Revista do Brasil nº 082

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EDUCAÇÃO Ainda temos a maior população de analfabetos do continente

nº 82

abril/2013

SAÚDE Academias públicas, o poder do exercício

www.redebrasilatual.com.br

Redução da jornada, proteção ao emprego, fim do fator previdenciário, democratização da mídia... É com movimento que os trabalhadores fazem a agenda andar


O MESMO BRASIL. MAS EM OUTRA VERSÃO

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ÍNDICE

EDITORIAL

10. Capa

Centrais cobram governo, e país tenta retomar crescimento

18. Economia

Nos 60 anos da Petrobras, um cenário de disputas

22. Santayana

Como o golpe de 1964 interrompeu um projeto de país soberano

24. Educação

A herança de Paulo Freire e o desafio do analfabetismo WILSON DIAS/ABR

30. América Latina

Venezuela vota sem Chávez, que deixa sua marca na história

34. Saúde

Dilma na CNI: movimentos sociais também querem colher frutos do aquecimento da economia

38. Perfil

O trabalho garante o ibope

Academias públicas são aliadas de boas políticas de prevenção A arte, a militância e a inquietude de Zé de Abreu

O

40. Cultura

VIVIANE CLAUDINO

Número de museus aumenta no Brasil e o público aparece

44. Viagem

Baía de Ha Long, no Vietnã: uma das maravilhas do mundo

Seções Cartas Destaques do mês

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Lalo Leal

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Curta essa dica

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Crônica: B.Kucinski

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governo comprou uma briga, no começo do atual mandato, sobre os juros e o spread bancário, abrindo um debate ainda não digerido pela ala rentista do mercado, que voltou à baila com o crescimento da inflação verificado nos últimos meses. Para essa turma, o Banco Central perdeu independência e cedeu aos ditames do Planalto, coisa que não se dizia, claro, na época em que a taxa básica batia até nos 40%. Basta o presidente do BC falar o óbvio, que está preocupado com a inflação, e alguns comentaristas amplificam a observação e a tomam como fato consumado de aumento iminente de juros, assanhando o mercado. A inflação realmente deve ser motivo de acompanhamento severo. Tem a ver com a vida real, com o dia a dia das pessoas. Mas é um assunto que não pode ser separado de outro tema importante, o crescimento econômico. Ainda que timidamente e em ziguezagues, a atividade parece mostrar recuperação. As taxas de desemprego vêm se mantendo estáveis, em seu menor nível histórico. Os postos de trabalho com carteira assinada continuam sendo criados, ainda que em ritmo menor. Um mercado de trabalho aquecido, embora seja exagero falar em pleno emprego, e a manutenção da renda sustentam a popularidade do governo, que tem como desafio garantir mais investimentos, especialmente em infraestrutura. Boa parte do atual mandato foi gasta com medidas anticrise. Agora, espera-se, o país voltará a crescer de forma mais consistente. Nesse contexto, que inclui ainda um precipitado debate sobre sucessão presidencial, as centrais sindicais organizaram um ato em Brasília, pouco notado pela mídia, cobrando maior atenção às suas reivindicações, reunidas em uma pauta entregue ainda em 2010, durante a campanha eleitoral. Sabe-se que há – e sempre haverá – uma queda de braço, dentro e fora das instâncias de poder, pela formulação de políticas e medidas voltadas a estes ou aqueles setores da sociedade. Esse embate inclui uma permanente tensão própria das relações entre capital e trabalho. Mas não se pode esquecer que foi este último que, por meio da produção e do consumo, garantiu boa parte do crescimento e, por que não dizer, da própria popularidade do governo. REVISTA DO BRASIL ABRIL 2013

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CARTAS Gilberto Carvalho Os que são contra o governo Dilma e Lula, leiam essa entrevista para entender a verdade sobre a missão deles (“Cansado e feliz”, edição 81). Jackson Macena, Maceió (AL)

www.redebrasilatual.com.br Núcleo de planejamento editorial Cláudia Motta, Daniel Reis, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Gisele Brito, João Paulo Soares, João Peres, Maurício Thuswohl, Raimundo Oliveira, Sarah Fernandes e Tadeu Breda Arte: Júlia Lima. Iconografia: Sônia Oddi Revisão: Márcia Melo Capa Foto de Jurgen Ziewe/Getty Images, Roberto Parizotti (educação) e Leo Caldas (academias) Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 Claudia Aranda e Carla Gallani Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares

Conselho diretivo Adi dos Santos Lima, Admirson Medeiros Ferro Jr., Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Cordeiro, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Eric Nilson, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Rafael Marques Diretores financeiros Rita Berlofa Teonílio Monteiro da Costa

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ABRIL 2013 REVISTA DO BRASIL

Reduzir desigualdades As cotas são um caminho para reduzir as desigualdades sociais (“Pela porta da frente”, edição 81). Os resultados acadêmicos dos cotistas comprovam isso. Erros absurdos do passado criaram o abismo social em que vivemos e não fazer ajustes, como as cotas e programas de transferência de renda, seria perpetuar essa situação. Por isso digo, sem medo de errar, que quem é contra as cotas é contra a igualdade e contra a justiça social. João Freire, Brasília (DF) Falta educação Não se pode esquecer que política de cotas não resolve o problema da educação (“Pela porta da frente”, edição 81). São necessários investimentos maciços, principalmente na educação básica, que prepara a pessoa para a formação superior. Sidinei da Silva Sacramento Montes Claros (MG) Futuro mais crítico Somente os desinformados e a elite irresponsável pode ser contra as cotas (“Pela porta da frente”, edição 81). Está aí o resultado. Educação não rima com lucro. No futuro teremos pessoas mais críticas e cairá a necessidade das cotas, momento em que poderemos falar de igualdade, de igual para igual. Eduardo Cotliarenco Porto Alegre (RS)

Fora, Marin Podemos impedir que uma pessoa ligada à ditadura seja o embaixador do Brasil no evento mais importante da sua história: a Copa do Mundo de 2014. Ter José Maria Marin à frente da CBF é como se a Alemanha tivesse permitido um membro do antigo partido nazista ter organizado a Copa de 2006. José Marcius de Carvalho Vale Belo Horizonte (MG) Tragédias anunciadas O povo acaba afinando a solidariedadediante de repetidas catástrofes na região serrana fluminense. Fico muito triste e, ao mesmo tempo, emocionado. Contudo, não podemos deixar barato. A população tem de exigir com veemência que a Prefeitura de Petrópolis aja com dignidade e transparência. Exigir do governador Sérgio Cabral honestidade em sua atuação. O povo tem de ir para as ruas e exigir seus direitos. Ronaldo Pimenta Rio de Janeiro (RJ) A barriga da Veja O mais engraçado da matéria (sobre o erro da revista Veja na notícia da compra do Santander pelo Bradesco) é relembrar que nos anos 80, a revista caiu numa pegadinha de 1º de abril, e publicou a invenção do "boimate" (um suposto tomate feito de carne, criado em Hamburgo pelos biólogos Barry McDonald e William Wimpey) e, ainda por cima, só veio a reconhecer o vacilo 15 anos depois. Samuel de Carvalho Brasília (DF)

carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.


MARCELO CAMARGO/ABR

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Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook

ENFIM, A VERDADE Ivo, filho do jornalista Vladimir Herzog, e o novo atestado de óbito retificado

Passos à frente pedido formal para investigar a causa da morte, em 1976, do ex-presidente João Goulart, deposto em 1964. Jango morreu oficialmente de causas naturais (tinha problemas cardíacos), mas há suspeitas de envenenamento. http://bit.ly/rba_investiga_jango

FERNANDO PEREIRA/SECOM-PREFEITURA DE SÃO PAULO

O

15 de março é um dia para ser lembrado por militantes de direitos humanos e pessoas que defendem a reparação de injustiças e violências cometidas durante a ditadura. Na mesma cerimônia, Alexandre Vannuchi Leme e Vladimir Herzog foram homenageados. O primeiro, estudante morto pela repressão em 1973, tornou-se oficialmente anistiado político durante ato realizado na Universidade de São Paulo (USP), onde cursava Geologia. As ações para lembrar os 40 anos do assassinato de Vannuchi incluíram um show de Sérgio Ricardo e uma missa na Catedral da Sé, mesmo local onde, em 1973, ocorreu uma celebração tensa, que a repressão tentou impedir. http://bit.ly/rba_anistia_alexandre Já para a família de Vlado, como era conhecido o jornalista, foi entregue novo atestado de óbito, desta vez com a real causa de sua morte na sede do DOI-Codi de São Paulo, em 1975. Na ocasião, a ditadura divulgou a inverossímil versão de suicídio, com a imagem tristemente célebre de um suposto enforcamento, contestada desde sempre. Agora, o documento traz o verdadeiro motivo: lesão e maus-tratos. http://bit.ly/rba_vladimir_herzog Poucos dias depois, a Comissão da Verdade recebeu um

Alexandre Vannuchi foi homenageado em missa na Catedral da Sé REVISTA DO BRASIL ABRIL 2013

