e pagam impostos como qualquer cidadão, então têm todo o direito de usufruir a cidade como todos que aqui vivem. Amauri Almeida, São Paulo (SP)

carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.


ÍNDICE

EDITORIAL

8. Mídia

Com canais de rádio e parceria com comunitárias, a Rede se amplia

12. Ambiente

A Rio+20 e o mundo sustentável 16. Vontade política é meio caminho 20. Entrevista com Ladislau Dowbor 24. Como medir a felicidade

30. Trabalho

CUT faz 11º Congresso, elege direção e prevê cenário difícil LUCAS DUARTE

32. Mundo

Flávio Aguiar analisa os rumos da Europa em tempos de crise 34. No Canadá, o neoliberalismo ataca a educação em Quebec

Participantes da Cúpula dos Povos fazem “banner humano” durante a Rio+20

38. Comportamento

A vida, hoje e sempre

A consciência ambiental revive e moderniza a velha fralda de pano

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40. Entrevista

JESUS CARLOS/IMAGEMGLOBAL

Erasmo Carlos: “A contestação perdeu força, sinto falta dela”

44. Viagem

Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, tem praia e história

Seções Cartas 4 Destaques do mês

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Mauro Santayana

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Lalo Leal

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Curta essa dica

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Crônica 50

e uns tempos para cá, o termo “sustentabilidade” vem sendo incorporado ao vocabulário cotidiano. A expressão surgiu com força quando a comunidade científica, ao estudar os estragos da ação humana no meio ambiente, deu-lhe um significado desafiador: o uso dos recursos naturais no presente deve levar em conta o futuro. É preciso saber desfrutar a vida hoje e deixar um pouquinho de planeta para as gerações que virão. Com a maior degradação da natureza e a constatação de que até a temperatura da Terra anda subindo, essa preocupação aumentou e a cobrança coletiva passou a pesar mais. A recente Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, foi acompanhada por 4.500 jornalistas. Cabe, porém, a desconfiança sobre a real preo­ cupação de jornais, TVs ou portais. Afinal, você viu algum telejornal ou revista comercial informar que a busca do desenvolvimento sustentável passa pela erradicação da miséria? Que para isso acontecer é preciso haver trabalho decente, cuidados básicos com a alimentação, a saúde, a educação? E que é preciso o sistema financeiro mundial largar mão de ser especulativo? Talvez o leitor não tenha visto nada disso porque as grandes corporações são também grandes anunciantes das maiores redes de comunicação. E conter a concentração de riqueza pode implicar um lucro um pouquinho menor, para poder dividir um pouquinho mais. Essas necessidades ambientais e humanas foram debatidas intensamente na Rio+20 e ganharam peso na agenda das Nações Unidas, e por forte influência dos “donos da casa”. A Rede Brasil Atual participou da cobertura com a preocupação de compartilhar o principal teor dessa discussão. Porque se os veículos comerciais não têm coragem de denunciar a hipocrisia e o oportunismo de seus anunciantes, como não fizeram com os supermercados paulistas no caso da retirada das sacolinhas, quem mais o faria? A propósito, esta revista chega a mais de 300 mil famílias de trabalhadores todos os meses. O portal de notícias RBA fechou o semestre com média mensal de 250 mil visitantes e investe na ampliação de sua produção jornalística. Sem abrir mão do sonho de um mundo verdadeiramente sustentável. REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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WWW.REDEBRASILATUAL.COM.BR

Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook

Morte na rua Mais de 300 moradores de

rua foram assassinados no Brasil nos primeiros seis meses do ano, segundo pesquisa do Movimento Nacional de Pessoas em Situação de Rua (MNPR). De acordo com seus integrantes, na maioria dos casos os responsáveis são policiais atuando como seguranças privados e grupos neonazistas. O MNPR cobra políticas para combater o que chama de “genocídio”. bit.ly/rba_rua

DANILO RAMOS

Fragilidade: morador de rua toma banho na região da Cracolândia

EDGARD GARRIDO/REUTERS

México

“Existe um profundo descompasso entre o que se ouve na televisão e o que é compartilhado nas redes sociais, blogs e meios independentes no México”, diz Aarón Flores. Como milhões de mexicanos, todos os dias Aarón sente na pele, nos olhos e nos ouvidos a falta de correspondência entre o discurso transmitido pela grande mídia do país e a vida dos cidadãos comuns. Ele trabalha voluntariamente para a Rádio Chinelo, emissora comunitária de Cuernavaca, estado de Morelos, e considera que o debate sobre manipulação midiática entrou com força na campanha presidencial mexicana, embora não o bastante para deter a candidatura direitista de Enrique Peña Nieto, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que mandou no país durante quase todo o século 20 e agora está de volta ao poder. bit.ly/rba_mexico

Nas ruas, manifestantes denunciam fraudes

Avanços da igualdade

RENATO ARAUJO/ABR

Luiza Bairros: decisão do Executivo

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O Brasil pode ter cotas para negros em concursos públicos federais até o final do ano. Segundo a ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, as negociações sobre o projeto estão em andamento no Ministério do Planejamento. “Nossa expectativa agora é entrarmos no calendário dos debates com a Casa Civil e termos um posicionamento até o fim do ano”, disse a ministra, em entrevista exclusiva à Rede Brasil Atual. “A ideia é que seja uma decisão do Executivo, e por isso não tenha de passar pelo Congresso.” Confira a íntegra da entrevista e as reportagens especiais sobre o tema publicadas no portal no final de junho. http://bit.ly/rba_cotas


A estrada e o livro

De 19 a 28 de maio de 1952, o escritor João Guimarães Rosa perambulou 240 quilômetros pelo sertão de Minas Gerais, acompanhando um grupo de vaqueiros responsável por levar uma boiada de uma fazenda a outra. Dessa jornada resultariam, quatro anos depois, dois livros, um dos quais se tornaria obra-prima da literatura brasileira: Grande Sertão: Veredas (na imagem, a capa da primeira edição, ilustrada por Poty). Em Corpo de Baile, nasceria em um dos contos Manuelzão, um dos mais conhecidos personagens do escritor. Os 60 anos da viagem foram celebrados e analisados durante evento em Cordisburgo (MG), terra natal de Guimarães. bit.ly/rba_rosa

Ustra: indenização de R$100 mil

O coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra escapou de ação proposta pelo Ministério Público Federal, mas recebeu condenação da Justiça Civil de São Paulo a pagar indenização de R$ 100 mil à família do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto sob tortura em 19 de julho de 1971. A decisão atende a pedido da família de manifestar que Ustra foi culpado pela morte ocorrida nas dependências do DOI-Codi. A juíza Claudia de Lima Menge, da 20ª Vara Cível do foro central de São Paulo, considerou evidente que o coronel dirigia sessões de tortura, “calibrava” intensidade e duração dos golpes. “Não é minimamente crível que o requerido não conhecesse a dinâmica do trabalho e a brutalidade do tratamento dispensado aos presos políticos”, afirmou na sentença. bit.ly/rba_ustra

Sindicato mundial

Violência e omissão A CPI Mista sobre Violência contra a Mulher visitou

São Paulo no dia 29 de julho. O objetivo da sessão remota foi ouvir representantes do governo local sobre as políticas públicas de prevenção e combate a essa forma de agressão. O secretário paulista de Segurança Pública, Antônio Ferreira Pinto, não apareceu. Mandou a delegada Gislaine Doraide Ribeiro Pato, que teve de ouvir a enxurrada de indagações, principalmente sobre o porquê de o Antônio governo ter fechado delegacias de polícia, inclusive Pinto não apareceu de Defesa da Mulher. A senadora Ana Rita (PTES), relatora da CPMI, lembrou que, entre os dez municípios onde mais morrem mulheres no Brasil, seis estão no estado. “São Paulo foi o último estado a assinar o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres”, assinalou. http://bit.ly/rba_violencia_mulher

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE SÃO PAULO

FÁBIO MOTTA/AE

Condenação

Três das maiores federações internacionais de trabalhadores (metalúrgicos, químicos e do setor de vestuário) se unificaram durante congresso na Dinamarca, criando a IndustriALL Global Union. A entidade representará aproximadamente 50 milhões de trabalhadores. Para o secretário de Relações Internacionais da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, Valter Sanches (que após o congresso deixou o cargo, agora ocupado por João Cayres), a unificação internacional é um reflexo da configuração econômica – e pode representar, também, uma resposta ao poder das multinacionais. “Os setores industriais têm muita interligação. As cadeias produtivas são inter-relacionadas”, observa. bit.ly/rba_mundial REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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MÍDIA

Projeto em

EXPANSÃO

Parceria com emissoras comunitárias e ocupação de novas faixas educativas em FM ampliarão alcance e conteúdo de jornais locais, Revista do Brasil, TVT e portal

LIÇÃO DE CASA BEM-FEITA Elias Aredes e Cecília Gomes, do Jornal dos Trabalhadores, programa do Sinergia transmitido por 150 rádios comunitárias do estado de São Paulo em parceria com a Abraço

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entre outros. A iniciativa agrega ainda a Revista do Brasil – que completou seis anos em junho –, jornais regionais impressos, a TV dos Trabalhadores (TVT) e o portal de notícias. A expansão do projeto tem como marco o dia 6 de julho, quando é oficializada a concessão de novo espaço radiofônico em FM para projeto de rádios educativas geridos por entidades de trabalhadores. A FM 98,9, com sede em Mogi das Cruzes, terá alcance na Grande São Paulo, podendo chegar até São José dos Campos. A FM 93,3, de São Vicente, sintonizada na Baixada Santista desde Bertioga, no litoral norte, até Praia Grande, no litoral sul. E a FM 102,7, irradiada de Pirangi, a 370 quilômetros da capital paulista, para cidades do noroeste do estado, como Catanduva, São José do Rio Preto, Barretos e Bebedouro.

DÉBORA PILONI/SINERGIA

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ste mês, a Rádio Brasil Atual expande seu projeto de comunicação popular, que teve início com o Jornal dos Trabalhadores. Transmitido inicialmente na Rádio 9 de Julho AM, o programa foi rebatizado Jornal Brasil Atual Atual, com veiculação em emissoras FM, em regime de compra de horário. Posteriormente, passou a compor a plataforma da Rede Brasil Atual, projeto de comunicação amplo que une dezenas de entidades sindicais – representando trabalhadores dos setores financeiro, metalúrgico, químico, de saúde, energia, educação e de serviços,


VOZ PRÓPRIA Valter Sanches, junto aos transmissores na Baixada Santista: luta pela democratização da comunicação

EMERSON SANDOVAL

“Além de lutar pela democratização da comunicação no país, estamos criando nossos próprios meios”, afirma o diretor de Comunicação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Valter Sanches, responsável pela direção das rádios educativas. A luta do sindicato pela democratização dos meios de comunicação começou na década de 1980 com o projeto da TVT, que se tornou realidade durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. No ano passado, o sindicato chegou a colocar uma rádio comunitária no ar para pautar essa discussão e, após a experiência, entrou com dois pedidos de outorga para a concessão de espaço radiofônico. “O grande desafio da cidadania, do movimento sindical e social é criar uma plataforma de mídia com posição relacionada ao mundo do trabalho, aos direitos humanos, que faça crescer um Brasil inclusivo e socialmente justo”, defende Paulo Salvador, dirigente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e diretor-geral da Rede Brasil Atual. A expansão do projeto de comunicação sindical se dá num momento em que setores da sociedade avançam nas pressões para cobrar do governo a regulamentação das telecomunicações, conforme determina a Constituição. “É um momento importante, principalmente quando a gente constata, estarrecido, a suspeita de que a imprensa tradicional pode ter também um papel criminoso”, afirma Sanches, lembrando a relação entre Carlos Cachoeira e a Editora Abril, revelada por gravações obtidas pela Polícia Federal para a Operação Monte Carlo. O sindicalista considera que o fato traz a urgência de discutir a regulamentação dos meios de comunicação de forma a garantir que a mídia preste um serviço de qualidade à população e não sirva apenas a interesses comerciais e políticos. E ressalta a proposta de comunicação popular das entidades sindicais como um caminho sem volta. “Os diversos meios colaboram entre si, formando uma rede de comunicação, porque o projeto prioriza o compartilhamento de informação e a interação entre esses meios”, afirma. “Queremos ter um olhar sobre a nossa cultura e o direito de ocupar o espaço sem ficar

ROSSANA LANA/SMABC

MÍDIA

INTERAÇÃO Paulo Salvador: construção de uma mídia que tenha a cara do novo Brasil

reféns dessas famílias que estão há um século fazendo um jornalismo que não é o nosso. Queremos construir uma mídia que tenha a cara desse novo Brasil”, ressalta Paulo Salvador.

Democratizar ferramentas

Os dois dirigentes apostam na expansão do meio radiofônico como forma de ampliar a produção dos conteúdos. “O rádio é tradicionalmente uma companhia para as pessoas mesmo quando estão em trânsito”, diz Sanches. O eixo central das rádios será a programação da Rádio Brasil Atual, com prestação de serviços, assuntos de interesse da cidadania, do consumidor, abordagens em cultura, direitos humanos e mundo do trabalho. O material produzido na capital paulista será complementado com a produção das equipes de cada município, com foco na realidade local das regiões alcançadas pelas emissoras, com a produção das edi-

ções regionais impressas do Jornal Brasil Atual, hoje distribuído em 15 cidades, e com o suporte do noticiário geral, do Brasil e do mundo, produzido e veiculado a partir de plataformas já consolidadas, como a Rede Brasil Atual, a TVT, a Revista do Brasil e o jornal ABCD Maior. A expectativa é compartilhar o conteúdo com mais de mil rádios comunitárias. A experiência com as rádios comunitárias teve início com a parceria entre a rádio do Sindicato dos Trabalhadores Energéticos de São Paulo (Sinergia-CUT) e a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), em Campinas. O projeto de rádio do Sinergia deu continuidade ao Jornal dos Trabalhadores, retransmitido para a região até 2007 pela Rádio Brasil AM. Começou com a participação de 13 rádios comunitárias na retransmissão. Hoje são cerca de 100, formando uma rede propagadora do conteúdo local, e também gerado pela Rádio Brasil Atual. “Foi a melhor experiência de comunicação que o movimento de rádios comunitárias teve até hoje no estado de São Paulo”, afirma o coordenador da Abraço para a região Sudeste, Jerry Oliveira. A experiência em Campinas contribuiu com uma proposta formulada na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em 2009: a possibilidade de composição de redes entre as rádios comunitárias. “Essas emissoras são muito perseguidas, e a rede é uma forma de fortalecimento, pois cria uma relação de proteção”, afirma Marcelo Fiório, dirigente do Sinergia e um dos responsáveis pela criação da Rede Brasil Atual e, agora, pela implementação do projeto. Essa parceria, segundo Fiório, fortaleceu tanto as rádios comunitárias como o movimento sindical. “É um ponto de aglutinação entre as rádios, tem servido de possibilidade de crescimento da organização do movimento de rádios comunitárias.” A experiência das comunitárias também contribui para a formação de comunicadores populares. “Os trabalhadores se apropriam das tecnologias de comunicação e passam a se tornar produtores de conteúdo, e não mais meros consumidores.” REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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INTERNACIONAL

De um dia para o outro, o presidente eleito, Fernando Lugo, é destituído. Mas a resistência se articula, de olho em 2013 Por Marilu Cabañas

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o lugar de tanques do Exército, o Parlamento. Assim se deu o golpe de Estado no Paraguai, em 22 de junho. Os votos de deputados e senadores, em poucas horas, decidiram pelo impeachment do presidente Fernando Lugo. As manifestações em frente ao Congresso foram duramente reprimidas. No dia seguinte ao golpe, ao chegar em Assunção, imaginei deparar com protestos por toda parte. Nada disso. O clima era de feriado, pouca gente nas ruas, comércio parcialmente fechado. Onde estaria a indignação dos paraguaios diante do golpe? A aparente calmaria foi quebrada à noite, em frente à TV Pública Paraguay, onde centenas de jovens se reuniram para protestar no programa Microfone Aberto. O microfone, instalado na calçada, estava aberto para quem quisesse protestar, ao vivo. Já havia censura do governo de Federico Franco contra a televisão, mas os funcionários não se intimidaram e continuaram a transmitir a programação. De braços dados, enfileirados em uma das esquinas, os jovens fecharam a rua para impedir a entrada da tropa de choque na emissora pública. “Nenhum passo atrás”, gritavam os manifestantes. O clima era tenso, mas não houve confronto. Já era perto de meia-noite, com a presença de aproximadamente mil pessoas, o cidadão Fernando Lugo chegou de surpresa. Usou o microfone, denunciou o pouco tempo que teve para se defender no processo de impeachment e depois concedeu uma entrevista coletiva à imprensa internacional, nos estúdios da emissora. A Rádio Brasil Atual, da Rede Brasil Atual, era o único meio de comunicação brasileiro presente. A fala do presidente foi transmitida ao vivo pela TV. Nos dias seguintes, paraguaios de todas as idades passaram 10

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CONFUSÃO Processo de impeachment paraguaio durou apenas 30 horas

a frequentar o programa. A TV Pública se tornou o foco de resistência urbana no Paraguai. Até um “restaurante solidário” foi montado na rua. Mulheres voluntárias cozinham para alimentar os manifestantes. Com a reação popular, o presidente deposto instala um governo paralelo. É lançado o movimento Paraguay Resiste. Lugo se encontra, na Central Nacional de Trabalhadores (CNT), com membros da Frente Guasu, que o apoiou rumo à Presidência da República, e com integrantes da Frente pelo Retorno da Democracia no país. Lugo recebe o apoio da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e do Mercosul, que aplicam sanção política contra o Paraguai, é ouvido pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, e resolve percorrer o interior do país para explicar aos paraguaios os reais motivos do golpe parlamentar. Com a implantação da saúde gratuita, do programa Tekoporã, uma espécie de bolsa-família, e de uma contribuição às pessoas da terceira idade, Lugo tem o apoio da parcela pobre da população. Mas como o retorno ao poder é praticamente impossível, segundo assessores do presidente deposto, o foco agora é a eleição para a Presidência e o Senado, em abril de 2013. Lugo, que possivelmente encabeçará a lista dos candidatos a senador, deve decidir, entre seis nomes da Frente Guasu, o mais adequado para concorrer às eleições. O mais cotado é o jornalista Mário Ferreiro, pelo bom desempenho nas pesquisas de intenção de voto e por sua popularidade, já que é apresentador de televisão. Outro nome forte é a ex-ministra da Saúde Esperanza Martinez, que ganhou força por ter implantado o programa gratuito de saúde no país. O temor agora passa a ser em relação às fraudes no processo eleitoral e até o impedimento da candidatura de Lugo ao Senado.

JORGE ADORNO/REUTERS

Microfone, a arma dos paraguaios


MAURO SANTAYANA

Não somos imperialistas

A experiência histórica nos mostra que só os fortes têm o dever e o direito de ser tolerantes

C

omo os fatos políticos evoluem hoje mais rapidamente que no passado, quando esta revista estiver circulando, a situação política do Paraguai e a reação continental ao impeachment do presidente Fernando Lugo estará, provavelmente, esmaecida. O episódio, no entanto, serve para que reflitamos sobre a posição histórica do Brasil em suas relações com os vizinhos, quase todos eles unidos ao país pelas fronteiras terrestres, e todos surgidos da colonização ibérica. Sempre houve, antes, durante e depois do período em que Espanha e Portugal estiveram sob a mesma coroa (entre 1580 e 1640) quem, em Portugal e, depois, no Brasil, sonhasse com a expansão de nossas fronteiras para além da cordilheira e para o sul da Colônia do Sacramento. As circunstâncias históricas nos beneficiaram com a soberania sobre a maior parcela do Vale Amazônico, com a sábia declaração de posse feita por Pedro Teixeira, na boca do Rio Napo, em 1637, e a extensão da linha de Tordesilhas, no peito dos bandeirantes, até o sopé da Cordilheira dos Andes, ao oeste. Elas, no entanto, ao nos conferir a maior extensão de terras contínuas no hemisfério ocidental, não nos autorizam a aventuras expansionistas nem a pretensões de hegemonia política sobre nossos vizinhos. Ao contrário: a administração do vasto território e sua defesa contra aventureiros de fora, que só obteremos mediante a coesão política interna, exigem a dedicação integral de nossa inteligência política e de nossa habilidade diplomática. A experiência histórica nos mostra que só os fortes têm o dever e o direito de ser tolerantes.

