Revista do Brasil nº 061

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O melhor amigo Exclusivo: Carlos de Araújo, ex-marido e confidente de Dilma

rede da legalidade O levante gaúcho que barrou o golpe de 1961

quem desmata, mata A violência impune contra quem defende a floresta

nº 61 julho/2011 www.redebrasilatual.com.br Evaldo Gross, agricultor doente e endividado

maldita fumaça Exemplar de associado. Não pode ser vendido.

Muito antes de poluir os pulmões do freguês, a bilionária indústria do tabaco faz suas vítimas desde o manejo da terra


Assista ao filme da campanha. Baixe o leitor de QR Code em seu celular e fotografe este código

Latas Papéis Plástico Vidro

Restos de comida Cascas e ossos Pó de café e chá Galhos e podas


Cascas de legumes, restos de frutas, ossos. Tudo isso vira adubo, gás combustível e até energia termoelétrica. Faz crescer a plantação e aquece a economia. Em outras palavras: realimenta a vida. É um recurso valioso, que não se pode desperdiçar. Para garantir que mais material seja aproveitado, separe o lixo úmido do seco. Com uma atitude simples, você ajuda a gerar renda para quem mais precisa e poupa recursos naturais. Saiba mais no


Cartas Núcleo de planejamento editorial André Luis Rodrigues, Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editores Assistentes Vitor Nuzzi e Xandra Stefanel Redação Anselmo Massad, Cida de Oliveira, Fábio M. Michel, Jéssica Santos, João Peres, Letícia Cruz, Suzana Vier, Virgínia Toledo e Júlia Lima (arte) Revisão Márcia Melo Capa Foto de Gerardo Lazzari Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3241-0008 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328-8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3241-0008 Claudia Aranda e Carla Gallani Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares www.redebrasilatual.com.br

Conselho diretivo Adi dos Santos Lima, Admirson Medeiros Ferro Jr., Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Arilson da Silva, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Jonisete de Oliveira Silva, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Sérgio Goiana, Rosilene Côrrea, Sérgio Luis Carlos da Cunha, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Sérgio Nobre Diretores financeiros Rita Berlofa Teonílio Monteiro da Costa

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Julho 2011 REVISTA DO BRASIL

Danny Glover Parabéns à Revista do Brasil por mais um ano de existência. Que sejam muitos e muitos anos mais de excelentes reportagens. Apesar de ser antiamericano, gostei da entrevista (ed. 60) com o ator, cineasta e Danny Glover, especialmente por ser um ativista negro. Muito boa. José Aguiar, São Paulo (SP) 5 anos Escrevo para compartilhar minha alegria. Eu estava muito desanimado com nossa histórica incapacidade de ter uma publicação que fosse alternativa à imprensa brasileira, cujas “qualidades” é desnecessário enumerar. Foi com grande esperança e confiança que ouvi uma palestra, há cinco anos e alguns meses, sobre o projeto de lançamento da Revista do Brasil. Afinal teríamos a ferramenta de que nós, trabalhadores, carecíamos para nossa informação. Fiquei surpreso com a qualidade gráfica e editorial, com a excelência dos articulistas e entrevistados. Anibal Martins Diniz Jr., São Paulo (SP)

Desde o primeiro Recebo essa revista regularmente desde o primeiro exemplar, há cinco anos. Quero cumprimentá-los pelos sempre importantes assuntos, embora discor­de­­­­­­­ de alguns, como o texto que se refere às usinas nucleares (“Ainda existe o risco da opção nuclear”, ed. 58), em que o articulista (logicamente anticapitalista) analisa a tragédia no Japão. Será que ele não raciocina que o problema se deu por uma catástrofe natural (tsunami/terremoto), que nenhum projeto nem ninguém está imune a catástrofes dessa natureza e que o caso de Chernobyl (Ucrânia), sim, foi diferente desse do Japão, por ineficiência do sistema totalitário (leia-se comunista)? Ademir dos Santos Boregas, Jundiaí (SP) João Gilberto, 80 Vale a pena ouvir a trilogia inicial de João Gilberto (“João, made in Juazeiro”, ed. 57). A voz com um timbre límpido e cheia de harmônicos, o violão firme e sincopado e o esforço de Tom Jobim em conciliar arranjos orquestrais que não interferissem no espaço aéreo do gênio. Parabéns ao geminiano que revolucionou a música popular brasileira. E aos que não o entendem, um conselho: aprendam a ouvir. Newton Nazareth, Rio de Janeiro (RJ)

carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail para contato para solução de eventuais dúvidas. Caso não autorize a publicação de sua carta, avise-nos.

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Índice

Editorial

10. Política

O que será a reforma política, e quem vai às ruas por ela

12. Mídia

Blogueiros querem furar o cerco e incomodar mais a velha imprensa

14. Trabalho

Democracia no local de trabalho: produtividade sem conflitos

18. Saúde

Tarso Sarraf/Folhapress

O que as pessoas precisam saber para se proteger do HPV

20. Capa

Vítimas dos males do fumo muito antes de um cigarro ser aceso

28. Brasil

Impunidade facilita a violência que suga as vidas da floresta

Protesto em Marabá (PA) pela morte de casal de ambientalistas em Nova Ipixuna, em maio

32. Entrevista

Vide a procedência

Carlos Araújo e a grande amizade com a ex-mulher Dilma Rousseff

36. História

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1961: o ano em que o levante liderado por Brizola barrou o golpe

40. Cinema

O diretor Eduardo Escorel revê em minúcias a Era Vargas

adriano Ávila

Mariano cultiva palmitos

46. Viagem

Um dia com os índios guaranis em Boraceia, no litoral de São Paulo

Seções Cartas 4 Destaques do mês

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Lalo Leal Filho

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Mauro Santayana

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Curta essa dica

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Crônica: Mouzar Benedito

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iz uma piada-provérbio antiga, dos tempos em que as redações eram movidas a máquinas mecânicas de escrever, que jornal e salsicha, se você soubesse como são feitos, não consumiria. Piada, porque a expressão surgiu do próprio ambiente dos jornalistas – envoltos em condições anedóticas de trabalho e de salário e tendo de, no fim da noite, mandar material para a gráfica de qualquer jeito, sob uma pressão industrial que não ficava a dever à cena clássica de Tempos Modernos, com Carlitos mastigado pelas engrenagens. E provérbio, porque é adaptável a um sem-número de situações cotidianas. Alguns temas desta edição, por exemplo, remetem ao provérbio – mas passam longe da piada. A reportagem de capa esmiúça como é a vida das famílias de plantadores das folhas de fumo. E sugere aos consumidores (e por que não aos ministérios da Saúde, da Agricultura, do Trabalho, dos Direitos Humanos, da Justiça...) que além de o tabaco causar câncer de pulmão, de boca, de garganta, impotência, fazer mal à gestante e ao embrião e não dever ser aceso diante de crianças nem vendido a menores, a vida daqueles agricultores também não vale muito para essa bilionária indústria. Mais adiante, outra reportagem mostra que os perigos da floresta amazônica não são seus componentes naturais, mas os seus agressores, que ameaçam e matam quem os denuncia. Assim, quando um cidadão ou uma indústria desdenha a procedência da madeira que consome – se é cultivada de maneira sustentável, o que acontece com somente 10% da produção –, ela pode ter rastros não apenas da degradação, mas do sangue de um trabalhador. Mais que uma mobilização emergencial de poderes públicos – e isso até tem avançado –, problemas como esses exigem atenção da sociedade. Passam pela formação das novas gerações, criação de uma nova consciência, conjugação de esforços dos setores mais organizados, busca individual e coletiva de padrões de consumo, de comportamento e de desenvolvimento que privilegiem a vida sustentável. Encontramos nesses desafios nosso combustível. Pena que o “mercado” da comunicação ainda tenha muita indústria a tratar seu produto como salsicha. REVISTA DO BRASIL julho 2011

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Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook

Ah, o complexo de vira-lata

ailton de freitas / agência globo

O economista Paulo Nogueira Batista Jr., desde 2007 diretor-executivo do FMI representando o Brasil e mais oito países das Américas do Sul e Central, afirma que os emergentes ainda têm papel passivo tanto no FMI como no G-20, o grupo das nações mais desenvolvidas, apesar de uma posição brasileira mais combativa. Para ele, alguns países têm dificuldade de superar o chamado “complexo de vira-lata”, como o escritor Nelson Rodrigues se referia ao futebol brasileiro antes de a seleção ganhar a Copa de 1958. Ressaltando falar em nome pessoal, o diretor voltou a defender mudanças nos critérios internos de escolha do Fundo, que ainda hoje privilegiam os europeus. Estes, por sua vez, não querem “largar o osso”, como diz o economista. Nogueira Batista tem pensamento econômico independente. Na coluna que mantinha na Folha de S.Paulo, foi voz dissonante do receituário liberal introduzido no país nos anos 1990. Disse ter sido “execução sumária” sua dispensa do jornal no ano passado. Desenvolvimentista, defensor da autonomia nacional e do crescimento sustentável, sempre teve o nome na lista de cotados para compor a equipe econômica de um eventual governo progressista. Em entrevista concedida à Rede Brasil Atual, por e-mail, acrescenta que o FMI não deve ficar a reboque de uma agenda europeia. Provocado, diz que não votaria a favor do pacote proposto à Grécia se fosse parlamentar daquele país: “A abordagem sustentada pelos europeus do norte não está dando certo”. http://bit.ly/rba_paulo_nogueira

Por favor, pare agora...

fotos jailton garcia

Pedágio mais caro a partir de julho é mais um teste de paciência para quem dirige e para quem cobra. Os que estão do lado de dentro da cabine deparam com todo tipo de situação, às vezes enfrentando o mau humor do motorista. Uma trabalhadora já sofreu até tentativa de atropelamento. http://bit.ly/rba_pedagio_trabalho

...Ou vá de avião A reportagem da RBA ouviu pessoas que viajam com frequência pelas estradas de São Paulo e trocaram o carro pelo avião. Entre a capital e Ribeirão Preto (SP), o trecho de 316 quilômetros consome três horas de carro, mais de R$ 50 de combustível e R$ 44 (antes do aumento de julho) nos pedágios. E passagens aéreas foram encontradas entre R$ 80 e R$ 100 – para 50 minutos de avião. Outros trechos foram comparados. Quanto maior a antecedência da reserva, maior a oferta de preços promocionais nas companhias aéreas. http://bit.ly/rba_pedagioXaviao 6

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Outros destaques Adeus, PNBL? Ministro descarta recursos públicos em banda larga

http://bit.ly/rba_pnbl_metas

Justiça: STF confere importante vitória à liberdade de expressão

http://bit.ly/rbd_liberdade_de_ expressao

Polícias precisam usar armas para “acompanhar” movimento social?

http://bit.ly/rdb_armas_nao_letais

Novos passos pela Comissão da Verdade Cerimônia de repatriação do acervo da organização “Brasil Nunca Mais”, na sede do Ministério Público Federal de São Paulo, foi transformada em defesa da instalação da Comissão da Verdade, para apurar violações de direitos humanos cometidas pelo Estado durante a ditadura. O material extraído do Superior Tribunal Militar (STM) ainda durante o regime autoritário é apenas parte da batalha pelo restabelecimento da verdade sobre o período.

O arquivo, com 1 milhão de páginas microfilmadas de 707 processos, estava no Center for Research Libraries, de Chicago (EUA), há 26 anos. Há informações sobre 1.843 vítimas, incluindo mortos e torturados que sobreviveram. http://bit.ly/brasil_nunca_mais Dentro da ofensiva social pela instalação da Comissão da Verdade, foi lançada em junho no Memorial da Resistência, em São Paulo, uma coletânea com 12 DVDs, elaborada pelo Instituto Vladimir Herzog, com depoimentos de jornalistas, da imprensa alternativa e da imprensa comercial, que contribuíram para o enfrentamento à ditadura, entre 1964

a 1979. No total, são 60 entrevistas e depoimentos daqueles que, segundo Ivo Herzog – filho do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975 –, tiveram “atuação heroica para o Brasil”. A coletânea será distribuída a bibliotecas e universidades. O projeto tem parcerias já firmadas com a Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional / Memórias Reveladas e o Centro de Documentação e Memória da Unesp. http://bit.ly/rba_dvds_vlado Também no Memorial, o Núcleo de Preservação de Memória Política realiza o chamado “Sábado Resistente”, reuniões quinzenais ou mensais com o objetivo de difundir e ampliar a participação das pessoas na mobilização pela aprovação do Projeto de Lei 7.376/2010, que estabelece a Comissão da Verdade. A agenda dos encontros pode ser conferida no site da organização: www.nucleomemoria.org.br. No dia 4 de junho, o núcleo lançou cartilha que explica didaticamente a importância da Comissão. Encontre o PDF da edição neste atalho: http://bit.ly/cartilha_da_verdade.

A Guerra do Paraguai e outros segredos Batalha do Avaí, de Pedro Américo/reprodução

A Rádio Brasil Atual apresentou a série de reportagens com o tema “Quem tem medo da Guerra do Paraguai?” No conflito, ocorrido entre 1864 e 1870, foram exterminados 95% da população masculina paraguaia e 50% da feminina. Um dos entrevistados foi o cineasta Sylvio Back. Até hoje são mantidos sob sigilo pelas autoridades militares documentos oficiais do episódio. Desse e de muitos outros momentos da história, incluindo os recentes anos de chumbo. A verdade pode ser eternamente mantida em segredo. http://bit.ly/rba_guerra_paraguai REVISTA DO BRASIL julho 2011

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NaTV www.tvt.org.br

Tecnologia que espalha ideias Programa Clique e Ligue, na TVT, mostra novas possibilidades de comunicação para os movimentos sociais

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Daniel fotos Divulgação

aniel Munduruku, Anapuaka Muniz, Roni Wasiry Guará e Cristino Wapichana são índios de tribos diferentes, mas têm em comum o uso da internet e de novas tecnologias. No programa Clique e Ligue, da TVT, eles mostraram o quanto esses novos recursos de comunicação podem fazer parte da vida de cada um sem que percam a identidade cultural. É o que Daniel define como novos mecanismos de memória para divulgação da cultura indígena e manutenção da ancestralidade, “a única maneira de permanecermos vivos”. Ele dirige o Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi). O músico Cristino e o professor Roni falaram sobre a aldeia de cada um – localizadas durante o programa –, as resistências dos mais velhos, as possibilidades da internet, denúncias e reivindicações das comunidades indígenas. “Nossa missão, primeiro, é falar sobre nosso próprio povo, nossa história”, disse Cristino. Conectados a Anapuaka, que participou via Skype, os quatro índios acreditam que a tecnologia, em vez de prejudicar, pode aumentar o conhecimento sobre a cultura de seus povos, além de integrar as próprias comunidades. Ao final, o cacique Mário Juruna, famoso nos anos 1970 por usar um gravador

Roni

Cristino

para­registrar tudo o que o “branco” dizia, e eleito posteriormente deputado federal, foi comparado ao WikiLeaks­ dos dias atuais. Apresentado às terças-feiras por Marcelo Godoy e dirigido por Luis Parise, Clique e Ligue busca mostrar como iniciativas dos movimentos sociais podem ser amplificadas com o uso das novas tecnologias de comunicação. Quem também participou do programa para falar sobre isso foram representantes do Canal Motoboy, formado por um grupo de motoboys de São Paulo, inspirados pelo artista catalão Antoni Abad. Eles percorrem a cidade usando celulares com GPS e câmara, fotografando, filmando e publicando suas experiências em tempo real na internet. Em outra edição, representantes do movimento Transparência Pública na Internet comentaram a importância de oferecer acesso às contas dos municípios, estados e da União. O programa falou ainda sobre o movimento Ficha Limpa, que por meio da internet conseguiu grande número de assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular. E mostrou como a rede pode ser usada também para combater desde o tráfico de animais até o preconceito racial e de gênero.

Programe-se

Clique e Ligue vai ao ar todas as terçasfeiras, às 19h30, pela TVT e pela internet. Ronaldo Simão, do Canal Motoboy

Como sintonizar Canal 48 UHF ABC e Grande São Paulo (NGT) Canal 46 Mogi das Cruzes (UHF) Na internet www.tvt.org.br


NoRádio

O Jornal Brasil Atual vai ao ar diariamente na Grande São Paulo, das 7h às 8h, na FM 98,9

Música para a saúde Iniciativa busca humanizar o ambiente hospitalar e resgatar a memória afetiva dos pacientes

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bre-se um campo de trabalho para os músicos e cantores brasileiros. Está marcado para agosto, na capital paulista, o início do 1º Curso de Formação de Músicos Atuantes em Hospitais e Instituições de Idosos. Criado pelo educador musical e compositor Victor Flusser, o projeto prepara os artistas para tornar mais humano e acolhedor o ambiente em hospitais e casas voltadas ao atendimento de pessoas idosas. Foi implantado na França, há dez anos, e hoje é desenvolvido em Portugal, Espanha, Itália e Alemanha. Flusser, responsável pelo diploma universitário de Músicos Atuantes na Área Social e da Saúde da Universidade­ de Estrasburgo (França), esclarece que o projeto não deve ser confundido com a musicoterapia e defende a ideia de que a doença não está apenas no paciente, mas no hospital como um todo. “As regras hospitalares não respeitam a humanidade de cada pessoa. Já estive internado bastante tempo e eu não era o Victor, era ‘o joelho do quarto 27’. O ‘velhinho do quarto 12’ é o seu João, é o seu Antonio, com sua vida, ilusões e desejos. A ‘auxiliar 2, 3 ou 4’ é a Maria Aparecida, com seu namorado, sua mãe, uma pessoa com muitas qualidades’”, conta Flusser. Os músicos vão oferecer o que o mentor do projeto chama de “terapia do hospital”. E para isso precisam ser preparados. A formação dura um ano e é construída em torno de competências

Christophe MEYER

Por Oswaldo Luiz Colibri Vitta e Terlânia Bruno Flautas em hospital francês

específicas. O profissional precisa ter repertório variado para facilitar a interação com crianças e idosos, conhecer as regras do hospital, atuar como mediador entre o hospital e músicos convidados sem familiaridade com esse tipo de trabalho e estar preparado psicologicamente para lidar no dia a dia com a dor, a angústia, a ansiedade e a morte. Por isso, sessões frequentes com psicólogos também fazem parte do curso. O projeto prevê ainda a formação continuada dos profissionais da saúde – médicos, enfermeiros e auxiliares – para que possam entender a ação e interagir com os músicos. “Os artistas devem estar engajados, sobretudo, na qualidade de vida das pessoas, pacientes e trabalhadores da saúde. O objetivo principal é despertar as pessoas idosas para a vida, de modo digno e com respeito”, afirma Flusser.