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A lata continua

Manifestação no Congresso pela aprovação da PEC

JOSÉ CRUZ/ABR

Com sua existência negada pela Secretaria Estadual da Educação, as chamadas escolas de lata ainda fazem parte do cotidiano de crianças e adolescentes na periferia de São Paulo. A visita a seis unidades de ensino em três bairros da região do Grajaú, no extremo sul da capital, é suficiente para flagrar estrutura e telhados metálicos. Alunos e funcionários entrevistados confirmaram que as divisórias das salas e as escadas também são feitas de metal. Somente as paredes externas receberam estrutura de alvenaria, em reformas recentes, insuficientes para aplacar o calor do lado de dentro. A Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), órgão responsável pela administração dos contratos de obras da rede estadual de ensino, evita o uso do termo “de lata” para definir as escolas construídas com zinco, utilizando a definição “padrão Nakamura”. A própria entidade, porém, afirmou em nota que esse padrão foi desconfigurado com as reformas realizadas nos últimos anos. A FDE informou que as unidades foram construídas entre 1998 e 2001. http://bit.ly/rba_escola_lata

Domésticas: nova lei

A Proposta de Emenda à Constituição 66, popularizada como PEC das Domésticas, enfim virou lei. A proposta, que amplia os direitos dos trabalhadores do setor, estimados em 7 milhões, passaou na Câmara e no Senado. E passa a valer a partir de 2 abril, data da promulgação, embora alguns itens ainda devam ser regulamentados, o que deve ocorrer em 90 dias. http://bit.ly/rba_lei_domesticas

Posse de Carlos Alberto Reis de Paula

ALDO DIAS/TST

A pintura é nova, mas continua de lata

PAULO PEPE/RBA

CLT, 70 anos

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Na posse do novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Carlos Alberto Reis de Paula, a principal lembrança foi para uma senhora que em 1º de maio completará 70 anos e há tempos é alvo de setores empresariais: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para o magistrado, o texto criado no governo Getúlio Vargas deve ser motivo de reflexão após as transformações sociais e econômicas ocorridas no Brasil. “Temos de descobrir a racionalidade jurídica para as novas situações sem jamais perder o significado maior de dispositivos legais que hão de seguir o preceito da Constituição da República, que proclama em seu artigo 170 que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa”, discursou. http://bit.ly/rba_clt_70


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Compulsão alimentar

A compulsão é o comportamento de risco mais comum entre estudantes de escolas técnicas estaduais na capital paulista diagnosticados com algum tipo de transtorno alimentar. Uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP, com 1.167 alunos, constatou que 10,3% deles sofrem de compulsão, ou seja, comem descontroladamente. “O dado é preocupante porque a compulsão alimentar pode levar à obesidade ou desencadear comportamentos compensatórios para o controle do peso, como uso de laxantes, diuréticos ou vômito autoinduzido”, explicou a nutricionista Greisse Viero da Silva Leal. http://bit.ly/rba_compulsao O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou em março medidas para a prevenção da obesidade e o cuidado integral e reabilitação, por meio de cirurgia, de pessoas com obesidade mórbida, a que mais cresce entre os brasileiros. Dados de uma pesquisa recente da Universidade de Brasília para avaliar o impacto dos males associados ao excesso de peso (diabetes, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer) no sistema público de saúde revelam um gasto total da ordem de R$ 500 milhões anuais. http://bit.ly/rba_sus_obesidade

FERNANDO PEREIRA/SECOM

PINKY SHERBET PHOTOGRAPHY/ FLICKR/ CC

Voz da rua, agora sem repressão

População de rua

Repressão policial não resolverá a situação dos moradores de rua, deixou claro o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, ao lançar um programa de qualificação profissional voltado para esse segmento social, que deve somar perto de 20 mil pessoas na capital paulista, segundo seus representantes. Em parceria com a Fiesp, seu objetivo é formar este ano pelo menos 2.500 profissionais em diversos cursos técnicos. A primeira turma, que começa neste mês de abril, terá 200 alunos. O esforço, diz Haddad, é “enfrentar o desafio da inclusão dos moradores e desenvolver soluções alternativas que não sejam a repressão, que não é solução para nada”. http://bit.ly/rba_morador_rua

Mães de maio

O estado de São Paulo foi condenado pelo Tribunal de Justiça a pagar indenização de R$ 169.500,00 por danos morais e ­ R$ 1.001,50 por danos materiais à família de Mateus Andrade de Freitas, assassinado na noite de 17 de maio de 2006, em Santos, no litoral paulista. Ele foi uma das vítimas dos chamados Crimes de Maio, quando mais de 450 pessoas foram mortas em um período de dez dias (http://bit.ly/rdb_ maes). A sentença, na prática, reconhece a responsabilidade do Estado no crime. http://bit.ly/rba_maes-maio

Paulo Bernardo: vontade

ANTONIO CRUZ/ABR

A lei e os meios

Criticado por movimentos sociais e setores do PT, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse que o governo tem “vontade de resolver” a regulamentação da comunicação. Segundo ele, é preciso ver o melhor momento de encaminhar a proposta. “As conversas todas que eu fiz, pelo menos no PT, onde houve cobranças e tudo, acho que nós não vamos ter grandes problemas no conteúdo do projeto de lei”, afirmou, durante debate realizado em São Paulo. Em entrevista um dia antes, o presidente nacional do partido, Rui Falcão, disse que foi feito o pedido ao governo, mas “provavelmente” o governo não deve atender ao pedido do partido de encaminhar o projeto. http://bit.ly/rba_regulacao REVISTA DO BRASIL ABRIL 2013

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PAULO DE SOUZA/SMABC

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Depois de 15 anos de negociações, trabalhadores comemoram

Fiesta em São Bernardo Após 15 anos de negociações, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a montadora Ford de São Bernardo do Campo inauguraram a linha de montagem do New Fiesta Hatch na unidade do município. A produção do modelo garante o futuro da fábrica na cidade, em risco desde 1998, quando a empresa ameaçou demitir 2.800 funcionários, o que provocou uma greve de 50 dias. Na época, o presidente do sindicato era Luiz Marinho (PT), atualmente prefeito de São Bernardo. Marinho

esteve no ato, e também o governador Geraldo Alckmin (PSDB). “A vinda de novos produtos reforça compromissos firmados naquele período”, disse Marinho. Para o atual presidente do sindicato, Rafael Marques, o investimento da montadora reflete no nível de emprego em toda a cadeia do setor na região. “Mais emprego de qualidade e mais renda.” A montadora investiu R$ 800 milhões. Cerca de 2 mil trabalhadores operam a linha. http://bit.ly/rba_ford_abc

Dilma: política de Estado

ROBERTO STUCKERT FILHO/PR

Direito ao consumo

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O governo lançou um plano, que ganhou o nome de Plandec, com o objetivo anunciado de defender os direitos dos consumidores e regular as relações de consumo no país. Um dos principais pontos é o fortalecimento das agências reguladoras. Segundo a presidenta Dilma Rousseff, com esse programa o país passaria a tratar o direito do consumidor como política de Estado. http://bit.ly/rba_direitos_consumo


TVT

Letras e vozes femininas O programa ABCD em Revista, da TVT, foi à periferia de São Paulo entrevistar escritoras que lutam por uma sociedade mais igualitária

Elizandra Souza

E

lizandra Souza é moradora do Grajaú, no extremo sul da capital paulista, e poeta. Seu livro Águas da Cabaça reúne poemas inspirados na mulher negra. Tudo em Elizandra tem um significado. Seu apelido, Mijba, remete a uma guerreira africana, as tatuagens tribais representam forças da natureza e os dreadlocks, mais que um simples penteado, são referências ancestrais carregadas de orgulho. Elizandra tem 29 anos e frequenta as rodas de literatura das periferias da cidade desde a adolescência. Na cultura hip-hop e nos saraus descobriu que podia mudar o mundo ao seu redor. Quem já mudou a própria realidade sabe o poder transformador da perseverança. Tula Ferreira, de Taboão da Serra, conta que veio de Minas Gerais, onde desde muito cedo trabalhava em casas de famílias ricas. Sempre com um sorriso no rosto, lembra que ainda criança se encantou com os muitos livros nas estantes, deixava o trabalho de lado e mergulhava neles. As patroas ralhavam: “Para que essa empregadinha lê tanto? Nem vai precisar”. Tula lia de tudo. Um dia começou a escrever. A vida de empregada doméstica foi deixada para trás. Participou de saraus e seus poemas viraram o livreto Palavras Inacadêmicas, uma crítica à formalidade da academia. Tula é artista forjada pelas dificuldades, passou fome, lutou para educar os filhos. Há anos, em bancos de ônibus ou nas madrugadas em casa, escreve sua vida – a publicação será mais um sonho a se tornar realidade. “Branca de Neve está fora das estatísticas, não possui CPF nem RG , tem 12 anos e não sabe ler, mas conhece muito bem as palavras agressão, abuso e violência sexual.” O texto é da escritora Lunna, militante do movimento hip-hop, ativista dos direitos das mulheres e reveladora de talentos. Lunna organizou uma oficina de literatura e descobriu nos quatro cantos do país mulheres literatas. O resultado foi o livro Perifeminas, uma coletânea com 63 escritoras da periferia de 11 estados. Esmeralda Ribeiro escolheu o Centro Cultural da Juventude na Vila Nova Cachoeirinha para falar sobre sua trajetória. Jornalista, coordenadora do Coletivo Quilombhoje, é organizadora da publicação Cadernos Negros, com foco no lançamento de novos escritores. Em seu livro Orokume, “meu nome”, ela dá vida a um garoto curioso por saber sobre suas raízes. A íntegra do ABCD em Revista, e as histórias dessas mulheres. Pode ser vista na internet: http://bit.ly/tvt_escritoras