Ao contrário das versões históricas paraguaias (explicáveis pelo natural patriotismo de seu povo) e de alguns revisionistas brasileiros, a Tríplice Aliança não foi uma coalizão militar agressiva, mas, sim, defensiva. Os paraguaios, sob Solano López, dispunham de poderoso exército e estavam dispostos a anexar parcela do território brasileiro (ou do Uruguai) que lhes permitisse o acesso direto ao Atlântico. Como primeiro passo, fecharam o acesso brasileiro a Mato Grosso pelo Rio Paraguai e, em seguida, invadiram nosso território, ocupando Corumbá por mais de dois anos. Houve, sim, uma repressão brutal contra a população de Assunção, por parte do Conde d’Eu, príncipe estrangeiro e genro de Pedro II, mas os brasileiros de Mato Grosso, e os prisioneiros feitos pelos paraguaios, não foram tratados com benignidade pelos inimigos. Todas as guerras, como sabemos, são cruéis. O grande erro em nossas relações com o Paraguai foi cometido pelo governo militar, ao optar pela construção de Itaipu, bem a jusante do projeto original do engenheiro Figueiredo Ferraz. Com a construção de Itaipu, e a soberania compartida sobre a barragem (e a represa) pelos dois países, passamos a ter nosso destino amarrado ao do Paraguai. Como a população paraguaia é de apenas 6,2 milhões de habitantes, teremos de ser mais pacientes do que a Bolívia – que já enfrentou uma guerra com o Paraguai entre 1932 e 1935, e a perdeu – em nossas relações com a república mediterrânea. Isso explica a posição moderada do Brasil, diante do golpe parlamentar contra o presidente Lugo. Disso resulta uma lição importante. Nossa solidariedade com os vizinhos não nos permite criar situações que possam conduzir a conflitos de soberania – como é o caso de Itaipu. É conveniente que não realizemos projetos que levem a áreas de administração comum, por menores que sejam. Mesmo as pontes, sobre rios de fronteira, devem ter seus marcos claramente estabelecidos. E, agora, teremos de fazer da paciência mais paciência, a fim de evitar um conflito maior com o governo que estiver de turno em Assunção, qualquer que ele seja. Mas, no âmbito do Mercosul e da Unasul, temos o dever de atuar conforme os membros dessas organizações regionais, ainda que devamos trabalhar para que o povo paraguaio não pague pela insensatez de seus eventuais dirigentes – como pagou quando López o conduziu para a aventura bélica de 1864, ao invadir o território brasileiro, em retaliação contra a política brasileira no Uruguai. REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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AMBIENTE

O futuro é

VERDE Os países em desenvolvimento, os trabalhadores e os movimentos sociais convenceram o planeta de que a agenda do mundo sustentável passa pela erradicação da pobreza e da fome, pela promoção do trabalho decente e da igualdade de oportunidades. Falta convencer os ricos a dividir a conta Por João Peres e Virgínia Toledo 12

JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

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hora de ação. O calendário está definido, os jogadores são velhos conhecidos e tem-se total consciência dos limites do campo, já bastante castigado, cheio de buracos, mas ainda bom para uso. Avançar em definitivo rumo a um modelo de desenvolvimento que respeite o ambiente e, sobretudo, a vida humana é, daqui em diante, questão de vontade. E se essa vontade faltou em muitos momen-


AMBIENTE

MARCELLO CASAL JR/ABR

POVOS EM AÇÃO Marcha realizada pelos movimentos sociais durante a Rio+20

tos até aqui, alguns fatores levam a crer que empurrar com a barriga não é mais uma solução viável. Em primeiro lugar, os efeitos da mudança climática estão aí: secas e inundações mais severas, degelo de glaciares que provoca falta de água para consumo e para irrigação, mais gente passando fome ou morrendo por temperaturas extremas. Além disso, nunca houve tanta consciência da necessidade de mudanças e tantos insatisfeitos com os rumos

da prosa, dispostos a pressionar governos e, se necessário, ajudá-los a entender o problema, por bem ou por mal. “Temos falta de liderança, o que é preocupante. A democracia precisa entregar o que promete. Se não nos derem ouvidos, vamos tirá-los das cadeiras”, disse a ex-presidenta da Irlanda Mary Robinson. A sensação de que o planeta e seus recursos naturais não vão bem não é exclusividade daqueles que nasceram no século 21. Quem, na década de 1970, ouviu falar sobre a Conferência de Estocolmo, a primeira das Nações Unidas sobre o desenvolvimento, lembra-se dos primeiros indícios de que o planeta ia mal das pernas: chuva ácida e inversão térmica ilustravam alguns dos assuntos discutidos e, por alguns, recebidos com surpresa. Passados 20 anos, o Rio de Janeiro foi palco de outro debate a respeito das condições ambientais encontradas no início da década de 1990. O ano era 1992 e ali ouvia-se como nunca a expressão “desenvolvimento sustentável”, enfatizando que os países desenvolvidos eram os responsáveis por mudar os rumos. À época, o sistema capitalista se fortalecia e as políticas neoliberais transferiam a seus cidadãos outras perspectivas de relações políticas e econômicas. “Em 1992 se discutia o Estado mínimo. Se discutia a agenda social como uma agenda de custo”, recordou a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello. Apesar da crescente conscientização, ficava um vácuo na busca pelo equilíbrio entre ambiente, sociedade e desenvolvimento econômico. Entre muitos compromissos, metas foram traçadas, resultando em um conjunto de itens delineados pela ONU que, obrigatoriamente, os países deveriam seguir: os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). São oito, da redução da pobreza à universalização do acesso à educação, da redução da mortalidade infantil e materna ao estabelecimento de uma parceria mundial em prol do desenvolvimento. O documento, assinado em 2000 por cerca de 190 chefes de Estado e de governo, traz metas a serem alcançadas até 2015, com base nos dados de 1990 de cada país. ­

Em âmbito mundial, os avanços obtidos nos primeiros anos foram postos a perder pela crise econômica iniciada em 2008, e calcula-se que uma das metas mais ambiciosas, a redução da pobreza, chegará a 2015 piorada. Ao mesmo tempo, a agenda criada pelos ODM levou várias nações a buscar soluções criativas na tentativa de cumprir seu papel no mundo. Em 2012, à medida que velhos problemas ganharam nova face, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, no mesmo palco, de novo no Rio de Janeiro, concentrou a expectativa de que se somassem limites ambientais e sociais. A principal resolução do encontro de 193 países foi o lançamento de um processo para a definição de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Trata-se de um conjunto de metas que tem como horizonte ampliar os ODM a partir de 2015, incorporando critérios socioambientais. “Precisamos chegar às escolas. Essa tem de ser a geração do desenvolvimento sustentável. Não há escolha. Ou vocês podem ser a última geração”, disse Jeffrey Sachs, conselheiro especial do secretário-geral da ONU para os ODM, durante palestra a jovens no Riocentro, onde se concentrou boa parte dos compromissos da Rio+20. “Os desafios da mudança climática requerem imaginação, um novo jeito de fazer as coisas que não podemos, infelizmente, esperar de diplomatas aqui e daqui por diante.” Os ODS serão debatidos ao longo dos próximos dois anos, definidos em 2014 e implementados a partir de 2015. Se, em termos globais, estão longe de ser atingidos, os ODM valeram para que alguns países buscassem iniciativas voltadas à erradicação de problemas sociais, como a pobreza e a desigualdade.

Sem maquiagem

Se não foi o texto dos sonhos da sociedade civil e de acadêmicos, o documento O Futuro Que Queremos afastou alguns fantasmas que rondaram os meses prévios à conferência. A primeira questão, básica porém importante, é a reafirmação de tudo aquilo que havia sido aprovado na Conferência das Nações Unidas sobre o REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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AMBIENTE

Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco-92. Isso significa que houve, não sem relutância, o reconhecimento de que todos os países partilham de responsabilidades comuns, mas diferenciadas de acordo com o tamanho da economia – ou seja, quem tem mais deve assumir um papel mais forte na transição a um novo sistema. O segundo ponto é a economia verde. A confusão em torno do conceito de um modelo econômico que tenha respeito às questões sociais e ambientais como um fator premente foi tamanha que se expressou no texto final, que não indica de que se trata, afinal, a economia verde. Havia certo receio de países em desenvolvimento de que as nações mais ricas tentassem se valer desse aspecto para impor barreiras comerciais a produtos fabricados sem pleno respeito a determinadas condições – como têm menor acesso a tecnologia e inovação, os mais pobres se veriam praticamente impedidos de comerciar com o exterior caso a iniciativa fosse levada adiante. No fim, o documento teve jeitinho de Brasil, no bom sentido. Logo no segundo parágrafo se afirma a erradicação da pobreza como conceito fundamental para alcançar o desenvolvimento sustentável. Nos demais 282 parágrafos o tom social predomina, de certo modo indicando ao mundo que não há sustentabilidade possível enquanto pessoas passam fome

e não têm acesso a água, educação, saúde, emprego e outros elementos básicos para uma vida decente. “Políticas de ajuste atingem a parte mais frágil da sociedade: os trabalhadores, as mulheres, as crianças, o imigrante, o aposentado, o desempregado, sobretu-

do quando se trata de jovens. São modelos de desenvolvimento que esgotaram sua capacidade de responder aos desafios contemporâneos”, disse na abertura do encontro a presidenta Dilma Rousseff, lamentando que a crise que assola especialmente a Europa leve a uma posição

MARIA ELISA FRANCO/UN PHOTO

O meio ambiente para a ONU

Steiner: governança ambiental

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Grande expectativa que poderia representar uma notável conquista da Rio+20 não foi contemplada. Especulou-se que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que atual­mente conta com 97% de seu orçamento vindo de contribuições voluntárias, fosse transformado à condição de agência da ONU, o que representaria um peso maior em suas decisões, além de contar com orçamento fixo da organização. Ao final da conferência, o

Pnuma foi mantido nos moldes que já se encontrava. No entanto, seu diretor-executivo, Achim Steiner, não lamentou o tratamento – ou a falta dele – à entidade e considerou “ricos” os avanços. “Comprometeram-se também em aumentar o orçamento do Pnuma, atualmente minúsculo se comparado a outras agências das Nações Unidas”, disse. Steiner enfatizou que a conversa não está finalizada, assim como nada do que saiu da Rio+20. “As discussões para o fortaleci-

mento do Pnuma ainda não acabaram. O que queremos é dar aos ministros do meio ambiente melhores condições para discutir os desafios que estamos vivendo. O que está sendo discutido é a governança ambiental, embora as pessoas quisessem que tudo isso fosse além”, sublinhou. O futuro do programa não está fechado. A ONU transferiu para sua assembleia geral, marcada para o mês desetembro, novas discussões sobre o Pnuma.


AMBIENTE

FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR

OUTRAS CORES O movimento Rio de Paz, filiado ao Departamento de Informação Pública da ONU, realiza o evento Favela na Praia, durante a Rio+20: combate à desigualdade, à fome e à miséria

egoísta, na qual prevalecem interesses nacionais de curto prazo em detrimento dos interesses globais, que, no papel, são de toda a humanidade. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foram as ausências sentidas do encontro. Obama, ocupado na campanha pela reeleição, foi representado pela secretária de Estado, Hillary Clinton, que passou seis horas no Rio de Janeiro. Merkel comandou, no dia anterior à conferência no Rio, uma reunião que concordou em elevar a € 750 bilhões o caixa disponível para ajudar nações europeias em dificuldades. Nem Estados Unidos, nem Alemanha concordaram em firmar já na capital fluminense um acordo para criar um fundo de desenvolvimento sustentável que con-

sumiria US$ 30 bilhões ao ano, menos do que qualquer um dos dois produz em um dia. “Aplaudo em especial os países em desenvolvimento que assumiram compromissos concretos com o desenvolvimento sustentável, compromisso esse firmado mesmo na ausência da necessária contrapartida de financiamento prometida pelos países desenvolvidos”, voltou a cutucar Dilma no encerramento. Antes dela, o negociador-chefe do Brasil para a Rio+20, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, havia sido um pouco mais direto frente à insistência da União Europeia em criticar o resultado do encontro. “Não se pode exigir ambição de ação se não existe ambição de financiamento. Quem exige ambição de ação e não põe dinheiro sobre a mesa está sendo, pelo menos, incoerente”, disse. “A crise que se abate com força sobre países do Norte provocou uma retração em áreas importantes, que têm a ver com solidariedade, com cooperação internacional. Por conta disso, o nível de financiamento foi seguramente afetado.”

Nas 49 páginas do documento final da conferência, a palavra “gênero” foi citada 26 vezes, incluindo um item especial para tratar do assunto. A importância das discussões a respeito do papel que a mulher exerce na sociedade atualmente lançou luz sobre o indispensável tratamento dado ao tema na conferência. A infelicidade, porém, foi que a polêmica sobre os direitos da mulher não foi secundária. O potencial das mulheres para o desenvolvimento sustentável, seu poder de liderança e a importância em destruir, em definitivo, as barreiras que impedem o pé de igualdade entre homens e mulheres tiveram destaque nos debates. A presidenta Dilma Rousseff defendeu o papel da mulher como centralizador e incentivador de

uma economia mais verde. “As mulheres são guardiãs dos conhecimentos tradicionais, mas também são capazes de aplicar práticas sustentáveis”, considerou. No entanto, um dia antes do início da Rio+20, ainda durante a costura do documento a ser negociado, a expressão “direitos reprodutivos” foi retirada do texto após pressão de países com forte tradição religiosa. Apesar do esforço do governo brasileiro em mantê-la, a expressão nem sequer foi debatida. Dilma, que já enfrentou percalços por manter posição liberal sobre direitos reprodutivos femininos, principalmente durante o período eleitoral de 2010, não comprou a briga. Na conferência, a presidenta preferiu manter a diplomacia, fazendo breve

citação acerca do assunto: “Aqui, a palavra-chave para todos é acesso, sobretudo das mulheres. No Brasil, estamos investindo para superar dificuldades e precariedades no acesso aos serviços públicos de saúde, com pleno exercício dos direito sexuais e reprodutivos, inclusive o planejamento familiar, a gestação, o parto e o puerpério, com assistência de qualidade”, disse. O documento final da Rio+20 mostrou o tom ameno: “Nos comprometemos a promover a igualdade do acesso das mulheres à educação, aos serviços básicos, às oportunidades econômicas e aos serviços de saúde, incluída a atenção à saúde sexual e reprodutiva das mulheres”. Colaborou Maurício Thuwhol

MARCELLO CASAL JR/ABR

Discriminação é insustentável

LEMBRETE “Nem do Estado, nem da Igreja. Meu corpo é meu”

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AMBIENTE

Soluções simples

para problemas complexos O manejo correto da terra e das águas, a eficiência energética e a reformulação da economia verde e das relações de trabalho Por João Peres e Virgínia Toledo

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JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

O

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) apresentou na Rio+20 um reforço daquilo que muitos ruralistas brasileiros se recusam a ouvir: pôr em risco os fundamentos ecológicos básicos, como a terra e a água, inviabiliza o seu próprio modelo de negócio. O documento reitera a visão de que o atual sistema de produção agrícola, calcado em uso massivo de agrotóxicos e em desmatamento, ultrapassou os limites da insegurança alimentar: continuar nesse trajeto seria suicida. Cientista-chefe do Pnuma, Joseph Alcamo afirma que a resposta está nos pequenos produtores, que, incentivados, fazem girar a economia local. “A agricultura

convencional gasta quantidades crescentes de agrotóxicos. Temos uma produção que resulta em contaminação da água e esgotamento do solo. A agricultura orgânica usa os fertilizantes de forma mais racional e respeitosa ao ambiente. Se os governos estimulam os pequenos produtores, ampliam e fortalecem a economia local.” Outras sugestões são a redução dos subsídios estatais para a pesca predatória e a redução do consumo de carne nas nações desenvolvidas – um quilo de carne bovina demanda até 16 mil litros de água, ante menos de 200 litros necessários para produzir um quilo de batatas. O relatório do Pnuma reforça ainda que boa parte das soluções para chegar ao desenvolvimento sustentável é bastante simples.


AMBIENTE

LUNAE PARRACHO/WFC

COMBATE À FOME Maquete de tanque de guerra foi coberta com pães pela World Future Council na comunidade Santa Marta, durante a Rio+20: em 2011, o mundo gastou US$ 1,74 trilhão em armamentos

Enquanto mais de 1 bilhão passam fome no mundo, um terço da comida produzida para consumo humano é desperdiçada, somando 1,3 bilhão de toneladas por ano. A construção de sistemas de armazenamento locais e a redução no consumo de alimentos importados seriam suficientes para dar fim a esse problema. Já com a Rio+20 finalizada, o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano, comemorou os resultados. “Conseguimos incluir erradicação da pobreza e reconhecimento do direito a alimentação, que está entre os direitos básicos da cidadania”, destacou. Ele reconheceu que não houve acordo sobre o que é sustentabilidade nem o que é economia verde. Todos os presentes à conferência sabiam, porém, o que é “futuro é verde”.

Outra solução básica para a segurança alimentar é fornecida pelo pesquisador Ignacy Sachs, professor da Escola de Altos Estudos de Paris. De acordo com trabalho feito por Sachs (veja abaixo) e publicado pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, deve-se limitar o impacto devastador da pecuária extensiva sobre florestas, aprendendo a criar gado de modo integrado com a agricultura familiar de pequena escala e promovendo a substituição do consumo de carne pelo de peixes provenientes da piscicultura. Regiões como a Amazônia e o Pantanal Mato-Grossense, além da costa atlântica, têm tudo de oportuno para receber a piscicultura. Segundo seus cálculos, com a combinação de piscicultura, horticultura e arboricultura, um lago em uma área de 1.000 metros quadrados, produzindo 10 toneladas de peixes por ano, dá conta do consumo anual de 200 habitantes; um dique de 800 metros quadrados e uma superfície adicional de 1.200 metros quadrados para horta satisfaz a necessidade anual de 200 habitantes, somados a uma área de 2

mil metros quadrados para a conservação de árvores. Em meio hectare, portanto, seriam alimentadas 200 pessoas. Ainda segundo os cálculos de Sachs, se fosse possível criar por todo o Brasil um arquipélago de 1 milhão de unidades desse tipo, estaria assegurada a alimentação dos quase 200 milhões de brasileiros, com a criação de 2,5 milhões a 5 milhões de empregos. Além de evitar o desmatamento para abertura de novas áreas para agricultura. Há exemplos de soluções simples em todas as áreas. Trocar lâmpadas incandescentes por econômicas pouparia 5% do consumo anual de eletricidade, evitando um gasto de US$ 110 bilhões, o equivalente a 250 grandes usinas movidas a carvão. Adotar carros movidos a energia elétrica e incentivar a produção local de energias eólica e solar são outros caminhos para conter o aumento da temperatura da Terra. Porém isso não basta. “Acreditar que o aumento de eficiência vá dar conta do problema é uma aberração”, diz o professor Ricardo Abramovay, da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da USP. Para evitar um aumento da temperatura superior a 2 ºC até o fim do século, Abramovay calcula que as emissões anuais desses gases deveriam cair a 2 toneladas por pessoa nas próximas décadas – hoje são 7.