Experiência brasileira

Ivan Vilela, compositor e professor na Faculdade de Música da Universidade de São Paulo, é o responsável pela formação dos 30 profissionais selecionados em São Paulo, de um total de 240 inscritos entre maio e junho. Nessa etapa, além de cantar e tocar bem algum instrumento, é fundamental o brilho nos olhos. “O Victor sugere que o tempo máximo de trabalho do músico

seja de oito a dez horas por semana, ou seja, duas horas por dia, porque a troca de emoções, olho no olho, é muita intensa.” O curso equivale a uma pós-gradua­ ção lato sensu, com 500 horas, incluí­ das 160 de estágio acompanhado em hospitais. E mais 500 horas de estudos e ensaios individuais e com o parceiro, já que os músicos atuam em duplas. “Estão previstos encontros intensivos de quatro dias para que eles tenham contato com artistas e pesquisadores de vários segmentos e possam absorver conhecimento artístico e humano”, completa­ Vilela. As experiências do projeto Música nos Hospitais nos países onde é desenvolvido­ estão reunidas em 40 documentários produzidos por Luiz Fernando Santoro, professor da USP, que podem ser acessa­ dos no endereço www.musims.fr. No Brasil a iniciativa, articulada pela Oboré ­­Projetos Especiais, tem apoio do Hospital Premier, instituição especializada em cuidados paliativos, um modelo de tratamento que busca a qualidade de vida­do paciente idoso ou terminal, portador de doença crônica e familiares. A entrevista completa com Victor Flusser ao Jornal Brasil Atual foi ao ar em 17 de junho. Ouça em http://bit.ly/rba_musica_saude.

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política

Os custos reais

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diógenes

sant os/ag . Câmara

ntre variadas propostas de reforma política que ameaçam desaguar no nada, um dos tópicos com maior chance de aprovação, segundo alguns observadores, é o financiamento público de campanha. Hoje, empre­­­­sas pesos-pesados sempre entram firmes nas vaquinhas e, sem cerimônia ideológica, a mesma companhia doa a partidos adversários. Somente na última disputa presidencial, o Itaú Unibanco desembolsou R$ 23,6 milhões para vários candidatos, incluindo Dilma Rousseff e José Serra. Idem em relação às construtoras OAS e Camargo Corrêa, com R$ 67 milhões, ou o frigorífico JBS, com R$ 30 milhões. Nas eleições de 2010, a soma das contribuições feitas a todos os candidatos, eleitos e não eleitos, superou os R$ 3,2 bilhões, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em abril, comissão especial do Senado entregou relatório com 16 sugestões de mudanças, entre as quais a instituição do financiamento exclusivamente público. Um projeto de lei fixaria um teto para os valores. Seria uma contrapartida para a dinheirama que corre hoje, que muitas vezes tem o custo adicional de eleger políticos previamente comprometidos com esse ou aquele interesse. “Há uma exposição exagerada dos representantes ao poder econômico. Temos um processo que cria um nível elevado de comprometimento entre o candidato e o financiador”, afirma o deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP). Segundo ele, há no Congresso pelo menos quatro visões diferentes sobre reforma política, o que sugere mudanças limitadas. “Nenhuma delas é majoritária. Se não houver discussão política, a reforma mais uma vez pode não ser realizada”, alerta. “E isso falando em 2014, porque novas regras para 2012 não dá mais.”

É melhor o Estado bancar as campanhas eleitorais ou arcar com a fatura do financiador privado depois? Esse é um dos dilemas da reforma política Por Vitor Nuzzi

O primeiro-secretário do PSB, Carlos Siqueira, aponta o financiamento público de campanha como item importante da reforma, mas considera difícil a aprovação. “Partidos de centro-esquerda defendem, mas não vejo muito empenho do

centro para a direita.” Ele também vê no país um excesso de partidos, mas preza a liberdade de organização e o pluralismo. “Quem é que pode limitar? É o próprio eleitor, e ele tem feito isso”, argumenta. E lembra que nem todos os 27 partidos registrados têm representação na Câmara, no Senado e nos governos estaduais. Para Siqueira, poucos itens têm chance de ser aprovados a tempo de valer para 2014. O mais interessante­seria discutir mirando 2018, com menor influência de eventuais­ pretensões dos atuais parlamentares. O senador tucano Álvaro Dias (PR) ocupou a tribuna em junho para falar durante meia hora sobre reforma política. Disse que já esteve “mais animado” em relação ao financiamento público de campanha. “Se tivéssemos mecanismos de fiscalização e controle rigorosos e eficazes, eu não teria dúvida em defender. Mas, com a banalização da corrupção e a ineficácia dos instrumentos de fiscalização e controle, não ouso defender o financiamento público.”

Álvaro Dias: “Não ouso defender o financiamento público”

Berzoini: “Exposição exagerada dos representantes ao poder econômico”


Siqueira: mirar 2018

Para a socióloga e professora Maria Victoria Benevides, da Faculdade de Educação da USP, o atual sistema político brasileiro não é compatível com “princípios republicanos e democráticos”. Em entrevista à revista Teoria e Debate, da Fundação Perseu Abramo, ela afirma que falta ainda identificar democracia com soberania popular. “Temos definidas e atuantes as formas da democracia representativa, mas ainda não temos as de efetiva participação direta do povo, embora a Constituição as tenha acolhido em 1988.”

Maria Victoria atribui as limitações da democracia brasileira não só ao sistema político: “Como o poder econômico avança na política de uma maneira tentacular e capilar, em todas as instâncias, também impede que o sistema político possa abrir brechas para aprofundar a soberania popular, uma exigência absolutamente inarredável do conceito de democracia­”. Para cargos parlamentares, a professora defende o voto em lista fechada. Por esse sistema, o eleitor vota na legenda, e não em determinado candidato. Seriam eleitos os registrados nas listas divulgadas pelos partidos. Em 2007, o Congresso rejeitou a lista fechada, por 252 a 181. Contra, votaram PSB, PDT, PCdoB, PSDB, PTB, PV, PP, PR; a favor, PT, DEM e PSol. PMDB e PPS liberaram as bancadas. “Vota-se na lista que o partido sancionou e há muitas pessoas que são rejeitadas pela legenda legitimamente. Não acho que a lista fechada seja menos democrática que a aberta”, afirma Maria Victoria. A íntegra da entrevista pode ser lida na internet. O atalho é: http://bit.ly/maria_victoria.

jailton garcia

Victoria: em lista

divulgação

O fim das coligações proporcionais tem boas chances de entrar na pauta, até por favorecer os principais partidos. Simulação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), com base na última eleição, mostra que as bancadas da Câmara teriam alterações significativas: a do PT passaria de 88 deputados para 110, enquanto a segunda maior, a do PMDB, aumentaria de 78 para 109. O PSDB ganharia dez cadeiras, atingindo 63; o PP perderia sete e o DEM, quatro, caindo para 37 e 39, respectivamente. O número de partidos representados encolheria de 22 para 16. Fatiar o tema pode não ser tão ruim, na avaliação do cientista político Cláudio Gonçalves Couto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). Em artigo publicado pelo jornal Valor Econômico, ele defendeu uma discussão mais voltada para temas específicos, como o financiamento­de campanha, em vez de uma reforma “pensada genérica, indefinida e abstratamente”. Ao participar de audiência pública sobre o tema, Couto disse ter ficado “absolutamente claro” que o item mais preocupante é mesmo o “elevadíssimo custo das campanhas eleitorais, o qual expulsa da disputa aqueles que não se dispõem a fazer qualquer negócio para se financiar”. O relator da Comissão Especial de Reforma Política da Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), defende financiamento exclusivamente público e a redução de custos de campanha.

Jailton Garcia

Representação

felipe barra/ag. senado

CUT pede reforma A reforma política foi um dos temas do Dia Nacional de Mobilização, organizado pela CUT no dia 6 deste mês. O presidente Agenda social: manifestações em todas as capitais, como esta, na Praça da Sé (SP) da central, Artur Henrique, considera particularmente importantes itens como o Henrique Fontana (PT-RS), criticou o caráter “personalista e financiamento público de campanha e o fim do que chama permeável ao poder econômico” do atual modelo. de abuso do poder econômico, além de voto em lista com A manifestação da CUT demarcou uma agenda extensa, com alternância e proporcionalidade de gênero e fidelidade partidária. temas como fim do imposto sindical, combate à precarização e Segundo ele, qualquer reforma deve “ampliar a democracia direta à terceirização, reforma tributária, aprovação do Plano Nacional e fortalecer a democracia representativa”. de Educação e melhoria da educação no campo, não privatização Em seminário promovido pela central, o voto em lista fechada dos aeroportos, entre outras bandeiras. Os protestos da central e a necessidade do financiamento público de campanha cobraram também maior rigor dos governos e do Judiciário foram apontados como fundamentais para a democracia e contra a violência no campo e nas florestas (leia mais sobre o a transparência do sistema eleitoral. No evento, o relator da tema na página 28). Comissão Especial de Reforma Política na Câmara, deputado

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mídia

Um blog na mão

E muita informação na cabeça para furar o cerco dos velhos veículos Por Virgínia Toledo

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que tinham em comum as cerca de 500 pessoas que marcaram presença no 2º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, no mês passado, em Brasília? Elas pretendiam, sem nenhum prejuízo de suas diferentes linhas de pensamento, estreitar a unidade, constituir uma rede de apoiadores e fortalecer esse coletivo que adotou com muita ironia e sem constrangimento a alcunha “blogueiros sujos” – empregada pela primeira vez no ano passado pelo candidato derrotado à Presidência José Serra, para definir aqueles que escreviam o que ele não gostava. Ou, como classificou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, presente ao encontro dos “brogueros”, aqueles que “possibilitam que a sociedade não fique refém” dos tais “formadores de opinião”. Com transmissão da TVT e da Rede Brasil Atual, o evento atraiu 37 mil acessos pela internet, superou expectativas, debateu os mais variados temas e juntou gente de todas as regiões do país. “Valorizou muito o encontro o fato de expressar a realidade de uma blogosfera 12

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que se legitimou na sociedade. Isso começou nos encontros estaduais e agora se concretizou”, define Altamiro Borges, do Blog do Miro e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, um dos organizadores do evento. Encontros regionais e estaduais anteriores ao de Brasília somaram 14 etapas, com mais de 1.800 participantes. O debate esquentou com a presença do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. A formulação de uma lei que regule a conduta dos meios de comunicação, como já existe nas grandes democracias do mundo, e a agilização do Plano Nacional de Banda Larga, como forma de democratizar o acesso à internet, suscitaram discussões acaloradas. Paulo Bernardo foi cobrado porque, em seis meses de governo, o projeto de lei de um novo marco regulatório para o setor de telecomunicação e radiodifusão, rascunhado pelo ex-ministro Franklin Martins (da Secretaria de Comunicação da Presidência), não saiu da gaveta. E também pela por deixar por conta das operadoras privadas, e não mais da recém-recriada Telebrás, a expansão da banda larga para o

alcance dos usuários de baixa renda. “Não temos como opção colocar a internet em regime público. É muito menos conflitivo, e complicado, outorgar isso às empresas, e não temos todo esse orçamento para dizer: ‘Vamos fazer tudo’”, tentou explicar o ministro. Um dos críticos mais contundentes foi o blogueiro Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania. Apesar da troca de farpas, ambos consideraran a discussão construtiva. “Como há tempos não se via com um ministro das Comunicações”, admitiu Guimarães. A equipe de web da campanha de Ollanta Humala, presidente eleito do Peru, relatou experiências. Elvis Mori, coordenador, comparou o baixo nível da campanha peruana às grosserias introduzidas no em-

Mais na web Leia outras reportagens da Rede Brasil Atual, a íntegra da carta e conheça os princípios e objetivos que unem os blogueiros progressistas neste atalho: http://bit.ly/carta_blogueiros_2011


fotos augusto coelho

Ênio Barroso: homenageado pelos colegas

Paulo Bernardo: discussões acaloradas

Rovai e Viana: organização e síntese

bate entre Serra e Dilma no ano passado. “Um dia, eu voltava de uma festa e E ressaltou que as redes sociais, lá fui parado por estranhos. Diziam saber como aqui, foram uma importante fer- quem eu era, quebraram meu nariz, me ramenta na vitória da candidatura de pegaram na pancada”, relembra. Com a centro-esquerda, pois chegavam onde vida em risco, decidiu dar um tempo no todos os eleitores estavam e garantiam blog e “fugiu” da cidade. “Sou o único nos debates um conteúdo que escapa- exilado político”, brinca. va à mídia comercial convencional. “As redes sociais foram o grande diferen- Patrocínios, sim, senhor Para Renato Rovai, blogueiro e presicial da campanha. Por meio delas conseguimos atingir setores que estavam dente da Associação Brasileira de Empremais contidos. Ninguém chegava até sas e Empreendedores da Comunicação eles, mas mesmo assim esperavam algo (Altercom), o que possibilitou a realização do 2º Encontro Nacional de Blogueiros foi diferente­”, relata Mori. O presidente eleito do Peru, em men- o apoio de patrocinadores e colaboradosagem via Twitter, saudou os blogueiros. res. O evento captou recursos de emprePronto. Com tanta gente importante, sas, como Petrobras, Fundação Banco do entre ministros, ex-presidentes e pre- Brasil, Itaipu Binacional e do governo do sidentes eleitos, algo faltava para que o Distrito Federal, que viram nele uma forsucesso do evento se tornasse completo. ma de valorizar sua imagem. Rovai ressalta que o investimento em Porém, não veio. Os blogueiros lamentaram que a presidenta Dilma Rousseff ações de mídia como a dos blogueiros não tenha se manifestado sobre o encon- é tão legítimo quanto aqueles feitos nas empresas tradicionais. Que, aliás, costro – tão ali pertinho. Outro tema que teve grande repercus- tumam empunhar a bandeira da liberdade de expressão, mas se são e pautou outra mesa de incomodam quando os redebates foi a perseguição e O encontro cursos são para comunicacensura à blogosfera. Lino afirmou a dores opostos ao monopólio Bochini, criador do Falha urgência de da informação­. de S. Paulo e, junto com seu tornar público Um jornal de São Paulo, irmão, vítima de ação judi- o documento por exemplo, publicou nota cial do jornal que o nome do do Marco blog faz lembrar, descreveu Regulatório da crítica à participação de estatais, entre as quais a Petrocomo se sente perseguido. E Comunicação bras. Esta respondeu rapidadestacou o papel da blogos- no Brasil mente em seu blog: “O evento fera de possibilitar que os cidadãos se aproximem dos fatos sem o promoverá aumento da percepção posifiltro da imprensa parcial. “Se você sus- tiva da imagem empresarial, visibilidade peita de alguma coisa que a mídia tradi- da marca, o estímulo ao relacionamento cional esteja falando, vai direto ao agente positivo com a sociedade e o rejuvenesenvolvido”, destaca o autor do blog cen- cimento da marca”. Do encontro resultou uma carta com as surado pela Justiça a pedido da Folha. Entre as histórias inusitadas, estava expectativas de políticas públicas e ações a de Pedro Ferraz, militante da infor- da blogosfera para os próximos meses. O mação livre e gratuita. Pedro conta que repórter da TV Record Rodrigo Viana, seu blog costumava contrariar a mídia do blog O Escrevinhador, foi o “relator” local de Marília, interior de São Paulo. da carta, que apontou objetivos amplos, Como já havia trabalhado em um dos como a democratização da comunicação jornais e conhecia seus bastidores, sa- e a contrariedade a qualquer tipo de resbia como desconstruir uma informação trição ou censura na internet, e minuciomanipulada e distorcida. “O tipo de ver- sos, como a urgência de tornar público dade que eu divulgava começou a inco- o documento do Marco Regulatório da modar. Primeiro, o dono do jornal e, Comunicação no Brasil e da execução de depois­, alguns políticos.” Pedro come- um Plano Nacional de Banda Larga que çou a receber “recados”, como explosões garanta internet de alta velocidade a todos os brasileiros. no portão de casa. REVISTA DO BRASIL julho 2011

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alexsander ferraz

trabalho

Canal de informação Djalma e representantes dos coletores de lixo da Baixada Santista: primeiros passos

Caminho para o entendimento “N As democracias e economias mais evoluídas ensinam que trabalhadores com direito a voz constroem um ambiente produtivo e com menos conflitos. Mas parte do empresariado brasileiro resiste Por Vitor Nuzzi 14

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as empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores.” O texto do artigo 11 da Constituição é claro, mas poucos são os casos efetivos de organização no local de trabalho, a chamada OLT. A lentidão em garantir um direito constitucional motivou o Ministério Público do Trabalho (MPT) a lançar um programa nacional nesse sentido. Outra frente será aberta no Congresso. “Um direito social não pode ser letra morta”, diz o promotor Ricardo Macedo, do MPT. “Na prática, o artigo 11 não é cumprido.”

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, considera que o tema precisa ser encaminhado com precisão para não haver riscos de os próprios empregadores escolherem os representantes dos trabalhadores. “Em muitas empresas, o cipeiro (que deveria enxergar a adequação das condições do ambiente de trabalho do ponto de vista dos empregados) é o técnico de segurança, é o chefe”, afirma. A entidade prepara um projeto a ser proposto neste mês de julho, em meio a comemorações dos 30 anos da primeira comissão de fábrica da base, a da Ford, em São Bernardo. Os metalúrgicos defendem o modelo de comitê sindical de empresa (CSE), que prevê representantes sindicais nos locais de trabalho.