Esmeralda Ribeiro

Lunna

Tula Ferreira

Como sintonizar Canal 48 UH F ABC e Grande S. Paulo (NGT) Canal 46 UHF Mogi das Cruzes e Alto Tietê Na internet www.tvt.org.br

TV a cabo (NET) no ABC ECO TV: canais 96 (analógico) e 9 (digital) TV a cabo em São Paulo Canais 9 e 72 TVA (analógico) NET e 186 (digital) TVA REVISTA DO BRASIL ABRIL 2013

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CAPA

Fala com a gente, Dilma Presidenta surfa na popularidade. Economia esboça reação. Movimentos sociais querem ver pautas atendidas. E 2014 adianta o calendário Por Vitor Nuzzi

N

os cinco quilômetros que separam o estádio Mané Garrincha do Congresso, em Brasília, a marcha das centrais sindicais teve um imprevisto que interrompeu o protesto durante meia hora: o principal carro de som, que levava a maioria dos dirigentes, não passava por um viaduto, pouco antes da Esplanada dos Ministérios. Os sindicalistas tiveram de driblar ainda o obstáculo da pouca visibilidade dada pela maior parte da imprensa ao ato de 6 de março, que reuniu algumas dezenas de milhares de pessoas. Já à noite, foram recebidos pela presidenta Dilma Rousseff, para pedir mais atenção a uma pauta trabalhista elaborada em 2010. Involuntariamente, a discussão 10

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tornou-se mais ampla e envolve, desde já, a eleição de 2014. Duas semanas depois da marcha, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou pesquisa encomendada ao Ibope que apontava recorde de 63% de aprovação ao governo, com a aprovação ao “estilo Dilma” atingindo 79%. O gerente executivo Renato da Fonseca, da CNI, listou três fatores básicos para a avaliação positiva: baixa taxa de desemprego aliada à manutenção da renda familiar, foco em políticas sociais e o carisma pessoal da presidenta da República como administradora. “Ela tem conseguido construir uma imagem de competência e segurança na gestão”, afirmou. Os sindicalistas foram reclamar por serem menos ouvidos pelo governo, em

comparação com os empresários, já afagados com desonerações de tributos em vários setores e na folha de pagamentos, políticas que deverão continuar, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O fraco desempenho da economia em 2012 (crescimento de 0,9%) acendeu um sinal amarelo e deu algum combustível à oposição, ainda em busca de um candidato para chamar de seu. No meio do caminho, Câmara e Senado renovaram as mesas diretoras e a própria Dilma promoveu uma minirreforma ministerial.

Momentos

O analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), identifica quatro movimentos do


MARCELLO CASAL JR./ABR

CAPA

governo. O primeiro se tratava de “acalmar” mídia e classe média. Em seguida, a preocupação foi o enfrentamento da crise – e vieram diminuição de juros, redução das tarifas de energia e as tais desonerações, a última das quais atingindo os produtos da cesta básica. O governo também passou a defender uma política de transferência de atividades no setor de transportes para a iniciativa privada. Por fim, vem o que o analista considera mais preocupante, as relações de trabalho. “Se não houvesse essa reação (marcha), certamente correria riscos”, diz, referindo-se a constantes ofensivas empresariais pela alteração na legislação trabalhista, sempre em nome da competitividade. Entre os novos comandantes do Congresso, Queiroz vê uma postura mais in-

DINO SANTO/CUT

O NÃO FATO Na mídia tradicional, ofensivas empresariais pela alteração na legislação trabalhista têm espaço garantido. Já as manifestações trabalhistas têm menos visibilidade. A Marcha das Centrais, apesar de reunir milhares de pessoas, nem apareceu do noticiário

REVISTA DO BRASIL

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CAPA

Bancada ameaçada Como 2014 já entrou com antecedência inesperada até mesmo para o calendário político, é preciso não apenas se preocupar com a sucessão do Executivo, mas também cuidar da renovação de cadeiras do Congresso, como alerta o Diap. “Se não houver reposição de quadros, a bancada sindical cai pela metade na próxima legislatura”, afirma o analista Antônio Augusto de Queiroz. Segundo o órgão, a bancada dos trabalhadores no Congresso é de 91 parlamentares, em um universo de 594 deputados e senadores – 15% do total. No Senado, não chega a 10% (sete de 81). Isso ajuda a explicar, por exemplo, a dificuldade que temas ligados ao trabalho enfrentam para avançar no Parlamento. Redução da jornada e extinção do fator previdenciário são questões empacadas, por mais que o governo sinalize alguma intenção de negociar. “Tudo depende da pressão”, diz o senador Paulo Paim (PT-RS). Para Queiroz, a questão da redução da jornada só avança se o Planalto se envolver, e mesmo assim com redução gradual. Alguns itens reivindicados viraram lei nos últimos anos. É o caso da política de aumento real para o salário mínimo, da correção anual da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (ambos até 2014), da ampliação do aviso prévio para até 90 dias (conforme o tempo de serviço) e da formação profissional por meio do Progra-

ma Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (Pronatec), além da isenção de imposto de renda em pagamentos de participação nos lucros ou resultados no valor de até R$ 6 mil. Esta última questão está em medida provisória avaliada em comissão mista no Congresso. O que parece mais próximo de acontecer no Parlamento, pela agenda atual, é a discussão da reforma política. Para o

dependente em relação ao governo. Especialmente com o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que estava à frente da Comissão de Trabalho na época do projeto do governo Fernando Henrique Cardoso que flexibilizava a CLT. “Ele tem fortes relações com os meios de comunicação, com a bancada ruralista e com o meio empresarial”, observa. Alves também foi relator do projeto do Código Florestal.

do fator previdenciário. De imediato, o governo assinou o decreto que visa a regulamentar, no Brasil, a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre o direito a negociação coletiva dos trabalhadores do setor público. Até então, segundo o dirigente, faltava “um olhar mais prioritário para as questões referentes ao mundo do trabalho”. Já o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), disse ter saído com visão “bastante crítica” do encontro no Palácio do Planalto. “O governo está com pouco crédito com a Força Sindical”, reclamou. Durante o dia, na marcha, ele já havia se queixado ao comentar seu encontro na véspera com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), sempre cotado na bolsa de apostas presidencial: “O governo recebe a CUT, a

Divisão

A marcha era unitária, mas os presidentes das duas maiores centrais sindicais saíram em direções opostas após a reunião com a presidenta. Para Vagner Freitas, da CUT, foi aberto um espaço de negociação que permitiria avançar em temas como a redução da jornada de trabalho e o fim 12

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ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se o Congresso não conseguir votar as propostas, é o caso de pensar em uma Constituinte. Segundo ele, é urgente implementar o financiamento público de campanhas e transformar o financiamento privado em crime inafiançável. “Só não pode continuar do jeito que está.” Colaborou Tadeu Breda

O Congresso por representação Empresários têm três vezes mais representantes que sindicalistas Educação

Empresarial

160

Ruralista

91

213

Sindical

79

Saúde

69

Comunicação

273 66

Ambientalista

15

Evangélica

55 Feminina

Fonte: Diap

UGT, e não recebe a gente. Cada um faz o que pode”. O dirigente chegou a afirmar que poderia apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas não Dilma, em 2014. “O governo não estava falando com o movimento sindical”, disse o presidente da UGT, Ricardo Patah, recebido em audiência poucos dias antes da marcha. “Hoje está restabelecido, está tudo bem.” O presidente da CTB, Wagner Gomes, via um diálogo ainda “truncado” com os movimentos sociais. E também cobrou prioridade, lembrando que esses movimentos ajudaram a garantir a eleição de Dilma em 2010. “Nosso campo de atuação continua sendo o da presidenta.” No encontro das centrais com Dilma, na noite de 6 de março, estava presente ainda o ministro do Trabalho e Emprego,


ROBERTO STUCKERT FILHO/PR

CAPA

PAUTAS ANTIGAS Dilma, os ministros Brizola Neto (que seria substituído nove dias depois) e Gilberto Carvalho recebem sindicalistas

As demandas dos trabalhadores n Redução da jornada semanal máxima de 44 para 40 horas n Ratificação das Convenções 151 (direito de organização no setor público) e 158 (coibição a demissões arbitrárias) n Salário igual para trabalho igual entre homens e mulheres n Valorização das aposentadorias (ampliação do teto e fim do fator previdenciário) n 10% do PIB para a educação n 10% do orçamento da União para a saúde n Reforma agrária

Brizola Neto, já na berlinda, segundo insistentes comentários que circulavam por todos os lados. Um dirigente do mesmo partido (PDT) chegou a dizer: “Não dou 15 dias (para a queda)”. Nove dias depois, Brizola Neto caiu. Perdeu uma batalha interna no PDT e foi substituído por Manoel Dias, ligado a Carlos Lupi, presidente da legenda e ex-ministro do Trabalho.