Segurança alimentar Proposta de ocupação do solo de Ignacy Sachs para produzir mais alimentos sem desmatar novas áreas. Unidades de produção intensiva combinando horticultura, piscicultura e arboricultura num espaço de meia quadra, capaz de alimentar 200 pessoas por ano Árvores: 2.000 m2 Hortas: 1.200 m2 Açude de 1.000 m2

50 m

100 m

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AMBIENTE

O problema é que surge uma nova forma de desigualdade que vai muito além da questão financeira e social: enquanto um americano emite, em média, 20 toneladas ao ano de gases de efeito estufa, um indiano é responsável por 2. A humanidade precisa chegar ao consenso de que o correto é permitir que a base da pirâmide continue crescendo, ao passo que os mais ricos deveriam abrir mão de parte de seu consumo. “Precisamos discutir não como a máquina do sistema econômico vai continuar girando, mas para que ela vai continuar girando. Essa lógica é inaceitável em um mundo de 7 bilhões de habitantes. Temos de fazer a pergunta elementar: para que isso serve? Que bens, que serviços reais estão sendo proporcionados à vida real?”

O valor do trabalho

Para o diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Juan Somavia, é o momento de colocar à mesa outra indagação: por que trabalhamos? A constatação é que a promessa de que em um mundo desenvolvido gastaríamos menos horas na labuta e teríamos mais direito ao lazer e ao livre pensar não se cumpriu. Ao contrário, até mesmo os instrumentos tecnológicos que deveriam tornar mais simples e rápido o trabalho serviram para aumentar o tempo conectado a ele – e, portanto, a um sistema de empresas que enriquece às custas do esforço da humanidade. “Hoje, o trabalhador é visto co-

Emissões de CO2 Um indiano é responsável pela emissão de 2 toneladas de gás carbônico ao ano, ante 17,9 toneladas de um norteamericano

Em bilhões de toneladas por ano

8,2

5,2

2

BRASIL 419 milhões de toneladas ao ano

China EUA Índia

Fonte: CarbonMap

mo custo de produção e como consumidor. Mas sabemos todos que o trabalho é fonte de dignidade social. É também estabilidade para a família”, disse, cobrando que a definição dos ODS leve em conta o trabalho decente como um parâmetro. “Todo o processo de transição para uma economia mais verde levará a mudanças nos padrões de produção e consumo. Criará grandes oportunidades de trabalho e modificará vários setores, com potencial de melhorar a qualidade do trabalho.” São 60 milhões de oportunidades diretas em duas décadas, segundo estudo da OIT e do Pnuma. Agricultura, pesca, energia, indústria manufatureira, reciclagem, construção e transporte são áreas capazes de concentrar novos postos de trabalho.

Para Somavia, os trabalhadores saíram vencedores da Rio+20. O documento final lhes dedica um capítulo inteiro e afirma que o crescente desemprego, acompanhado da eliminação de direitos, representa uma séria preocupação – uma mensagem sugestiva à ausente Merkel. Além disso, o texto pede a criação de pisos de proteção social, proposta da Central Única dos Trabalhadores e da Central Sindical Internacional. “Melhorar a condição do trabalhador tem tudo a ver com o novo modelo de crescimento, requer combater o trabalho escravo e o trabalho infantil e reduzir a jornada”, afirma o presidente da CUT, Artur Henrique. “É preciso garantir que o trabalhador tenha lazer, mobilidade urbana e acesso a cultura e arte.”

Riqueza X desenvolvimento humano Um indício de que riqueza e bem-estar não necessariamente caminham juntos está na comparação entre as maiores economias do mundo, as maiores rendas per capita e as nações que atingiram bom índice de desenvolvimento humano. O Brasil ocupa a 84ª posição no ranking do IDH

Os dez maiores PIB Em bilhões de dólares Estados Unidos

JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

5.926

Japão

5.458

Alemanha França

3.280 2.560

Reino Unido

2.261

Brasil

2.080

Itália

2.060

Índia

1.727

Canadá

1.577

Fonte: Banco Mundial/2010

18

14.500

China


AMBIENTE

Somavia enfatizou a opção dos países emergentes por levar em conta o piso de proteção social, garantindo a seus cidadãos o acesso a condições básicas de saúde e sobrevivência. “Devemos todos agora dar opiniões para implementar e aplicar o que propusemos, com conceitos criativos que possam constituir a solução desse problema.” O Brasil foi citado como exemplo de que proteção social, acrescida de proteção ambiental, pode viabilizar e fortalecer um processo econômico. “A inclusão de programas sustentáveis nos planos do Brasil mostra que é preciso que a proteção social seja adaptada aos contextos locais”, afirmou a diretora da Divisão de Política da ONU Mulheres, a indiana Saraswathi Menon.

Falta de ambição

Por parte das organizações não governamentais, a palavra “ambição” foi dita, no mínimo, milhares de vezes, sempre adicionada à expressão “falta de”. Diferentemente da Eco-92, a Rio+20 teve entre os protagonistas as representações da sociedade civil que, em grande número também na conferência oficial, pressionaram, instigaram e até tiraram do sério algumas das autoridades e delegações presentes. A urgência dos problemas discutidos e a inanição dos governos por conta da falta de ações concretas para enfrentá-los foram os aspectos que nortearam o balanço feito pelas organizações presentes.

“Grandes problemas pedem grandes soluções. Não é questão de exposição dos problemas, é questão de medir o tamanho do problema. Os chefes de Estado citaram vários deles, mas não foi o suficiente. O que nós queremos é urgente. E andar um passinho de cada vez, sinto muito, não dá”, lamentou o diretor de assuntos internacionais da ONG Vitae Civilis Aron Belinky. O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, iniciou sua participação na maior conferência das Nações Unidas afirmando que o texto era “pouco ambicioso”. A partir daí foi um corre-corre de ministros pedindo que ele retificasse o dito. Ban Ki-moon recuou, convocando a imprensa às pressas, para dizer que o texto era “ambicioso, amplo e prático”. A principal crítica é pela falta de acordos financeiros. Cifras foram postas e retiradas do texto pela ausência de consenso sobre quem pagaria a conta. Paralelamente à Rio+20, a Cúpula dos Povos, que reuniu no Aterro do Flamengo entidades e organizações da sociedade civil no intuito de pressionar a conferência oficial, declarou criticamente que a Rio+20 “repete o falido roteiro de falsas soluções defendidas pelos mesmos atores que provocaram a crise global”, na carta da Cúpula aos conferencistas. “A verdadeira Rio+20 ocorreu no Aterro do Flamengo”, disse Nilo D’Ávila, da campanha de Clima e Energia do Greenpeace. Colaboraram Maurício Thuwhol e Sarah Fernandes

As dez maiores rendas per capita US$ 87.350 US$ 76.980

Suíça Dinamarca Suécia Holanda

US$ 71.520

0,943 0,929

Países Baixos

0,910

Estados Unidos

0,910

Nova Zelândia

0,908

US$ 49.030

Canadá

0,908

US$ 59.400

US$ 47.570

Estados Unidos

US$ 47.340

Áustria

US$ 47.030

Fonte: Banco Mundial/2010

Noruega Austrália

US$ 50.100

Finlândia

Austrália

Uma das iniciativas da Rio+20 foi um acordo firmado entre Pnuma, Brasil e outros 19 países em torno das compras públicas sustentáveis. Contratações feitas com dinheiro dos governos federais giram em torno de 19% do Produto Interno Bruto (PIB), no caso das nações que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – são US$ 4,7 trilhões ao ano, quase um décimo do PIB mundial. O acordo prevê intercâmbio entre as nações mais adiantadas nesse sentido, caso da Suíça, e aquelas que ainda engatinham, caso do Brasil. De agora em diante, as compras feitas pela União levarão em conta critérios de sustentabilidade como menor impacto sobre recursos naturais, maior eficiência na utilização de água e de energia, maior geração de empregos locais, durabilidade maior e uso de tecnologias inovadoras. A nova iniciativa soma-se a um projeto iniciado em 2005 para fortalecer micro e pequenas empresas. “Quando começamos essa política, 3% das empresas vendiam para o Estado. Hoje, 30% provêm de micro e pequenas empresas”, afirma a diretora do Departamento de Consumo Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Ana Maria Neto. “Quando a gente fala de compras públicas sustentáveis, a gente fala em critérios que promovam o desenvolvimento econômico e social do país.”

Top 10 no IDH

Noruega Luxemburgo

Compras sustentáveis

US$ 46.200

BRASIL US$ 9.390

50ª

posição

Irlanda

0,908

Liechtenstein

0,905

Alemanha

0,905

Suécia

0,904

Fonte: Pnud/2011 REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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FOTOS DANILO RAMOS

ENTREVISTA

Um mundo de

POSSIBILIDADES 20

JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL


ENTREVISTA

Ladislau Dowbor, um dos pesquisadores mais respeitados do país, considerou a Rio+20 tímida por não responsabilizar os causadores dos grandes problemas mundiais. Mas viu na conferência a criação de espaços e oportunidades para quem quer dar novo rumo ao planeta Por João Peres e Paulo Donizetti de Souza

U

ma agenda para o futuro e um contexto favorável: são os ganhos da Rio+20, na visão de Ladislau Dowbor, professor do Núcleo de Estudos do Futuro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e piloto de um site muito rico em informação científica e discussões sobre o planeta (dowbor.org). Se o documento final é mais fraco que o da Eco-92, o esgotamento da agenda neoliberal e a retomada do papel do Estado permitem vislumbrar um legado positivo. Mas, para o autor de O Que É o Poder Local? e de Democracia Econômica, será um grande cataclismo o que vai impulsionar a humanidade a encontrar um padrão sustentável de desenvolvimento. Que balanço o senhor faz do documento elaborado pelo Brasil e negociado entre os países participantes da Rio+20?

Eu vejo um problema no todo. Os 283 pontos mencionam essencialmente “recomendamos que...”, “sugerimos que...”, “notamos que...”, não tem nenhum imperativo, afirmação mais forte, que determine a urgência no conjunto de informações. Também não há praticamente nenhum direcionamento para as causas dos problemas. Por exemplo, fala-se das dificuldades com a crise econômica, mas não dos bancos que criam essa crise. Menciona-se a desigualdade, mas não a falta de desapropriação das grandes fortunas. O aumento dos preços e a rotatividade do mercado de commodities, mas não os sistemas especulativos internacionais. Lista os problemas da contaminação das águas, mas não menciona os agrotóxicos e as formas de contaminação. Isso é um pouco grave. O senhor acha que apenas mencionando as origens desses problemas o documento já seria mais efetivo?

Ou apontasse com força que há certas práticas que devem cessar, em particular coisas como os sistemas especulativos internacionais, a proteção dos paraísos fiscais, a proliferação das armas – e depois se queixam da violência, mas são grandes empresas que produzem essas armas, e são conhecidas.

E que aspectos o senhor considera positivos?

O documento abre espaços para que a gente possa começar a cobrar. Por exemplo, o segundo ponto diz que erradicar a pobreza é o maior desafio global que enfrenta o mundo hoje. Apontar a desigualdade e a pobreza como eixo principal é extremamente positivo, porque, quando você começa a tirar as pessoas da pobreza, gera dinâmicas inclusivas, gera emprego e obtém apoio político para maiores transformações. Que é, aliás, o que vem ocorrendo no Brasil. Mas são só dos governos as responsabilidades pelos problemas?

Outro ponto muito positivo, o 47, aponta a necessidade de transparência das corporações, porque a gente só grita contra a falta de transparência do governo, dos políticos corruptos. Mas, as empresas, o que fazem as grandes empresas, em diversos setores? Como estão estruturadas as dinâmicas financeiras dos bancos, enfim? Há ganchos que se abrem, a partir dos quais há espaço para batalhar. Bem ou mal, é um documento assinado pelos diversos países. Se a gente compara, na Rio+20, com um documento muito bom preparado pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e confronta com o Vision 2050, com a visão das corporações para 2050, encontra uma evolução forte. As corporações em grande parte são a causa dos problemas, mas são tão fortes que, sem sua participação, não serão os verdes nem a esquerda que vão levantar esse piano. Desde que as pessoas sejam bem informadas.

Isso é outro ponto importante discutido na Rio+20, que a gente também está discutindo aqui no Brasil: o resgate do uso e do poder das telecomunicações. No documento, isso é colocado como um instrumento essencial. Ou seja, é uma guerra evidente, sobretudo para nós, que estamos dominados por algumas corporações da mídia, e por isso a democratização é essencial. Mas o texto é relativamente cordial com­a ­s corporações...

As corporações em grande parte são a causa dos problemas, mas são tão fortes que, sem sua participação, não serão os verdes nem a esquerda que vão levantar esse piano

REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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ENTREVISTA

Quando você associa o grande eixo da conferência, o ambiental, com a dimensão da desigualdade, que é assegurar o emprego e a inclusão das pessoas, fica evidente toda a lógica de que a gestão desse processo se dê no nível local, nas cidades

“We also invite business and industry... to contri­ bute”, diz um dos pontos. É simpático: convi­damos a indústria a contribuir (risos). É um convite. Mas outros pontos tocam no conceito de transfe­rência de tecnologia e, no fim do documento, tem um c­ apítulo só sobre isso. É fundamental entender que quem controlava no século passado as empresas, as indústrias e as máquinas é quem hoje controla a ­comunicação e a informação, as tecnologias do c­ onhecimento. E o acesso ao conhecimento é vital. O documento tem uma parte inteira sobre a transferência de tecnologias. Não menciona patentes, copyrights e royalties – o que faz parte da timidez do texto –, mas menciona, sim, o direito dos países de produzir seus medicamentos, de se posicionar em relação à Organização Mundial do Comércio e aos tratados de propriedade intelectual. É um gancho que abre uma brecha em toda essa blindagem no campo do oligopólio e no campo ético. E como as partes se relacionam para acompanhar a aplicação dessas demandas?

Tem uma coisa que pode ser muito interessante, que está no ponto 84. É o universal inter­ governmental high-level political forum – um f­ órum intergovernamental, universal e de alto nível –, no qual são detalhadas 12 funções desse corpo, que ­seria um tipo de fórum mundial de personalidades respeitadas. Isso deverá ser submetido às pro­ postas elaboradas pelas Nações Unidas. O mais ­provável é que será de 30 representantes, equi­l­i­ brando os d ­ iversos continentes, nos diversos segmentos ­sociais. Deverá ser aprovado na próxima reunião da Assembleia Geral da ONU, em setembro. P ­ ela primeira vez a gente teria um corpo de refe­rência planetária. Temos problemas globais, mas não t­emos governos globais. Dos 193 países membros, cada um puxa para o seu lado, e isso está levando o planeta para o buraco. O problema é que a representatividade das Nações Unidas em relação aos interesses do planeta é bastante distorcida, não é?

Aliás, o ponto 92 sugere repensar a representatividade dos organismos internacionais. Na época do sistema Bretton Woods (conferência que reuniu 44 países aliados, ainda em 1944, para discutir uma integração econômica e financeira com vistas a reerguer o capitalismo após a Segunda Guerra), grande parte dos países do mundo não existia como nação, eram colônias. Agora, no sistema das Nações Unidas, a Ilha de Vanuatu, no Pacífico, que tem 30 mil habitantes, tem um voto e a Índia, com mais de 1 bilhão de habitantes, tem um voto... 22

JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

Muito parecida com o nosso Congresso Nacional, guardadas as devidas proporções...

Exatamente. Estou dizendo o óbvio. Mas no particular a estrutura de votos no Conselho de Segurança, nos órgãos de financiamento internacional, é pré-histórica. É um avanço interessante que em diversas partes do documento haja a necessidade de planejamento, que tinha sido jogado para fora. “O mercado iria resolver”, né? É importante também, no item 104, a necessidade de repensar o sistema de indicadores para monitorar os resultados a serem buscados. Volta-se à questão: quem monitora a execução das intenções? Qual o papel das cidades?

Esse documento da Rio+20, que é o geralzão, tem de ser visto no contexto do movimento das cidades, do C-40 – um grupo de, na realidade, 59 cidades do mundo que decidiram fazer a lição de casa sem esperar os grandes poderes. E há milhares de cidades do mundo assumindo esse papel. Quando a gente pensa assim, arborizar a cidade, empregar as pessoas, assegurar educação mais decente e políticas sociais básicas, isso funciona muito no nível local. Quando você associa o grande eixo da conferência – o ambiental – e a dimensão da desigualdade, que é assegurar o emprego e a inclusão das pessoas, evidencia toda a lógica de que a gestão desse processo se dê no nível local. A educação não deveria ser um processo mais integrado aos desafios da sustentabilidade?

Houve algumas tomadas de posição, por exemplo, da Fundação Getulio Vargas, de reforçar um ensino de desenvolvimento sustentável. O Instituto Paulo Freire faz referências fortes a educação ambiental. O mundo da educação no Brasil são cerca de 50 milhões de pessoas, entre alunos, educadores. Tem a mídia alternativa muito presente – outro eixo importante de participação, que se reforça na sua dinâmica informativa. Então, uma coisa é avaliar o documento, a fragilidade, as nações, os governos... Outra coisa é ver isso como um destravador de uma tendência planetária, de uma consciência mais ampla, que acontece de maneira muito forte. Uma coisa é dizer que estamos avançando, outra coisa é pensar se os avanços são compatíveis com o ritmo de andamento dos problemas. Quando a comunidade científica começou a pautar governos e a ONU, em 1972, na Conferência de Estocolmo sobre desenvolvimento sustentável, estava em questão o mercado ser o regulador – Estado pequeno, mercado livre. Houve alguma reversão desse poder concentrado do mercado?


ENTREVISTA

A sustentabilidade foi apenas alegoria no processo de perversão dos modelos econômicos?

Em 1972, a repercussão (da Conferência de Esto­ colmo) é relativamente frágil, mas há um contexto bom, o contexto dos anos de ouro do pós-guerra. Em 1992, é muito mais forte. Sai dali a Agenda 21, mas com toda a força do liberalismo avançando, do pós-Ronald Reagan, pós-Margaret Thatcher. Os grandes poderes não dão bola para a Agenda 21. Você tem um documento excelente, e muito pouco espaço. E ­­ hoje tem esse sistema que reforçou muito a concentração do poder corporativo, e uma crise que sugere oportunidades. Muito mais oportunidades. A Agenda 21, de 1992, era um documento forte, com menos contexto. Hoje, em 2012, temos um documento mais fraco e mais contexto, mais oportunidades. As corporações financeiras ainda mandam...

Quem, por exemplo, viu o filme Trabalho Interno (Inside Job, sobre os movimentos especulativos que levaram à quebra de gigantes como o banco Lehman Brothers, da seguradora AIG e de toda a economia americana) entende que se tratou essencialmente de fraude, de bandidagem, de apropriação indébita dos recurso alheios, de ganhar dinheiro não financiando produção, mas simplesmente especulando, desorganizando a economia. Isso provoca indignação, muita gente está começando a entender. Existe possibilidade de um capitalismo verde? Que se adapte para ser benéfico às pessoas?

Quando você diz isso, eu me lembro de uma reunião com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Ele respondeu a essa questão com outra: pode um tigre ser vegetariano (risos)? Eu acho que não seria esse o enfoque. As chamadas macrotendências, as florestas, a vida nos mares, os climas etc. são demasiado graves para que a gente possa ignorar. Muitas empresas entenderam o desafio e estão digerindo as transformações internas para passar a outro patamar tecnológico.

Faltam teóricos para formular diagnósticos e projetos de modelos de desenvolvimento?