Mais espaço

“Você pode ter um CSE num banco, na fazenda, no comércio”, diz Nobre, ressalvando que é preciso respeitar as particularidades de cada categoria. “Se a negociação coletiva funcionasse, não precisaria de toda essa estrutura da Justiça do Trabalho. Aqueles prédios todos são a falência do diá­logo.” O principal papel do comitê sindical, assim, seria a fiscalização dos acordos coletivos e da legislação trabalhista. O gerente-executivo de Relações do Trabalho e Desenvolvimento Associativo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Emerson Casali, diz que a representação no local de trabalho deve ser

Conquistas Comitê sindical da LG: relação com a empresa foi melhorando aos poucos

resultado do “amadurecimento” das relações trabalhistas e do diálogo entre empresas e sindicatos, “e não de uma imposição de um marco legal que desconsidere a diversificada variedade de situações no país”. A entidade patronal vê com receio a presença de comitês ou comissões de fábrica. “Caso não haja muita maturidade e qualificação das partes, pode haver uma ampliação dos conflitos que ponha em risco a gestão das empresas. Isso desestimularia os investimentos produtivos e a criação de empregos”, argumenta Casali. A CNI está analisando o projeto dos metalúrgicos.

Democracia na gestão O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em dezembro passado a Lei 12.353, sobre participação de representante dos empregados nos conselhos de administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, subsidiárias e demais empresas em que a União seja a controladora. Pela lei, a eleição deve ser organizada em conjunto com as entidades sindicais. O conselheiro não deve participar de discussões de assuntos “que envolvam relações sindicais, remuneração, benefícios e vantagens, inclusive matérias de previdência complementar e assistenciais, hipóteses em que fica configurado o conflito de interesse”. Em março, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, assinou a Portaria

26, regulamentando a lei, que vale para companhias com mais de 200 funcionários. Isso deverá contemplar aproximadamente 60 estatais. Foi fixado prazo de 180 dias para que as empresas adéquem seus estatutos. Na Petrobras, o conselho de administração tem nove integrantes – sete representantes do acionista controlador, um dos detentores de ações ordinárias (com poder de voto) e um dos detentores de ações preferenciais (com preferência na distribuição de resultados). “A nossa expectativa é que isso (a eleição do representante dos trabalhadores) seja implementado no segundo semestre”, diz o coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Antônio de Moraes. “É uma briga antiga nossa.”

Netnews.com Soluções

Nas eleições para renovação da diretoria da entidade, em março deste ano, 271 trabalhadores foram eleitos para 88 comitês, além de um de aposentados. No segundo turno, concluído em maio, foram escolhidos o conselho diretivo e a executiva. Os comitês reúnem mais de 80% da base, formada por 107.290 metalúrgicos. A ideia é que o projeto de lei a ser debatido no Congresso Nacional seja de autoria do Poder Executivo, o que já foi discutido dentro do governo e com entidades empresariais. Um dos articuladores da proposta é o ex-presidente do sindicato e ex-vice da CUT José Lopez Feijóo, hoje assessor da Secretaria-Geral da Presidência da República – ele, aliás, é um dos pioneiros da comissão de fábrica da Ford.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM-CUT), Paulo Cayres, as empresas precisam parar de ver assombrações nesse tipo de organização. “Queremos construir a negociação. Não vamos tocar as fábricas. Onde você não tem OLT, o patrão humilha mesmo. O verdadeiro enfrentamento é no local de trabalho. É lá que se dá a exploração, onde acontece o assédio”, diz. Em Taubaté (SP), atuam 107 dirigentes em 20 comitês sindicais de empresas e mais um de aposentados, abrangendo 80% da base, formada por 22 mil metalúrgicos. O conselho (27 integrantes) e a executiva (9) são também eleitos numa etapa seguinte. “É um caminho sem volta. Sindicato precisa estar dentro da fábrica para discutir os problemas do dia a dia”, afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Isaac do Carmo. Um dos que mais exigiram esforço para que virasse realidade foi o CSE da LG Eletronics. “Normalmente, há um certo problema com as gestões orientais. Lá na Coreia é sindicato por empresa. A relação que eles têm é muito diferente”, diz Fábio Godoy, do comitê da LG de Taubaté. “Por vezes, a nossa entrada na empresa era impedida. Isso tem melhorado.” Com o atual modelo, o número de representantes sindicais na LG passou de dois para 12, distribuídos em três turnos. “Hoje, nossa PLR (participação nos lucros ou resultados) é a melhor do Brasil no setor eletroeletrônico. E temos conseguido várias soluções sobre desvios de função”, afirma Fábio. REVISTA DO BRASIL julho 2011

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No ramo químico, a experiência permitiu expandir a troca de informações pelo continente, lembra Vilobaldo Machado, da intersindical dos trabalhadores da Basf em Camaçari (BA). “Por meio da rede de trabalhadores na América do Sul conseguimos construir um espaço chamado Diá­ logo Social, com reuniões com a empresa a cada oito meses”, conta. Um dos acertos diz respeito à formação de comissões de fábrica nas unidades da Basf. “A comissão é uma extensão do sindicato dentro da fábrica”, afirma Vilobaldo. “A rede, por sua vez, avança em aspectos que porventura não estejam na convenção coletiva.” Já a comissão de fábrica da Bayer em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, tem 20 anos. A unidade inaugurada em 1958, pelo presidente Juscelino Kubitschek, foi a primeira da multinacional alemã no Brasil. Um dos trabalhadores interpreta desta maneira a função da CF: “Você é o primeiro filtro dentro da fábrica. Tem de estar no fio da navalha, não pode fechar portas”.

arquivo SMABC

trabalho

Pioneiros Metalúrgicos da Ford, em passeata durante manifestação em 1981, conquistaram a primeira comissão de fábrica na região do ABC

Bicho-papão

Organização por local de trabalho é um bicho-papão no sistema financeiro. Entre os bancos públicos federais até existe um sistema, mas a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), em que predomina a influência do sistema bancário privado,

não quer nem ouvir falar em OLT. Depois de dizimada na gestão FHC, quando se eliminou a figura do delegado sindical e dos representantes dos empregados nos conselhos de administração das empresas, a representação foi reestruturada no governo Lula. No Banco do Brasil, o acordo coletivo nacional prevê a presença de um delegado sindical a cada 80 funcionários. Na Caixa Federal, um a cada 100. O delegado é eleito com mandato de um ano e estabilidade de mais um. Nos setores de comércio e de serviços as dificuldades são maiores, mas há algumas experiências em andamento, como no segmento de limpeza urbana da Baixada Santista. Por enquanto, são comissões de negociação, formadas para discutir acordos coletivos ou temas específicos, como a participação nos lucros e resultados. “É um caminho para o trabalhador receber a informação”, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores­ nas Empresas de Asseio e Conservação­, Djalma Sutero da Silva.

Na Alemanha, os primeiros conselhos de empresa foram criados nas lutas de classe do século 20, depois da Primeira Guerra Mundial. Uma lei de 1952 determina que as empresas têm de aceitar as comissões, quando os trabalhadores votam por sua criação. Quase todas as empresas as têm. “Na Basf não houve conflito quanto a isso, mas, é claro, até hoje permanecem as discussões sobre as atribuições e o alcance de sua autoridade”, conta Fritz Hofmann, da comissão de fábrica da empresa em Ludwigshafen. Outro desafio é o relacionamento com o sindicato, observa Hofmann. “Segundo a lei, a comissão deve representar todos os empregados de uma empresa. E ser escolhida pelo voto de todos, mesmo dos que não são filiados ao sindicato.” Formalmente, a comissão é autônoma. Em uma eleição, por exemplo, o sindicato apresenta uma lista de candidatos. Se eles conseguem maioria, podem determinar a política a ser implementada na fábrica. “Na Basf de Ludwigshafen, 85% dos membros da lista do IG BCE (o sindicato do setor químico da Alemanha) foram eleitos. Comissão e sindicato trabalham em conjunto na maioria das vezes. Mas nem sempre. Isso pode levar a confrontos.”

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basf/ divulgação

Alemanha, sistema consolidado

Fritz (segundo da dir. para a esq.): “Não tivemos conflitos, mas discussões sobre autoridade da comissão permanecem”

Embora a lei obrigue a empresa a aceitar a instalação das comissões, há limites, como o veto a participar de decisões importantes na gestão econômica. “Também na Alemanha não existe uma democracia nas empresas”, afirma. No Brasil, isso é possível em algumas estatais (leia quadro na página anterior). Pela lei, parte dos representantes é liberada do trabalho e concentra o dia a dia nas atividades da comissão. Na Basf, com 34 mil empregados votantes, a comissão tem 50 integrantes e metade não exerce as funções originais. Todos têm garantia no emprego até um ano depois do mandato.

“Os países que conseguiram conciliar desenvolvimento econômico e social têm essa característica. A distribuição de renda só ocorre quando o sindicato é forte”, diz o presidente dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre. Ele, porém, vê muitos “fantasmas” no debate do assunto no Brasil, já que a organização no local de trabalho implica redução do poder absoluto praticado por determinadas chefias. Na Espanha, são eleitos delegados e comitês de empresa, conforme o número de funcionários. Normalmente, os comitês têm maior representatividade nas empresas de menor porte, enquanto as seções sindicais ficam à frente nas grandes empresas. “Para que o convênio tenha eficácia, tem de ser aprovado pela metade mais um de cada uma das representações (empresa e trabalhadores)”, lembra Francisco González, da Secretaria de Ação Sindical da Comisiones Obreras (CCOO). Os acordos setoriais são negociados pelas centrais (CCOO e UGT) e pelas entidades que tenham mais de 10% dos eleitos. Segundo Miguel Sánchez, também da CCOO, “salvo exceções, a relação (entre comitês e seções sindicais) costuma ser harmoniosa”.


LaloLealFilho

Baixinho é o nível

O

programa infantil mais visto na TV por crianças de 7 a 11 anos está atrás de outros 17, segundo o Ibope. Ou seja, nessa faixa etária os mais vistos são os que não são dirigidos a elas, e sim aos adultos. Mas não é porque as crianças gostem mais desse tipo de atração. É porque faltam alternativas. Basta verificar que as horas de maior audiência das principais TVs públicas brasileiras (Cultura de São Paulo e TV Brasil) são as de programação infantil. Entre os canais pagos, a liderança dos infantis é absoluta. Discovery Kids, Cartoon, Disney e Nickelodeon­, todos estrangeiros, estão no topo do ranking, mesmo concorrendo com canais de filmes, informação e esporte. O que permite a conclusão de que as crianças só assistem a programas para adultos na TV aberta por falta de escolha. Em São Paulo, a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da Rádio e da TV Cultura, criou a TV Rá Tim Bum, o primeiro e ainda único canal infantil brasileiro. Iniciativa brilhante, pena que restrita apenas a quem pode pagar pelos pacotes mais caros oferecidos pelas operadoras desse serviço. Para assistir à TV Rá Tim Bum, pagam-se duas vezes: para a operadora e por meio dos impostos que mantêm a Fundação. Iniciativas isoladas mais recentes na TV aberta­ são heranças da TV paga, como o Peixenauta, do SBT, Princesas do Mar, da Cultura, e Turma da Mônica, da Globo. O que reafirma a capacidade dos produtores brasileiros de oferecer programas inovadores e de qualidade. Como já foi feito pela própria TV Cultura quando exibiu os inesquecíveis Mundo da Lua, Castelo Rá Tim Bum, Glub-Glub, Mundo de Beakman, entre outros, quase todos produzidos pela emissora, que naquele momento, meados dos anos 1990, chegou a obter 12 pontos de audiência e incomodou as concorrentes comerciais. O SBT mudou a programação do final de tarde e foi buscar novos produtores na própria Cultura. Dessa forma, a emissora pública­ de São Paulo não só elevava a qualidade de sua própria programação como obrigava os concorrentes a fazer o mesmo. Ingerências políticas, mudanças de direção e restrições no orçamento acabaram com a fase áurea dos infantis na Cultura. Nunca mais a emissora obteve aqueles índices de audiência. E, sem pressão da concorrência, as emissoras comerciais continuaram acomodadas com programas

É impossível construir um país mais justo se nossas crianças continuarem sendo ensinadas por (maus) programas feitos para adultos do tipo­Xuxa. São produções que, em vez de estimular o desenvolvimento das crianças por meio da arte e da ciência, as reduzem a meros consumidores mirins, incentivam o individualismo e a erotização precoce. Além disso, distorcem a formação da identidade, como mostra pesquisa realizada no Beiru, bairro pobre de Salvador, com crianças de 7 a 14 anos. Assíduas telespectadoras da Xuxa, elas “acreditam que é preciso alisar o cabelo para que fiquem bonitas e não se veem como negras. Para o grupo, negro é sinônimo de feio, é sinal de sujeira e pobreza”, afirmou a pesquisadora Regina Guena. O problema não é só brasileiro. A forte presença de valores culturais estrangeiros nesses programas fez com que a Argentina tomasse providências. A nova Lei dos Meios de Comunicação, recém-aprovada, obriga todas as emissoras a dedicar, no mínimo, três horas diárias de sua programação a crianças e adolescentes com produções nacionais. Mas não vale preencher esses horários com loiras de shortinho. Uma comissão de acompanhamento será formada para garantir a qualidade­. O Brasil precisa seguir esse caminho se quiser ter novas gerações psicologicamente mais saudáveis. É impossível construir um país mais justo e solidário se nossas crianças continuarem sendo ensinadas pela TV a resolver divergências com o uso da violência. Como as emissoras não estão preocupadas com isso, mas tão-somente com o lucro imediato, só resta a imposição de leis que as obriguem a ser mais responsáveis e a tratar com maior respeito os jovens telespectadores. REVISTA DO BRASIL julho 2011

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saúde

Inimigos íntimos Nos homens, o HPV geralmente causa verrugas genitais. Nas mulheres, provoca essas e outras lesões, que podem evoluir para o câncer de colo uterino

Por Cida de Oliveira e Jéssica Santos Souza

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Scott Kleinman/getty images

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á 35 anos, o médico alemão Harald zur Hausen publicou sua hipótese de que a infecção pelo papilomavírus humano (HPV, do inglês human papillomavirus) causaria câncer de colo do útero. O tempo deu razão a Hausen, e também o Prêmio Nobel de Medicina, em 2008. O conjunto do trabalho é de grande relevância porque esse tipo de câncer é o segundo mais frequente entre as mulheres de todo o mundo e, entre as brasileiras, o quarto mais letal. Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) indicam que anual­ mente morrem 4.800 vítimas e surgem 18.500 novos casos. Estudos mostram que partículas do vírus aparecem em mais de 90% dos registros da doença.


Transmitido sexualmente, ou em casos raros por meio de instrumentos sem esterilização adequada, como equipamentos ginecológicos, o papilomavírus é muito comum. Causa em geral verrugas genitais, tecnicamente chamadas condilomas acuminados, em ambos os sexos. Mas o perigo são as lesões sem sintomas que se desenvolvem nas mulheres, podendo progredir para o câncer de colo uterino caso não sejam tratadas precocemente. Segundo o Inca, cerca de 25% das brasileiras estão infectadas com algum tipo de HPV. As mais suscetíveis são as mais jovens, que iniciam a vida sexual cada vez mais cedo, e aquelas na pós-menopausa. Cerca de 80% das mulheres serão infectadas pelo menos uma vez ao longo da vida. Estima-se que em todo o mundo 291 milhões delas carregam algum dos mais de 100 subtipos do vírus e 32% têm os de número 16 ou 18 – os que produzem­as lesões com potencial cancerígeno –, ou ambos. “A possibilidade de regressão dessas lesões é maior que 50%. Ainda não é possível saber, porém, em que casos haverá cura espontânea ou evolução para um tumor maligno”, afirma Mauro Romero Leal Passos, professor de Medicina da Universidade Federal Fluminense, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Sexualmente Transmissíveis e autor do livro HPV, Que Bicho É Esse? “Sabemos que o risco de evolução é maior entre as fumantes, as portadoras de outras infecções no colo do útero, como herpes e clamídia, e do HIV, ou as geneticamente predispostas à malignidade.” Como estratégia de prevenção, o Ministério da Saúde recomenda rastrear prioritariamente mulheres de 25 a 60 anos, por meio do exame conhecido como papanicolau. Os dois primeiros exames a cada três anos e os seguintes a cada dois. Conforme aponta o Plano de Ação para Redução da Incidência e Mortalidade por Câncer do Colo do Útero, do Inca, a oferta de exames pelo SUS seria suficiente para a cobertura necessária desde que não fossem realizados repetidamente, em intervalos menores, o que restringe a cobertura. Além disso, em muitos laboratórios há falhas na coleta e no estudo

das amostras ao microscópio. Isso leva ao chamado falso-negativo – quando o teste não revela a doença existente. A intensidade desse problema varia conforme a região. Segundo a Fundação Oncocentro de São Paulo (Fosp), em Fortaleza, por exemplo, é impossível fazer o diagnóstico em 13% das amostras. Em outras localidades, pode chegar a 50%. Há no Brasil, desde 2002, diretrizes para o atendimento de mulheres com exames alterados. A recomendação é tratar as lesões de alto risco em unidades ambulatoriais, mas isso não é seguido, conforme o documento do Inca. O encaminhamento desnecessário para hospitais pode comprometer o acompanhamento de mulheres com alterações que requeiram maior atenção. E, uma vez prejudicado o rastreamento, eventuais complicações correm o risco de ser detectadas tardiamente.