Neoliberais

Durante o congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag, leia mais à página 29), na mesma semana, o normalmente moderado ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, atacou outro presidenciável, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), sem

citá-lo. Dias antes, o tucano comentara que o governo pretendia eliminar a miséria “por decreto”. Além de considerar a declaração “irresponsável”, Carvalho afirmou que os movimentos sociais têm boa relação com o governo, mas sem submissão. “Ao contrário de governos anteriores, tivemos a coragem de ouvir esse povo, de receber esse povo no Palácio do Planalto. Este governo é solidário ao povo, ao contrário de governos neoliberais que o senador representa e querem voltar, mas o povo não vai deixar.” Como nem só de PIB vive a economia, um dado mostra que 2012 também produziu boas notícias. Segundo o Dieese, que acompanha sistematicamente as negociações salariais desde 1996, no ano passado 95% dos reajustes superaram a inflação medida pelo INPC. Outros 4% tiveram índices equivalentes. Assim, apenas 1% perdeu para o índice do IBGE, no melhor resultado da série. O instituto resREVISTA DO BRASIL ABRIL 2013

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salva que os resultados foram piores no segundo semestre, quando a inflação – ainda uma preocupação real – ameaçou desgarrar e as expectativas positivas do início do ano se frustraram. O aumento da renda foi importante para o próprio PIB. O consumo das famílias cresceu (3,1%) pelo nono ano seguido, impulsionado pela elevação de 6,7% da massa salarial e também pela alta (14%) do crédito para pessoas físicas. Outro dado positivo de 2012 foi a menor taxa anual­­média de desemprego (5,5%) na série histórica do IBGE, iniciada em 2003. Mas também exagera quem fala que o país vive em pleno emprego. Nestes primeiros meses de 2013, os dados ainda são contraditórios, mas mostram indícios animadores. O IBGE informou que a produção industrial subiu 2,5% em janeiro (5,7% na comparação com igual mês de 2012). Em 12 meses, a variação ainda é negativa (-1,9%). A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também divulgou indicadores mais favoráveis, , com 20.500 vagas abertas em janeiro e fevereiro. A atividade industrial cresceu 2,8% no primeiro bimestre, mas ainda cai 2,7% em 12 meses. A CNI observou redução da capacidade ociosa e fala em “recuperação moderada” do setor. Há, também, a sempre presente batalha dos juros. Com o aumento da inflação nos últimos meses, aumentou a voz dos que clamam pela volta do ciclo de altas da taxa básica, a pretexto de controlar os preços. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu os juros em dez reuniões seguidos, mantendo a taxa nas três seguintes. Em 16 e 17 de abril, a discussão voltaria à pauta. No final de março, a presidenta declarou que o combate à inflação é “um valor em si mesmo e permanente do meu governo”, mas isso não significa abrir mão do crescimento. E questionou a receita pregada por parte do chamado mercado: “Tivemos um baixo crescimento no ano passado e um aumento da inflação, porque houve um choque de oferta devido à crise e a fatores externos”. É uma visão semelhante à do diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lú14

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ANTONIO CRUZ/ABR

CAPA

LIBERAL O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, tem fortes relações com os meios de comunicação, com a bancada ruralista e com o meio empresarial

cio. Segundo ele, o equilíbrio econômico deve buscar não apenas o controle da inflação, mas o crescimento – e não se pode “cair no conto” de que aumentar juros é o melhor mecanismo para enfrentar a inflação no curto prazo. E é sempre tempo de desfazer mitos, observa o economista em um dos seus comentários diários na Rádio Brasil Atual. “Nos anos 90, diziam que se o salário mínimo crescesse íamos ter desemprego, inflação e informalidade. O salário mínimo teve aumento real

nos últimos anos e o desemprego e a informalidade diminuíram.” A popularidade do governo é retrato­ do momento. Desemprego menor e rendimento em alta favorecem a avaliação, mas ainda há problemas sociais sérios – desigualdade, má distribuição da renda­ – e infraestrutura deficiente. Algumas críticas vindas da oposição, porém, ­passam a um observador mais atento a impressão de que faltou combinar antes com os russos.

Evolução dos acordos salariais 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000

Reajustes Reajustes acima da equivalentes inflação (%) à inflação (%) 94,6 4,1 87,1 7,1 87,8 7,7 80,5 11,6 78,3 10,7 87,7 8,3 86,3 10,7 71,7 16,3 54,9 26,1 18,8 23,0 25,8 27,7 43,2 19,6 51,5 15,2

Reajustes PIB Inflação* Taxa de abaixo da (%) (%) desemprego** inflação (%) (%) 1,3 0,9 6,20 5,5 5,8 2,7 6,08 6,0 4,5 7,5 6,47 6,7 7,8 -0,6 4,11 8,1 11,1 5,1 6,48 7,9 4,1 6,1 5,16 9,3 3,1 4,0 2,81 10,0 12,0 3,2 5,05 9,9 19,0 5,7 6,13 11,5 58,2 1,1 10,38 12,4 46,5 2,7 14,74 – 37,2 1,3 9,44 – 33,3 4,3 5,27 –

Fonte: Dieese, com elaboração da redação * INPC/IBGE acumulado no ano. ** Médias anuais. A série histórica desse indicador se inicia em 2003


LALO LEAL

O cabrito e a horta

Caiu no Reino Unido um dos grandes tabus do liberalismo: a ideia de que a liberdade de imprensa é absoluta, sem limites

A

partir de agora a mídia impressa britânica (jornais, revistas e internet) será regulada por um órgão independente do governo e das empresas de comunicação. O rádio e a TV já se submetem a outra agência reguladora, a Ofcom. Em 2013, a autorregulação exercida atualmente pela PCC (sigla em inglês da Comissão de Reclamações sobre a Imprensa) completaria 60 anos. Mas não resistiu aos escândalos mais recentes, com jornalistas grampeando telefones de artistas e de pessoas envolvidas em casos policiais, inclusive o de familiares do brasileiro Jean Charles, morto pela polícia inglesa. Entre os crimes cometidos pela imprensa, talvez o mais dramático tenha sido o praticado pelo diário News of the World. Um detetive a serviço do jornal grampeou o telefone celular de Milly Dowler­, uma menina de 13 anos desaparecida em 2002, apagando suas mensagens. A polícia e a família, diante da manipulação da caixa postal, acreditavam que ela ainda estivesse viva até o corpo ser encontrado. O jornal foi fechado pelo próprio dono, o magnata Rupert Murdoch, mas as denúncias de invasão de privacidade e as reclamações sobre publicações incorretas realizadas por outros veículos não cessaram. Não foi a primeira vez que a autorregulamentação no Reino Unido esteve na berlinda. A própria PCC só surgiu como uma forma de evitar a regulação externa, mas nunca cumpriu seu papel. O código de conduta adotado foi elaborado pelos próprios empresários, que, além disso, ocupavam mais da metade de suas

vagas. Críticas quanto a sua ineficiência eram constantes. Não punia ninguém e as demandas do público não saíam nos jornais. A nova agência reguladora vai mudar esse quadro. Poderá aplicar multas que podem chegar a 1 milhão de libras (cerca de R$ 3 milhões) ou até 1% do faturamento das empresas. Adotará medidas para proteção dos cidadãos, além de poder obrigar jornais, revistas e sites com conteúdo jornalístico a publicar correções de matérias e pedidos de desculpas. A adesão das empresas ao órgão será voluntária, mas as que não aderirem poderão sofrer punições ainda mais severas. A criação da agência é resultado de um acordo firmado entre os três maiores partidos britânicos e terá o respaldo de uma Carta Real, assinada pela rainha Elizabeth. Qualquer alteração só poderá ser feita com o voto de pelo menos dois terços do Parlamento. No Brasil, uma das poucas proteções que o público tinha diante da imprensa era a possibilidade do “direito de resposta”, garantido pela Constituição e até 2009 regulado pela Lei de Imprensa. O STF derrubou a lei, provocando no seu então presidente, Carlos Ayres Britto, manifestações de júbilo ao enaltecer a liberdade absoluta da imprensa, como se os meios de comunicação pairassem acima dos interesses econômicos e políticos dos seus donos. Além disso, duas outras iniciativas de acompanhamento da comunicação existentes no Brasil fracassaram. O Conselho de Comunicação Social do Senado, que apesar do seu poder restrito poderia discutir as grandes questões da mídia, foi capturado pelos empresários e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) segue a linha da PCC britânica, com resultados fracos e ineficientes. Havia ainda o Código de Ética da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Elaborado nos anos 1990, seria um ótimo referencial para dar ao público a garantia de que as programações desses veículos respeitariam “os valores éticos e sociais da pessoa e da família”, como determina a Constituição. Só que nunca foi aplicado e desapareceu até do site da Abert. São exemplos, britânicos e brasileiros, que mostram a falácia da autorregulamentação e a necessidade da existência de agências externas, com força para defender o público do poder da mídia. Lá o caminho parece promissor, aqui seguimos acreditando que o cabrito pode tomar conta da horta. Até quando? REVISTA DO BRASIL ABRIL 2013