Diversos autores, como Lester Brown, Ignacy S­ achs, Paul Krugman, Joseph Stiglitz, apontam para onde vai estourar o sistema primeiro. Por que se criou a ONU e todo o primeiro sistema internacional de nações? Porque a Segunda Guerra Mundial foi um negócio pavoroso de onde saiu uma base política para a transformação. O mais provável é que haverá um cataclismo maior. Temos 1 bilhão de pessoas passando fome, 11 milhões de crianças morrem, por ano, de fome ou por falta de acesso a água limpa, 25 milhões de pessoas já morreram de aids. A conta já é alta. Provavelmente um choque mais repentino, maior, criará base política para uma nova transformação. Para mim, todo o sistema está mudando. Eu tenho dúvidas se o conceito de capitalismo se aplica ao que a gente está vivendo. A mais-valia já não é extraída por um produtor. Os velhos rótulos desbotaram?

A gente deve se dar o trabalho de reavaliar. A ­ ­China é capitalista ou socialista? Se você tem um país com 15 anos de crescimento, que tirou 350 milhões da pobreza, e segundo as palavras do Peter Spink, inglês radicado no Brasil, é o único que está fazendo a lição de casa em termos ambientais, o mínimo que a gente tem a fazer é saber como ela funciona. Eu vi ontem um documentário sobre a educação em Xangai. Professores entram às 7h e saem às 17h. Nesse período, têm duas aulas de 40 minutos. O resto é apoio a alunos, reunião e elaboração de matérias com outros professores. Há muita coisa nova acontecendo. As grandes cidades perderam capacidade de propor soluções?

Eu acho que isso é muito difícil porque nós tivemos um êxodo rural menos por atração e mais por ex­ pulsão. Foi a expulsão do campo que gerou as metrópoles, e as periferias. As seis grandes metrópoles brasileiras são essencialmente muito complicadas. Eu acho que o movimento Nossa São Paulo, que agora está se multiplicando, é um eixo muito legal porque começa a tomar em mãos a cidade. O que é problema sempre é oportunidade. A cidade tem pela frente o objetivo de criar uma vida decente, qualidade de vida, felicidade interna bruta, acesso a segurança, saúde, tem de ter a descentralização, assegurar que cada bairro tenha serviços acessíveis. Você pode descentralizar todos os serviços e manter a gestão coerente. O Brasil, com essa desigualdade, frente a tempos tenebrosos que vêm por aí, tem uma imensa oportunidade de ter um horizonte de expansão econômica aqui dentro e se apoiar nessa expansão. Isso cria apoio político, estabilidade e proporciona as oportunidades.

FOTOS DANILO RAMOS

Tem mudanças muito fortes. A principal provavelmente é o que a gente chama de financeirização da economia. Está no meu site uma pesquisa inata­ cável do instituto federal suíço de pesquisa tecnológica. Dos 37 milhões de empresas que estão no banco de dados dos bancos, pegaram as 43 mil principais e estudaram quem controla quem. Resultado: 80% do mundo corporativo é controlado por 737 corporações e, desse grupo, um núcleo duro de 147 con­ trola 40%. Destas, 75% são intermediários financeiros. Na realidade, você não tem mais produtores. E a crise mostra que eles não conseguem se administrar.

Hoje existe uma concentração do poder corporativo, mas a crise sugere oportunidades. A Agenda 21, de 1992, era um documento forte, com menos contexto. Hoje temos um documento mais fraco, mas um contexto de mais oportunidades

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AMBIENTE

A VIDA

além dos números Como as desigualdades sociais distorcem a eficácia do PIB como indicador, o mundo busca novas fórmulas de medir a satisfação da população com a vida Por Hylda Cavalcanti

N

o amor, na religião, na escolha política, no estilo de vida, nos bens de consumo e até nos vícios a busca da felicidade move o ser humano. Por isso, a felicidade das populações passou também a ser vista como um indicador importante para medir a qualidade do desenvolvimento de um país. Essa possibilidade tem sido

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JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

disseminada como um novo paradigma mundial a ser buscado. E toma como base uma sigla há bem pouco tempo insólita: FIB, de Felicidade Interna Bruta. A FIB avalia aspectos sociais, ambientais e econômicos das comunidades e considera uma população feliz, ou não, a partir de nove pilares. A ideia surgiu em 1972 no Butão (Ásia), quando o rei Jigme Singye Wangchuck quis estabelecer

uma monarquia constitucional e criou o tal índice para medir a prosperidade nacional a partir de outros aspectos que não os de produção e consumo – utilizados no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB). Pouco tempo depois, esse parâmetro passou a ser objeto de estudos por parte de cientistas e acadêmicos. Hoje, o FIB tem aval da Organização das Nações Unidas e já é utilizado em várias pesquisas. E tem defensores como o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e o Nobel de Economia Joseph Stiglitz. O assunto foi tema de reunião do Alto Comissariado da ONU no início do ano e de debates na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.


ATITUDE

DGVN

A FIB estimula ações e mudanças de parâmetros não apenas entre as pessoas, na forma como conduzem sua vida, e na esfera pública, mas também na iniciativa privada e nas comunidades acadêmicas Karma Dasho Ura

DESMOND BOYLAN/REUTERS

BRINCADEIRA Homens fazem disputa em jogo tradicional no Butão

Por esse critério de medição, são levados em conta aspectos como grau de satisfação, qualidade da governança e a influência do tempo na vida das pessoas. Por exemplo, uma pessoa que tem uma jornada de trabalho menor ou consome menos tempo no trajeto de casa para o trabalho é mais “feliz” do que outra em situação oposta – e essa relação não é medida pelo PIB. Outros indicadores importantes criados para alcançar condições não verificadas pelo PIB, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), já estão consolidados. No Brasil, por exemplo, o IDH coloca o país na 84ª posição no ranking global, enquanto em termos de PIB aparecemos em sexto lugar. Isso acontece porque a medição obtida pela soma de todas as riquezas produzida nas unidades da Federação ainda convive com situações desiguais. Mas tampouco o IDH basta para apurar a “taxa de felicidade” de uma comunidade.

Os pilares da Felicidade Interna Bruta

1 2 3

Bem-estar psicológico

Satisfação individual, otimismo, emoções, autoestima, atividades espirituais e competências

Cultura Tradições locais, festivais, eventos culturais e oportunidades de desenvolver capacidades artísticas Meio ambiente

Percepção da qualidade do ar, água, solo e da biodiversidade, acesso a áreas verdes

Fonte: Instituto Visão Futuro

4 5 6

Vitalidade comunitária Interação com a comunidade, participação em atividades coletivas e voluntariado

Uso do tempo Equalização do

tempo para lazer, socialização com família e amigos, trabalho e atividades educacionais

Governança/cidadania Como

a população enxerga o governo, a mídia, o Judiciário, o sistema eleitoral e a segurança pública

7 8 9

Padrão de vida Renda individual e familiar, segurança financeira, nível de endividamento e qualidade das habitações Saúde Eficiência das políticas de saúde, padrões de comportamento, exercícios, horas de sono e nutrição da população Educação Ensino formal

e informal, competência, envolvimento na educação dos filhos e educação ambiental

REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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AMBIENTE

FELICIDADE E FANTASIA Congresso Mundial do Papai Noel na Dinamarca

LARISSA BARROS/NÚCLEO RURAL RAJADINHA

Pesa a favor da FIB o fato de ser composto por indicadores próximos aos valores e reivindicações de uma sociedade. Sobretudo num tempo em que ter mais voz ativa numa comunidade é quase uma exigência – ou seja, o nível de democracia real, de poder de influência de uma sociedade nas decisões de governo, também afeta a satisfação das pessoas. “A FIB estimula ações e mudanças de parâmetros não apenas entre as pessoas e na esfera pública, mas também na iniciativa privada e nas comunidades acadêmicas”, afirmou o representante do Butão, Karma Dasho Ura, em debate na Rio+20. “Os resultados da conferência precisam proporcionar um novo cálculo que não dissocie bem-estar social, econômico e ambiental. Os três conceitos definem a felicidade global bruta.” O butanês observou que as pessoas felizes, segundo pesquisas, são também funcionários mais produtivos e mais atuantes em equipe. “Gente infeliz não projeta nada de novo. E, embora a felicidade seja um sentimento individual, pode ser produzida coletivamente. Mas sem indicadores é difícil perceber o quanto é complexa a realidade”, destacou. “PIB mede tudo, menos aquilo que faz a vida valer a pena.” Para o cientista canadense Michael Pennock, um dos pontos altos da FIB é o modo como influencia a formulação de novas políticas públicas, como em emendas que complementam legislações trabalhistas. Em entrevista a uma publicação da Universidade de Brasília (UnB), Pennock afirma que no cálculo da FIB o emprego é apenas uma entre as várias atividades das pessoas. “O tempo dedicado aos filhos também conta”, explica.

FIB no Brasil

FBB

No Brasil, a Fundação Getulio Vargas iniciou pesquisas para a elaboração de indicadores de Felicidade Interna Bruta adaptado a nossa realidade. “É preciso entender os fatores tidos como determinantes para o bem-estar dos brasileiros”, diz o pesquisador Wesley Mendes, um dos coordenadores do trabalho. O objetivo não é trazer o índice do Butão para cá tal e qual foi criado, mas enfatizar a impor26

JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

Rajadinha (DF) tem contribuído para a formação de uma agenda de debates e articulações com outras instituições sobre a possibilidade de introdução dessa metodologia em definitivo no Brasil Jorge Streit

tância de aspectos como educação, saúde, renda, violência e uso do dinheiro e, dessa forma, complementar outros indicadores. “Hoje o bem-estar social, o econômico e o sustentável são inseparáveis, e é preciso reconhecer essa paridade”, destacou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. “O que está sendo discutido no mundo precisa ter um resultado que reflita isso, leve em conta os atuais desafios das nações.”


SCANPIX DENMARK/REUTERS

ATITUDE

Os mais felizes 1 Dinamarca 14 Israel 2 Finlândia 15 Bélgica 3 Noruega 16 Luxemburgo 4 Holanda 17 Emirados Árabes 5 Canadá 18 Reino Unido 6 Suíça 19 Venezuela 7 Suécia 20 Islândia 8 Nova Zelândia 21 Panamá 9 Austrália 22 Espanha 10 Irlanda 23 França 11 Estados Unidos 24 México 12 Costa Rica 25 Brasil 13 Áustria 26 Arábia Saudita Fonte: Relatório da Felicidade Global

Quem trouxe ao Brasil o conceito de FIB foi a monja e antropóloga norte-americana Susan Andrews, em palestra realizada na Eco92. Ela é a atual coordenadora do chamado Projeto FIB Brasil, iniciado com recursos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que resultou, no município de Porangaba (SP), no parque Visão Futuro, considerado uma das primeiras ecovilas brasileiras.

Num espaço de 100 hectares, são obedecidas regras voltadas para o uso de recursos naturais e aplicados parâmetros adotados a partir das pesquisas feitas com base nos nove pilares. No parque se utiliza apenas energia limpa, a agricultura é orgânica, o lixo e parte da rede de esgoto são reciclados e o lugar ainda aloja um centro de saúde ayurveda. O projeto é desenvolvido com apoio da Universidade Estadual de Campinas, responsável pela aplicação do questionário da FIB na cidade. Trabalhos semelhantes também foram apresentados em outros três municípios paulistas: Angatuba, Itapetininga e Campinas. Fora do estado, observam-se iniciativas em Bento Gonçalves (RS) e Planaltina (DF), na comunidade de Rajadinha. Nesses locais são valorizadas a vida em comunidade e ações engajadas a partir dos percentuais maiores ou menores que apontam as necessidades da população em relação a tempo, cultura, lazer ou envolvimento comunitário. Susan Andrews observa que os resultados dos questionários “não causam apenas discussões, mas iniciativas imediatas”. Em Itapetininga, a população acabou atuando em conjunto com o poder público para melhorar a assistência médica, depois de constatada como um dos principais problemas do lugar. Em Rajadinha, núcleo rural do Distrito Federal onde vivem 420 famílias, os moradores têm se articulado para melhorar o fornecimento de água com trabalhos voltados para o projeto-piloto Rio São Bartolomeu Vivo. O acesso a água limpa foi apontado como dificuldade local. “O projeto transformou nossa vida. Estamos vendo o lugar se desenvolver e entendendo melhor as questões que dizem respeito à comunidade”, afirma a estudante Edla Soares. “O centro comunitário passou a ser nossa segunda casa, comparecemos às reuniões e damos opiniões sobre tudo.” Ao lado de um grupo de colegas, Edla aplica os questionários das pesquisas e participa das mobilizações com vistas às mudanças exigidas para a estrutura de Rajadinha. Melhorias já começam a ser observadas em meio a ruas esburacadas e às dificuldades de uma população que vive, em média, com um salário mínimo.

A experiência conta com o apoio da Fundação Banco do Brasil e foi apresentada à ONU pelo presidente da entidade, Jorge Streit. “Projetos como o de Rajadinha têm contribuído para a formação de uma agenda de debates e articulações com outras instituições sobre a possibilidade de introdução dessa metodologia em definitivo no Brasil”, disse Streit, para quem a FIB pode ser uma importante ferramenta para nortear o desenvolvimento sustentável de uma nação.

Tempo para viver

“A introdução dos indicadores da FIB já é um movimento mundial”, sustenta Susan Andrews. Durante sua palestra na Rio+20, a antropóloga apresentou pesquisas internacionais que mostram que, quando uma família sai da pobreza, há um aumento da felicidade. Mas, conforme a renda vai ficando mais alta, o crescimento desse indicador não é automático. A estudiosa verificou que, enquanto nos Estados Unidos o PIB triplicou nos últimos 50 anos, chegando a US$ 15 trilhões em 2011, o número de suicídios quadruplicou e foram efetuadas cinco vezes mais prisões. No Japão, a média de suicídios é de 25 para cada 100 mil habitantes, uma das maiores do mundo. “As pessoas estão percebendo, ante a profundeza da nossa crise global, que está acontecendo um processo de mudança que envolve a reavaliação dos pressupostos da vida moderna, dos padrões de pensamento e da estrutura da economia mundial”, defendeu. Em abril deste ano, a mais recente edição do Relatório da Felicidade Global, elaborado com a participação de pesquisadores de várias universidades, divulgou em Nova York o ranking dos países mais felizes do mundo, a partir de estudos baseados em pesquisas de opinião que levam em conta parâmetros como horas de sono, qualidade de moradia e danos ambientais nos locais onde as pessoas vivem. O trabalho avalia, todos os anos, 150 ­países. O Brasil ocupa a 25ª posição. Nos primeiros lugares figuram Dinamarca, Finlândia, Noruega e Holanda. Ou seja, se o PIB per capita elevado não é sinônimo de felicidade, também não é, por si só, de infelicidade. REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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TVT Cecília

Cláudia

Luiz

Como ativar redes

T

wittar, postar, curtir, fazer check in, dar um reply, compartilhar fotos, vídeos, momentos, ideias, pensamentos, vontades e um sem-fim de “sensações”. Estamos falando das mais de 300 redes sociais digitais espalhadas pelo mundo. Entre as mais conhecidas e utilizadas no Brasil estão Facebook, Twitter, Linked In e YouTube. Por acaso, você já ouviu falar da Amen Me!? E da Connotea? Pochval? VKontakte? Nem você, nem a grande maioria dos usuários que acessam a internet. Embalado pelo enorme crescimento e popularização do uso de computadores e celulares, o século21 desenha uma nova realidade: a intensificação da formação de redes sociais nos permite maior participação democrática e mobilização social. Se você tem alguma dúvida sobre isso, é só lembrar a Primavera Árabe, o manifesto pela Ficha Limpa que começou na web e virou lei, os documentos vazados pelo Wikileaks e a voz dos blogueiros progressistas provando que é possível fazer uma comunicação diferente dos grandes grupos da mídia tradicional. Mas, se no campo da vida real ainda sonhamos com a casa própria, no espaço da virtualidade o atual sonho de consumo de jovens e empresas é ter milhares de seguidores. E qual o segredo para ativar redes sociais? Como mobilizar pessoas em torno de uma ideia, de uma causa, de uma afinidade, de um negócio? O programa Clique Ligue, da TVT, deu 28

JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

“Estar presente nas redes é você se soltar do papel, se desembaraçar das teias, liberar um pouco do seu verniz, pra poder viver”, diz Luiz Algarra, designer de fluxos de conversação

uma vasculhada nessa panela de efervescência tecnológica e conversou com profissionais de diferentes segmentos sobre ativação, afinidade, identidade, usos e, principalmente, sobre como a internet e a telefonia celular têm proporcionado novas formas de comunicação. E o caldo que encontramos, acredite, é delicioso e surpreendente. “Pra se dar bem nas redes, como um todo, tem de se doar, sem pensar o que você vai ter em troca. Porém, algumas

Como sintonizar Canal 48 UHF (18h às 20h30) ABC e Grande São Paulo (NGT) Canal 46 Mogi das Cruzes (UHF) Na internet www.tvt.org.br

corporações, ao dar alguma coisa, sempre querem algo em troca. E esse pensamento não funciona.” A afirmação, que explica uma das várias abordagens sobre redes feitas no programa, é de Cecília Lima, editora-chefe do Closet On Line, ­site especializado em jornalismo de moda, que conclui: “O que você é off-line, você é on-line. Se é frágil off-line, você também é on-line”. Além da Cecília, “curtiram” participar dessa conversa Cláudia Schulz, gestora regional da Casa Fora do Eixo do Rio Grande do Sul, uma rede física e virtual espalhada em 72 pontos pelo Brasil, que produz eventos culturais, debates, comunicação colaborativa e pensa sustentabilidade e políticas culturais; Luiz Algarra, designer de fluxos de conversação; e Fernanda Musardo, consultora digital. Se você quer conhecer o caminho das pedras para saber como ativar a sua rede, e também para ficar antenado com tudo o que acontece no mundo virtual, acompanhe o Clique Ligue que vai ao ar toda terça-feira, às 19h30, logo após o Seu Jornal. Para assistir a qualquer edição do programa pela internet, basta navegar no site da TVT. Às quartas-feiras, às 15h, o programa é ao vivo. Pintou uma vontade de palpitar, enviar uma sugestão de pauta ou mesmo de participar por Skype ou Hangout? Não p­ erca tempo. Na internet, é só procurar por /redetvt no Facebook e @redetvt no Twitter. Participe e compartilhe. Afinal, esse espaço democrático é muito seu também.


LALO LEAL

O espetáculo olímpico

Se nosso futebol alcançar o ouro olímpico, essa quebra de tabu não será narrada pelo locutor oficial da Globo. A exclusividade da Record torna a Olimpíada mais discreta no Brasil, o que não é de todo ruim

S

erá a primeira vez na história recente da televisão brasileira em que conquistas esportivas internacionais não serão transmitidas pela Globo. Os Jogos Olímpicos de Londres terão cobertura exclusiva da Record na TV aberta, a um custo aproximado de US$ 60 milhões – dos quais US$ 22 milhões já foram recuperados com a venda para a Globosat dos direitos de transmissão para a TV paga. Neste ano a euforia com que a Globo cerca eventos desse tipo desapareceu. Em cada Olimpíada (ou Copa do Mundo) éramos bombardeados por informações quase sempre sem nenhuma importância transmitidas em qualquer programa da emissora. Nos telejornais e nos auditórios era um desfilar permanente de atletas, dirigentes, sem faltar familiares de esportistas comemorando vitórias ou chorando derrotas. Às vésperas da abertura dos jogos britânicos parece que eles nem existem para a emissora. Nos jogos da seleção brasileira de futebol, preparatórios para a Olimpíada, esse fato não era mencionado. Dos títulos importantes conquistados pelo futebol brasileiro no mundo só o de campeões olímpicos ainda não foi alcançado. A seleção de Mano Menezes pode quebrar esse tabu, que, se acontecer, não terá a narrá-lo o locutor oficial da Globo. Outro fato inédito. A exclusividade da Record torna os Jogos Olímpicos deste ano mais discretos no Brasil. O idealismo do barão Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos da era moderna, para quem o importante era competir, desapareceu há muito. Hoje o importante é faturar.