Novas vacinas

Preocupada com isso, a secretária Samara Regina Rodrigues Bettoni, 32 anos, de Itajubá (MG), vive aconselhando todas as mulheres conhecidas, inclusive as mais jovens, a não faltar às consultas rotineiras com o ginecologista e a fazer

atrás da língua, amígdalas e palato, o céu da boca) causados pelo HPV. “O homem é um vetor importante. Tem muita infecção para transmitir e manifesta pouca doença”, afirma Elsa Gay de Pereyra, ginecologista do Hospital das Clínicas de São Paulo. Também é pouco conhecido o comportamento desses vírus entre os homens. Mas os médicos desconfiam que a resposta esteja na própria anatomia. Enquanto o órgão genital masculino é exposto e recoberto por pele, que o protege, o da mulher é interno. E o colo do útero é formado por tecidos mais suscetíveis a contaminação. Apesar de não evitar totalmente o contágio – o homem pode ter lesões no púbis ou nos testículos –, a camisinha reduz significativamente os riscos. Por isso é recomendada em qualquer tipo de relação sexual, mesmo entre casais estáveis. A especialista do HC defende a vacinação dos homens contra o vírus. Segundo Elsa, na Austrália houve redução da contaminação feminina com a adoção dessa medida preventiva. No Brasil, a Anvisa acaba de aprovar a vacina para homens de 9 a 26 anos. Até então, estava liberada apenas para a população feminina nessa

Em menos de um ano, Samara Regina Bettoni, de 32 anos, foi submetida a três grandes cirurgias, em que foram retirados o útero e as trompas. Hoje está curada, mas é acompanhada periodicamente exames preventivos. No final de 2009, ela recebeu o diagnóstico de câncer de colo uterino. Em menos de um ano foi submetida a três grandes cirurgias, em que foram retirados o útero e as trompas. Hoje está curada, mas é acompanhada periodicamente no Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. Aos 18 anos, Samara contraiu HPV, se tratou, mas admite ter sido negligente nos últimos anos. “Colocava as preocupações com meu filho, o marido e o trabalho em primeiro lugar e deixava a saúde de lado”, conta. Pouco se sabe sobre a contaminação na população masculina, embora comecem a surgir indícios de aumento dos casos de câncer de boca e de orofaringe (região

faixa etária. A imunização não está disponível no sistema público de saúde, apenas em clínicas particulares. Há a bivalente, contra os subtipos 16 e 18; e a quadrivalente, contra os subtipos 6 e 11, causadores das verrugas. Ambas são igualmente eficazes. Mas ainda não se sabe qual a duração da proteção. Por isso a vacinação não exclui a necessidade de rastreamento. Segundo especialistas, seu impacto na redução da incidência do câncer de colo do útero e na mortalidade por ele só será visível daqui 30 ou 40 anos. Em dez anos, porém, poderão ser percebidos efeitos da ampliação e qualificação do rastreamento e tratamento das lesões. REVISTA DO BRASIL julho 2011

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capa

doença da folha verde do tabaco Evaldo: “Quando chega a tarde, começa a dar moleza nas pernas, dá ânsia. Um mal-estar tremendo. Te trava o sono, atravessa a noite inteira sem dormir”

O passivo do fumante Antes de chegar aos pulmões do consumidor, o cigarro já traz em cada maço um histórico de males como trabalho exaustivo, intoxicação por agrotóxicos, remuneração injusta e até mão de obra infantil Por João Peres. Fotos de Gerardo Lazzari 20

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C

omeça agora um longo ano para Evaldo Gross. Ou vai ver nem terminou, e não termina nunca. Para esse agricultor de 47 anos, morador de Palmeira, a 80 quilômetros de Curitiba­, produzir fumo significa emendar semeadura, plantio, lavoura, colheita, secagem e venda, tudo num só, ano após ano. “A gente vai trabalhandinho, trabalhandinho desde piá”, conta. Enquanto o leitor passa os olhos por aqui, as famílias de 185 mil brasileiros como Evaldo dão início a mais uma safra de fumo. A esta altura, as sementes aguardam em bandejas a hora de ser transferidas para a terra. Até o começo do próximo ano, Evaldo vai se virandinho com o dinheirinho que recebeu nos últimos meses. Só voltará a ver novas notas quando começar a venda de sua produção, não antes de março. O Brasil produz 700 toneladas de fumo ao ano, mais de 80% para exportação, e o setor fatura em torno de R$ 15 bilhões. Evaldo e os demais produtores ficam com a menor fatia. Graças a campanhas de esclarecimento, o fumante contemporâneo tem consciência do mal que provoca à própria saúde e à de quem o rodeia. Mas ignora que a cadeia produtiva responsável pelo tabaco esteja repleta de violações. Fumandinho, fumandinho, contribui para trabalho degradante, remuneração injusta, intoxicação por agrotóxico e até mesmo uso de mão de obra infantil. Nove em cada dez fumicultores brasileiros plantam em terras próprias. A produção se concentra no Sul, no geral em propriedades com no máximo 20 hectares. A produtividade e a área cultivada aumentaram notavelmente desde 1980 por conta de desenvolvimento tecnológico e de uma ofensiva das empresas. O contato das fumageiras na ponta da linha é o profissional conhecido como instrutor ou coordenador. “Ele disse que estava dando dinheiro”, resume Hamilton Paizani, agricultor de São João do Triunfo, vizinha a Palmeira. Hamilton ingressou na fumicultura­ na década de 1990. Acreditava em trabalhar menos e ganhar

intoxicação crônica Paulo: “É uma condição imposta e o trabalhador não tem opções”

mais. Poucos anos depois, saiu com uma doença na frente e uma dívida atrás. Sua propriedade ficou penhorada. “Só arrumei problema.” A relação de dependência tem início quando o produtor assina com a empresa o contrato de compra e venda. Ele “aceita”, com isso, plantar apenas as sementes que lhe forem fornecidas, comprando­ um kit tecnológico com agrotóxicos receitados­ pela contratante, a fumageira. A comercialização também é exclusividade da corporação, e ela mesma estabelece quanto vai pagar ao fim de um ano de trabalho. Há dois pilares na vida de um caboclo: administrar o tempo e manejar a terra. Ao firmar esse acordo, ele perde os dois. Na avaliação do Ministério Público do Trabalho (MPT), o contrato não estabelece uma relação entre vendedor e comprador, mas entre patrão e empregado. “O produtor assina uma procuração para que a empresa faça o financiamento em nome dele. O pagamento é com o produto. São financiamentos de 10, 15, 20 anos, então durante todo esse tempo o produtor fica dependente da empresa”, lamenta Amadeu Bonatto, coordenador técnico do Departamento de Estudos Socioeconômicos Rurais (Deser). Ao pesquisar essa cadeia produtiva, a entidade constatou, entre 1.089 famílias, que 73% gostariam de mudar de atividade por causa do trabalho excessivo, da baixa rentabilidade e dos riscos à saúde.

Fumo puxado

A carga mais pesada são a colheita e a secagem, quase simultâneas, em pleno verão. Muitos se queixam de que as roupas de proteção queimam a pele. Mas, sem elas, ficariam expostos à doença da folha verde do tabaco. “Quando chega a tarde, começa a dar moleza nas pernas, dá ânsia. Um mal-estar tremendo. Te trava o sono, atravessa a noite inteira sem dormir”, conta Evaldo, dentro de um paiol em que o odor das folhas de tabaco invade as narinas e azeda a boca. A nicotina liberada pela folha provoca febre, desmaios, calafrios. Ao término de um dia de trabalho, o produtor fica exposto a 54 miligramas de nicotina, equivalentes a 36 cigarros. A secagem da folha é a pior das agruras. A cada hora da noite, ele levanta e repõe a lenha para manter a temperatura. Repete a operação de oito a dez vezes, entre janeiro e março. A folha vai amarelandinho, e a energia do produtor se esvai. Recuperar-se é preciso. Passa o cansaço, começa a tensão. Um ano inteiro de saúde e suor se define em 60 segundos. O produtor consome algumas semanas embalando sua produção em fardos de 60 quilos, que rolam um após outro por uma esteira na sede da empresa. De cada fardo é retirada uma REVISTA DO BRASIL julho 2011

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capa manoca, também chamada de “boneca”. A partir dessa amostra o classificador define quanto pagará ao fumicultor. Quem não se der por satisfeito que se queixe com o bispo. “Rebaixaram a classificação. Menos de R$ 1 por quilo. Aí reclamei, não pedi nada além do que valia. Começaram a falar para todo mundo que quem reclamava sofria da ‘doença do Anderson’”, conta o “vírus” Anderson Sviech, que também responde pela profissão de fumicultor. “Dessa vez, se não pagarem o justo pelo meu produto, não vendo.” Ele sabe que não é simples assim. A hora da classificação é tensa, vale por um ano inteiro, e reclamar não adianta, já que há poucas corporações envolvidas nessa cadeia e o preço é muito parecido. “As empresas atuam em cartel. Muda só o nome, mas a relação é a mesma, não concorrem”, acusa Margaret Ramos de Carvalho, procuradora do Trabalho no Paraná. Quem planta milho coloca o excedente na própria despensa ou alimenta a criação. Feijão, arroz, tomate, idem. Fumo, não. Se cozinhar, não vira sopa. Se moer, não vira ração. A Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), vista como uma entidade próxima às fumageiras, não vê o problema como generalizado. O problema são as regras. Em 2007, o Ministério da Agricultura editou portaria para tentar disciplinar a questão. As folhas são avaliadas por classe, subclasse, grupo, subgrupo, tipo, subtipo, mistura, resíduos e umidade. São 41 classes. Mas como as interpretações podem ser subjetivas prevalece a do mais forte. Em um ano como este, em que há oferta acima da demanda, é fácil pagar pouco. O preço médio do fumo está em R$ 4,96 o quilo, ante R$ 6,25 em 2010 e R$ 32 na década de 1980. A entidade aponta o dólar valorizado, o aumento da produção na África e a alta produtividade como fatores que explicam a queda na remuneração. “Temos um prejuízo na safra deste ano, mas isso não quebra o produtor porque ele é seu empregador”, avalia Benício Albano Werner, presidente da Afubra. O MPT tem visão bem diferente, e indica que as fumageiras estão, na prática, uti22

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Passado Augustinho: “Esse tal de fumo foi um atraso de vida. O produtor fica devendo a vida toda”

Terra livre de agrotóxicos A mesa de Hamilton Paizani é farta. Frutas, verduras, legumes e carne vêm da propriedade. A compra no mercado se restringe a sal e açúcar, situação diferente da que se vê na casa de um fumicultor. A expectativa agora é obter a certificação de produtor agroecológico. “Ter uma qualidade de vida melhor é fundamental.” O simpático Augustinho, de 76 anos, lamenta que o filho tenha se metido a produzir tabaco, mas está superada a tormenta. A propriedade dos Paizani é guardiã de uma das variedades de milho crioulo da região. É a verdadeira riqueza de um caboclo, garantindo a próxima safra com uma semente de qualidade e sem modificação genética. “Esse tal de fumo foi um atraso de vida. O produtor fica devendo a vida toda.” Uma das dificuldades de deixar o tabaco é o sistema de produção. Por piores que sejam as condições, há garantia de compra e de transporte. Sindicatos, ONGs e produtores vêm debatendo a criação de cooperativas e de mercados regionais. A lei federal que determina a produção de 30% por agricultores familiares tem se desenhado como uma boa alternativa, mas ainda é cedo. Valdemar Leite, dono de três alqueires em São João do Triunfo, está de olho na movimentação. As íngremes terras não são obstáculo para o plantio de uva, milho, feijão, verdura, abóbora, mandioca. O filho Antônio, de 30 anos, chegou a ajudar um irmão durante cinco anos na plantação de fumo. Agora, ajuda o pai na agroecologia, que inclui ainda manejo sustentável da floresta e apicultura. Os conhecimentos ancestrais dos caboclos somamse às experiências trazidas pela ONG Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA), de fomento à produção livre de agrotóxicos. Tudo dentro da propriedade é reutilizado, nem remédio se compra em farmácia. “Rico a gente não está, nem vai ficar. Mas tem o sustento, liberdade para trabalhar e não estar contaminando a saúde.”


virada Doente e endividado, Hamilton largou o fumo e hoje aguarda a certificação de produtor agroecológico

lizando mão de obra e terra alheias para aumentar os próprios lucros. O Sindicato­ dos Trabalhadores Rurais de Palmeira pôs na ponta do lápis essa relação. Mesmo que se parta do pressuposto da indústria, de que o fumicultor tem uma renda de R$ 36 mil ao ano, a conta não fecha. O jovem produtor Anderson foi somandinho os gastos com semeadura, os investimentos em cada equipamento e a durabilidade­ deles, a manutenção da propriedade, a alimentação dos animais usados para tração, a energia elétrica e o custo de vida. Considerando a produtividade ideal e a classificação justa do produto, o sindicato concluiu que o ganho é de R$ 1,77 por dia trabalhado. Ou seja, a sensação de que se tem renda pode ser falsa. A maior parte das famílias é pequena, com média de quatro pessoas. A mulher normalmente cuida das tarefas da casa,

A versão das empresas O fato de esta reportagem não indicar o nome de nenhuma empresa não é casualidade. A intenção é mostrar os vícios da cadeia produtiva, e não apontar as falhas dessa ou daquela corporação. Para saber a versão do setor, a Revista do Brasil procurou o Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco) e enviou algumas perguntas: 1. O contrato de compra e venda estabelece uma relação empresa-colaborador ou uma relação patrão-empregado? 2. Como se dá, nesse momento, a relação entre empresas e fumicultores no que diz respeito à compra de agrotóxicos? 3. Em São João do Triunfo, alguns produtores de orgânicos alegam haver sofrido problemas com os vizinhos fumicultores por causa do Gamit 500. O produto foi recomendado pelas empresas? 4. A que se deve a queda nos preços pagos pela folha de tabaco este ano? 5. A portaria estabelecida em 2007 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é suficiente para eliminar a aplicação de critérios subjetivos na classificação do tabaco? O agricultor que se sinta injustiçado no momento da classificação dispõe de quais mecanismos? A entidade não respondeu a nenhuma delas.

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capa não podendo se dedicar integralmente ao trabalho na roça. “Não é que o fumicultor queira empregar seu filho nessa atividade, é que as exigências da empresa e a baixa rentabilidade não permitem contratar um trabalhador”, assinala Margaret. O MPT calculava haver 75 mil crianças, em 2007, na cadeia do fumo do Paraná e de Santa Catarina. Ações coordenadas entre as empresas e os governos podem ter levado à redução do número, mas o problema ainda existe.

Sem saída

Lídia Maria Bandacheski do Prado, de Rio Azul, a 190 quilômetros de Curitiba, perdeu o pai aos 9 anos. Para não sobrecarregar a mãe, assumiu a lida. Faz uma década que começou a sentir problemas, e durante muito tempo os médicos procuraram por uma depressão que não existia. Em 2007, sem tratamento adequado, o quadro piorou. “Fiquei quase dois anos sem dormir. Com dor nos braços, nas pernas. Era um fantasma dentro de casa”, conta essa moça que, aos 35, parece ter perdido a capacidade de sorrir. A conversa tensa toma conta do clima da casa. Lídia precisa da ajuda de um andador para se deslocar e os braços são frágeis. Tem apenas parte da visão e sofre com perdas ocasionais de memória. “Paguei minha dívida com a empresa e meu retorno foi o problema de saúde.” O caso de Lídia chamou a atenção do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que tem analisado a situação dos produtores daquele município. A dificuldade em diagnosticar a intoxicação crônica e a subnotificação dos males provocados pelo agrotóxico são os problemas culturais, de produtores e de equipes médicas, com os quais depara a pesquisa. Paulo Perna, coordenador do núcleo e professor do Departamento de Enfermagem da UFPR, lembra que é inviável a exigência de que se fique sete dias longe da lavoura após a aplicação do agrotóxico, já que as propriedades são pequenas e as casas ficam ao lado da plantação. 24

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Denúncia Silvestre, a mulher e as plantas contaminadas: agrotóxico proibido

O perigo voa longe Silvestre de Oliveira Santos mora em uma simpática casinha de madeira. Dentro dela, a iluminação mais fraca, as cores opacas das paredes, as flores e as gravuras suavizam o ambiente. Alto, de braços e pernas compridas, Silvestre parece até pequeno dentro dessa casa. A calma com que conversa nem dá o grau da dificuldade que passou. Ele caminha pelas terras e mostra árvores prejudicadas pelo agrotóxico empregado na plantação de fumo do vizinho. Outros produtores de alimentos orgânicos notaram, na mesma época, que as folhas ficavam brancas, os frutos caíam, a grama queimava. Pássaros e peixes mortos completavam o quadro. O camponês integra o Coletivo Triunfo, que denuncia o uso do Gamit 500, agrotóxico proibido pela Secretaria de Agricultura do Paraná. A bula do herbicida indica que deve ser aplicado num raio de 800 metros de outras culturas. E os produtores vislumbram o risco de perder um precioso mercado que valoriza a agroecologia. “A gente estava há dez anos trabalhando nisso. Agora ia certificar”, afirma Silvestre. Além da compreensão dos vizinhos, o Coletivo quer fiscalização rigorosa e restrição clara à aplicação de agrotóxicos. Antônio Leite também viu a propriedade prejudicada pelo defensivo agrícola do vizinho. “A maioria está com a mente contaminada. Prejudica a gente, que não quer usar veneno.”