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ENTREVISTA

Referência para o país

J

uvandia Moreira chegou à direção do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região em 1997, no auge das políticas neoliberais. Na ocasião, já conhecia a entidade como uma referência no mundo do trabalho e das principais lutas políticas do século 20. Tradicional escola de lideranças e uma das mais antigas organizações de trabalhadores do país, o sindicato completa 90 anos neste 16 de abril. Funcionária do Bradesco, e hoje na condição de primeira mulher a presidir a entidade, Juvandia fala da importância de compartilhar e valorizar essa memória de lutas – com lançamento de livro, realização de debates e festa. Para ela, as novas gerações precisam saber que os direitos existentes hoje, na legislação ou na convenção coletiva da categoria, não resultaram da generosidade de patrões e governos, mas de muita ação, em mesas de negociação e nas ruas. “Se a universidade ensina a reproduzir uma ordem constituída, no sindicato aprendemos que às vezes temos de desconstruir essa ordem e lutar por outra”, diz. Qual a importância desse resgate feito pelo sindicato para celebrar os 90 anos de história da entidade?

O exercício de reconstituir o passado é uma forma de entender o presente e de nos orientar para a construção do futuro. Tem muita gente nova na categoria que não conhece a história dos bancários, e é fundamental conhecê-la. A importância, por exemplo, de saber que a conquista da participação nos lu16

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MAURICIO MORAIS/RBA

O desafio de dirigir o Sindicato dos Bancários de São Paulo, que completa 90 anos e participa das principais batalhas trabalhistas, sociais e políticas da história do Brasil cros ou resultados é fruto de uma campanha salarial, e não uma benesse que o banco concedeu. O bancário chega ao banco e tem plano de saúde, vale-refeição e alimentação, mas não sabe de onde veio isso. Se ele não souber que foi resultado de luta e organização, não vai se organizar também para lutar por novas conquistas. E quando vamos conhecer os pormenores da história vemos que ela é bonita, fruto de muita luta e conquista não só para os bancários, mas para todos os trabalhadores. Muitas das nossas mobilizações acabaram virando gerais, a exemplo da nossa luta por uma nova Constituinte, pelas Diretas Já e pela democratização do país. É fundamental resgatar a história para que seja eternizada em nossas memórias e para que oriente o caminhar das futuras gerações. Qual é a diferença entre o movimento social da década de 1990, quando você chegou ao sindicato, e o dos dias de hoje?

Quando entrei para o sindicato, em 1997, enfrentávamos o auge das políticas neoliberais, um desemprego altíssimo, com o país afogado em uma dívida pública. Houve as privatizações e as tentativas de redução de direitos. A luta sindical era de resistência. De vez em quando batia desânimo, pois fazíamos um esforço grande e as assembleias eram esvaziadas, os bancários tinham medo. Então, passamos a fazer assembleias nos locais de trabalho. Hoje as pessoas participam mais, as assembleias são com nossa quadra cheia. O país também mudou. Tem o


ENTREVISTA

desemprego mais baixo da história. Seguidamente, os trabalhadores têm aumento real de salário. Na época em que entrei, era reajuste zero e risco de sucateamento dos bancos públicos. Foi uma grande conquista a unificação da campanha entre bancários de bancos públicos e privados do Brasil. O desafio é pensar também em como podemos dialogar com outros ramos e ajudar a fortalecê-los. Não dá para pensar a nossa categoria sem dialogar com os comerciários, por exemplo. Como se sente sendo a primeira mulher a presidir um sindicato desse porte?

A gente não vive numa democracia de fato se não tiver igualdade. Esse sindicato é uma referência no debate sobre igualdade. Temos uma presença grande de mulheres na base, 60% dos sócios são mulheres, mas elas não estavam tão representadas na diretoria e na executiva do sindicato. Hoje, somos 70% da executiva. Nós, mulheres, tivemos de lutar muito para entrar no mercado de trabalho, para ocupar postos importantes. E continua a luta para a construção de uma sociedade com maior igualdade nos salários, na vida social e no exercício do poder. O fato de muita gente do sindicato ter também militância partidária não faz as pessoas duvidarem da independência do sindicato em relação ao governo?

O sindicato pauta sua atuação por autonomia e independência. Entrei no sindicato no governo FHC, a população sofria. Fez uma imensa diferença quando o Lula chegou ao governo. A distribuição de renda aumentou, o desemprego caiu. E esse cenário ajuda os trabalhadores a fazer suas lutas. O Brasil ficou melhor. Mas o sindicato nunca deixou de cumprir seu papel. O governo é da presidenta Dilma, mas numa coligação com vários partidos em sua base. Todo cidadão tem direito de fazer sua avaliação, de se posicionar politicamente e de se associar ao partido que quiser. Mas como sindicalista meu compromisso é com os trabalhadores que represento e também com os demais. Muitos ex-dirigentes do sindicato nos últimos 30 anos passaram a desempenhar papéis em outras instâncias, em governos, órgãos públicos, fundos de pensão, se elegendo parlamentares. Onde você vai estar daqui a alguns anos?

Estou preocupada com o que vou fazer no meu mandato, que termina em julho do ano que vem. Não planejei ser presidenta do sindicato, foi um desdobramento natural da minha militância. O sindicato

prepara lideranças, e as coisas acontecem. Os trabalhadores precisam estar representados no Congresso, nas Câmaras de Vereadores, nas Assembleias Legislativas. É preciso ter trabalhadores assumindo esse papel. A Febraban apoia candidatos, além da Fiesp. Os empresários têm sua base parlamentar e buscam influenciar governos. Os trabalhadores também precisam ter quem os represente. A vida do trabalhador não se resolve só na mesa de negociação. O sindicato também tem de atuar nas questões da cidade, do estado e do país, porque tudo isso diz respeito à vida do trabalhador. O sindicato é uma escola. Se a universidade geralmente ensina a reproduzir uma ordem constituída, no sindicato aprendemos que às vezes temos de desconstruir essa ordem e lutar por outra. Desenvolvemos outra compreensão do mundo. Devemos ser protagonistas da nossa história. Você fará parte do conselho formado pela Prefeitura de São Paulo para que a sociedade opine sobre projetos para a cidade?

Fui convidada a participar do conselho representando o sindicato. A ideia é o conselho ter a sociedade bem representada, com trabalhadores, intelectuais, empresários. A realidade da cidade tem tudo a ver com a vida dos trabalhadores. Em uma consulta que fizemos em 2012, com mais de 12 mil pessoas, a mobilidade aparece como o maior problema das grandes cidades, seguida da segurança pública. Não é na mesa de negociação com os banqueiros que se resolve isso, mas cobrando do poder público que melhore o transporte. Precisamos levar a esses espaços as pautas dos trabalhadores. Acho a criação do conselho uma boa iniciativa. São Paulo tem muitos problemas sérios que não são resolvidos a curto prazo, mas é preciso começar. Para além da luta por melhores salários e condições de trabalho, é preciso interferir no país onde vivemos. E o sindicato faz isso historicamente. O governo teve uma queda de braço com os bancos para forçar a queda dos juros e a expansão do crédito. Existe algum espaço para que todo o papel do sistema financeiro em relação à sociedade seja rediscutido?

Existe a possibilidade de ocorrer uma conferência ampla, em que se discutam os direitos dos consumidores, inclusive os de bancos. Acho oportuno isso, e vamos levar o consumidor bancário para essa discussão. Além disso, defendemos uma conferência na qual se debata a necessidade de um sistema financeiro voltado para o desenvolvimento econômico. Se os bancos cumprirem melhor seu papel, todo o país sai ganhando. E esse é o esforço que deve ser feito.