Falando em 1992 numa conferência, pouco depois dos Jogos de Barcelona, o sociólogo francês Pierre Bourdieu acusava o Comitê Olímpico Internacional (COI) de ter se transformado “numa grande empresa, dominado por uma pequena camarilha de dirigentes esportivos e de representantes das grandes marcas comerciais que controlam a venda dos direitos de transmissão e de patrocínio, assim como a escolha das cidades olímpicas”. Muito antes, ainda nos anos 1970, ocorreu a virada mercantil dos jogos. A começar pelo fim da regra que impedia a participação de atletas profissionais. Completada com a dependência cada vez maior da TV. O espanhol Juan Antonio Samaranch, então presidente do COI, deixou isso claro ao dizer que “os esportes que não se adaptarem à televisão estarão fadados ao desaparecimento; da mesma forma, as televisões que não souberem buscar o acesso aos programas esportivos jamais conseguirão sucesso financeiro e de público”. Globo, Record e dezenas de outras emissoras em todo o mundo entenderam o recado. Assim como alguns esportes adaptaram suas regras para atender às exigências da TV. Tudo para facilitar o acesso das mensagens publicitárias às telas e às praças esportivas, memo que os produtos anunciados contrariem as boas práticas de uma alimentação saudável, associada à vida dos esportistas. Para a Olimpíada de Londres, 42 empresas farão algum tipo de patrocínio. Entre as principais estão McDonald’s e Coca-Cola, criticadas por médicos e ativistas sociais como responsáveis pelo aumento das taxas de obesidade nos Estados Unidos e na própria Inglaterra. Claro que os campeões olímpicos devem passar longe desse tipo de alimentação, embora sirvam de garotos e garotas-propaganda para aqueles produtos. O resultado são milhões de jovens estabelecendo a falsa relação entre as marcas anunciadas e o sucesso esportivo. Os desdobramentos danosos das Olimpíadas não ficam por aí. As conquistas obtidas por atletas de ponta, exaltadas pela mídia, acabam por desqualificar a importância da prática esportiva moderada, sem exageros físicos, como fator de proteção à saúde. Eventos esportivos não deixam de ser importantes para a divulgação de diferentes modalidades, desde que livres de imposições comerciais e patriotadas inconsequentes. Devem ser tratados como momentos de processos contínuos, onde a prática esportiva é vista como lazer, e não como uma disputa de vida ou morte. REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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TRABALHO

Questões de classe

EM JOGO CUT renova direção e prevê período difícil. Se a crise internacional afetar mais o crescimento, as disputas com o patronato de um lado e a área econômica do governo de outro devem se acirrar Por Vitor Nuzzi

A

CUT surgiu há 29 anos, ainda na ditadura, e conviveu a maior parte do tempo com governos hostis ou pouco receptivos ao movimento sindical. E chega a seu 11º Congresso Nacional, o Concut, agora em julho, em situação distinta: com um governo que ajudou a eleger pela terceira vez seguida (duas com Lula e uma com Dilma), com as centrais sindicais legalmente incluídas na estrutura sindical brasileira desde 2008 e com um ambiente mais propício à negociação. Mas não se livrou das tensões internas, nem “chegou ao poder”, como afirmaram algumas vozes mais ácidas, embora a relação seja efetivamente diferente na comparação com, por exemplo, os anos FHC. Para o presidente da CUT até o congresso, Artur Henrique, no período recente a central consolidou sua plataforma, em um contexto de “disputa de um modelo de desenvolvimento que coloque

1983 De 26 a 28 de agosto, o Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) cria a CUT 30

o trabalho no centro do debate”. Disputa que ora aproxima, ora distancia a entidade do governo – e não pode distanciá-la da base, ou seja, os sindicatos. “Continuamos tendo postura de independência em relação ao governo”, afirma Artur, citando a greve nas universidades federais e dados do Dieese sobre paralisações no setor público. “Em todas as greves do governo Lula, a CUT estava à frente. Mas não ficamos em cima do muro e com medo de apoiar as medidas que são favoráveis aos trabalhadores.” Ele rebate argumento de parte do movimento sindical de que uma suposta aproximação do poder enfraqueceria a entidade. E lembra que, dos sindicatos filiados a alguma central, 46% estão ligados à central. “Se essa tese fosse real, a CUT perderia representatividade.” Secretário de Finanças até o momento do congresso, Vagner Freitas vê uma trajetória coerente da central em relação ao que considera um dos principais desafios

1984 O 1º Congresso Nacional da CUT (Concut), realizado no mês de agosto, em São Bernardo do Campo, elegeu o metalúrgico Jair Meneguelli para a presidência da central. Seu nome foi confirmado para o cargo no 2º, 3º e 4º congressos da entidade, em 1986, 1988 e 1991, respectivamente

JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

do sindicalismo nas últimas décadas: o enfrentamento ao neoliberalismo, “à ordenação econômica voltada para o mercado e desinteressada das pessoas”, como define. “Sabemos as dificuldades que tivemos no governo Fernando Henrique. Era uma relação de enfrentamento de classe. Hoje continuamos independentes de governos, mas sabemos reconhecer que há momentos em que nosso projeto é posto em prática”, avalia. “A grandeza de uma central se vê pela capacidade de avaliar a conjuntura. A CUT defende os projetos políticos para a classe trabalhadora. Se isso coincidir com alguma política de governo, melhor.” O sindicalista – indicado pelas principais correntes dentro da CUT para presidir a central nos próximos três anos –, teme se aproximar um período de cenário desfavorável, uma vez que, sob impacto da crise mundial, o crescimento da economia brasileira segue em ritmo desacelerado. “Se a economia crescer menos, as políticas devem levar em conta os trabalhadores. Vamos ter muita disputa na sociedade”, afirma Vagner. Para ele, a base de sustentação do governo Dilma é mais conservadora do que em relação a Lula, ainda que o governo atual mantenha as políticas do anterior. “Precisamos estabelecer o nosso papel. Serão três anos de intensa agenda sindical, de mobilização, mas também de diálogo.”

Em débito

Artur destaca a importância das chamadas contrapartidas sociais nas discussões com governo e empresários. “Quando se discute modelo de desenvolvimento, isso (PIB) é apenas parte do problema. Estamos falando de políticas públicas, políticas sociais, combate à mi-

1994 O 5º Concut escolheu Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, também metalúrgico, como novo presidente da central. Ele foi reeleito no 6º Concut, de 1997


TRABALHO

sidade de reformas política, tributária e agrária. “A concentração de renda continua elevada e o país, muito desigual. Estamos diante de uma disputa de projetos, não pode haver retrocesso.” Quanto à relação com outras centrais, Vagner admite divergências, principalmente relacionadas à concepção de estrutura sindical “arcaica, carcomida pelo tempo”, mas acrescenta que isso não impedirá a realização de manifestações conjuntas. “Nosso enfrentamento é com o patrão, com o capital, e com políticas de governo que não são interessantes para nós.” Para ele, a CUT também deve dar atenção à massa de brasileiros integrados à economia de mercado nos últimos anos e ao crescimento da chamada classe média. “Precisamos ter a capacidade de entender as necessidades dos trabalhadores para representá-los corretamente.” Para os cutistas, o Estado deve ser fomentador da economia. “Inclusive regulando”, observa Vagner. “Ficou claro que

2000

2003

2006

TROCA DE COMANDO Vagner e Artur: previsão de trovoadas para o mundo do trabalho

Realizado na cidade paulista de Serra Negra, o 7º Concut elegeu o professor João Felício para presidente da entidade

Luiz Marinho, metalúrgico, foi eleito presidente da central durante o 8º Concut

O eletricitário Artur Henrique foi eleito presidente durante o 9º Concut. No congresso de 2009 ele foi reeleito REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

FOTOS AG. BRASIL E AG. CÂMARA

DINO SANTOS/CUT

séria, salário mínimo. Não basta criar empregos, é preciso discutir a qualidade desses empregos.” Ele critica o que chama de “visão restritiva” na área econômica do governo, de olhar apenas para os indicadores e não se preocupar com questões como a rotatividade do mercado de trabalho e a terceirização – sem contar o corte nas despesas. “Investimento não é gasto, servidor público também não.” Do mesmo modo, faz ressalvas às recentes medidas de desoneração, em tentativas de estimular a economia. “Não acreditamos que desonerações pontuais, para determinados setores, deem resultados a médio e longo prazo.” Segundo Artur, o governo é “ágil no atendimento de determinadas demandas do setor empresarial”, enquanto questões relacionadas à pauta sindical ainda emperram no Executivo e no Legislativo. Ele acrescenta que, desde o início de seu mandato, a CUT já apontava a neces-

aquela ideia da década de 1990, de Estado mínimo, não funcionou. Nós, que fomos chamados de dinossauros, desinformados, estávamos alertando que aquele capitalismo virtual nada tinha a ver com uma sociedade justa. Emprego, educação pública, saúde pública não são ativos mercadológicos.” Em tese apresentada em 2009 no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Mario Henrique Guedes Ladosky abordou a relação entre a CUT e o governo Lula. Ele observa que a central passou pelo mesmo processo ocorrido em outros países e épocas. “Sempre há tensão sobre o papel do movimento sindical quando um partido de origem operária chega ao poder.” Mas se trata de um governo não exclusivamente de esquerda, sujeito a pressões que levam a medidas nem sempre de acordo com as expectativas do movimento sindical. Assim, há avanços e resistências. “É a situação que vai exigindo respostas que têm de ser dadas naquele momento”, afirma Ladosky. “Mudou a estratégia, não a concepção.” Ele vê três fases distintas no processo de consolidação da central. A primeira, nos anos 1980, mais “conflitiva”, com maior presença em oposições sindicais, ainda com regime autoritário e inflação elevada. A segunda, mais concentrada nos anos 1990, de inflexão, tentativa de resistência ao neoliberalismo e defensiva em um contexto de desemprego mais elevado, com maior presença institucional mesmo em cenário mais adverso. Por fim, após 2002, uma fase mais favorável do ponto de vista econômico e político para se pôr em ação uma estratégia mais “contratualista”, de negociação.

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EUROPA: o que isso quer dizer mesmo?

As recentes eleições francesas e gregas demonstram que há esperança para o continente. Trata-se agora de acumular forças, formular alternativas à ortodoxia econômica e vencer as próximas Flávio Aguiar, de Berlim

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uando eu era criança, “Europa”, para mim, significava um magnífico calendário colorido, impresso na Suíça, com paisagens fantásticas, cobertas de neve, de flores ou das folhas coloridas no outono. Significava também aqueles bloquinhos de madeira com que a gente podia montar cidades medievais, com pontes, torres pontiagudas e tijolinhos vermelhos. Claro, havia a Europa da Segunda Guerra, cheia de nazistas que não falavam, grunhiam um inglês macarrônico e andavam naquelas motos com tender que sempre capotavam espetacularmente. Mas já era coisa do passado. Mais tarde, quando cresci, e veio a ditadura de 1964, a Europa era o lugar da temperança, do asilo político, da social-democracia, da prosperidade. Até as violências eram diferentes: não é que, por exemplo, a polícia francesa não disparara um único tiro de arma de fogo contra os manifestantes de maio de 1968? A Europa era o lugar das universidades criativas e em ebulição! Cheguei a acalentar a fantasia de me autoexilar e virar professor numa universidade europeia. Enfim, acabei na USP, onde fiquei por 37 anos. E a história continuou. Entre quedas de 32

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muros e dramáticos finais de sonhos, e de pesadelos, a Europa tornou-se o possível vetor de uma nova ordem internacional, baseada na confraternização onde antes campeavam guerras, holocaustos, genocídios, colonialismos e imperialismos. Ficou famosa a foto de Helmut Kohl e François Mitterrand de mãos dadas, ouvindo a Marselhesa, depois do hino alemão, em 1984, no memorial da Batalha de Verdun, da Primeira Guerra Mundial. Ou a do chanceler Willy Brant, antes, de joelhos no Gueto de Varsóvia, em 1970, pedindo perdão aos judeus e poloneses pelos crimes de guerra dos nazistas. Quando a União Europeia e mais tarde a zona do euro entraram em cena, tudo isso parecia se confirmar.

Pois bem. Esqueçam

A Europa mudou de lugar. Assim como o Brasil também mudou de lugar no mundo. Só que o Brasil mudou para melhor. Os últimos relatórios da Organização Internacional do Trabalho são eloquentes: a América Latina e, em particular, o Brasil são vistos como exemplares do ponto de vista de segurança no emprego para os trabalhadores. A Europa tornou-se um exemplo negativo. Além dos altíssimos

índices de desemprego nos países em crise aberta, como Espanha, Portugal, Irlanda, Grécia – e esse parece ser o caminho da Itália –, mesmo nos mais equilibrados, como a Alemanha, correm soltas as formas de precarização do trabalho. A Alemanha parece uma ilha de bonança. Por quê? Porque, como apregoam os economistas da ortodoxia hegemônica, “fez a lição” que os outros não fizeram. Que lição? Podar o poder dos sindicatos. Congelar salários durante cinco anos. Mas isso tem um preço. Recentemente a revista alemã Der Spiegel publicou um diagnóstico muito interessante, intitulado “O altíssimo preço do sucesso da economia alemã”. Chama a atenção o aumento significativo dos contratos chamados de “tempo parcial” (part time) em detrimento dos de “tempo integral” (full time). Em 1991 estes eram 29,4% do total; em 2011, 23,9%. Já os part time eram 5,8% em 1990 e em 2011, 12,6%. Contratos que não seguem integralmente a legislação trabalhista, os non traditional contracts, eram 22% em 2011; em 2010 chegaram a 33,3%. Entre os jovens de 15 a 24 anos, subiram de 19,5% para 39,2% em dez anos. Por esses non traditional contracts, o trabalhador, se vai para uma montadora de automóveis, não é empregado diretamente da firma para a qual trabalha, mas de uma agência de empregos. Esse mesmo trabalhador não terá bônus ou participação nos lucros. Aliás, se a participação nos lucros faz parte do cartão de visitas do capitalismo alemão, apenas 9% das empresas têm esse sistema de remuneração. Se essa é a situação do país próspero, imagine-se a dos “em crise”. Nestes, as dificuldades têm se abatido de forma mais cruel em especial sobre os aposentados, os jovens e... os imigrantes. A antiga Europa da tolerância cedeu espaço para movimentos de extrema direita, como na Holanda, Áustria, França, no antigo Leste Europeu, nos países escandinavos, até na minha decantada Suíça dos calendários. Esses movimentos voltam-se contra um bode expiatório visível e “natural”: o imigrante. São agora “culturais”, e não mais raciais, os argumentos brandidos: “Temos culturas diferentes, portanto não podemos conviver num mesmo espaço”.


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O FIM DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL Sem-teto arruma abrigo no Hotel Le Louvre, em Paris

JACKY NAEGELEN/REUTERS

Se ruim é a situação do país próspero, imagine-se a dos “em crise”. Nestes, as dificuldades têm se abatido de forma mais cruel sobre os aposentados, os jovens e os imigrantes

Por que houve essa dramática mudança? Uma razão é que aquelas ideias generosas, como a de uma União Europeia e de uma moeda única, foram plantadas numa época em que a social-democracia, como alternativa ao capitalismo selvagem e ao comunismo antidemocrático, era a referência hegemônica. Mas elas foram colhidas numa época de hegemonia neoliberal, que vai continuamente varrendo o Estado de bem-estar social para fora da história, minando nos corações e mentes qualquer ideia de solidariedade social e internacional, substituída pela da competitividade intra e intersociedades. Em vez do investimento social, cultiva-se hoje a “austeridade” como um valor permanente e universal. “Austeridade”? Sim, no plano social, para os trabalhadores, estudantes, aposentados. Para os bancos, até agora, ajudas e benesses. Para onde vai essa Europa? Há sinais de esperança? Paradoxalmente, sim. As recentes eleições francesas e gregas demonstram isso. Na França a esquerda renasceu das próprias cinzas. Pode ser que consiga aumentar a pressão para reverter a ortodoxia econômica que vai mergulhando a Europa numa hemorragia recessiva e, com ela, o mundo inteiro. Na Grécia uma nova esquerda surgiu das cinzas do país inteiro. Trata-se agora de acumular forças, formular alternativas, vencer as próximas eleições, quando talvez a situação geral europeia já tenha melhorado. Nesse contexto, o que quer dizer “melhorado”? Significa sobretudo uma mudança no campo das ideias e do imaginário político. Ao contrário do que pensava o marxismo vulgar (nunca o sério), ideias e imaginação não são superestruturas, são infra. E hoje, nessa Europa desnorteada, o campo das ideias e da imaginação está tomado pelas crenças e superstições da ortodoxia econômica. Nas universidades, é isso que se ensina, é isso que se aprende. Para essa ortodoxia a América Latina e nossas políticas sociais emergentes não passam de uma aberração invisível. É isso que tem de mudar. Talvez leve uma geração. Por isso, está na hora de começar a distribuir calendários impressos por nós mesmos. Com fotos de crianças sorridentes. A ver. REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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Primavera em

QUEBEC CONVICÇÃO “Mesmo sozinha, silenciosa e imóvel, eu defenderei nossa democracia e nosso direito à palavra”

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Reação ao aumento do valor das matrículas das universidades vira grande luta popular na maior província do Canadá, um dos Estados de bem-estar social mais consolidados do mundo, ameaçado pelas políticas neoliberais Por Xandra Stefanel, de Montreal. Fotos de Felipe Pio


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NA PELE As manifestações puxadas pelos estudantes chegaram a reunir mais de 250 mil pessoas. As mais ousadas tatuaram o símbolo do movimento, o quadrado vermelho

odos os dias, às 20h, as ruas da cidade de Montreal, na província do Quebec, no Canadá, ecoam o mesmo som. Panelas em mãos, as pessoas saem nas varandas para batucar contra as medidas do governo do primeiro-ministro Jean Charest, do Partido Liberal. Inspiração chilena contra o governo Pinochet, os panelaços noturnos reúnem milhares de pessoas. A exemplo da receita praticada em outros países ricos em resposta à crise, o governo local se empenha em fragilizar um dos mais consolidados redutos de bem-estar social do mundo. Em março do ano passado, o governo provincial anunciou seu Plano de Financiamento das Universidades Quebequenses e, com ele, um aumento de 73% na ta-

xa de matrícula. O valor total pago para fazer o equivalente ao bacharelado brasileiro passou de 2.168 para 3.793 dólares canadenses por ano. Os estudantes se manifestaram nas principais ruas da cidade, ocuparam bancos e o gabinete da então ministra da Educação, Line Beauchamp. Em fevereiro deste ano, associações convocaram assembleias e anunciaram greve, e a adesão só vem crescendo. Segundo a Classe, sigla em francês de Coalizão Ampla de Associações pela Solidariedade Sindical Estudantil, a maior das três federações estudantis, até meados de junho 154.163 colegiais e universitários não frequentavam as aulas em sinal de protesto. O símbolo adotado como repúdio ao aumento foi um pequeno quadrado vermelho, o carré rouge, preso à roupa com

um alfinete. O adereço toma conta das ruas: nas roupas, em bandeiras flamejando nas sacadas, em cartazes nas janelas e postes. Em 22 de março, 200 mil pessoas tomaram as ruas de Montreal, segunda maior cidade do país, multidão inédita na história de protestos da província. A notícia ganhou o mundo e o movimento ficou conhecido como Primavera Érable, nome de um árvore canadense cuja seiva é matéria-prima do xarope de maple – e trocadilho associado à Primavera Árabe. A estudante de Direito Émilie Bretan-Côté, da Universidade do Quebec em Montreal (UQAM), afirma que tradicionalmente os estudantes fazem greve quando um governo anuncia medidas que os atinge. “Mas essa é a maior da nossa história. Temos esperança e vamos continuar a luta; se o governo ganhar, vai ser horrível.” Para a porta-voz da Classe, Camille Robert, a proposta do governo é inadmissível: “O governo vai aumentar a contribuição dos estudantes depois de implementar várias medidas fiscais desnecessárias, como baixar impostos dos ricos e de grandes empresas e subvencionar coisas como um estádio para um time de hóquei”, critica. “É uma decisão política. À medida que a crise do capitalismo se multiplica, é nos serviços públicos que os governos fazem cortes em primeiro lugar.” O governo alega que o novo plano visa melhorar a qualidade do ensino. Em negociações com os estudantes, propôs parcelar o aumento de 1.625 dólares canadenses em sete anos, em vez de cinco (corrigido pela inflação, o acréscimo saltaria de 75% para 82%). Mesmo com a proposta recusada pelos estudantes, Jean Charest manteve o plano. Na segunda semana de junho, o ministro das Finanças, Raymond Bachand, reiterou que não cederá aos protestos. “A questão da matrícula é de justiça social versus visão fiscal (...) E um grupo de estudantes, a Classe, não quer nada além de um congelamento da taxa como um caminho para a gratuidade escolar. Isso não é o que escolhemos como governo”, afirmou. “Na última negociação, os estudantes propuseram ao governo o congelamento do valor para os dois próximos anos, diminuindo o crédito (dedução) no imREVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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posto de renda. No final, isso não custaria nada ao governo. Mesmo assim ele decidiu manter o aumento”, diz o economista Oscar Calderon, do Instituto de Pesquisa em Economia Contemporânea. Calderon observa que, quanto mais o preço da matrícula sobe, maior é a evasão. “A cada 1.000 dólares a mais, há uma diminuição de 2% na frequência. No final das contas, isso resultará em uma sociedade menos instruída no futuro.” Camille, da Classe, concorda: “Mesmo que a gente encontrasse milhões de dólares para financiar de outra forma as universidades, sem fazer a população pagar, seria recusado, porque se trata de algo ideológico”.