Preço justo Anderson e a família: os “rebeldes”

Liberdade Antônio, o irmão e a mãe: “O veneno contamina a mente. Não queremos usar”

“A indústria quer falar que foi o produtor que não usou equipamento de proteção, mas mesmo usando não protege. É uma condição imposta e o trabalhador não tem opções”, afirma o coordenador. Lídia e o marido não viram alternativa que não fosse o tabaco. Mas, após a confirmação de seus problemas de saúde, as empresas não quiseram mais estabelecer contratos. Com isso, a família pensa em engrossar a população urbana brasileira. O Brasil ratificou em 2005 a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e parte da comunidade internacional assumiram o compromisso de reduzir a demanda por tabaco e a oferta dos produtos, além de assegurar a proteção social dos trabalhadores. Restrições à publicidade e ao consumo em lugares públicos, somadas ao corte de estímulos, como cigarros com sabor, fazem parte do pacote que prevê levar a uma drástica diminuição do número de fumantes. Obviamente, haverá necessidade de menos produtores. Em Rio Azul, cuja arrecadação depende em 45% do tabaco, muitos fumicultores foram avisados este ano que estão descredenciados. Uma das necessidades reconhecidas pela OMS é a criação, pelos países, de alternativas financeiras à população rural. O Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas por Tabaco é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e beneficia atualmente 30 mil famílias, a maioria no Rio Grande do Sul. Organizações não governamentais, secretarias estaduais e prefeituras têm buscado rotas de fuga. A maioria das propriedades é pequena, o que dificulta a rentabilidade de algumas culturas. “A gente quer sempre que a zona rural se desenvolva com qualidade de vida para as famílias”, resume Adriana Gregolin, coordenadora do programa do MDA, cujos limites são curtos. O orçamento para este ano é de R$ 5 milhões. Para se ter uma ideia da batalha, uma das grandes corporações tabagistas obteve, apenas na América Latina, lucro de R$ 1,6 bilhão em 2010. Leia a série de cinco reportagens sobre a fumicultura no site da Rede Brasil Atual. Use o atalho http://bit.ly/rba_fumicultura REVISTA DO BRASIL julho 2011

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QUANTO MAIS SE AMPLIA A QUALIDADE DA EDUCAÇÃO, MAIS SE REDUZ A DESIGUALDADE. O Brasil registrou avanços sociais históricos e conquistou também avanços importantes na educação. E isso não é uma simples coincidência. De acordo com estudo recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o aumento da escolaridade está se refletindo diretamente na melhoria de renda dos brasileiros. Resultado de um trabalho contínuo que vem qualificando, ano a ano, a escola pública Ministério da Ministério da noEducação Brasil. Estamos no caminho certo, com ritmo e desempenho Educação acima do previsto, desde 2007, quando o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi lançado com a meta de atingir a média 6 no Ideb, no ano de 2022. É por isso que o Brasil está entre os três países que mais evoluíram na educação. E, para avançar ainda mais, o Ministério da Educação continua contando com a parceria indispensável dos estados, municípios e de toda a sociedade. CONHEÇA OS PROGRAMAS PARA A EDUCAÇÃO Ministério da E FAÇA A SUA PARTE NESTE COMPROMISSO. Educação MAIS INFORMAÇÕES, ACESSE WWW.MEC.GOV.BR.

Ministério da Educação


brasil

Medo na flore P

rotegida pela escuridão da madrugada, a agricultora­ Claudelice Silva dos Santos se deixou levar por um grupo de agentes da Força Nacional de Segurança (FNS). Na esperança de salvar a própria vida e a de sua família, abriu mão de sua história e do local onde vivia há muitos anos, o assentamento Praialta-Piranheira, no município de Nova Ipixuna (PA). No mesmo local moravam o irmão e a cunhada de Claudelice – os ambientalistas José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo –, ambos assassinados no dia 24 de maio, em um crime ainda não solucionado.

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A “fuga” de Claudelice, ocorrida em 19 de junho, menos de um mês após o assassinato de seus familiares, é um retrato da insegurança vivida na região amazônica por aqueles que ousam desafiar o poder armado do capital que devasta a floresta em busca de madeira e especulação imobiliária. Expulsos pelo medo, também deixaram o assentamento, com os homens da FNS, as famílias dos agricultores Francisco Martins e Francisco Tadeu da Silva. Ao todo, nove pessoas (quatro adultos e cinco crianças) foram escoltadas de Nova Ipixuna até o município de Marabá, onde permanecerão protegidas pela polícia.


Felipe Milanez

Sem lei

Felipe Milanez

esta

Raimundo Pacco /Reuters

Claudelice, aos prantos, “foge” com a Força Nacional de Segurança de uma terra onde assassinos mandam. Para Maria e José, a proteção chegou tarde

Luta contra violência e crimes sem punição na Amazônia esbarra em ineficiência histórica Por Maurício Thuswohl

Segundo o Ministério da Justiça, a escolta foi realizada por medida de segurança, pois os agricultores eram ameaçados de morte. A ação deixou claro que os assassinos de Maria e José Cláudio ainda se sentem à vontade para ameaçar outras vítimas e que, em que pesem as boas intenções, a força-tarefa não tem segurança sequer para executar à luz do dia o deslocamento de ameaçados. Organizada em torno da Operação Defesa da Vida, a ação é integrada por agentes do Exército, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, além da FNS, mas seu efetivo, não divulgado oficialmente, é insuficiente diante da imensidão dos conflitos sociais amazônicos.

De acordo com o Ministério da Justiça, a Operação Defesa da Vida ocorre em parceria com a estrutura de segurança dos estados do Pará, Amazonas e Rondônia, com o apoio do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça. Foi anunciada pelo ministro José Eduardo Cardozo no dia 2 de junho, após reunião que contou com a presença da presidenta Dilma Rousseff e dos ministros Nélson Jobim (Defesa), Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Afonso Florence (Desenvolvimento Agrário), além dos governadores Simão Jatene (PA), Omar Aziz (AM) e Confúcio Moura (RO). REVISTA DO BRASIL julho 2011

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brasil “O objetivo do governo é evitar novos homicídios e apurar os que já aconteceram. Os inquéritos precisam ser rápidos e as ações judiciais, eficientes”, disse o ministro Cardozo. Um mês após o anúncio da operação, no entanto, os resultados são modestos, a julgar­pela ausência de notícias sobre prisões ou indiciamentos. A divulgação do primeiro balanço oficial, prevista para o fim de julho, será feita pelo Ministério da Justiça: “Já temos alguns dados, mas não podemos dizer nada antes de receber relatórios dos ministérios da Defesa e da Agricultura, parceiros na operação. Será preciso reunir tudo antes de comunicar ao público”, afirma um integrante da Secretaria Nacional de Segurança Pública, que prefere não ter o nome publicado.

Impunidade crescente

Um estudo divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) semanas antes da morte do casal de ambientalistas em Nova Ipixuna revela que em 2010 foram registrados 34 assassinatos de trabalhadores rurais no Brasil, 30% a mais que no ano anterior. Trinta desses crimes ocorreram em conflitos pela terra (outros dois por fontes de água). A região Norte aparece com 21 assassinatos em 2010, seguida por Nordeste (12) e Sudeste (um). Outros dados, divulgados pelo Ministério Público, informam que o estado contabiliza nos últimos dez anos 219 assassinatos no campo. Pior: apenas quatro condenações aconteceram em decorrência das investigações sobre esses crimes e em 37 casos não foi sequer aberto inquérito para apurar os autores e mandantes dos homicídios. O emblema maior da impunidade no Pará é o massacre de Eldorado dos Carajás, que completou 15 anos sem que ninguém esteja preso como responsável pela morte de 19 sem-terra. Únicos condenados como organizadores da chacina em um julgamento realizado em 2002, o coronel Mário Colares Pantoja (228 anos de prisão) e o major José Maria Pereira Oliveira (154) até hoje recorrem em liberdade. Como exceção que confirma a regra, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, apontado como um dos mandantes do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, em 2005, permanece preso. 30

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Paraense, a secretária nacional de Meio Ambiente da CUT, Carmen Foro, afirma que os crimes na Amazônia não cessarão enquanto não houver uma política especial de segurança para a região: “Faz décadas que denunciamos. Cada vez que é assassinada uma liderança mais conhecida, acontece uma repercussão nacional ou mundial, a mídia cobre, e um mês depois parece que tudo cai no esquecimento novamente”, diz. Segundo Carmen, “a ausência do Estado continua” na Amazônia. “É um caos. O Incra não funciona, não existem estrutura nas áreas de assentamento nem licenciamento para uma maior produção, as estradas são precárias, há disputa com madeireiros”, enumera a dirigente cutista, em reportagem

levada ao ar pelo programa Seu Jornal, da TVT, em 8 de junho. “A lista da impunidade é muito grande. Há muito poucos mandantes ou executores colocados atrás das grades.” Na maioria das vezes, apontar culpados na Amazônia significa assinar o próprio atestado de óbito, fato conhecido internacionalmente. Em artigo publicado recentemente no jornal The New Yorker, o jornalista californiano Jon Lee Anderson conta que no velório de José Cláudio e Maria “as pessoas tinham medo até de chorar”.

Políticas públicas

Uma investigação in loco e feita com discrição, no entanto, pode proporcionar aos investigadores caminhos a percorrer.


Paulo Santos/Reuters

Pouco mais de um mês após a morte de José Claudio e Maria do Espírito Santo, o Ibama contabiliza o fechamento das 12 madeireiras que atuavam no município. A Operação Disparada foi iniciada em março com frentes em outros três municípios paraenses (São Felix do Xingu, Santana do Araguaia e Pacajá). Foram aplicados R$ 3,4 milhões em multas, apreendidos 1.400 m³ de madeira e embargados 315 hectares de áreas desmatadas. Para o professor da Universidade Federal do Pará Rodolfo Salm, praticamente toda a exploração madeireira na Amazônia infringe a lei: “A indústria madeireira por si só já causa um grande impacto”. Paulo Vinicius Marinho, do Ibama, conta que todas as madeireiras locais já foram autuadas, mas a Secretaria de Meio Ambiente do Pará muitas vezes concedia licença novamente. O Ibama reconhece que apesar de fiscalizar essa região do estado desde 2007, em maio, após a morte dos extrativistas e da evidente ação ilícita de madeireiros, intensificou a fiscalização. “Vale dizer que o Ibama é um orgão de proteção ambiental, não é um orgão de segurança pública”, pontua.

Triste o país onde se plantam cruzes para lembrar a impunidade. Talvez pela repercussão internacional, a exceção foi o caso da irmã Dorothy

Carlos Silva/Reuters

Madeireiras fechadas

Lei do homem

Reportagem apurada em Marabá e publicada na revista CartaCapital, por exemplo, revela que as ameaças contra o casal de ambientalistas de Nova Ipixuna se intensificaram depois de os dois terem sido excluídos da Associação dos Pequenos Produtores do Projeto Agroextrativista Praialta-Piranheira (Apaep), da qual eram diretores: “José e Maria acusavam a Apaep de ter se unido a carvoeiros e madeireiros ilegais”, relata o jornalista Felipe­Milanez. Outras frentes de investigação são sugeridas. Uma delas diz respeito a uma lista com os principais madeireiros ilegais da região, elaborada por José Cláudio em 2007, que traz a família Aguilar Tedesco­ como a principal responsável pela devastação daquela parte da floresta. Após a denúncia feita pelo ambientalista assassinado, as empresas Tedesco Madeiras e Madeireira Eunápolis, propriedades da família, foram multadas em cerca de R$ 820 mil: “Foi uma mudança radical e um baque em suas finanças”, diz a reportagem, ressaltando que “nos seis anos anteriores, as autuações das empresas do grupo não haviam somado R$ 10 mil”. Na tentativa de agilizar a proteção de quem vive em meio a esse ambiente de terra sem lei, a CPT levou à ministra Maria do Rosário uma lista com o nome de 30 lideranças rurais seriamente ameaçadas de morte na Amazônia. Quinze delas estiveram no começo de junho em Brasília para reuniões com senadores e deputados no Congresso e também com os ministros Afonso Florence, Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Tereza Campello (Desenvolvimento Social), além da própria Maria do Rosário. “A ideia é discutir com os ministros e parlamentares as políticas desenvolvidas para as populações, povos e comunidades tradicionais na Amazônia. A violência acontece porque as políticas públicas e as ações das diversas esferas de governo não estão integradas. As demandas das comunidades amazônicas simplesmente não são atendidas – ou então não são atendidas a contento – dentro desses programas, dessas políticas públicas em implementação”, afirma Fani Mamede, integrante da rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), que agrega mais de 600 organizações socioambientalistas da região Norte. REVISTA DO BRASIL julho 2011

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Leonid Straliaev/agência RBS/1992

entrevista

Araújo, ao lado de Dilma e dos filhos Paula e, do seu primeiro casamento, Leandro

O primeir

A melhor amiga do advogado Carlos Franklin de Araújo é a presidenta Dilma Rousseff, sua ex-mulher. E vice-versa. Companheiros desde os tempos da clandestinidade, eles se falam quase todo dia Por Tom Cardoso 32

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“N

ega, você precisa aparecer por aqui”, diz Araújo, ao telefone, minutos antes de começar a conversa com a Revista do Brasil. Nega é a presidenta Dilma Rousseff. A relação dela com o ex-marido transcende a amizade. Ambos foram casados por quase 20 anos, tiveram uma filha, Paula, hoje procuradora do Trabalho, e viveram momentos de grande felicidade e sofrimento. Foram presos e torturados durante a ditadura – eram importantes quadros da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, a VAR-Palmares. Dilma caiu primeiro. Passou dias no pau de arara, tomando choques elétricos, mas não entregou o companheiro. Araújo faria o mesmo por Nega. Quando Dilma recebeu o convite para assumir o Ministério de Minas e Energia, sua primeira providência foi pegar um avião para Porto Alegre e conversar com Araújo. A viagem se repetiu quando foi indicada para chefiar a Casa Civil e, depois, para disputar a sucessão de Lula. Nas crises, ela também apareceu. Araújo, do alto de sua modéstia, nega o papel de “conselheiro”. Acha exagero. Diz conversar com Dilma mais sobre artes plásticas e literatura do que política. É difícil de acreditar.


ro-amigo Aos 73 anos, Araújo não perde o entusiasmo, apesar de o enfisema pulmonar limitá-lo fisicamente. Nos últimos tempos, as lideranças vão até ele. No dia anterior à entrevista, havia recebido para um jantar expressões como o ex-governador Germano Rigotto e o ex-prefeito Raul Pont. Araújo foi eleito três vezes deputado estadual entre os anos 1980/90 pelo PDT. Em 1988, perdeu para Olívio Dutra a disputa à prefeitura de Porto Alegre. Ao receber a reportagem em seu escritório com vista para o Rio Guaíba, disse que começou na política pichando muros da cidade com a inscrição “O Petróleo É Nosso” e relembrou momentos da época da ditadura, que incluem uma tentativa frustrada de suicídio. Divertiu-se ao falar de sua amizade com Leonel Brizola e de como o velho caudilho era temido pelo sindicalista Luiz Inácio da Silva. E contou sobre sua relação com Dilma Rousseff, a Nega.

O senhor ainda exerce uma liderança no Rio Grande do Sul. Dizem que ela aumentou depois que o senhor virou o “conselheiro” político­da presidenta da República...

Não tem essa história de conselheiro político. Nós somos amigos. Fui casado com ela, temos uma filha juntos, militamos na época da ditadura. É natural que se estabeleça uma relação de confiança. Mas daí dizer que eu sou seu conselheiro político... O pessoal exagera um pouco. Mas vocês conversam por telefone quase todos os dias. Falam de política, naturalmente.

Mas não só de política. Conversamos sobre tudo. Culinária, literatura, artes plásticas. Pouca gente sabe, mas Dilma é uma estudiosa do assunto. É apaixonada por artes plásticas.

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Jefferson Botega/Agência RBS

Conversamos sobre tudo. Culinária, literatura, artes plásticas. Pouca gente sabe, mas Dilma é uma estudiosa do assunto. É apaixonada por artes plásticas


entrevista Imagino que no meio da crise a conversa não gire em torno de pintores renascentistas...

Não há crise alguma. O Brasil vai crescer perto de 5%, com controle de inflação. Onde há crise? Não quero falar sobre o caso Palocci. Isso já é página virada. A Gleisi (Hoffmann, que assumiu a Casa Civil após a demissão) vai fazer um belo trabalho. Em que momento Lula passou a confiar plenamente em Dilma a ponto de indicá-la ao cargo mais importante de seu ministério?

Vou te contar uma história, que me foi relatada pelo próprio Lula. Na primeira reunião ministerial, a Dilma, como ministra das Minas e Energia, ficou o tempo toda calada, com o laptop aberto. Só se manifestou, balançando a cabeça, quando o Henrique Meirelles (presidente do Banco Central) começou a Quem falar. O Lula percebeu que Dilma havia ficado condisse que a oposição está trariada com algo, mas não disse nada. Na segunda e na terceira reunião foi a mesma coisa: o Meirelles enfraquecida? falava e a Dilma balançava a cabeça para os lados, Tem oposição quieta. O Lula foi conversar. E ela: “O Meirelles está mais dura e escondendo o leite, presidente”. Dilma disse a Lula combatente que iria ensiná-lo a ler o orçamento para nunca mais do que a ser “enganado” pelos ministros. Nasceu uma amizamídia toda? de ali que foi ganhando força naturalmente.

A Dilma anunciou 75 mil bolsas de estudos no exterior para estudantes brasileiros. Foi ignorada pelos jornais

Fernando Henrique chegou a desafiar Lula para uma disputa pela prefeitura de São Paulo. Quem teria mais chances?

Nas grandes capitais, a classe média sempre foi refratária ao PT. Mesmo assim, acho que o FHC não venceria tão facilmente. A tendência é que o PT conquiste, aos poucos, a classe média. O FHC tinha razão quando disse que os tucanos precisavam lutar para conquistar a nova classe média. Se não lutarem, não vai sobrar mais nada. Mas não é ruim para o país ter uma oposição tão enfraquecida?