A Febraban apoia candidatos, além da Fiesp. Os empresários têm sua base parlamentar e buscam influenciar governos. Os trabalhadores também precisam ter quem os represente

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WILSON DIAS/ABR

ECONOMIA

LEVE E SOLTO Os estados produtores não prestam contas de onde gastam os royalties

Dura partilha A polêmica disputa pela divisão dos royalties do petróleo Por Maurício Thuswohl

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iz a sabedoria popular que “em casa onde falta pão, ninguém tem razão”. Algumas vezes, no entanto, a discórdia surge na fartura e, mais precisamente, na hora da partilha. É o que acontece no Brasil com a disputa pela divisão dos royalties da exploração e produção de petróleo. A prática vem desde 1953, quando foi criada a Petrobras. O objetivo era compensar estados, municípios e territórios afetados pela exploração e produção do óleo, gás natural e xisto betuminoso. Por afetados entenda-se: locais onde a extração, produção ou transporte das matérias-primas ocorram de forma direta, acarretando riscos sociais e ambientais e necessidade de investimentos em logística e infraestrutura. Há 60 anos, a produção brasileira era de 2 mil barris por dia. Com o tempo, cres18

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ceu sobretudo quando a Petrobras passou a dominar tecnologias de exploração em alto-mar. As sucessivas descobertas de poços a partir da década de 1970 configuraram um quadro em que os estados litorâneos do Sudeste (Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo) se tornaram responsáveis pela quase totalidade da produção nacional. As regras foram sofrendo alterações, mas mantendo a essência. A Constituição de 1988, em seu artigo 20, “assegura aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios (...) participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”. No ano seguinte, a Lei nº 7.990 passou a

determinar que “a compensação financeira pela exploração de recursos minerais, para fins de aproveitamento econômico, será de até 3% sobre o valor do faturamento resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial”. Essa lei estabelece ainda que “a sociedade e suas subsidiárias ficam obrigadas a pagar a compensação financeira aos estados, Distrito Federal e municípios, correspondente a 5% sobre o valor do óleo bruto, do xisto betuminoso e do gás extraído de seus respectivos territórios, onde se fixar a lavra do petróleo ou se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou de gás natural, operados pela Petrobras”. Regras de repartição dos royalties também foram redefinidas naquele momento: descontada a parte da União, 70% caberia aos estados produtores, 20% aos municípios produtores e 10% aos municípios “onde se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto e/ou gás natural”. Em 1997, já no período de forte orientação neoliberal do governo de Fernando Henrique Cardoso, a Emenda Constitucional nº 9 quebrou o monopólio do petróleo no Brasil


ECONOMIA

bacias de Campos (RJ) e de Santos (SP). Em 2009, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva decidiu aumentar o controle da União sobre as novas riquezas descobertas e enviou ao Congresso quatro projetos de lei que puseram fim ao regime em vigor desde a quebra de monopólio, em 1997. Em seu lugar, foi instituído o regime de partilha, que extinguiu ou modificou regras de compensação aos estados e municípios. Ainda no governo Lula, cresceu no meio político a ideia de que os recursos proporscionados pelo pré-sal deveriam ser repartidos de forma mais igualitária entre todos os estados e municípios brasileiros, fossem ou não produtores de petróleo. Capitaneado por governadores como Cid Gomes, do Ceará, e Eduardo Campos, de Pernambuco, o movimento político ganhou a Câmara e o Senado, onde uma emenda que determinava a distribui-

JOSE CRUZ/ABR

e preparou o terreno para a aprovação da Lei do Petróleo, um ano depois. Seu artigo 48 definiu que apenas os primeiros 5% do valor relativo aos royalties, correspondente ao montante mínimo, permaneceriam divididos como previa a lei de 1989. A parcela excedente a esses 5% passou a ser partilhada entre União (50%), estados produtores (40%) e municípios produtores (10%). Outro critério usado na divisão passou a ser o local da exploração. Se feita em terras, lagos, rios ou ilhas dentro dos limites de seu território, os estados e municípios receberiam, respectivamente, 52,5% e 15%. No caso de produção localizada na plataforma continental, os estados e municípios confrontantes teriam direito a 22,5% dos royalties e os diretamente afetados, 7,5%. Se a exploração ocorresse na plataforma continental, o Ministério da Marinha entraria

FARTURA Batalha política ganhou contornos épicos no período Dilma

na repartição (15%) para viabilizar despesas de fiscalização e proteção das áreas. A lei de 1998 trouxe também a obrigatoriedade de repassse de parte dos recursos dos royalties, 25%, ao Ministério da Ciência e Tecnologia. As regras de distribuição jamais sofreram contestação – até a confirmação da existência das reservas de petróleo abundante no pré-sal. Em relação aos 2 mil barris/dia de seis décadas atrás, muita coisa mudou. Até 2020, segundo o plano de negócios divulgado pela Petrobras, 2 milhões de barris de petróleo serão retirados diariamente apenas da camada pré-sal das

ção igualitária dos royalties – conhecida como Emenda Ibsen – foi aprovada, mas acabou vetada integralmente por Lula. Já no governo Dilma Rousseff, a batalha política ganhou contornos épicos e envolveu a presidenta, parlamentares, governadores e o Supremo Tribunal Federal. Em busca de um acordo que contemplasse a todos, o Planalto enviou uma proposta que, ressalvada a parte cabível à União (30%), dava nova destinação aos royalties. Os estados e municípios dividiriam 52,5% do bolo, de acordo com os critérios estabelecidos no Fundo de Participação dos

Estados e no Fundo de Participação dos Municípios, enquanto a Marinha, os municípios afetados e um Fundo Especial de Meio Ambiente ficariam com o restante. O Senado, no entanto, aprovou um projeto do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), que reduziria a participação da União nos royalties de 30% para 20%, já a partir de 2013. No caso dos estados produtores, cairia de 26,25% para 20% e, nos dos municípios produtores, de 26,25% para 15% em 2013 e para 4% em 2020. Nos municípios afetados pela produção do petróleo, de 8,75% para 3% a partir de 2013 e 2% em 2020. O restante dos recursos dos royalties seria distribuído entre estados e municípios não produtores. Na intenção de virar o jogo, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) costurou em comum acordo com o Planalto um projeto que propunha nova divisão. Os estados produtores teriam assegurados 20% dos recursos até 2020, parcela igual à da União. A proposta determinava também que 100% de toda a participação de estados e municípios nos royalties fosse destinada à educação. Para surpresa de todos, a Câmara derrubou essa projeto e aprovou o do senador Rêgo. A partir daí, cresceram as pressões dos governos de Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo e surgiram as primeiras ameaças de ida ao STF, já que a proposta aprovada no Congresso mexe nos contratos já em vigor, o que fere a Constituição. Diante disso, Dilma vetou os itens que se referiam à mudança nos contratos em vigor e restituiu a exigência de destinação integral à educação. Mas o Congresso derrubou os vetos de Dilma. Em seguida, o governo do Rio deu entrada no STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que pede a anulação da votação que mudou as regras de distribuição dos royalties. Em 18 de março, a ministra Cármen Lúcia concedeu liminar que suspende a aplicação das novas regras de distribuição até que a ação seja julgada pelo plenário do Supremo. Caberá ao STF arbitrar a disputa entre os estados brasileiros e definir quem tem razão nessa casa onde os irmãos brigam hoje pelo excesso de pão, que ainda não saiu do forno. REVISTA DO BRASIL

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RÁDIO PETROBRAS/DIVULGAÇÃO

No olho do furacão Ex-presidente da Petrobras, o geólogo José Eduardo Dutra acredita que a companhia atravessará a tormenta produzida por “interesses oportunistas” e chegará a 2017 produzindo 2,7 milhões de barris por dia Por Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual

100% NACIONAL Plataforma P51, totalmente construída no Brasil, no estaleiro de Angra dos Reis

N

o dia 31 de dezembro de 2002, a Petrobras tinha um valor de mercado de US$ 15 bilhões, e na época era a 15ª empresa de petróleo do mundo; em 20 de março deste ano – mesmo depois de ter sofrido uma desvalorização de US$ 70 bilhões –, estava valendo US$ 132 bilhões, e é a sétima do ranking mundial. Em 2002, os investimentos feitos pela companhia consumiram R$ 8 bilhões; em 2012, alcançaram R$ 83 bilhões. A empresa produzia 1,5 milhão de barris em 2002; em 2012, foram 2 milhões. Os números são listados pelo geólogo e diretor corporativo da Petrobras, José Eduardo Dutra. Em entrevista à Rádio Brasil Atual, Dutra, que presidiu a empresa de 2003 a 2005, considera apenas essa breve comparação suficiente para desmoralizar o que chama de “falácia” com que integrantes do PSDB tentam desqualificar a companhia. Dutra reconhece a recente desvalorização sofrida pela empresa e a atribui a “questões circunstanciais” a que toda companhia do setor de petróleo está sujeita. O que surpreende, segundo ele, é o discurso “desmo20

ABRIL 2013 REVISTA DO BRASIL

ralizante” da oposição ao governo federal, para quem é conveniente comparar os resultados da empresa com os dos dois anos anteriores, e não com 2002, quando a gestão da Petrobras estava sob a responsabilidade do governo Fernando Henrique Cardoso. Na entrevista, o diretor abordou diversos aspectos a respeito da situação da empresa e demonstrou indignação com a “luta política” travada em torno do prestígio da companhia. A seguir, os principais trechos (a íntegra pode ser ouvida no site – o atalho é http://bit.ly/rba_dutra).