Eu desobedeço, tu desobedeces...

Como o movimento foi ganhando força, Charest reagiu com uma Lei Especial, aprovada em maio, o que só reforçou o rebuliço social, por ferir o direito de greve, de associação e manifestação. A lei obriga, por exemplo, que manifestações com mais de 50 pessoas sejam submetidas a autorização policial, com data, horário e itinerário das passeatas comunicados com oito horas de antecedência. O tiro saiu pela culatra. O que antes era protesto estudantil tomou de assalto uma sociedade que preza a liberdade de expressão e de manifestação. Estudantes, pais com bebês e crianças, idosos, portadores de deficiência, militantes sindicais, feministas e desempregados engrossaram o caldo dos descontentes e fizeram da passeata do centésimo dia de greve, em 22 de maio, a maior manifestação já realizada no Quebec, com 250 mil pessoas. Munida de colher e tampa de panela, Sondrine Rhodius esbravejava contra os policiais que impediam os manifestantes de seguir o trajeto: “Vocês não podem defender esse governo! Tenho orgulho desses jovens! Sou mãe de quatro crianças e luto para que meus filhos possam desfrutar de escolas públicas, se não gratuitas, acessíveis”, desafiava a belga Sondrine, há 18 anos em Montreal. A repressão também aumentou. Até meados de junho, havia 2.900 pessoas presas e/ou acusadas durante as manifestações. O advogado Denis Poitras, defen36

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Por que fazer mais pelos ricos enquanto os pobres estão cada vez mais pobres? Esse não é o projeto de sociedade que queremos para nossos filhos Fréderic Côté-Boudreau e Isabelle Sawyer

GASOLINA NA FOGUEIRA Em meio ao levante, o governo instituiu uma lei que obriga que manifestações com mais de 50 pessoas sejam submetidas a autorização policial, com horário e itinerário das passeatas comunicados com oito horas de antecedência

sor de 900, nunca viu situação similar. “A gente vive um dos períodos mais sombrios da história. Existem inúmeros casos de prisões arbitrárias. A brutalidade policial não é a primeira vez que vemos, mas agora, com os celulares que filmam e jogam as coisas na internet, temos mais provas”, afirma Poitras. Alunos de Direito implicados no movimento decidiram criar o Comitê Legal da Greve, ainda no ano passado. A estudante

Émilie Joly auxilia advogados experientes como Poitras. “Quando formamos o comitê não prevíamos o confronto que iríamos ter. Hoje ajudamos na defesa de pessoas acusadas criminalmente, das que receberam um auto de infração para que possam contestar multas e apelamos contra as ordens para pôr fim à greve”, conta. O clima pesou na ocasião do Grande Prêmio de Fórmula 1, um dos eventos mais importantes para o turismo de


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Montreal. A força policial foi redobrada entre 7 e 10 de junho. Para não “fazer feio” diante dos turistas e da imprensa internacional, o serviço municipal de polícia não hesitou: no metrô, revistou pertences de quem portava o broche vermelho, exigiu que o acessório fosse descartado e prendeu 34 pessoas na saída da estação Jean-Drapeau, que dá acesso ao circuito Gilles Villeneuve.

Uma jornalista e um fotógrafo do jornal Le Devoir foram abordados mais de uma vez no metrô enquanto seguiam rumo ao autódromo. Lá, foram detidos e interrogados porque usavam o símbolo do movimento e só foram liberados quando os policiais se deram conta de que eram da imprensa. Mesmo assim, foram escoltados até a estação central e só ali puderam circular livremente. Casos como esses levaram manifestantes a mudar de estratégia. Em vez de se arriscar nos protestos de rua, começaram a formar grupos comunitários para pensar soluções criativas contra a repressão. Outros, mesmo sob forte ameaça, decidiram manter o combate nas ruas. O estudante de Filosofia Fréderic Côté-Boudreau e a aluna de Direito Isabelle Sawyer, da Universidade de Montreal, ­fazem parte desse grupo. Eles protestavam juntos em frente ao hotel onde Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o BC americano, discursava no Fórum Econômico Internacional das Américas, em 13 de junho. “A esquerda quebequense, a partir da greve dos estudantes, se uniu contra

as políticas neoliberais do governo”, bradou Fréderic. “Por que fazer mais pelos ricos enquanto os pobres estão cada vez mais pobres? Esse não é o projeto de sociedade que queremos para nossos filhos”, emendou Isabelle. O governo demoniza o movimento. Em 8 de junho, em discurso na Assembleia Legislativa, a ministra da Cultura e das Comunicações, Christine St-Pierre, declarou: “A gente sabe o que quer dizer o carré rouge. Quer dizer intimidação e violência”. Poucos dias depois, 2.600 pessoas do meio artístico local fizeram uma carta de repúdio, exigindo da ministra uma retratação. Em defesa do símbolo, um grupo de estudantes promoveu no dia 14 de junho uma tattooaço, para que o quadrado vermelho sobreviva à primavera. Mathieu Séguin Gionet, 19 anos, eternizou o carré no antebraço. “É símbolo de um movimento histórico, que vai ficar no nosso coração para o resto da vida. Por isso, essa é minha primeira tatuagem. Associá-lo à violência foi o meio que o governo encontrou de manipular cidadãos mais receosos”, disse Séguin, aluno de Ciências Humanas.

GANHO REAL Camille Robert: o envolvimento da comunidade já é uma vitória

Entenda o cenário Quebec é a maior das dez províncias do Canadá e tem a segunda maior população, formada sobretudo por descendentes de franceses – o restante do país é de origem britânica. O idioma, a cultura e sua organização social fazem de Quebec um país dentro do país. O ensino é gratuito da pré-escola ao ensino médio. As universidades são subvencionadas pelo Estado e os alunos pagam matrícula e taxas administrativas. O aumento do valor da matrícula foi apenas uma das medidas polêmicas adotadas por Jean Charest, no gover-

no da província desde 2003. Ele também promoveu aumentos do imposto estadual, da tarifa de eletricidade, do preço do combustível e criou taxa para a saúde pública, além de planejar um parque industrial gigantesco em áreas onde vivem povos tradicionais, ao norte do estado. Parece não faltarem motivos a impulsionar a multidão de descontes. “A gente ganhe ou perca essa batalha, haverá um ganho social. Muitas pessoas que não se envolviam mais politicamente voltaram a se manifestar. Isso terá implicações no governo,

no sistema eleitoral e na participação dos cidadãos”, avalia a líder estudantil Camille Robert. Ao jornal Le Devoir, Alain Badiou, um dos líderes do movimento de maio de 1968 na França, resumiu a situação: “É uma resistência que se contrapõe a um fenôme-

no mundial que quer que o modelo de empresa seja aplicado a todas as atividades humanas. Esse ponto de resistência mobiliza um debate de grandes amplitudes, que diz respeito a todos e cujo fim não é previsível. Mantenhamos todos os olhos no Quebec”. REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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TRABALHO COMPORTAMENTO

Mudança de

HÁBITO

O lixo produzido pelas fraldas descartáveis preocupa ambientalistas e as de pano voltam a conquistar espaço Texto e fotos de João Correia Filho

A

s fraldas de pano já não são as mesmas. Deixaram de ser um simples tecido de algodão dobrado e fechado com alfinetes ou fita adesiva. Estão modernas, bonitas, práticas e começam a fazer parte da vida de brasileiros que haviam se rendido às facilidades das descartáveis. Uma das explicações para essa tendência está na preocupação ecológica. Cada bebê utiliza cerca de 5 mil fraldas descartáveis durante os dois primeiros anos de vida. Elas podem demorar até 500 anos para se decompor – as de pano levam entre um e dois – e representam 2% de tudo o que é jogado nos aterros. Os números assustam ambientalistas, desafiam fabricantes e consumidores e, pouco a pouco, têm levado famílias com bebês a retornar a uma prá-

tica que parecia fadada ao esquecimento ou às classes mais baixas da população, por motivos puramente econômicos. Trata-se de um mercado respeitável. Dois terços da população ainda usam as antigas fraldas de pano, o que tem animado as indústrias de descartáveis (a maioria multinacionais), cujas vendas cresceram 10% no ano passado e 16% no anterior. Em contrapartida, o apelo ecológico vem incentivando um mercado que há menos de cinco anos era incipiente no Brasil e faz surgir confecções que se especializam na fabricação de fraldas de pano. “Elas estão mais práticas e conseguem ser inseridas no dia a dia de mães que trabalham e não têm muito tempo para os afazeres de casa”, diz Bettina Lauterbach, empresária da cidade de Gramado (RS) que investe no segmento desde 2007.

ECOATIVA Maya, com Maria Giulia: “Dá menos trabalho do que se imagina e tenho a sensação de estar ajudando o meio ambiente”

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COMPORTAMENTO

Ela conta que há pouco menos de uma década esse novo tipo de fralda era fabricado somente nos Estados Unidos e na Europa, o que limitava o consumo às classes mais altas. “Agora começa a existir uma fabricação brasileira e, ainda que nossos números sejam pequenos se comparados aos das fraldas descartáveis, as de pano já despertam o interesse da população em geral e animam empresários”, afirma.

Na prática

O grande trunfo das fraldas descartáveis, a praticidade, parece ser ainda muito maior na concepção dos pais do que o dano ambiental que possam causar. Mas para a publicitária Maya Segers, de 28 anos, esse é também um dos primeiros equívocos de quem não adere às de tecido. “É só questão de criar uma rotina, pois elas podem ser lavadas na máquina ou no tanquinho”, diz. Terminada a licença-maternidade, Maya passou a deixar a filha de 5 meses, Maria Giulia, numa creche e, mesmo assim, seguiu com as fraldas de

pano. “Deixo um saco plástico e as mulheres que trabalham na creche têm apenas o trabalho de tirar as fraldas sujas e jogá-las nesse saco, como fariam se fosse descartável. Quando chego em casa tiro o excesso de xixi e cocô e coloco na máquina de lavar. Dá menos trabalho do que se imagina e tenho uma sensação muito boa de estar ajudando o meio ambiente.” Joyce Guerra, 28 anos, moradora de Guaxupé (MG), concorda com Maya. “Quando me informei sobre os danos causados pelas fraldas descartáveis fiquei estarrecida. Confesso que senti uma enorme culpa por tê-las usado nos meus dois primeiros filhos. Com o Cristóvão, de 3 meses, só uso as de pano”, conta Joyce, que é deficiente visual. Ela explica que em poucos meses as fraldas de pano já compensam o investimento. “Gastei R$ 600 comprando o bastante para usar nos dois primeiros anos. Fiz as contas e constatei que gastaria muito mais em descartáveis. A gente nem sente o quanto são caras porque o valor é diluído no dia a dia”, avalia.

Modernas e eficientes

A nova geração de fraldas de pano em nada lembra os tecidos de algodão que eram dobrados e presos ao bebê. Os atuais modelos são basicamente compostos de uma capa em tecido impermeável em formato semelhante ao das antigas calças plásticas e, na parte interior, tecido absorvente. Elas também ficaram mais bonitas e práticas, com botões para regulagem de tamanho de acordo com o peso e a idade do bebê. Isso possibilita que sejam utilizadas por praticamente todo o período de uso de fraldas, cerca de dois anos. Os absorventes internos também evoluíram e podem ser de fibras eficientes, que dão sensação “sempre seca”, similar à das fraldas descartáveis, mas sem adição de produtos químicos. No lugar dos absorventes também podem ser usadas as tradicionais fraldinhas brancas, ou ainda toalhas de banho, cortadas no tamanho adequado. Tudo depende do formato do corpo da criança, da quantidade de cocô e xixi que ela faz e, claro, do gosto e da disposição do consumidor.

A empresária Bettina Lauterbach detalha: “Se um bebê usa 5 mil fraldas e cada uma custa em média R$ 0,50, temos uma economia de R$ 1.900, pois todas sairiam por R$ 2.500, isso dependendo da marca”. Além disso, como observa Bettina, as fraldas de pano podem ser compradas de maneira gradual, ao longo da gestação, e ter seu custo diluído, “o que as torna ainda mais econômicas”, contabiliza a empresária.

Mercado virtual

Apesar do crescimento do mercado, as modernas fraldas de pano, diferentemente das tradicionais, ainda não encontraram espaço nas lojas e dependem das vendas pela internet. Ana Paula Silva, proprietária da marca Bebês Ecológicos, considera que um dos motivos é o custo alto da produção, o que reduz as margens de lucro. “Temos planos de aumentar e baratear nossa produção e de colocar nossas fraldas em lojas que se predispuseram a diminuir a margem de lucro”, diz Ana Paula, que no entanto viu crescer 400% suas vendas nos últimos três anos. Essa expansão está atrelada ao fato de os consumidores serem mulheres conectadas, bem informadas e abertas a hábitos ecologicamente corretos. “Os lojistas ainda têm um problema de preconceito com esse tipo de atitude, muitas vezes considerada fora do padrão”, afirma Bettina. Para as duas empresárias, o que falta para o negócio decolar é mais informação. Bettina cita como exemplo um episódio em que a apresentadora Ana Maria Braga anunciou em cadeia nacional que a filha (Mariana Maffei) usava fraldas de pano em seu filho. “Sua força midiática fez com houvesse um aumento expressivo na procura pelo produto, muita gente querendo saber como era, como funcionava. E, quando as pessoas tomam conhecimento das vantagens, acabam aderindo”, afirma. Maya, mãe de Maria Giulia, aponta a necessidade de mudança de hábitos. Para ela, isso vai acontecer lentamente. “Eu espero que minha filha veja em mim um exemplo de contribuição para um planeta melhor, mesmo que isso nos obrigue a mudar a rotina. As próximas gerações só vão ter essa preocupação se dermos o exemplo.” REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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ENTREVISTA

Festa de arromba no Municipal, bicho Quando era garoto da Tijuca e mal sabia tocar violão, Erasmo Carlos jamais imaginou que um dia ocuparia um dos palcos mais nobres do Brasil, o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, para mandar ver no rock’n’roll Por Guilherme Bryan CLAUDIA EBERT/DIVULGAÇÃO

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ENTREVISTA

E

rasmo Carlos é um dos compositores mais gravados e um dos maiores vendedores de discos da música brasileira, com mais de 100 milhões de cópias, a maioria canções feitas com Roberto Carlos, como Gatinha Manhosa, Festa de Arromba, Sentado à Beira do Caminho, Coqueiro Verde e outras centenas. Boa parte dessa história foi contada na autobiografia Minha Fama de Mau, lançada pela editora Objetiva em 2009. Amigo de infância de Tim Maia e de Jorge Benjor, Erasmo começou com as bandas de rock The Sputniks, depois The Snakes, que tocavam sucessos internacionais. Em 1962, com o compacto duplo Mil Bikinis, assumiu a luta de fazer rock em português. E logo foi parar na linha de frente da Jovem Guarda. O movimento, que adaptava o “iê-iê-iê” dos Beatles à realidade brasileira, contou com um programa de TV exibido na Record comandado por ele, ao lado de Roberto e Wanderlea, e com a efervescência musical da época. Aos 71 anos, o roqueiro acaba de comemorar 50 de carreira com um show no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde recebeu amigos dos velhos tempos e dos novos, como Roberto e Marisa Monte, e interpretou sucessos como Mesmo Que Seja Eu, Mulher (Sexo Frágil), Panorama Ecológico e Vem Quente Que Eu Estou Fervendo. O show virou CD e DVD, lançado pela gravadora Coqueiro Verde, de seu filho Léo Esteves. Mais sossegado, Erasmo mora na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, desde o final dos anos 1970, longe das festas e em meio ao som dos passarinhos. E concorda que os roqueiros de sua estirpe envelheceram de maneira diferente das outras gerações: “O próprio rock está fazendo 70 e poucos anos. Então é natural que quem começou com ele esteja fazendo também. É prova de fidelidade. E de que dó maior não tem idade”. Como foi se apresentar no Municipal do Rio? E a escolha do repertório?

Não sei o conceito que as pessoas têm do Teatro Municipal hoje em dia, mas quando comecei a minha vida nos anos 1960, aprendendo violão, era inatingível. Um sonho distante. Jamais imaginei um dia pisar naquele palco. Então, foi uma vitória, ainda mais cantando rock e elegendo-o como uma arte nobre. O repertório era o mesmo do show Rock and Roll, que vinha fazendo. Não foi criado especialmente para o Municipal. Queria encerrar a temporada no Rio e, por acaso, surgiu o Municipal. Aí Roberto e Marisa Monte quiseram participar e resolvemos gravar um DVD para imortalizar a data, digamos assim.

O Arnaldo Antunes te chama de poeta, filósofo, romântico incurável e roqueiro inveterado.

Eu me considero um compositor brasileiro. Não sou um poeta, mas um contista. Eu conto coisas do dia a dia que acontecem comigo e com as pessoas. Invento histórias. O romântico incurável e o roqueiro inveterado são culpa das mulheres e do rock and roll, que bateu em mim e ficou. O rock brasileiro perdeu um pouco da garra incendiária dos anos 1960-1970?

A situação do mundo e da política mudou. Então a contestação perdeu um pouco a força, e eu sinto falta dela hoje em dia, que está mais presente entre os rappers. Hoje, roqueiro tem berço, estudo e papai e mamãe. Como é estar próximo das novas gerações do rock, como Os Filhos de Judith, que o acompanham nos shows?

A minha relação com as pessoas novas começa na minha família, porque tenho filhos e netos, e não fico no alto do meu pedestal esperando que eles subam para falar comigo. Eu desço para falar com eles e me transfiro para a idade de cada um para conversar. Então tenho de saber do Bob Esponja para falar com meu neto mais novo e da Guerra do Oriente Médio para falar com meu filho mais velho. Isso também se reflete na música. Tenho consciência de que não sou mais jovem, mas quero estar com eles, porque é onde aprendo sempre. Na época da Jovem Guarda, criticava-se o fato de que ela era uma cultura alienada. Então, quando você, como roqueiro, passou a ser contestador?