Quem disse que a oposição está enfraquecida? A Dilma tem a mídia toda contra ela. O Lula também teve, mesmo batendo recordes de popularidade. Tem oposição mais dura e combatente do que essa? A Dilma anunciou que pretende conceder 75 mil bolsas de estudos no exterior para estudantes brasileiros. Uma medida sensacional, muito importante, mas praticamente ignorada pelos jornais. A Dilma foi para a China e os grandes jornais deram a notícia no pé da página. A mídia quer o poder. Não engole o PT no poder. Veja o Obama. Ele faz tudo o que a elite quer, mas a Fox News (a mais conservadora rede dos Estados Unidos) mete o pau nele todo dia. Mas lá não tem hipocrisia. As redes assumem suas posições políticas. O Brasil é o único lugar do mundo em que a mídia apoia um candidato, mas não assume. 34

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O senhor e Dilma se conhecem desde os tempos em que ela era a “Vanda” e o senhor o “Max”, na VAR-Palmares, há mais de 40 anos. J­á era possível identificar em Dilma características que a levariam tão longe politicamente?

Ela já era uma militante diferenciada. Tinha uma cultura acima da média. Mas claro que ela não ambicionava chegar tão longe. Ela queria mudar o país, era muito idealista. E ainda é.

Já era meio “gerentona”? Ela chegou mesmo a bater de frente com o capitão Carlos Lamarca?

A Dilma não é gerentona. Ela tem um traço centralizador, gosta de participar de todas as decisões. Mas sabe delegar. Não é verdade que ela entrou em choque com o Lamarca. Eles tinham funções diferentes. O Lamarca atuava na linha de frente. Já a Dilma tinha uma função mais estratégica, operacional. Algumas organizações recomendavam o suicídio do militante no momento da prisão para evitar que, sob tortura, ele delatasse companheiros. Parece que o senhor não foi lá muito eficiente em sua tentativa de suicídio...

Sim (risos). Eu me joguei debaixo de uma Kombi. Fui preso em meados dos anos 1970, em frente ao estádio do Palmeiras, na Rua Turiaçu. Quem me prendeu foi o delegado (Sérgio Paranhos) Fleury. Para não entregar o companheiro que morava comigo, disse que morava na Rocinha. Eu sabia que eles tentariam arrancar tudo de mim na base da tortura. A única solução honrosa era me matar.

Não tentou a cápsula da morte, elaborada por estudantes de Química?

Aquelas cápsulas não adiantavam nada. No máximo, davam uma caganeira (risos). E o que o senhor fez?

Eu disse que ia me encontrar com Lamarca na Lapa. Escolhi uma rua larga, com bastante trânsito. Quando caminhei em direção ao tal encontro, com eles me observando, vi uma Kombi em alta velocidade. Não tive dúvida: me atirei no chão e esperei que ela passasse por cima. Fiquei razoavelmente ferido. Acho que inconscientemente eu sabia que não ia morrer. Queria escapar da tortura. Não queria entregar ninguém. O senhor escapou?

Naquele momento, sim. Fui levado para o Hospital Militar. Eu estava todo estourado e os caras queriam me torturar ali mesmo. Só que as freiras, que formavam a estrutura do Hospital Militar, não deixaram. Ameaçaram criar o maior banzé. Fui interrogado por cinco dias, sem tortura. Nesse meio tempo, o meu companheiro de quarto conseguiu fugir.


É verdade (emocionado, interrompe a entrevista).

O senhor foi salvo pelas freiras, mas não escapou da tortura na Operação Bandeirante (Oban) e depois no Dops, de Romeu Tuma. Chegou a vê-lo nos porões do Dops?

Não. Eu tinha certeza que ela venceria. Houve um fator primordial que definiu as eleições, mas passou meio em branco pelos analistas. O fator Serra. O Serra desde criança só pensa nisto: virar presidente da República. A Dilma, não. Ela sabia que se perdesse a eleição a sua vida não terminaria ali. A vida de Serra acabou com sua derrota?

Não, nunca vi. Ele não participava das torturas, mas autorizava tudo aquilo. O que dá na mesma.

Não sei. Provavelmente será candidato novamente. Mas vai perder de novo. A oposição ficou sem discurso.

Não vamos falar de Romeu Tuma...

E Aécio Neves?

Não, não vamos.

Que tal de Leonel Brizola?

Grande Brizola!

Quando vocês se conheceram?

Na Campanha da Legalidade (movimento ocorrido após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, e que lutava pela posse do vice, João Goulart. Leia mais na pág. 36). Eu poderia passar uma semana aqui contando histórias. Pode começar...

Ah, lembro que em 1977 eu e a Dilma, na época minha mulher, resolvemos ir a Portugal para visitar o Brizola, exilado. Passamos por São Paulo e procuramos Lula para tentar convencê-lo a nos acompanhar na viagem. Ele já era um líder sindical importante, e eu achei que seria a hora de levá-lo para conhecer um mito da esquerda brasileira, como era o Brizola. Ele aceitou?

Que nada. O Lula, com toda aquela intuição dele, disse: “Carlos, eu não vou. Se eu for agora, ele me engole. Não estou preparado ainda”. E o Lula não estava mesmo. Só um líder como ele para perceber isso. Agora veja o que o destino aprontou para mim: virei conselheiro de três netos do Brizola. E gosto muito dos três. O Brizola Neto, que é deputado federal pelo Rio de Janeiro, tem um potencial muito grande. É muito preparado. Ele tem um blog, chamado Tijolaço, que foi o melhor blog da campanha da Dilma. O senhor participou intensamente da campanha de Dilma?

A distância. Mas, claro, em alguns momentos da campanha ela veio até em casa para conversar. Houve momentos conturbados, como o caso­ Erenice Guerra, ex-chefe da Casa Civil e de confiança de Dilma, que durante a campanha, acabou afastada. O senhor achou que Dilma perderia?

Enquanto ele for do PSDB, não vai ser candidato nunca. A hipótese é zero. São Paulo não deixaria. O PSDB vai quebrar o pau de novo e, na última hora, eles acabam escolhendo um candidato paulista. Vão colocar o Serra ou o Alckmin. Mas se for um candidato fabricado... Luciano Huck disse que sonha em disputar as eleições presidenciais. É amigo de Aécio.

Não adianta. O PSDB não deixaria.

O senhor parece não levar em conta que a política é cheia de tropeços. O próprio Lula passou por um momento conturbado, com o “mensalão”...

O mensalão não existiu. É uma invenção da mídia brasileira. Todos os partidos, sem exceção, tinham sobras de campanha. Não era um “esquema” inventado pelo PT, e sim uma prática lamentável usada por todos os partidos, inclusive pelo PSDB.

fotos Jefferson Botega/Agência RBS

Dilma foi presa meses antes. Passou dias sendo torturada no pau de arara e com choques elétricos, mas não entregou o senhor.

Não tive dúvida: me atirei no chão e esperei que a Kombi passasse por cima. Acho que no meu inconsciente eu sabia que não ia morrer. Queria escapar da tortura. Não queria entregar ninguém

A oposição diz que o Brasil vai passar vergonha na Copa do Mundo e na Olimpíada. As obras nos estádios estão atrasadas, os velhos problemas de infraestrutura não serão resolvidos até 2014. Tem a questão dos aeroportos...

Vai dar tudo certo. Se não der, coloca dinheiro em cima que sai. Isso é capitalismo. Não vejo problema nenhum. Claro que pode ter um probleminha aqui, outro ali, como ocorre em qualquer país, mas nada substancial. Só em São Paulo parece que está complicada a questão do estádio do Corinthians. Tem coisa que só acontece com o Corinthians (risos). Mas vai dar certo. É um absurdo não ter Copa em São Paulo.

Com esse otimismo todo, o senhor não pensa­ em se candidatar novamente a um cargo majoritário­?

Não tem condições, eu tenho deficiências respiratórias por causa de um enfisema. Mas não me sinto isolado. Minha casa vive cheia de gente, cheia de políticos. Eu continuo, de alguma forma, fazendo política. Faz parte da minha natureza.

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IVO BARRETI/AE

história

Resistência Com receio de um ataque, soldados montaram barricadas em Porto Alegre

O primeiro levante gaúcho

O

título deste pequeno ensaio de memória é uma paródia (não uma crítica) ao excelente livro de Joaquim Felizardo, A Legalidade – Último Levante Gaúcho (Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1988), um dos melhores sobre o tema. A obra de Felizardo cria uma linhagem histórica que inclui a Campanha pela Legalidade, de 1961, no panteão heroico da mitologia gaúcha. Pode-se alinhar como 36

Julho 2011 REVISTA DO BRASIL

“levantes gaúchos”: 1) a Guerra dos Sete Povos das Missões, no século 18, liderada pelo cacique/corregedor de São Miguel, Sepé Tiaraju, contra os exércitos de Espanha e Portugal; 2) a Revolução Farroupilha (1835-1845), a mais longa guerra civil brasileira, em que se misturavam reivindicações pela diminuição do imposto sobre o charque, desavenças políticas regionais e intrigas maçônicas com veleidades republicanas, revolucionários italianos românticos e até, para alguns, a abolição

Acervo Fotográfico do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Ao contrário das revoltas eclodidas no Rio Grande do Sul, a Rede da Legalidade liderada por Brizola há 50 anos foi um movimento pelo respeito às regras do jogo e à democracia Por Flávio Aguiar

liderança radiofônica Do subsolo do Palácio Piratini, o governador Leonel Brizola foi a voz da Rede da Legalidade


vitória Sem combate Soldados na capital gaúcha: a Campanha da Legalidade permitiu a posse de Jango

-presidente eleito, João Goulart, depois da renúncia de Jânio Quadros.

DOMICIO PINHEIRO/AE

Era de turbulências

renúncia Jânio Quadros abandonou a Presidência em agosto de 1961 e abriu caminho para o golpe de 1964

Povos, em que índios guaranis, apoiados por alguns jesuítas, se insurgiram contra a aplicação do Tratado de Madri entre Portugal e Espanha (construído, sobretudo, pelo esforço do santista Alexandre de Gusmão, considerado até hoje uma pedra fundamental da história diplomática do Brasil, ainda que feito sob soberania lusa). Já “a Legalidade”, como é comumente chamada, foi o primeiro “levante” (armado, ainda que sem lutas concretas) a favor da manutenção da ordem constitucional, violada pelos golpistas, que queriam impedir a posse do vice-

arquivo/ae

da escravidão; e 3) a Revolução Federalista (1893-1895), uma das mais sangrentas guerras civis do país, opondo castilhistas centralizadores e maragatos federalistas, cujas lutas chegaram até o Paraná. Já no século 20, vieram somar-se a essa lista: a Revolução de 1923, novamente entre os agora herdeiros do castilhismo, os borgistas, e os maragatos, novamente em armas e engrossados por muitos dissidentes dos adversários, descontentes com a prolongada presença de Borges de Medeiros no governo estadual; e a Revolução de 1930, que, unindo as duas­ correntes, borgistas e maragatos, levou Getúlio Vargas ao poder no Palácio do Catete e os gaúchos a amarrar as rédeas­de seus cavalos no obelisco da Cinelândia. A Campanha da Legalidade, em 1961, seria assim o último levante armado, embora não houvesse agora combates contra o “poder central” – no caso, constituído pelos ministros militares encastelados em Brasília, e não no Rio de Janeiro. Acontece que, nessa linhagem mítico-histórica, a Campanha da Legalidade apresenta uma diferença fundamental em relação a todas as outras. As anteriores sempre representavam uma forma de ruptura com a ordem institucional, incluindo a chamada Guerra dos Sete

Houvera um precedente curioso, em 1955. Uma tentativa da UDN (o partido liderado por Carlos Lacerda) de afastar a possibilidade da posse de Juscelino­ Kubitschek e de João Goulart, como presidente e vice, eleitos em 3 de outubro. Numa movimentação confusa, Café Filho (presidente depois do suicídio de Vargas) licenciou-se e internou-se num hospital. Passou o cargo ao presidente do Senado, Carlos Luz. Carlos Luz era contrário à posse de Juscelino e, para remover obstáculos a esse propósito, criou uma situação insustentável para o ministro da Guerra (como então se dizia), marechal Henrique Teixeira Lott, que acabaria mesmo renunciando. Lott era favorável à posse e, portanto, à manutenção da ordem constitucional. De 10 para 11 de novembro, porém, com apoio de outros oficiais de alta patente, o marechal armou para afastar Carlos Luz do cargo, tendo este se refugiado num cruzador, o Tamandaré. A embarcação, onde estava também Lacerda, foi alvejada por baterias do Exército. Carlos Luz queria dar um golpe disfarçado, votando leis no Congresso que legitimassem a trapaça. Teixeira Lott deu um golpe no golpe, um contragolpe, defendendo a legalidade constitucional. No meio desse nó, Lacerda acabou refugiado na Embaixada de Cuba. Café Filho quis reassumir o cargo, obviamente para dar continuidade ao golpe frustrado. Lott o impediu, mantendo-o fechado (preso, portanto) em seu apartamento. Empossado, Juscelino anistiou todo mundo. Por esse antecedente, pode-se dizer que a Campanha da Legalidade, em 1961, foi o último movimento feito ainda sob a sombra do suicídio de Vargas, o presidente que havia resistido à bala à sua deposição: uma única bala. A Campanha pela Legalidade teve nela sua força e sua fraqueza. A multidão de jovens e adultos que se reuniam diariamente em frente ao Palácio Piratini, em Porto Alegre, nascera, ou crescera, sob o Estado Novo. A Democracia e a Legalidade, assim com maiúsculas, eram valores maiores. Foram esses valores que consolidaram REVISTA DO BRASIL julho 2011

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arquivo/ae

história

Parlamentarismo Em frente ao Palácio do Planalto, João Goulart assume a Presidência ao lado do primeiro-ministro, Tancredo Neves

a verdadeira “frente ampla” formada contra os golpistas. E foi a essa frente que a Rede da Legalidade, pelo rádio e liderada por Leonel Brizola, deu voz nacional. Ao mesmo tempo, a bandeira condicionou o movimento: quando o Congresso Nacional aprovou a emenda parlamentarista, o movimento encontrou seu Waterloo­simbólico. Sua continuidade exigia uma postura revolucionária – novamente de ruptura da ordem institucional –, e dessa vez, apesar da grita de muitos populares, o Rio Grande não foi atrás dessa ruptura. A revolução não houve, ficou pelo meio. Ainda mais porque Jango, solertemente, preferiu negociar com o enviado do Congresso – Tancredo Neves (que ele encontrou ainda em Montevidéu) – a ficar sob a batuta do cunhado Leonel Brizola, o que acabaria acontecendo. Por sua vez, a Campanha da Legalidade – que no plano imediato se esvaziou parcialmente, apesar de ter impedido o golpe – ficou assim inconclusa, embora tenha sido entronizada no panteão dos feitos heroicos do Rio Grande do Sul. Para as gerações que a acompanharam foi mar38

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cante, uma iniciação ou uma realização. Tudo o que aconteceu à esquerda no Rio Grande do Sul a partir de então foi feito pelo menos um pouco sob sua sombra, ou sua memória, mais ou menos sublinhada. Isso inclui dos atos de resistência à ditadura militar, afinal triunfante em 1964, à eleição inédita do PT a quatro mandatos consecutivos em Porto Alegre, para dar um exemplo. Inclui também a quase solitária vitória de Lula no Rio Grande do Sul, no segundo turno, em 1989, com o apoio de Brizola, as eleições de Olívio Dutra e, mais recentemente, de

Tarso Genro para o governo do estado. Às vésperas de completar seu cinquentenário, ela foi novamente lembrada no ano passado, quando se desenhou o segundo turno nas eleições presidenciais, e o clima de vale-tudo que a direita, apoiando Serra, desencadeou. A frente pró-Dilma que se formou, sob a liderança do governador recém-eleito (no primeiro turno, fato também inédito no estado até então), Tarso Genro, invocou a legenda da Legalidade. Com a vitória de Dilma, quem sabe a Campanha de 1961 tenha chegado agora, de fato, a seu destino.

Pampa insurgente Há outros levantes na história do Rio Grande do Sul que, por sua natureza diversa, não entraram neste panteão. Em 1874, houve a chamada “Guerra dos Mucker”, uma revolta na colônia alemã que terminou (para variar) em massacre. Em 1930, em meio à balbúrdia da Revolução de 1930, comunistas proclamaram um “soviete” (!) na cidade fronteiriça de Itaqui, o que terminou também em massacre. Para finalizar, lembremos que a Coluna Prestes (1924-1927) começou no Rio Grande do Sul, na região missioneira. Mas extrapolou o estado, e não se tornou, embora venerada por uns e execrada por outros, um “levante gaúcho”. No dizer de Anita Leocádia, filha do Cavaleiro da Esperança com Olga Benário, ela se tornou “uma epopeia brasileira”.