Interesses envolvidos

“O Congresso Nacional aprovou, entre 2009 e 2010, nas áreas do pré-sal, a substituição do modelo de concessão (para as empresas de exploração) pelo modelo de partilha de produção. O que é isso? Vai ganhar o direito de explorar a área quem oferecer um percentual maior de petróleo à União. Ou seja, a empresa exploradora descobre o petróleo e uma parte significativa, em torno de 50%, vai para a União. Ficou também estabelecida a obrigatoriedade de a Petrobras ter uma participação mínima de 30% so-


RÁDIO

bre os campos do pré-sal. Agora, alegam que a Petrobras não tem capacidade de operar e desenvolver a produção do pré-sal. O que é um absurdo, porque é uma das empresas mais competentes em termos de desenvolvimento e tecnologia em águas profundas. Então, o que temos aí é uma mistura de oportunismo político com interesses inconfessáveis de grandes grupos econômicos que não concordam com o novo modelo, aprovado pelo Congresso.”

Influência no mercado acionário

“A empresa tem capital aberto e ações negociadas nas bolsas de São Paulo e de Nova York. Esse é um tipo de mercado em que há acionistas que atuam com interesses imediatos e outros investidores que não se assustam com as oscilações do mercado porque acreditam na Petrobras do ponto de vista estratégico. E é claro que tem acionistas com uma visão imediatista, interessados no retorno imediato das ações, que preferem que uma empresa invista menos e aumente mais o lucro e, portanto, os dividendos pagos. Mas é importante registrar que, mesmo nessa situação – em que a Petrobras aumentou muito os investimentos –, o valor de mercado da empresa hoje é quase dez vezes maior que em 2002.”

1970 e 1980, foi totalmente dizimada por falta de política e investimento’. Pois bem, a partir da nossa gestão, introduzimos o conceito de conteúdo nacional mínimo nas encomendas da Petrobras. Isso significa a companhia ter um papel de indutor do desenvolvimento industrial do país. Exatamente em função das encomendas da Petrobras, das plataformas, das sondas, que passaram a exigir um conteúdo nacional, mas não um conteúdo nacional que não possa ser atendido. Hoje, em média, 65% das encomendas da Petrobras são construídas no Brasil. A partir do momento em que você aumenta as encomendas no

O valor de mercado da empresa hoje é quase dez vezes maior que em 2002

“O índice exploratório da Petrobras em 2012 foi de 64%, o que quer dizer que em cada dez poços perfurados foram encontrados petróleo em quase sete. Sabe qual é a média de sucesso da primeira empresa do mundo? Trinta por cento. E, na área do pré-sal, o risco de não achar petróleo é muito menor – o índice de sucesso foi de 82%. Isso demostra a capacidade do corpo técnico da companhia. E nos revolta ver pessoas tentando desqualificar a competência da empresa. No ano passado a Petrobras produziu nos campos do pré-sal 300 mil barris de óleo. Para se ter uma ideia, no Golfo do México demorou 17 anos entre a descoberta e a produção de 300 mil barris por dia. No Mar do Norte, demorou nove anos. No pré-sal brasileiro chegou-se a uma produção de 300 mil barris por dia em sete anos. É uma façanha. A Petrobras tem um corpo de empregados, técnicos, geólogos, engenheiros com capacidade reconhecida. É uma referência internacional, e, por interesses oportunistas e eleitorais, acabou no olho do furacão. Mas vamos atravessar essa tormenta e chegar a 2017 produzindo 2,7 milhões de barris por dia.”

Conteúdo nacional

“O Lula dizia o seguinte: ‘Até dez anos atrás, este estaleiro (de Angra dos Reis) tinha milhares de pessoas trabalhando, e hoje está às moscas, porque a indústria naval brasileira, que tinha chegado a ser a segunda mais importante do mundo nas décadas de

ELZA FIUZA/ABR

Índice de produtividade

Brasil, os empresários podem investir mais, podem treinar melhor os engenheiros e os técnicos capacitados, e isso aumenta a produtividade. Esse é um papel que nós consideramos fundamental.”

Saída da estagnação

“Há anos o parque de refino brasileiro ficou estagnado. Em 2003, a última refinaria construída no Brasil era a de Henrique Lage, em São José dos Campos (SP), inaugurada em 1982. Hoje, após investimentos, está sendo construída a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, o complexo petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj, e houve aumento da capacidade das refinarias já existentes. O refino em 2003 era em torno de 1,7 milhão de barris por dia; hoje é de 2,2 milhões de barris. Muita coisa precisou ser feita nesse período, daí os grandes investimentos. Teve atraso? Teve atraso, sim. Como a Petrobras ficou mais de 20 anos sem construir uma refinaria, teve de reaprender na prática. Isso fez com que tivéssemos atrasos na Refinaria Abreu Lima, mas ela vai começar a produzir em 2014, e vai reduzir esse déficit em relação à oferta de combustível do Brasil.”

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MAURO SANTAYANA

O golpe e o proje As atrocidades da ditadura foram movidas por interesses externos e de classe que abalaram nosso desenvolvimento social e humano. Só a mobilização dos cidadãos pode levar o Brasil ao cumprimento de seu destino de grande nação

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uando relembramos o golpe de abril de 1964, neste novo aniversário de constrangimento, é preciso vê-lo dentro do processo histórico brasileiro. Tratou-se de um ato antinacional, na intenção e nos resultados. Desde a ocupação, apesar do modelo imperial português, o Brasil demonstrava identidade própria. Enquanto os funcionários da metrópole exerciam a soberania formal sobre o território, fosse ele separado em capitanias ou regiões administrativas, a nação, com seus sentimentos e na disposição de ocupar os grandes espaços desconhecidos, formava-se à parte de Portugal. Nisso, é notável a autonomia das primeiras cidades, que se governavam mediante a eleição dos homens “bons” da comunidade. O primeiro ato concreto de construção da nacionalidade foi o da luta contra os holandeses, no século 17, e sua expulsão definitiva do território na gesta de Guararapes – pelos brasileiros, sem a presença de 22

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tropas portuguesas. A descoberta do ouro em Minas, no limiar dos anos 1700, reuniu uma comunidade rica, culta e política nas cidades principais da nova capitania. A ideia de nação ganhou em Minas os seus instrumentos práticos, com a formação de sociedade naturalmente preocupada com o poder, ou seja, com a política e a necessidade de um Estado realmente nacional. É assim que a Inconfidência avança e dá estatuto aos sentimentos de libertação do Brasil e de construção de um Estado republicano. Uma frase de Tiradentes serve de lema ao projeto de grandeza que ele trazia no peito, e se afirmaria depois de sua mor-

te: “Se todos forem de meu ânimo, faremos deste país uma grande nação”. As lutas que se seguiram pela Independência se fariam já com o projeto nacional amparado pelas ideias republicanas, vitoriosas na independência americana e na Revolução Francesa – ambas no final do século 18. José Bonifácio, José Clemente Pereira, os irmãos Rocha Maciel, de Minas, e outros fizeram e consolidaram a independência em seus primeiros anos. O projeto nacional, animado por José Bonifácio, iniciou-se ainda no período da Regência, com a construção de ferrovias e os estaleiros da Ponta da Areia, sob o em-


MAURO SANTAYANA

eto interrompido

ICONOGRAPHIA

Repressão em Porto Alegre, em abril de 1964

preendedorismo de Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, a expansão das lavouras cafeeiras e o crescimento acelerado da produção açucareira do Nordeste.

Faltou povo

Infelizmente, o povo não fazia parte dessa equação. A força de trabalho braçal estava nos escravos. Os brancos pobres, empregados em situação mais do que subalterna nas cidades ou no campo, estavam à margem do processo: não podiam votar. O poder era exercido pelas oligarquias rurais, que mandavam seus filhos estudar Direito e representá-las no Par-

lamento e no Poder Executivo. A Abolição da Escravatura e a República não trouxeram mudança significativa na estrutura social. O poder continuava com as oligarquias, que, por necessidade, o dividiam com as Forças Armadas. Os bacharéis, filhos de fazendeiros do Sul e senhores de engenho do Nordeste, revezavam-se com os militares na liderança política do país. A Revolução de 1930, com o programa da Aliança Liberal, inseriu os pobres na vida econômica, mediante a intervenção do Estado nas relações trabalhistas, com as leis impostas por Getúlio. O projeto de desenvolvimento prosse-

guiu, com a criação da Vale do Rio Doce e da Companhia Siderúrgica Nacional. A destituição de Vargas, em 1945, e o governo medíocre de Dutra, que o sucedeu, desaceleraram o processo. Ao voltar, Vargas o retomou, com decisões corajosas, como a criação das grandes estatais, como a Petrobras, mas o acosso dos Estados Unidos e a articulação das velhas oligarquias contra o desenvolvimento social do país levaram-no ao suicídio. Juscelino, com alguma habilidade e concessões menores, prosseguiu o caminho interrompido. Depois do histriônico governo de Jânio Quadros, João Goulart tentou avançar, com as necessárias reformas de base. Novamente as velhas oligarquias se associaram aos americanos, com o golpe conhecido. Os latifundiários e os banqueiros queriam continuar explorando o povo brasileiro, e os norte-americanos não toleravam a ideia de ter um grande país com eles competindo no mesmo continente. Esses foram os motivos do golpe de abril de há quase 50 anos. A retomada do processo democrático foi uma vitória dos cidadãos organizados em entidades civis, na luta política que reunia parlamentares, estudantes, trabalhadores, religiosos e intelectuais, sob as terríveis condições da perseguição do regime militar e dos grupos paramilitares terroristas que serviam à ditadura, financiados pelos empresários. Essas entidades mobilizaram o povo, na Campanha das Diretas e na Constituição de 1988. O movimento vitorioso nos trouxe a esperança e começamos, com as dificuldades conhecidas, a retomar o caminho interrompido. Collor e Fernando Henrique, que mutilou a Constituição com o suborno, submeteram-se ao neoliberalismo, e trouxeram novo retrocesso, que está sendo difícil superar. Só a mobilização dos cidadãos, com os trabalhadores à frente, poderá levar o Brasil ao cumprimento de seu destino – o de uma grande nação. REVISTA DO BRASIL