A partir do momento em que resolvi fazer rock em português, porque, quando cantava em inglês, me sentia um papagaio repetindo as coisas que os gringos falavam. Então resolvi investir no rock em português, que é o que faço até hoje. Na hora que eu gozo, não digo “my God, yeah, yeah, yeah”, mas “meu Deus, que bom, que bom, que bom”. Você lançou um álbum chamado Rock and Roll. Outro chamado Sexo. As drogas ficaram de fora?

Eu jamais faria um disco falando de drogas. Mas elas foram uma realidade dessa trilogia criada nos anos 70, pelos Rolling Stones, e, como sempre, copiada pelo Brasil. Nunca foram merecedoras de destaque num trabalho meu. Amor, por exemplo, seria. Rock and roll, sexo e amor é Erasmo Carlos.

A contestação perdeu um pouco a força, e eu sinto falta dela hoje em dia, que está mais presente entre os rappers. Hoje, roqueiro tem berço, estudo e papai e mamãe

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ENTREVISTA

Tenho de saber do Bob Esponja para falar com meu neto mais novo e da Guerra do Oriente Médio para falar com meu filho mais velho. Não sou mais jovem, mas quero estar com eles, porque aprendo sempre

O próprio rock está fazendo 70 e poucos anos. Então é natural que quem começou com ele esteja fazendo também. É prova até de fidelidade. Agora, o dó maior não tem idade. É a maior prova de l­iberdade e de democracia. Pode ser negro, branco, ­asiático, ­velho, moço, gordo e magro. Ele é o mesmo pra todo mundo. E tem o lance do progresso e das novas formas da alimentação e qualidade de vida. A consciência e o profissionalismo também são outros. Antigamente, a música era amadora. Eu lembro do Ciro Monteiro dizendo que o cara ia fazer um show num clube e, se o show fosse ruim, o diretor dava umas cervejas e pronto. Se fosse bom, pagava. Hoje em dia, não é assim. Como é seu dia a dia e de que modo o rock interfere nele?

O rock interfere na minha simplicidade. Dependendo da fase em que eu estiver, minha vida muda. Se estiver compondo, minha vida é de um jeito. Se estiver na estrada ou gravando, é de outro. Então, me adapto a cada fase. Mas minha vida é muito tranquila. Sou caseiro. Um cara que gosta de natureza e tem muitas plantas em casa. Também preservo a minha paz. Hoje em dia eu tomo cuidado com alimentação, saúde. Corto gordura e doce. Parei com o álcool. Quer dizer, bebo de vez em quando – agora, sim,

Iê-iê-iê na Jovem Guarda, com Wanderlea e Roberto Carlos

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JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

socialmente (risos). Vou a poucas festas e sou um pouco antissocial. Antigamente, eu ia a muitas festas. Então bebia muito socialmente. Eu quero qualidade de vida e paz. No centro e nos bairros movimentados, há buzinas de automóvel e barulho. Onde eu moro é só planta, passarinho e rua sem saída. Você foi um dos primeiros a tratar de ecologia em músicas.

Procuro ser um cara antenado, e naquele tempo já sabia dessas coisas. Eu falava, mas ninguém me ouvia, como digo nos shows. Acredito que as coisas tenham piorado de lá pra cá, mas a diferença é que agora existe mais consciência – depois que o Sting e o Bono Vox falaram em inglês, todo mundo prestou atenção. Como a gente falava em português, ninguém ouvia. Você sempre põe a mão na construção da ­letra e da música? Tem uma rotina

Varia muito. Eu não tenho uma forma específica de compor. Qualquer forma que você imaginar pode ser. Tem uma rotina

Eu não componho todo dia. O violão fica aqui, coitado, e toda vez que passo ele olha para mim com a cara triste, porque nem tenho pegado nele. Só começarei a compor quando precisar e tiver alguma motivação para criar música ou algum trabalho que tenha de fazer para mim ou para outra pessoa. Agora, nada me impede de anotar e gravar coisas

KANAI/ACERVO UH/FOLHAPRESS

DARYAN DORNELLES/FOTONAUTA/DIVULGAÇÃO

No ano passado, você completou 70 anos. O beatle Paul McCartney completa agora e o rolling-stone Mick Jagger no ano que vem. ­Vocês do rock envelheceram diferente das ­gerações anteriores?


ENTREVISTA

Como funcionam suas parcerias?

Eu me considero um compositor. O Roberto só grava de vez em quando, quando quer. Fica muitos anos sem lançar disco. Então procuro outros parceiros, porque tenho de trabalhar. Faz parte de mim essa movimentação interna. Quero aprender também com outras pessoas. Agora, não vem do nada. É sempre um amigo, um cara que já conheço, gosto da poesia dele. Sempre tenho de ter uma identificação com o artista. Tem sido assim com Nelson ­Motta, Marisa Monte, Adriana Calcanhotto, Nando Reis, Arnaldo Antunes e Liminha. Como você avalia essa discussão em torno dos direitos autorais no Brasil?

O Ecad é muito importante e necessário, bicho. Agora, se é bem ou mal administrado, não sei e não é problema meu. Antigamente, era muito pior. Era uma bagunça, como é hoje a internet. Todo mundo é dono de tudo quanto é música e ninguém paga um tostão. Você tem controle sobre o pagamento dos direitos autorais que recebe?

Ninguém tem controle sobre nada. Nunca me mostraram nada. Aceito e pronto. Eu e todo mundo. Você é contra os downloads gratuitos?

Para fazer o que quiser com a música, sou contra. Se você baixar por uma necessidade, eu acho legal. Agora, para gravar e sair por aí ouvindo e fazendo cópias para os amigos e vendendo, sou contra, claro. Os profissionais têm o direito de ganhar sobre sua criação. Hoje em dia as pessoas vão aos shows, filmam e colocam no YouTube. O que você pensa sobre isso?

Acho legal. Sou contra a comercialização daquilo que você faz. Se você filmar um show e botar no YouTube, serve até como divulgação. Quanto mais gente assistir ao show, melhor. Quem gostar que compre o disco. Eu sou a favor da amostragem livre, mas a comercialização da amostragem, para mim, é crime. Sua renda vem mais dos direitos autorais, da vendagem de discos ou da arrecadação com os shows?

Durante um grande período na minha vida, veio da vendagem de discos, como compositor. Hoje em dia, de shows e depende da minha disposição. Eu já fiz o pé-de-meia. e isso me permite trabalhar menos. Se estivesse começando, tendo de comprar apartamento, primeiro carro, aí estaria fazendo três, quatro, cinco shows por dia. E no caso dos compositores que não podem fazer muito show, como a Velha Guarda da Portela?

Eu me toquei disso com Dorival Caymmi, porque teve um imbecil uma vez que disse: “A internet tem de ter tudo de graça, porque o artista recupera nos shows”. Isso é uma mentira, e lembrei exatamente do Caymmi, que já era um senhor debilitado. Como ele ia ganhar? E muitos outros que tem por aí. Você citou bem a Velha Guarda da Portela. Eles também não podem. Então fica uma coisa injusta. Tem de haver um jeito de eles terem o lugar e o dinheirinho deles. Tem coisas erradas que devem ser consertadas. Eu acredito que a própria internet vai descobrir caminhos para solucionar isso, com o tempo. Como é sua relação com a gravadora ­Coqueiro Verde e no que facilita ou atrapalha o fato de ser administrada pelo seu filho Léo Esteves?

Para mim, só facilita. Primeiro que eu não me meto na gravadora. Tudo é ele quem faz. Não sei o que está acontecendo lá nem quero saber. E segundo que eu sou artista de lá. Então me tratam muito bem. Qual a importância da turma da Tijuca, na ­zona norte carioca, para a música brasileira?

A lenda botou todo mundo lá, mas não é assim, não. Turma da Tijuca somos eu e o Tim Maia. O Roberto morava em Lins de Vasconcelos e o Jorge Ben no Rio Comprido. Eles apenas frequentavam lá num certo período. Éramos meninos sonhadores, que mal tocavam violão direito e jamais imaginariam fazer sucesso na vida, ser um nome no país inteiro e, principalmente, tocar no Municipal.

EDU LISSOVSKY/DIVULGAÇÃO

que vejo na televisão ou num filme, leio num livro, escuto de um amigo ou vem como lembrancinhas e pensamentos. Daí, quando preciso, tenho tudo anotado e gravadinho. É só desenvolver.

Sou um compositor. O Roberto só grava de vez em quando, quando quer. Fica anos sem lançar disco. Então, procuro outros parceiros, porque tenho de trabalhar. E quero aprender também com outras pessoas

Depois de lançar um DVD comemorativo de 50 anos, o que mais você almeja?

Bicho, eu não espero nem almejo nada. Deixo as coisas acontecerem na minha vida. Não peço mais nada para ninguém e só agradeço as coisas que tenho e as novas que vão surgindo. Um mês antes do show do Municipal, eu não sabia que faria. De repente, apareceu. Apareceu o Rock in Rio e agora o Rock in Rio Lisboa. Então simplesmente deixo acontecer e não faço planos. REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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VIAGEM

Trabalho, diversão e história

PE

Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, é muito mais que sua movimentação portuária. A natureza e a história do Brasil deixaram boas marcas por lá Por Alexandre de Souza Acioli. Fotos de Jesus Carlos/Imagemglobal

A

Região Metropolitana de Recife tem um comple­­ xo industrial forte e uma movimentada zona portuária. Essa atmosfera de centro urbano economicamente agi­ tado alcança Cabo de Santo Agostinho, vizinha ao sul da capital pernambucana, onde estão a zona portuária de Suape e um dos maiores canteiros de obras do Nordeste. Se algum desavisado deparar apenas com esse cenário, não poderá imaginar que a cidade é também rica em privilégios naturais. Há poucos minutos da muvuca, encontram-se praias com areias brancas, águas cristalinas e mornas, brisa constante e belas paisagens, com temperatura média de 30 graus. 44

JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

O município, a 37 quilômetros de Recife, tem registros de ocupações a partir do século 16 e grande concentração de vestígios históricos. Além de acolher obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), tem recebido investimentos municipais e estaduais na infraestrutura turística da cidade, com vistas a reordenar o comércio informal, qualificar os profissionais que atuam nas faixas de praia e melhorar os serviços, inclusive de saneamento. A área é repleta de reservas ecológicas, manguezais e algumas das mais belas praias do Brasil: Paiva, Pedra de Xaréu, Enseada dos Corais (antiga praia do Boto), Itapuama, Gaibu, Calhetas, Paraíso (antiga praia da Preguiça) e Suape, cada uma com suas peculiaridades, de piscinas naturais formadas por arrecifes a

Praia de Calhetas

vegetação de Mata Atlântica, passando por “paredes” de coqueiros. Itapuruna, por exemplo, é procurada pelo banho de lama. Num lugarejo formado por dois pequenos lagos, as areias compostas de caulim, uma argila branca geralmente utilizada na fabricação de porcelanas e papel, prometem propriedades medicinais. Mas, qualquer que seja a praia, em uma coisa todas concorrem: na diversidade do cardápio. “São poucas as cidades brasileiras com uma culinária tão variada, sobretudo quando se fala em frutos do mar”, diz Arthur Santana, dono de um restaurante que funciona há 32 anos na praia de Calhetas. “A culinária desse pedacinho do paraíso é nota dez”, garante. O sabor do litoral pernambucano passa pela moqueca de peixe ao molho de camarão, a caranguejada, a aratuzada, com legumes e temperos verdes e secos, e a moqueca de polvo. E, como digestivo, outra especialidade dos cabenses são os licores, com destaque para o de jenipapo. Particularmente para quem está por lá no mês de dezembro, Dora Perez, dona da pousada Vale da Lua, sugere uma ouriçada. Não é um prato facilmente encontra-


VIAGEM

Praia de Gaibu

Festa na Vila de Nazaré

do e poucos restaurantes o oferecem. “É comum durante a festa em homenagem a Santa Luzia, também conhecida na região como Festa da Ouriçada, que anima nativos e veranistas. O prato é preparado pelos pescadores, à beira-mar, com amigos e familiares”, conta Dora.

Passado distante

Os cabenses dizem que a chegada dos navegadores ao Brasil é anterior a 22 de abril de 1500, data do Descobrimento. Antes da esquadra de Cabral avistar a Bahia, o espanhol Vicente Pinzón teria pisado, em 26 de janeiro daquele ano, as areias do Cabo. Versões à parte, a cidade tem outras particularidades enriquecidas de história. E muito lugares a conhecer. O Parque Metropolitano Armando de Holanda Cavalcanti, por exemplo, reserva ecológica de 270 hectares situada em um dos pontos extremos da costa brasileira, representa o local da suposta ruptura entre a África e a América do Sul. Na Vila de Nazaré encontram-se a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré e as ruínas do antigo Convento Carmelita – ambos tombados pelo Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A primeira, no ponto mais alto da cidade, é resultado de várias fases de construção, entre o final do século 16 e o século 19. Já o convento foi erguido pelos portugueses entre 1692 e 1731. Ainda em Nazaré estão a antiga Casa do Faroleiro, as ruínas do Forte Castelo do Mar (de 1631) e do quartel militar, edificado para dar apoio ao forte, e o farol, ainda em atividade. Nas imediações da praia de Itapuama o visitante pode conhecer a Capela de São Gonçalo do Amarante, do século 17. Da mesma época é a Igreja de São José do Paiva, pequeno santuário rodeado de coqueiros, às margens da praia do Paiva. Mais à frente estão as ruínas do Forte São Francisco Xavier, construção de 1630, no limite de Gaibu e Calhetas. No centro da cidade o casario guarda antigos prédios e igrejas, como a de Santo Antônio, construída em 1622, a de Santo Amaro, a de Nossa Senhora do Livramento e a antiga Capela do Rosário dos Pretos. O roteiro pode ser concluído com uma visita ao Engenho Massangana, próximo à rodovia PE-60. Ali morou, durante a infância, o abolicionista pernam-

Ruína do antigo farol e casa do faroleiro

Vila de Nazaré

bucano Joaquim Nabuco, também adido diplomático e embaixador do Brasil nos Estados Unidos (Washington) e na Inglaterra (Londres). O prédio do engenho foi adaptado e transformado em museu, onde se encontra parte do acervo e da memória do ilustre morador. REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA C.N.P.J.(MF) nº 01.044.756/0001-03 Balanço patrimonial dos exercícios findos em 31 de dezembro (em R$) A

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P A S S I V O

2011

2010

CIRCULANTE CIRCULANTE Caixa e Bancos 5.961,70 16.602,20 Fornecedores 885,00 7.128,08 Aplicação Financeira 496.309,39 378.245,58 Obrigações Fiscais, Tributárias 3.908,88 3.868,07 Outros Créditos 27.869,09 23.253,83 Obrigações Sociais 8.244,42 8.244,29 TOTAL DO CIRCULANTE 530.140,18 418.101,61 Obrigações Terceiros 1.220,00 1.220,00 Provisão Para Férias e Encargos 53.441,57 61.326,73 NÃO CIRCULANTE Realizável a Longo Prazo TOTAL DO CIRCULANTE 67.699,87 81.787,17 Crédito de Instituidores 1.180.000,00 1.180.000,00 1.180.000,00 1.180.000,00 NÃO CIRCULANTE PERMANENTE Outras Obrigações 3.641.303,59 3.497.291,96 Edificios 278.538,81 278.538,81 TOTAL DO NÃO CIRCULANTE 3.641.303,59 3.497.291,96 Máquinas e Equipamentos 79.937,30 79.937,30 Móveis, Utensílios e Instalações 169.916,90 168.763,60 PATRIMÔNIO LÍQUIDO Veículos 33.900,00 33.900,00 Fundo Patrimônio Social 296.685,78 296.685,78 Computadores e Periférico 206.272,41 172.105,67 Doações 292.352,00 292.352,00 Marcas e Direitos 11.780,73 11.780,73 Deficit Acumulado -2.244.741,61 -2.102.646,63 (-) Depreciação Acumulada -466.403,56 -419.752,42 Deficit do Exercício -29.216,86 -142.094,98 TOTAL DO PERMANENTE 313.942,59 325.273,69 TOTAL DO NÃO CIRCULANTE 1.493.942,59 1.505.273,69 TOTAL DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO -1.684.920,69 -1.655.703,83 TOTAL DO ATIVO

2.024.082,77

1.923.375,30

TOTAL DO PASSIVO

Demonstração de resultados dos exercícios findos em 31 de dezembro (em R$) D E S C R I Ç Ã O ARRECADAÇÃO ATIVIDADE FIM Contribuições, Doações, Convênios e Eventos De Mantenedores Parceria Órgãos Privados Convênio Órgãos Públicos (-) Devolução Convênios não Aplicado Contribuições e Doações Eventual Promoções e Eventos Institucionais (-) Custo Eventos Promocionais

2011 742.000,00 249.744,40 0,00 0,00 30.865,50 5.498,50 -747,95

TOTAL ARRECADAÇÃO ATIVIDADE FIM

1.027.360,45

CUSTO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL Custo Com Pessoal Encargos e Contribuições Sociais Benefícios Com Pessoal Depreciação Impostos, Taxas e Contribuições Serviços Profissionais Externo Atendimento e Atividade Social Manutenção, Conservação e Reparos TOTAL DO CUSTO PROJETO SOCIAL RESULTADO DA ATIVIDADE FIM RESULTADO FINANCEIRO Receitas Financeiras (-) Despesas Financeiras TOTAL DO RESULTADO FINANCEIRO OUTRAS ARRECADAÇÕES SOCIAIS LÍQUIDA DÉFICIT DO EXERCÍCIO

2010 877.000,00 374.616,60 0,00 -105.307,52 5.000,00 12.813,50 -441,80

-578.593,93 -223.331,67 -201.159,77 -46.077,20 -8.551,11 -56.460,74 -214.582,57 -6.648,35

-1.131.398,07 -104.037,62

-1.335.405,34 -171.724,56

47.921,70 -3.324,97

21.347,69 -3.219,76

44.596,73

18.127,93

30.224,03 -29.216,86

11.501,65 -142.094,98

Demonstração das mutações patrimoniais dos exercícios findos em 31 de dezembro (em R$) DESCRIÇÃO DE 2009

PATRIMÔNIO DOAÇÕES E SUPERÁVIT/ TOTAL SOCIAL SUBVENÇÕES DÉFICIT ACUMULADO 296.685,78

292.352,00

-2.102.646,63

1.923.375,30

Demonstração do Fluxo de Caixa para os exercícios findos em 31 de dezembro (em R$)

1.163.680,78

-522.700,53 -190.665,65 -178.646,96 -46.651,14 -4.554,95 -48.221,89 -84.893,49 -55.063,46

2.024.082,77

ATIVIDADES OPERACIONAIS Superávit (Déficit) do período

2011

2010

-29.216,86

-142.094,98

Aumento (diminuição) dos itens que não afetam o caixa: Depreciação e amortização Perdas (ganhos) na alienação sobre o ativo investimentos Perdas (ganhos) na alienação sobre o ativo imobilizado

46.651,14 0,00 0,00

46.077,20 0,00 18.767,55

Redução (aumento) do ativo Contas a receber Outros Créditos

0,00 -4.615,26

0,00 4.409,45

Aumento (redução) do passivo Fornecedores Obrigações sociais e fiscais Provisão de férias Outras obrigações

-6.243,08 40,94 -7.885,16 0,00

-6.411,48 -110,59 -8.865,72 0,00

Geração (utilização) de caixa das atividades operacionais

-1.268,28

-88.228,57

ATIVIDADES DE INVESTIMENTOS Aquisições de ativo imobilizado Aquisições de ativo intangível

-35.320,04 0,00

-35.624,00 0,00

Geração (utilização) de caixa das atividades de investimentos -35.320,04

-35.624,00

ATIVIDADES DE FINANCIAMENTOS Recebimento de empréstimos e financiamentos Pagamentos de empréstimos e financiamentos Recebimentos e doações integradas ao PL