MauroSantayana

Perigos do retrocesso

H

á algumas atitudes do governo que começam a preocupar os setores mais sensatos da intelectualidade e dos meios sindicais brasileiros. É notória a pressão que vem sofrendo a presidenta Dilma Rousseff para que se desvie de seu projeto de combater as desigualdades, internas e entre as nações. Como sempre, querem que o governo governe “para o mercado”, e não para o povo. Foi importante, e politicamente natural, que as organizações populares dessem todo o seu apoio ao presidente Lula, e aceitassem alguns sacrifícios, em nome da estabilidade governamental. Os sindicatos admitiram que o governo convocasse grandes empresários nacionais a fim de constituir um conselho – extraconstitucional – para assessorar a administração, no qual os trabalhadores não tinham peso equivalente. Da mesma forma, eles admitiram alianças para que o presidente da República pudesse dispor de maioria no Congresso Nacional. Mas, agora, é importante que os trabalhadores e os jovens exerçam sua vigilância e se manifestem, porque, sob o disfarce do entendimento nacional, as mesmas forças entreguistas de sempre voltam a se articular para a retomada do processo de privatizações. Essa mobilização reúne a grande imprensa, banqueiros e empresários associados a multinacionais e agências de governos estrangeiros. O objetivo é impedir o cumprimento do grande projeto nacional de desenvolvimento soberano, iniciado por Vargas, continuado por Juscelino e, façamos justiça, mantido pelo general Geisel. As mesmas forças que criaram e nutriram, enquanto puderam, o governo entreguista de Collor e o de Fernando Henrique, aproveitando-se do silêncio das forças populares, avançam agora sobre o governo Dilma Rousseff. São inquietantes os sinais. O governo parece ter recuado da necessária reconstrução da Telebrás. Qualquer pessoa de bom senso sabe que as chamadas vantagens da privatização da telefonia constituem uma falácia. O desenvolvimento da tecnologia das comunicações eletrônicas (para o qual contribuímos, com as pesquisas avançadas, feitas por engenheiros brasileiros) possibilitou a redução dos custos dos aparelhos e dos sistemas operacionais, com imensos lucros para as

É preciso que os trabalhadores e estudantes tenham consciência de que lutar contra as novas privatizações não é ir contra o projeto de governo da presidenta Dilma, mas sim em seu apoio empresas, fossem elas estatais, fossem privadas. O que fez com que os celulares se tornassem tão baratos não foi a privatização, foi a tecnologia. Na China, onde todas as grandes empresas estão sob o controle do Estado, há tantos celulares como no Brasil – e fabricados lá mesmo. O sistema Telebrás, mantido sob controle público, seria hoje um dos maiores conglomerados do mundo e estaria ajudando nossos vizinhos a desenvolver os próprios projetos. Os grandes lucros auferidos pelas empresas estrangeiras – hoje enviados para o exterior – estariam promovendo o desenvolvimento tecnológico nacional e criando mais empregos entre nós. Além da grossa corrupção que houve nas privatizações, o negócio, do ponto de vista da economia nacional, foi um desastre. Iniciamos o processo no governo FHC com uma dívida pública de US$ 60 bilhões e o encerramos com mais de US$ 700 bilhões. É preciso que os trabalhadores e estudantes tenham consciência de que lutar contra as novas privatizações não é ir contra o projeto de governo da presidenta Dilma, mas sim em seu apoio. Argumentam alguns que a urgência reclama a privatização de certas obras e serviços. Juscelino foi acossado pela mesma urgência, que foi a de contrair o tempo, realizando em cinco anos o que levaria 50. Uma tática de JK foi criar grupos executivos, independentes da burocracia governamental e das pressões políticas. Vários desses grupos foram dirigidos por engenheiros militares, como o da implantação da indústria automobilística, sob a chefia do almirante Lúcio Meira. É preciso reagir, enquanto ainda há tempo. REVISTA DO BRASIL julho 2011

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cinema

Getúlio em três tempos Caixa lançada pelo documentarista Eduardo Escorel esmiúça, com riqueza de imagens e depoimentos, o contexto e o legado da Era Vargas Por Eduardo Maretti

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cineasta Eduardo Escorel passou anos reunindo imagens, depoimentos de intelectuais e historiadores e tramando um roteiro consistente. O resultado parcial coube numa caixa com três volumes em DVD – Era Vargas: 1930-1935. Longe de propor um julgamento dos valores, Escorel lança luzes sobre sombras e mitos que perpassam acontecimentos das últimas nove décadas – com cenas e fotos, muitas inéditas, a partir dos anos 1920. “Não há um Vargas benévolo e um malévolo”, assinalou o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro. Há apenas um Getúlio Vargas. Pinheiro participou de uma conversa com o diretor e o historiador Boris Fausto num evento de lançamento da obra, em junho. Para ele, a tortura, tal como se conhece hoje, surgiu entre 1935 e 1937. Boris Fausto relativizou o radicalismo: “Entre 1930 e 1937, foi imensa a quantidade de livros produzidos no Brasil, o que mostra a importância das mudanças que (o período) proporcionou ao país”.

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O primeiro filme, 1930 – Tempo de Revolução, traz imagens do Rio dos anos 1920, capital federal. Na montagem, paisagens são sobrepostas por imagens atuais, como o Canal do Mangue, com efeito mágico: sentimentos vão em alguns segundos da nostalgia do preto e branco ao deslumbramento das cores presentes. Escorel sabe fazer cinema. O episódio se concentra no período em que os grandes proprietários rurais de São Paulo e Minas revezavam-se no comando da política do café com leite. Na época, mais de 60% dos brasileiros viviam no campo, os presidentes eram eleitos por menos de 3% da população, as mulheres não votavam, os coronéis davam as cartas e o voto de cabresto era a lei. Assiste-se às mais antigas imagens de uma campanha presidencial no Brasil, de Arthur Bernardes para suceder Epitácio Pessoa. Apesar de o anarcossindicalismo ter marcado época com mobilizações e greves a partir dos anos 1910, os trabalhadores entraram nos anos 20 sem os direitos pelos quais tanto lutaram.

Dos ecos da campanha civilista de Rui Barbosa no início do século 20 à guerra civil no Rio Grande, em 1923; da revolta tenentista e da formação da Coluna Prestes à sucessão do mineiro Arthur Bernardes pelo paulista Washington Luís, a história chega a Vargas, nomeado ministro da Fazenda em 1926. Quatro anos depois, Washington Luís­ indica outro paulista, o governador Júlio Prestes, à sua sucessão. A ruptura do café com o leite precipita a união de mineiros e gaúchos na fundação da Aliança Liberal, que lança como candidatos Getúlio e João Pessoa, com uma plataforma que defendia voto secreto, voto feminino, jornada de trabalho de oito horas. Mas Júlio Prestes é eleito em março de 1930, sob suspeita de fraude. A obra não se limita à narrativa histórica, o que a tornaria comum. Incorpora elementos culturais e artísticos e a evolução tecnológica – como o papel do rádio na modernização da propaganda. Os depoimentos de veteranos dos levantes dão vida aos documentários.


acervo iconografia

união nacional Luiz Carlos Prestes logo atrás de Getúlio, em comício no Pacaembu: apoio ao governo

Se a eleição parecia encerrar um ciclo de conspirações, um tiro mudou o rumo da história. O assassinato de João Pessoa (em 26 de julho de 1930) transformou o líder paraibano em líder de uma “revolução que ele próprio condenava”, diz Barbosa Lima Sobrinho. Em outubro de 1930, Washington Luís é preso no Forte de Copacabana e Getúlio é reconhecido como chefe do governo provisório, os tenentes derrotados em 1924 são recebidos em festa pelos paulistas. A República Velha chega ao fim. O filme que aborda 1932, A Guerra Civil, mostra como é falso o mito segundo o qual a Revolução Constitucionalista era separatista. Diz o mestre Antonio Candido: “O movimento de 32 era de homens movidos por sentimentos civilistas”. A luta era por uma nova Constituição e liberdades políticas. O ideário paulista era “federalista, civilista, liberal e socialmente conservador, contra o governo central, que era autoritário e socialmente reformista”, diz a narrativa. Os paulistas eram conservadores, suge-

re um sutil Antonio Candido, com a elegância que lhe é peculiar. Seja como for, sem a adesão de Minas e do Rio Grande do Sul, não havia como a revolução paulista sair-se vitoriosa. Em 1935 – O Assalto ao Poder, que fecha a série (tem cerca de 90 minutos, e os outros, 50 cada um), descrevem-se os sinuosos movimentos e a inteligência política de Getúlio Vargas; a ambiguidade da atuação de Luiz­Carlos Prestes; o surgimento do integralismo de Plínio Salgado, fascista, e, em oposição, a fundação da Aliança Nacional Libertadora, comunista; os equívocos da esquerda brasileira; o endurecimento jurídico; os levantes reunidos sob o rótulo de Intentona Comunista; a institucionalização da tortura e o golpe constitucional de Vargas, que forma a Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo (janeiro de 1936) e o Tribunal de Segurança Nacional. “A última etapa da escalada autoritária”, narra o filme, viria no ano seguinte.” A ditadura do Estado Novo tem início em novembro de 1937.

Longe do epílogo Para quem ainda se surpreende com os dias atuais, a revisão da história ensina que o mundo da política dá muitas desde sempre. Em 1945, Luiz Carlos Prestes participa de grande comício no Pacaembu. Anistiado por Getúlio depois de nove anos de prisão e secretário-geral do Partido Comunista desde 1943, Prestes defendia uma política de união nacional em apoio ao governo Vargas, após este declarar guerra à Alemanha nazista. Em 1946, Vargas e Prestes sobem no mesmo palanque e se encontram na mesma tribuna. Getúlio é eleito senador pelo Rio Grande do Sul; Prestes, pelo Rio de Janeiro. No ano seguinte o PCB já estava novamente na clandestinidade, vítima da Guerra Fria e de um legado de ódio que se expandiria pelas próximas décadas. Depois de algumas tentativas de golpe – como a de meados do anos 1950, para impedir a posse de JK, e em 1961, a de João Goulart, Jango –, as mesmas forças “ocultas” derrotadas por Vargas nos anos 1920 conseguem, enfim, em 1964, golpear as instituições e impor uma ditadura que duraria 21 anos, cujas feridas até hoje ainda não cicatrizaram. A força dessa cronologia mexe com a veia cinematográfica de Escorel. “No momento temos em finalização para lançamento no primeiro semestre de 2012 a continuação da série, 1937-45 – Imagens do Estado Novo. Pretendemos iniciar a partir de agosto a elaboração de outro capítulo, dedicado ao período 1945-1954”, prevê Escorel, sem desanimar: “Tendo iniciado a série em 1990, teremos levado 22 anos para cobrir o período até 1945. Com a idade que estamos, nesse ritmo, teremos que deixar para nossos netos a tarefa de completar a série”, brinca, revelando o projeto de recontar os fatos até 1985, início da redemocratização­. Colaborou Paulo Donizetti de Souza

Curta essa dica

Era Vargas: 1930-1935 – caixa com três DVDs. Direção de Eduardo Escorel. Texto de Sérgio Augusto e Eduardo Escorel. Narração de Edwin Luisi e Paulo Betti. Preço sugerido: R$ 60 REVISTA DO BRASIL julho 2011

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futebol

Ideologias em campo Ex-jogador e ativista austríaco discute em livro dilemas do futebol. Contaminado por elitismo, racismo, machismo e homofobia, o esporte é ao mesmo tempo capaz de unir pessoas e agremiações contra tudo isso Por Renato Pompeu

U

m livro sobre futebol e ideologia lançado em inglês no início deste ano merece tradução imediata em português. Trata-se de Soccer vs. the State – Tackling Football and Radical Politics, obra do ex-jogador, escritor e líder anarquista austríaco radicado na Suécia­Gabriel Kuhn, publicada pela PMPress dos Estados Unidos. Uma tradução livre do título seria “O futiba vs. o Estado – Dando um Carrinho no Futebol e na Política Radical”. Kuhn faz inicialmente uma história sobre as verdades e os mitos do futebol como um esporte das classes trabalhadoras. Ele nota como o mito da ligação dos operários industriais com o futebol tem fundamento na história de um esporte que, embora desenvolvido nas aristocráticas escolas inglesas no século 19, em poucas décadas se tornou a atividade preferida dos trabalhadores ingleses, que o espalharam igualmente entre os trabalhadores da Europa e da América Latina. Também observa como o futebol deu lugar ao críquete e ao rúgbi em países dominados pela Grã-Bretanha, como a Índia e a África do Sul, para onde não foram trabalhadores, e sim militares e altos funcionários britânicos. Nos Estados Unidos, o soccer foi introduzido no século 19 em universidades como Harvard, que logo o substituíram pelo rúgbi e pela sua derivação, o futebol americano. Lá, o nosso futebol continuou popular entre os trabalhadores imigrantes, primeiro de origem europeia e depois latino-americana. O esporte também é popular na classe média alta e especialmente entre 42

Julho 2011 REVISTA DO BRASIL

as mulheres americanas. Kuhn chama a atenção para o fato de que, no Brasil, o primeiro time de futebol oficial a admitir brasileiros foi o Mackenzie, uma instituição americana, na passagem do século 19 para o 20. Conta ainda como o esporte esteve estreitamente ligado ao sindicalismo de esquerda nos EUA. De início, na Europa e na América Latina as lideranças socialistas, anarquistas e comunistas viam o futebol como um jogo que desviava a atenção das camadas populares quanto à situação econômica, social e política. Logo, porém, parte de tais lideranças se deu conta de que o futebol era não só um modo de expressão cultural e artística dos trabalhadores, mas também uma maneira de organizá-los. Na Alemanha do início do século 20 surgiram duas federações, uma de times socialistas, outra de times anarquistas. Ambas foram depois proibidas pelos nazistas. O Uruguai também viu nascer, nos anos 1920, uma liga anarquista. Muitos clubes hoje profissionais e populares foram fundados por trabalhadores es-

Sem cartola Danilo Cajazeira, do Autônomos FC: “Nunca houve necessidade de pôr nossos princípios por escrito, porque sempre tivemos certeza deles: antirracismo, anti-homofobia, antimercantilização, solidariedade, autogestão”


Danilo Ramos

querdistas, em especial na Europa e na América Latina. Na África, houve equipes criadas por nacionalistas e anticolonialistas. Kuhn discute ainda outro aspecto: como o futebol funcionou como “ópio do povo”. Um dos pioneiros a tirar proveito dos triunfos no esporte foi Mussolini na Itália fascista, que desfrutou da aura de heroísmo da seleção italiana, vencedora das Copas de 1934 e 1938. Isso se repetiria nos regimes autoritários da América Latina e da África. É notável o depoimento de uma presa política argentina ao lembrar que, em pleno cárcere, quando a seleção de seu país se tornou campeã mundial em 1978, ela abraçou... seu próprio torturador! O livro narra também como o Partido Comunista Francês, no auge de sua popularidade, no início da segunda metade do século 20, chegou a manter um semanário exclusivo sobre o futebol, em que procurava convocar torcedores, jogadores amadores e profissionais para a luta política contra a mercantilização do esporte.

Chuteiras e véus

Um grande espaço do livro é dedicado às mulheres, que mantinham times de futebol já na Inglaterra do século 19. Um time profissional inglês feminino, em excursão pelos Estados Unidos no começo do século 20, colecionou vitórias contra times masculinos. Depois, o futebol de mulheres se tornou praticamente proibido até os anos 1970. Hoje é imensamente popular em países como Estados Unidos, Alemanha, Suécia, China e até Irã, embora suas praticantes sejam oficiosamente proibidas pela Fifa de participar de competições internacionais, pois a entidade não aprova o curto véu que insistem em usar. A obra de Kuhn reproduz uma carta que o subcomandante Marcos, do Exército Zapatista de Libertação do México, dirigiu em maio de 2005 a Massimo Moratti­, presidente da Internazionale de Milão, em agradecimento por seus jogadores terem doado dinheiro, ambulância e uniformes de futebol aos rebeldes mexicanos. Na ocasião, o capitão do time italiano, o argentino Javier Zanetti, declarou em carta:

“Acreditamos num mundo melhor, num mundo não globalizado, enriquecido pelas diferenças culturais e pelos costumes de todos os povos. É por isso que queremos apoiá-los nesse combate para manterem suas raízes e lutarem por seus ideais”. Mas a preocupação maior de Kuhn é documentar a luta política de esquerda contra a comercialização e a elitização do futebol, assim como contra o chauvinismo, o racismo, o machismo e a homofobia de setores da torcida em todos os países. O autor enfatiza, ainda, a luta em favor da prática do futebol (as pessoas não deveriam se limitar a ver, mas deveriam também jogar) e das ligas alternativas, em especial as organizadas por esquerdistas e anarquistas como ele. Por exemplo, times de comunistas e de anarquistas chegaram a se enfrentar em Berkeley, centro universitário da Califórnia, Estados Unidos. De interesse particular para os brasileiros é a entrevista com Danilo Cajazeira, do Autônomos FC de São Paulo. Conta Cajazeira: “O Autônomos FC foi fundado em maio de 2006 por um grupo de punks que estavam cansados de ser questionados por outros punks a respeito de sua paixão pelo futebol e de ser questionados por torcedores de futebol a respeito de sua paixão pelo punk. Pensamos que seria melhor simplesmente misturar as duas coisas e avaliamos que a paixão pelo faça-você-mesmo do punk, misturada com a paixão pelo futebol, só nos fortaleceria”. E prossegue: “Nunca houve necessidade de pôr nossos princípios por escrito, porque sempre tivemos certeza deles: antirracismo, anti-homofobia, antimercantilização, solidariedade, autogestão. A ambição do clube era jogar futebol e divulgar a mensagem de que, se todo mundo pode jogar futebol, todo mundo pode participar do desenvolvimento da sociedade. Hoje temos dois times de futebol de campo de homens e um time de futebol de salão de mulheres, e a cada jogo mais gente aparece”. A grande esperança de Cajazeira é organizar na América Latina uma copa do mundo alternativa, como a realizada anual­ mente na Europa. “Recentemente­fiquei sabendo do Club Social, Atlético y Deportivo Ernesto Che Guevara, na Argentina. Já discutimos para agendar um encontro para trocar experiências e organizar a Copa Alternativa Sul-Americana­.” REVISTA DO BRASIL julho 2011

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A cena black

reunida

E

m 2004, a cantora Sandra de Sá lançou um álbum chamado Música Preta Brasileira, brincadeira com a sigla MPB. Sete anos depois, rola na Arena Anhembi, em São Paulo, entre 22 e 24 de julho, a primeira edição do Black na Cena Music Festival, com grandes nomes da música black brasileira e internacional. E o que um caso tem a ver com o outro? Além da presença da cantora, a preocupação em demonstrar como a raça negra é fundamental na música do Brasil e do mundo. A ideia do Black na Cena surgiu há um ano e meio e nunca houve festival do gênero no Brasil. São três dias divididos em clássico, popular e rap, com a expectativa de reunir 60 mil pessoas. “A realização é um grande reconhecimento à música e aos artistas influenciados pela cultura afro”, afirma Ricardo de Paula, diretor da Entre Produções, idealizador e realizador do festival. A primeira atração, na sexta-feira 22, é o músico norteamericano George Clinton, que completa 70 anos no dia. Clinton é considerado um dos mais importantes nomes do funk, ao lado de James Brown e Sly Stone.