144.011,63 0,00 0,00

141.941,75 0,00 0,00

Geração (utilização) de caixa das atividades de financiamentos 144.011,63

141.941,75

Aumento (diminuição) no caixa e equivalentes

Caixa e equivalentes no início do período Caixa e equivalentes no fim do período

Aumento (diminuição) no caixa e equivalentes

107.423,31

18.089,18

394.847,78 502.271,09

376.758,60 394.847,78

107.423,31

18.089,18

-1.513.608,85

Nota 01 - CONTEXTO OPERACIONAL DA INSTITUIÇÃO. AUMENTO DO PATRIMÔNIO Tranferência Superávit

0,00

0,00

0,00

0,00

DÉFICIT ACUMULADO Déficit do Exercício

0,00

0,00

-142.094,98

-142.094,98

296.685,78

292.352,00

-2.244.741,61

-1.655.703,83

AUMENTO DO PATRIMÔNIO Tranferência Superávit

0,00

0,00

0,00

0,00

DÉFICIT ACUMULADO Déficit do Exercício

0,00

0,00

-29.216,86

-29.216,86

296.685,78

292.352,00

-2.273.958,47

-1.684.920,69

DE 2010

DE 2011

A “FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA” é uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos e de natureza filantrópica, fundada em 1995, com os seus atos constitutivos registrados no “3º Registro Civil das Pessoas Jurídicas de São Paulo” em janeiro de 1996, conforme microfilme nº. 258.727. Conforme preceitua o artigo 5º, do Capítulo III, do Estatuto Social, a “FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA” tem por objetivo: “I) eleger as crianças e os adolescentes, especialmente aqueles que estiverem em condições sociais e econômicas desfavoráveis, como segmento prioritário de sua ação; II) fazer respeitar os direitos assegurados à criança e ao adolescente referentes a: i) ensino obrigatório; ii) atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência; iii) atendimento em creches e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade; iv) ensino noturno regular adequado às condições do educando; v) programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e assistência à saúde do educando de ensino fundamental;


INFORME PUBLICITÁRIO

vi) serviço de assistência social visando a proteção à família, à maternidade e à adolescência, bem como o amparo às crianças e adolescentes que deles necessitem; vii) acesso às ações e serviços de saúde, tudo conforme prevê a Lei 8.069 de 13.07.1990”. De acordo com o Estatuto Social da Entidade, todo benefício e promoção de seus assistidos, “crianças, adolescentes e seus familiares”, é inteiramente gratuito. A origem da arrecadação financeira da Entidade está fundada em doações de pessoas físicas e jurídicas, e de parcerias com o setor público e privado que comungam com os objetivos sociais, assistenciais, da promoção da pessoa humana e filantrópicos da Entidade. A Fundação, através de sua administração, vem conduzindo uma série de medidas e iniciativas no sentido de equacionar a sua situação financeira, a manutenção e o desenvolvimento de suas atividades em níveis compatíveis com seu plano operacional. As principais iniciativas são: Busca de participação de novos mantenedores, alguns deles já confirmados; Renovação de convênios e ampliação com novas parcerias junto ao setor público nas esferas municipal, estadual e federal; Aumento no valor de doações junto aos mantenedores atuais.

Histórico / Conta – em R$ MANTENEDORES – Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São Paulo – Banco Fibra S/A – APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado e São Paulo – FETEC Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito de São Paulo – AFUBESP Associação dos Funcionários do Grupo Santander/Banespa, Banesprev e Cabesp Total mantenedores PARCERIAS ÓRGÃOS PRIVADOS – Petrobrás Total parceria órgãos privados

2011

2010

520.000,00 60.000,00

740.000,00 60.000,00

6.000,00

6.000,00

120.000,00

50.000,00

36.000,00 742.000,00

21.000,00 877.000,00

249.744,40 249.744,40

374.616,60 374.616,60

Nota 02 - PRINCIPAIS PRÁTICAS CONTÁBEIS As práticas contábeis mais significativas adotadas na elaboração das demonstrações financeiras são: a). As Demonstrações Contábeis foram elaboradas de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil, determinações legais e fiscais, adequando-se às necessidades específicas das instituições sociais privadas sem fins lucrativos e de natureza filantrópica; b). As doações e contribuições eventuais de terceiros são reconhecidas como receitas quando efetivamente recebidas. As demais receitas e despesas são reconhecidas pelo regime de competência. As receitas são apuradas através dos comprovantes de recebimento, entre eles, avisos bancários, recibos e outros. As despesas são apuradas através de notas fiscais e recibos, em conformidade com as exigências fiscais e legais; c). As doações e contribuições destinadas ao custeio da Entidade, foram contabilizadas em contas de receitas; d). Ativos e passivos circulantes – os ativos são demonstrados pelos valores de realização, incluindo, quando aplicável, os rendimentos e as variações monetárias auferidos; os passivos registrados, são demonstrados por valores conhecidos ou calculáveis, incluindo, quando aplicável, os correspondentes encargos e a variação monetária incorrida; e). O Ativo Permanente se apresenta pelo custo de aquisição ou valor original, visto que a entidade não procedeu à Correção Monetária de Balanços em exercícios anteriores. A Depreciação do Imobilizado é calculada pelo método linear; f). A Provisão de Férias e Encargos foi calculada com base nos direitos adquiridos pelos empregados até a data do balanço, incluindo os encargos sociais correspondentes. g). Em razão de sua finalidade social, assistencial, filantrópica e sem fins lucrativos, a Instituição não está sujeita ao recolhimento de impostos calculados sobre o superávit do exercício, e nem distribui qualquer parcela de seus resultados a associados, parceiros, dirigentes, conselheiros ou mantenedores.

b). CONVÊNIO COM ÓRGÃOS PÚBLICOS No exercício de 2011 a Entidade não manteve convênio com órgãos públicos no desenvolvimento de Programas Sociais: c). CONVÊNIO COM ÓRGÃOS PRIVADOS PROGRAMA DE EDUCAÇÃO NA RUA – Parceria firmada com a Petrobrás, visando a reintegração familiar, escolar e comunitária de crianças e adolescentes que moram e sobrevivem nas ruas do Centro da Capital de São Paulo.

Nota 07 – EXIGÍVEL E REALIZÁVEL A LONGO PRAZO A administração da entidade avalia a natureza dos casos, as ações existentes e as possibilidades de êxito ajustando a provisão para passivos contingentes conforme requerido. Em 31 de dezembro de 2011 as contingências estavam relacionadas à ação judicial de ordem previdenciária, relativa à questão com o INSS sobre a imunidade da cota patronal, sendo que o valor máximo da causa estimado pela administração monta em cerca de R$ 3.800.000,00. A opinião dos assessores jurídicos é que o risco de perda é remoto, sendo que a administração da entidade, em uma postura conservadora, mantém registrada em 31 de dezembro de 2011 provisão no montante de R$ 3.641.303,59 (31 de dezembro de 2010 – R$ 3.497.291,96) considerado suficiente para fazer face às contingências.

Nota 08 – APLICAÇÃO DOS RECURSOS Os recursos da entidade foram aplicados em suas finalidades institucionais, de conformidade com seu Estatuto Social, demonstrados pelas suas Despesas e Investimentos Patrimoniais.

Nota 09 – DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO Nota 03 – TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS

Nota 05 – IMOBILIZADO

Neste exercício de 2011, a Entidade desenvolveu seu trabalho de assistência social nas seguintes áreas: DEFESA E PROMOÇÃO DE DIREITOS 1. PROGRAMA DE EDUCAÇÃO NA RUA – objetiva a reintegração familiar, escolar e comunitária de crianças e adolescentes que fazem das ruas do Centro da Capital de São Paulo seu espaço de moradia e sobrevivência. São realizadas atividades pedagógicas no próprio espaço das ruas visando a reflexão sobre a situação em que se encontram e a construção de novas e concretas possibilidades e, posteriormente, firmadas parcerias nas comunidades de origem e com serviços da rede pública a fim de garantir a permanência daquela criança ou adolescente no local e o seu desenvolvimento satisfatório. Em 2010 foi realizado um trabalho na zona Norte da cidade, visando evitar a saída das crianças e adolescentes para as ruas. O número de atendimentos varia de acordo com fatores como composição da equipe e público. 2. PROGRAMA DE EDUCAÇÃO E ACESSO AO DIREITO – objetiva garantir e promover os direitos das crianças e adolescentes atendidos pelos demais programas e projetos da Fundação Projeto Travessia que têm seus direitos cotidianamente violados por aqueles que deveriam assegurá-los (família, sociedade e Estado) através do atendimento direto ao público-alvo e da instrumentalização dos demais profissionais da Fundação vinculados ao programa de educação na rua, aos serviços conveniados e às parcerias privadas para que possam defender os direitos das crianças e adolescentes que atendem de forma ampla, a partir de uma prática educativa que atribua significado ao texto da lei, contribuindo para o exercício pleno da cidadania e a inclusão social, a partir dos preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente e da atuação multidisciplinar.

Histórico / Conta Custo

Nota 10 – ASSISTÊNCIA SOCIAL E GRATUIDADE

Histórico / Conta – em R$ Certificados de Depósito Bancário – Banco Bradesco S.A – CDB Fácil – Banco Bradesco S.A – FDi – Banco Bradesco S.A – POUPANÇA – Banco do Brasil - CDI – Banco do Brasil - CP DI Totais

2011

2010

822,24 80.648,72 387.370,49 0,00 21.512,59 197.788,48 86.604,07 0,00 0,00 99.808,38 496.309,39 378.245,58

Nota 04 – OUTROS CRÉDITOS Histórico / Conta – em R$ – Cheques em Cobrança – Adiantamento de Férias – INSS a Recuperar Total

2011 2010 255,00 255,00 6.778,33 2.163,07 20.835,76 20.835,76 27.869,09 23.253,83

Depreciação Líquido Taxas acumulada anuais de depr. Em reais 2011 2010 2011 2010 2011 2010 - % Edifícios 278.538,81 278.538,81 (91.628,95) (80.487,31) 186.909,86 198.051,50 4 Móveis e utensílios 148.079,03 146.925,73 (117.312,59) (104.076,93) 30.766,44 42.848,80 10 Direitos de uso 11.780,73 11.780,73 (1.813,00) (1.813,00) 9.967,73 9.967,73 20 Máquinas e equipamentos 79.937,30 79.937,30 (53.999,41) (47.765,41) 25.937,89 32.171,89 10 Veículos 33.900,00 33.900,00 (11.300,00) (4.520,00) 22.600,00 29.380,00 20 Computadores 206.272,41 172.105,67 (174.018,99) (166.421,39) 32.253,42 5.684,28 20 Instalações 21.837,87 21.837,87 (16.330,62) (14.668,38) 5.507,25 7.169,49 10 Totais 780.346,15 745.026,11 (466.403,56) (419.752,42) 313.942,59 325.273,69

No atendimento ao disposto no Inciso VI, do Artigo 3º. do Decreto nº. 2.536/98, no exercício de 2011, a entidade concedeu as seguintes gratuidades: Histórico / Conta – em R$ – Arrecadação Total (excluído convênios) – Custo Assistência Social Aplicada (excluído convênios) – Limite da Assistência Social a Aplicar – Assistência Social Aplicada a Maior

2011 1.105.506,18 1.131.398,07 221.101,24 910.296,83

2010 1.301.837,64 1.335.405,34 260.367,53 1.075.037,81

As GRATUIDADES CONCEDIDAS pela Entidade, através de seus Projetos Assistenciais, totalizaram um montante de R$ 1.131.398,07 no exercício de 2011, e R$ 1.335.405,34 no exercício de 2010, excluído convênio com órgãos público.

Nota 06 – DOAÇÕES, CONTRIBUIÇÕES E PARCERIAS COM ÓRGÃOS PRIVADOS E PÚBLICOS a) CONTRIBUIÇÕES DE ÓRGÃOS PRIVADOS A Entidade recebe doações e contribuições de pessoas físicas e jurídicas. Nos exercícios de 2011 e 2010, as doações e parcerias com órgãos privados estão assim representadas:

Juvandia Moreira Leite Diretora Presidente

Nota 11 – SERVIÇOS DE TERCEIROS Refere-se, principalmente, a serviços prestados por consultores e oficineiros contratados para desenvolver os programas e atividades da Fundação.

Carlos Miguel Barreto Damarindo Diretor Financeiro


CURTA ESSA DICA

Por Xandra Stefanel Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar

Maria Luisa Mendonça e Lázaro Ramos

Nunca mais O anestesista Valter (Lázaro Ramos) tinha uma tarefa

Depois de mergulhar fundo no bairro da zona sul de São Paulo, a fotógrafa Renata Castello Branco apresenta em sua exposição Paraisópolis, uma Cidade dentro da Outra o que há por trás da segunda maior favela de São Paulo. Ela entra na casa das pessoas e mostra suas cores, sua energia e alegria de viver, mesmo em condições difíceis. A mostra começa com um videomapa que leva os visitantes aos lugares onde as 95 fotos foram feitas. Depoimentos de moradores e da equipe de Renata podem ser ouvidos nos seis televisores com fones de ouvido. Até 29 de julho, no Sesc Pompeia, na Rua Clélia, 93. De 5 de agosto a 2 de setembro, no CEU Paraisópolis, Rua Dr. José Augusto de Sousa e Silva, s/n. Grátis.

MAM/GOOGLE ART PROJECT

simples naquela sexta-feira, dia do aniversário de sua filha: precisava apenas chegar com o bolo a tempo de cantar os parabéns. Mas, para alguém que não sabe dizer não, nada é tão fácil, ainda mais numa metrópole onde cansaço, congestionamento e caos são corriqueiros. Pelo caminho Valter depara com situações e pessoas inusitadas que o obrigam a repensar a maneira como leva a vida. A partir daí, nunca mais nada será igual. Amanhã Nunca Mais, primeiro longa de ficção do publicitário Tadeu Jungle, tem fotografia de Ricardo Della Rosa e trilha sonora de Arnaldo Antunes. Em DVD.

Muitas cidades em um bairro

Visitas grátis Em menos de 5 minutos pode-se visitar o Museu de Arte Moderna

de Nova York (MoMA), apreciar A Noite Estrelada, de Vincent van Gogh, e depois andar pelos inúmeros salões do Palácio de Versalhes, na França. Sem gastar um tostão nem sair de casa. O Google Art Project (www.googleartproject.com) permite ao usuário navegar por mais de 150 coleções de 40 países, ver obras em altíssima resolução, conhecer, em 360°, as galerias de museus, incluindo brasileiros. Desde abril passado, a Pinacoteca e o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) fazem parte do projeto.

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JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

Baiana serena

O samba de Mariene Castro é caipira, roceiro, tabaréu. Daí o nome Tabaroinha, lançado em maio pela Universal Music. O terceiro álbum da cantora baiana tem sabor de Clara Nunes, cheiro de mar e jeito de Pelourinho. Gravado em 2011 em uma reserva ecológica da Costa do Sauípe (BA), tem canções de Arlindo Cruz, Nelson Rufino, Martinho da Vila, Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga e Xisto Bahia. R$ 25, em média.


Elegância

A exposição La Sape: O Culto da Elegância na África Contemporânea, em cartaz até 18 de agosto no Museu da Abolição, em Recife, apresenta fotos de africanos que moram no nordeste brasileiro e fazem parte da Sociedade de Ambientadores e de Pessoas Elegantes. A Sape nasceu por volta de 1960, após a independência do Congo, em Brazzaville, e atraiu jovens de origens modestas que cultuavam a elegância como um fim em si mesmo, como uma condição de estar no mundo. Para os sapeurs, a moda excede as funções estéticas e passa a representar o comportamento e a conduta social. As fotos são de Silvania Nobre, as videoartes, de Charles Martins, e a expografia, de Flávio Amaral. Na Rua Benfica, 1.150, no bairro Madalena. De segunda a sexta-feira, das 9h às 17h, e no fim de semana, das 13h às 17h. Grátis.

Reunião de bambas Zeca Pagodinho é famoso não só pelos seus sambas, mas também pelos churrascos que costuma promover em sua casa, no Xerém, na Baixada Fluminense. Ali foi gravada a segunda edição do projeto O Quintal do Pagodinho. No DVD de 24 faixas (o CD tem 16), Zeca mostra a cara e a voz dos compositores de seus maiores sucessos. Serginho Meriti canta Quando Eu Contar (Iaiá) e Deixa a Vida me Levar; Dunga vai de Letreiro; e Alamir, de Tá Ruim Mas Tá Bom e Ratatuia. Mas tem também Martinho da Vila com um pot-pourri, Jorge Aragão, Dudu Nobre, Jorge Ben Jor e Seu Jorge. Beth Carvalho e Arlindo Cruz fazem uma homenagem a Dona Ivone Lara com Canto de Rainha. O CD custa em média R$ 24 e o DVD, R$ 35. REVISTA DO BRASIL JULHO 2012

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GILMAR CARNEIRO

Perdemos um amigo

N

a manhã do dia 14 de junho, uma quarta-feira, chego ao trabalho e dona Vera, a copeira, vem me mostrar a foto de um jovem deitado num sofá, no hall do prédio Martinelli, Centro Velho de São Paulo. Ela disse que era o Dedé. Ele chegara à portaria do Sindicato dos Bancários pedindo ajuda, estava passando mal. À tarde, quando estava numa reunião, recebo um torpedo: “Lamentamos informar que o cantor Dedé Passos, que esteve durante anos em muitas de nossas atividades de rua, sofreu um infarto”. Morreu ali mesmo, onde havia chegado horas antes. No final da década de 1980 e início dos anos 1990, quando eu estava na presidência do Sindicato dos Bancários, em todas as nossas manifestação de rua Dedé aparecia para cantar junto com a nossa bandinha, a Banda do Peru, também formada por senhores músicos conhecidos das ruas do Centro Velho. Muita gente gostava de Dedé, pelo seu jeito jocoso de cantar com um microfone imaginário na mão, “desbundado”, mas profundamente humano e simpático. Cantava como um sonhador num programa de calouros. Claro, havia um ou outro que se aborre50

JULHO 2012 REVISTA DO BRASIL

cia. Por exemplo, numa agência do BIC Banco tinha um gerente carequinha que criava problema com o sindicato. Quando a bandinha ia passando com nossa minipasseata, parávamos em frente à agência e Dedé cantava: “Ele é o enviado, ele é o enviado...”, e todo mundo ria. Com o tempo o gerente ficou bonzinho e parou de dar problema. Assim era o Dedé. Quando não cantava em manifestações, cantava sozinho, simulando um som com o pseudomicrofone. O cronista Lourenço Diaféria (1933-2008), um dos grandes contadores de histórias da cidade, já havia notado a presença do “artista” em seu cotidiano, registrando-a numa de suas crônicas dominicais no antigo Diário Popular, intitulada “O animador de greves”. Diaféria explicou numa reportagem da Revista dos Bancários de 2001, sobre artistas de rua, de onde teria vindo a inspiração: “Vi um rapaz, um office-boy, que andava cantarolando, gesticulando, fazendo imitações, exibindo-se para ele mesmo, meio maluquinho. Depois perdi a figura de vista. Mais tarde, durante um piquete de bancários, quem estava à frente da banda? Aquele mesmo rapaz que me pareceu meio maluco, mas dessa vez deram a ele a categoria de artista. Foi fantástico, porque acharam uma serventia para um rapaz que facilmente não era compreendido. Na televisão, tem muitas pessoas que não chegam aos pés do Dedé, um personagem da cidade”. Naquela quarta-feira, Dedé morreu. Poderia ser qualquer um de nós. O Centro Velho perdeu uma figura folclórica. E nós perdemos um pedaço de nossa história. E por ironia do destino, dentro de nosso sindicato, perdemos um amigo. Nos cafés, restaurantes, agências bancárias, pequenos comércios, sem ninguém saber como, todos já tinham sido informados de que Dedé se fora.


Arte da campanha do Dia Mundial do Doador de Sangue da Organização Mundial da Saúde.

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