Na mesma noite se apresenta Seu Jorge. Antes de mergulhar no sonhado mundo da música, o cantor carioca já havia trabalhado em borracharia, marcenaria, como office-boy, e entrou no Exército. O prazer mesmo ele buscava nas rodas de samba e bailes funk no subúrbio do Rio. Nome consolidado no cenário cultural, Seu Jorge tem como uma de suas referências Wilson Simonal – que será homenageado pelos filhos Max de Castro e Wilson Simoninha, com o “Baile do Simonal”, também na noite de estreia do festival. Da mesma geração de Simonal, Tony Tornado, de 81 anos, subirá ao

George Clinton

Sandra de Sá

Seu Jorge

Pato Banton


a

informe publicitário

palco em seguida para interpretar sucessos como BR-3, com a qual venceu o 5º Festival Internacional da Canção, em 1970. Ambos despontaram na época em que os afro-americanos lideraram o chamado Black Is Beautiful – movimento nos Estados Unidos de reação ao preconceito racial –, que deu título

graças a sucessos como País Tropical, Chove Chuva e W Brasil. Em 2006, a banda norte-americana Black Eyed Peas regravou, com o pianista brasileiro Sergio Mendes, o primeiro sucesso de Benjor, Mas Que Nada, de 1963, e fez ferver as pistas do mundo todo. O cantor britânico Pato

músico de dub Mad Professor, o DJ e produtor musical jamaicano Lee “Scratch” Perry, o ex-Rappa­Marcelo Yuka e o rapper paulistano Xis. A noite do domingo é dedicada ao cenário hip-hop, que surgiu, na década de 1970, nas áreas centrais de comunidades jamaicanas,

Festival no Anhembi celebra a diversidade, a força e o suingue da música negra, no Brasil e no mundo à canção de Marcos e Paulo Sérgio Valle, gravada por Elis: “Hoje à noite, amante negro eu vou/ Vou enfeitar o meu corpo no seu/ Eu quero este homem de cor/ Um deus negro do Congo ou daqui!/ Que se integre no meu sangue europeu”. “Hoje temos uma evolução na questão racial, há mais consciência de que negra é a música que o brasileiro faz. Somos o povo mais suingado e com a melhor música do mundo, que é negra. Eu canto Flor de Lis, de um alagoano (Djavan), e Madalena, de um garoto da zona sul carioca (Ivan Lins), e o suingue é o mesmo”, afirma Sandra de Sá, que encerra a primeira noite, após a apresentação da banda de sambarock Farufyno. Sandra de Sá começou a ficar conhecida ao integrar um movimento ocorrido na segunda metade da década de 1970, que fundia a soul music com o samba e outros ritmos do Brasil. Representante e homônima desse movimento, a Banda Black Rio, formada em 1976, se apresenta na segunda noite do festival. Jorge Benjor, de 69 anos, também estará lá. Com sua batida diferenciada e atual de violão, Benjor é dos artistas brasileiros mais prestigiados mundialmente,

Banton, de 60 anos, exintegrante da banda UB40, é outro que esquenta a noite do sábado. O artista diz amar o Brasil e considera oportuna a realização do festival. “A música negra é muito respeitada, mas, para que os negros vivam num mundo melhor, eles também precisam ter seus direitos respeitados”, diz. Ainda no sábado, tocam o

Jorge Benjor

latinas e afro-americanas de Nova York. Representando os norte-americanos no festival estarão a banda Naughty by Nature e os rappers e atores Method Man e Redman. Da cena brasileira, subirão ao palco Sandrão, Russo, Bocage e Banda Soul 3, Thaíde, RZO e Racionais MC’s. No Black na Cena também haverá espaço para outras manifestações. “A gente se preocupou em montar um evento que mostre, por meio da música e de algumas manifestações artísticas, a influência da cultura afro na nossa sociedade. O grafite, a dança (break) e o DJ constituem, com o rap, o quadripé do hip-hop. Achamos muito importante que essas manifestações façam parte da festa e contagiem o público”, diz o produtor Ricardo de Paula.

Black na Cena Dias 22, 23 e 24 de julho no Sambódromo do Anhembi. Informações sobre pontos de venda, compras on-line, programação completa, promoções e pacotes: www.blacknacena.com.br


viagem

Mariano: amor e respeito pela terra

No colo da Serra Eles falam português e têm luz elétrica. Conversam em guarani e ensinam a suas crianças: os recursos naturais, os seus valores e a sua cultura são sagrados

Por Ísis Osti. Fotos de Adriano Ávila

“A

gente agradece por tudo que a terra dá. As pessoas­ pensam que a gente tem vários deuses, deus da chuva, deus da terra... mas não é assim. A gente agradece cada ação da natureza, a chuva, a falta dela, o sol, os animais, a terra, as plantas. Aqui, a gente entende a natureza.”

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Enquanto uma de suas filhas tece um colar feito de miçangas e ossinhos do tatu assado há algumas semanas, Mariano, líder Guarani, expressa o amor e o respeito pela terra que alimenta seu povo, na Reserva Indígena do Rio Silveira. Dá para ver o céu e ouvir o mar da rodovia que leva à reserva, na encosta da Serra do Mar, entre as cabeceiras do Rio Silveira e do Ribeirão Vermelho, em Boraceia, litoral norte, a 200 quilômetros de São Paulo. Uma pequena ponte e uma porteira separam a estrada dos seis grupos de famílias que formam a aldeia. Demarcada em 1987, a reserva ocupa uma área de mais de 948 hectares de Mata Atlântica e abriga 495 índios tupi-guaranis, todos com os mesmos preceitos de Mariano: a caça, a pesca e a agricultura devem ser respeitadas, assim como o clima e a disponibilidade­dos recursos­ naturais. A natureza vem dividindo espaço com a tecnologia, pelo menos para as novas gerações. Nas ocas, televisão, geladeira, chuveiro quente e até computador começam a se estabelecer como algo indispensável. Mas todas mantêm a tradição: são feitas de taipa e cobertas por folhas de palmeiras. “Essa casa é moderna, chique, MP3, PlayStation 2, 3. Antes a gente morava lá

em cima, perto do rio, onde as casas eram quadradas. Essa é redonda, adaptada dos outros índios do Xingu”, sorri Mariano. Apesar da cozinha e do banheiro de alvenaria e da invasão dos eletrodomésticos e celulares, os índios mais velhos resistem diariamente para manter vivas suas tradições e costumes. Prova disso é a língua materna, o guarani, que falam o tempo todo, além do português, quando necessário. A aldeia, que conta com o apoio das prefeituras de São Sebastião e de Bertioga, tem duas escolas indígenas, onde as aulas são em português e em tupi-guarani. A importância de preservar a identidade étnica está presente na rotina, nos artesanatos esculpidos em madeira e bijuterias confeccionadas com sementes e miçangas. Além disso, os guaranis são agricultores natos, cultivam batata-doce, milho, mandioca e palmito. Palmeiras juçara, pupunha e açaí compõem a paisagem perto das ocas. A demanda em todo o país contribuiu para que a espécie se tornasse uma das mais exploradas da Mata Atlântica, correndo risco de extinção, já que a extração do palmito implica sacrifício da planta inteira. Por isso é considerada crime ambiental, com plantio, cultivo e colheita sob regras rigorosas.

Entre as palmeiras A aldeia tem duas escolas. As aulas são em português e tupi-guarani. O sustento vem do cultivo de batata-doce, milho, mandioca e palmito, além do artesanato

Do plantio ao corte, a palmeira juçara leva 12 anos para se desenvolver. A quantidade extraída de uma planta adulta é suficiente para encher um único vidro de 300 gramas do produto. “Quanto mais grossa a palmeira, melhor o miolo do palmito”, diz Mariano. Ele é vendido in natura na beira da rodovia mais próxima (SP-055/BR-101, Rio-Santos) por R$ 5, em média, mesmo preço das mudas. Já o quilo de sementes custa R$ 30. Há 11 anos, a comunidade começou o plantio de reposição, que, além de controlar a quantidade ideal para cada safra, garantiria a colheita seguinte, protegendo aquilo que a terra oferece. As práticas de sustentabilidade em relação ao palmito foram estimuladas pela fundação italiana Slow Food para a Biodiversidade, pelo Instituto Teko Arandu – braço da Associação Guarani Tjeru Mirim B’ae Kuaa’y – e com apoio dos governos locais. O manejo sustentável agrega valor ao palmito. Para controlar a colheita tudo é feito manualmente: “A gente mede cada metro quadrado e conta quantos pés tem a cada 1.000 metros quadrados. Assim temos uma noção de quantos haverá numa área grande e quantos podemos cortar, e se podemos. Senão a palmeira some e a gente não tem mais palmito”. A plantação da aldeia está cercada de vegetação nativa e animais silvestres, além de alguns pequenos viveiros de mudas. Na trilha de mata fechada pode-se contemplar tucanos no alto das palmeiras. A caminhada é longa e dificultosa: até a cachoeira são, aproximadamente, dois quilômetros. Em meio a terra úmida, poças d’água imensas e pequenas pontes feitas de galhos para facilitar a travessia de trechos rasos do Rio Silveira, a paisagem é surpreendente. De volta à aldeia, o dia acaba na Casa da Reza, onde toda noite o pajé toca violão e fuma seu cachimbo. A fumaça purifica os instrumentos pendurados na parede principal. No fim do ritual, todos se sentam ao redor do pajé para conversar, sempre em guarani. Aos poucos, os índios retornam às ocas, e a Casa de Reza se esvazia. No dia seguinte, o silêncio pacífico da aldeia só é quebrado pelo som dos pássaros e pelo riso das crianças, que brincam despreocupadas no ambiente que já aprenderam a cultuar. REVISTA DO BRASIL julho 2011

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CurtaessaDica Por Xandra Stefanel

xandra@revistadobrasil.net

Foto da exposição Mulheres Negras...

Exposição Hereros de Angola, de Sérgio Guerra

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar.

Laços com Angola O Museu Afro Brasil, em São

Palacete das Artes

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Julho 2011 REVISTA DO BRASIL

Adenor Gondim/divulgação

Paulo, apresenta até 28 de agosto a exposição Mulheres Negras – A Irmandade da Boa Morte de Cachoeira. A confraria religiosa criada há quase 200 anos nessa cidade histórica do Recôncavo Baiano tem seus traços culturais e religiosos observados pelas lentes dos fotógrafos Pierre Verger e Adenor Gondin. O museu mostra também, até 24 de julho, Hereros de Angola, de Sérgio Guerra, fotógrafo pernambucano responsável há 15 anos pela comunicação do governo angolano. As 100 imagens fazem parte do livro Hereros, no qual Sérgio aprofunda seu olhar sobre a cultura do país. Parque Ibirapuera (portão 10), de terça a domingo, das 10h às 17h. Tel.: (11) 3320-8900. Grátis.

Rodin na Bahia

Memória do holocausto

Aberta ao público desde 2009, no Palacete das Artes, em Salvador, a exposição Auguste Rodin, Homem e Gênio, segue até 2012, com 62 obras do artista francês considerado pai da escultura moderna. É a primeira vez que o Museu Rodin Paris cede por tanto tempo ao Brasil esculturas consideradas patrimônio inalienável do governo francês. De terça a domingo, das 10h às 18h. Rua da Graça, 284. Grátis.

O documentário Marcha da Vida (em DVD da Europa Filmes) apresenta a viagem de jovens de várias partes do mundo a campos de concentração mantidos pelo nazismo durante a Segunda Guerra. Existente desde 1988 e realizada anualmente, a marcha percorre o caminho dos prisioneiros, de Auschwitz a Birkenau, e hoje reúne cerca de 10 mil pessoas, com o objetivo de transmitir a história para que episódios como aquele nunca mais aconteçam. Foi filmado no Brasil, na Alemanha, Israel, Polônia e Estados Unidos.


fotos priscila prade/divulgação

Alice Braga

Na fronteira Cabeça a Prêmio, estreia do ator Marco Ricca como diretor de longa-metragem e baseado no livro homônimo de Marçal Aquino, narra a história de dois irmãos pecuaristas (Fúlvio Stefanini e Otávio Muller) da região CentroOeste, donos também de uma rede de

negócios ilícita. Conflitos familiares, tráfico de drogas, romance proibido e pistolagem fazem parte da trama. Alice Braga, Eduardo Moscovis, Cássio Gabus Mendes, Denise Weinberg, Daniel Hendler e César Trancoso estão no elenco. Em DVD.

Pop art gaúcha Produções

recentes do gaúcho Carlos Carrion Britto Velho estarão expostas até 6 de agosto na La Photo Galeria, em Porto Alegre. As obras de Britto Velho, como é mais conhecido o pintor, desenhista e gravador, são em geral associadas à pop art e ao surrealismo. De terça a sexta, das 11h às 19h, e aos sábados, das 11h às 15h. Travessa da Paz, 44, no Brique da Redenção. Grátis.

Velho Chico Geraldo Azevedo

foi diversas vezes inspirado pelas águas do Rio São Francisco durante sua longa carreira. Agora lança em CD (R$ 35) e DVD (R$ 45) seu 22º disco, Salve São Francisco, pela Biscoito Fino. Todo dedicado ao rio, traz 12 faixas, com a participação de Maria Bethânia (Carranca que Chora), Djavan (Barcarola do São Francisco), Alceu Valença (Riacho do Navio), Moraes Moreira (Petrolina e Juazeiro), Dominguinhos (Santo Rio) e Ivete Sangalo (O Ciúme). Uma homenagem e tanto.

Marco Ricca

Ensaios de Orwell Os dilemas do pacifismo, a decadência dos pubs londrinos, a vivência como sem-teto, boia-fria e presidiário. Em Como Morrem os Pobres e Outros Ensaios (Cia. das Letras, 416 pág.), o escritor George Orwell traz crônicas, ensaios e artigos escritos ao longo de 20 anos com as mãos críticas do autor dos clássicos Revolução dos Bichos e 1984. Em temas grandiosos ou corriqueiros, Orwell revela nos textos a estrutura da sociedade inglesa, as mudanças nos costumes e transformações pelas quais a Inglaterra e o mundo passaram na primeira metade do século 20. R$ 44. REVISTA DO BRASIL julho 2011

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MouzarBenedito

Alegria de herdeiros

O legal do dinheiro é usá-lo para fazer coisas que gostamos, mas tem gente obcecada apenas em acumular

T

enho visto gente que faz de tudo, passa vontade, para não gastar dinheiro. Jamais pratica este ditado nova-resendense: “Mais vale um gosto do que um caminhão de abóboras”. O sujeito desse tipo diz que é econômico, parcimonioso ou poupador. Mas o que dizem dele é que “não abre a mão nem pra dar bom-dia”, “parece que tem escorpião no bolso”, e outras coisas. As palavras e expressões que associam a ele não são nada graciosas. A mais maneira é “seguro”­. Quer dizer, o cara segura o dinheiro. O mais comum é se referirem a ele como munheca, pão-duro, ridico (derivado de ridículo), mão de vaca, miserável, sovina, avarento, avaro, ávido, cajueiro, cauira, chifre de cabra, resmelengo, mão-fechada, mão de leitão, sovelão, unhaca, tacanho, munheca de samambaia, mão de finado, canhengue, mesquinho, mãos-atadas, unha de fome, muquirana, gaveteiro, fominha, pica-fumo, mofino, morrinha, socancra, pelintra, casca, cascoso, cobiçoso, cobicento, onzeneiro, guardoso, come em vão, cúpido, agiota, usurário, agarrado, manicurto, tamanduá, tranca, forra-gaita, vinagre, zuraco e outras expressões regionais bem sonoras. Conheci um cara rico que morava numa casa grande, com um quintal cheio de laranjeiras. Quando alguma criança pedia licença para apanhar algumas laranjas, ele respondia seco: “Dois cruzeiros a dúzia”. Um outro era pão-duro para algumas coisas e extremamente mão-aberta em outras. Brigava por “tostões” (os centavos de antigamente) e gastava à larga nos prostíbulos, era um mão-aberta com as mulheres. E lá ele pagava cerveja pra todo mundo. Quando vim para São Paulo, morei numa pensão barata e me espantei que lá havia um hóspede cheio da grana. Ele não tomava ônibus, só bonde, porque, numa época em que a passagem de ônibus 50

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era bem barata, a do bonde era mais barata ainda. A economia era mínima. E ele só atravessava a roleta – e pagava – na hora de descer. Tinha esperança de ter algum carro quebrado ou acidentado nos trilhos, porque quando isso acontecia abriam as portas do bonde e ele podia descer sem pagar. Outro caso é de um homem que tinha uma fazenda numa cidade pequena que virou polo industrial, cresceu muito, e a fazenda se valorizou. Loteou e ganhou milhões, já velho e ainda solteiro. E só almoçava num restaurante popular da prefeitura, pagando R$ 1 por refeição. Gostava de ler jornal, mas só lia o do dia anterior, dado por um vizinho. Os sobrinhos devem estar se esbaldando com a grana que ele não gastou. Uma mulher rica, do interior, conseguiu com um sobrinho médico uma cirurgia de graça para o marido num hospital de Campinas, com internação e tudo. Um dia chamaram o sobrinho e disseram que a tia devia ter algum problema: todos os dias o açucareiro que recebia cheio no café da manhã e da tarde voltava vazio. Consumindo açúcar daquele tanto... O sobrinho foi ver, e ela usava só um pouquinho do açúcar. O resto guardava num saco plástico para levar pra casa quando o marido tivesse alta. Mais precavido que ela só mesmo um sujeito que conheci numa pequena cidade do litoral paulista: até os mendigos o davam como pão-duro. Havia a tradição de semanalmente eles irem de casa em casa pedindo esmola, e os moradores já reservavam moedas para dar a eles, mas todos pulavam a casa do munheca. Um dia apareceu na cidade um pedinte, que sem saber da fama dele bateu em sua porta. Ele gritou lá de dentro: – Quem é? – É esmola. Ele respondeu: – Pode pôr debaixo da porta.


a r a c o d m a U m r o f n i m e b

foto de paulo pepe

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