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EDUCAÇÃO

FOTOS ROBERTO PARIZOTTI/RBA

NUNCA É TARDE Idalino Lourenço, 72 anos, é aluno do programa de Educação de Jovens e Adultos

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EDUCAÇÃO

Dívida histórica

Cinquenta anos depois da experiência que em 40 horas alfabetizou 300 trabalhadores rurais no sertão nordestino, o Brasil ainda tem uma das maiores taxas de analfabetismo da América Latina Por Cida de Oliveira

A

bril de 1963. Com a presença do então presidente, João Goulart, e de outras autoridades, chegava ao fim uma campanha vitoriosa na pequena cidade de Angicos, no sertão do Rio Grande do Norte. Trezentos trabalhadores rurais foram alfabetizados em 40 aulas, de uma hora cada uma, sob a luz de lampiões a querosene. Quinze universitários que tinham deixado para trás o conforto na capital, Natal, os ensinaram mais que ler, escrever e fazer contas: mostraram a importância da leitura do mundo. Nos dias seguintes, a coordenação chefiada pelo educador pernambucano Paulo Freire (19211997) constatou 70% de aproveitamento nos testes de alfabetização e 87% no de politização. O êxito da experiência atraiu autoridades brasileiras e estrangeiras e o interesse da imprensa mundial. Em abril de 1964, o golpe extinguiu o recém-criado programa nacional de alfabetização inspirado em Angicos, que seria inaugurado oficialmente dali a um mês. Com a prisão e exílio de Freire, considerado subversivo e ignorante pelos militares, o regime abortava o embrião de um projeto que tinha tudo para derrubar as taxas brasileiras de analfabetismo. Três anos depois, a ditadura lançou o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), que passou a receber verbas em 1970, quando a taxa era de 33,6%. Com proposta pedagógica limitada a ensinar minimamente a escrita, a leitura e cálculos básicos, pretendia alfabetizar a todos em uma década. Depois de reduzir em apenas 2,7% a taxa de analfabetismo, o programa foi extinto em 1985 por José Sarney, que criou

VIDA MELHOR Maria Edilma, do EJA em São Bernardo: “Encontro muitos ex-alunos que conseguiram emprego, foram promovidos, tiraram carteira de motorista”

a Fundação Educar. Em 1989, Fernando Collor de Mello instituiu o Programa Nacional de Alfabetização, que visava a alcançar 21 milhões de brasileiros em dez anos, em especial os mais jovens. O governo de Fernando Henrique Cardoso (19952002) reduziu a taxa de 16,6%, em 1994, para 13,6%, em 2000. Ao contrário do que prometeu, não aumentou investimentos no setor nem conseguiu democratizar o acesso a cursos equivalentes às quatro séries finais do ensino fundamental para a população de 15 a 30 anos. Em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou o programa Brasil Alfabetizado, que já beneficiou mais de 12 milhões de pessoas.

Não passo mais vergonha

Passados 50 anos da experiência de Angicos, 8,6% da população brasileira de 15 anos ou mais ainda não sabe ler nem es-

crever, dos quais mais de 60% acima de 50 anos. O percentual é menos da metade dos 20% de 1990. “Apesar da queda significativa, preocupa o fato de 14 milhões de pessoas serem analfabetas, o maior número absoluto da América Latina”, diz o coordenador do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) da ONG Ação Educativa, Roberto Catelli Júnior. A posição do país em relação a seus vizinhos resulta, sobretudo, de seu passado escravocrata, com economia baseada em produção agrícola para exportação, sem investimentos em educação, em que a maioria da população não tinha direito à cidadania. As colônias espanholas, ao contrário, até universidades receberam. O fato é que diferente da Argentina, no início do século 20, apenas uma minoria da população no Brasil sabia ler e escrever. O atraso aprofundou as desigualdades. REVISTA DO BRASIL

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“Não podemos erradicar o analfabetismo como se erradica uma doença, mas podemos reduzi-lo a um nível bem menor”, diz Catelli. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado em 2010 mostra que a baixa inserção de jovens e adultos em programas de alfabetização e sua ineficiência entre a população de 65 anos para cima explicam a lenta redução. Desigualdades diversas também. No Nordeste está mais da metade (52%) dos analfabetos, o dobro da média nacional. Na zona rural da região, o índice sobe para 71%. Não é à toa que de lá tenha saído a maioria dos estudantes que hoje frequentam salas de educação de adultos em várias partes do país, como a da professora Maria Edilma Batista Miranda, do Jardim Silvina, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Nascida em Garanhuns (PE), uma de suas alunas, a pernambucana Alice Maria da Silva, 67 anos, passou a vida quase sem saber escrever o nome. “A vontade de estudar sempre foi grande, mas segurei um lápis pela primeira vez aqui”, diz, referindo-se à turma que frequenta toda noite há cerca de dois anos na periferia de São Bernardo, a meia hora a pé de sua casa. Os

ROBERTO PARIZOTTI/RBA

EDUCAÇÃO

NOVAS OPORTUNIDADES Os irmãos Geivaldo e Jorgivaldo Ferreira Souza ficaram sem estudar na infância porque moravam na roça, distante de qualquer escola

resultados já aparecem. Há pouco tempo trocou seus documentos. No lugar das digitais, assinou o nome. Nascidos e criados em Poções (BA), os irmãos Geivaldo e Jorgivaldo Ferreira Souza, de 30 e 28 anos, também não tinham onde estudar perto de casa, num sítio afastado da cidade. E, como precisavam ajudar na lavoura da família, foram frequentar uma sala de aula bem mais tarde. Hoje são trabalhadores da constru-

ção civil pesada no ABC, querem estudar, melhorar o emprego e a vida. História semelhante viveu Luiz Deoclecio Pereira. Na infância, em função do trabalho na roça, no interior do Ceará, não teve oportunidade de frequentar escola. Aos 17 anos, chorava, temendo jamais conseguir estudar e aprender. O tempo passou e Luiz sempre no trabalho pesado, mal remunerado por falta de estudo. Recentemente, a empresa onde trabalha o

Declarado por lei Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire (1921-1997) apresentou as bases teóricas de seu sistema de alfabetização de adultos em 1958. Em 1962, quando o presidente João Goulart assinou em Washington o Acordo Brasil-Estados Unidos sobre o Nordeste, Freire foi procurado por autoridades potiguares para coordenar uma campanha no município de Angicos, a 170 quilômetros de Natal. A iniciativa era patrocinada por Ministério da Educação e Cultura (MEC), Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene, 26

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instituição idealizada pelo economista Celso Furtado no final do governo JK), governo do Rio Grande do Norte e Agência Americana para Desenvolvimento Internacional (USAID). O projeto começou em janeiro e terminou em abril, em cerimônia com a presença fardada do comandante da Região Militar do Recife, o marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Segundo historiadores, ele teria dito ao secretário de Educação potiguar: “Meu jovem, você está engordando cascavéis nesses sertões”. Em maio, os trabalhadores rurais deflagraram a

FUNDAÇÃO PAULO FREIRE

Criador de ‘cascavéis’

Paulo Freire em Angicos, RN

primeira greve de Angicos. A experiência bem-sucedida ganhou o nome de “praga comunista”, dado pelos proprietários rurais. Elogiado pelos especialistas da USAID, Freire foi chamado pelo MEC para conceber um plano nacional de alfabetização.

Com o golpe de 1964, o projeto foi extinto. Preso, Paulo Freire foi procurado por soldados do quartel que queriam que seus parentes fossem alfabetizados. “Estou aqui justamente por alfabetizar”, justificou o educador, que, aos 43 anos, foi para o exílio e só voltou ao Brasil em 1979. Nesse intervalo, o mundo o descobriu. E também suas obras, como Ação Cultural para a Liberdade, finalizada em Harvard em 1970, e a clássica Pedagogia do Oprimido. Para saber mais www.angicos50anos.paulofreire.org


RODRIGO QUEIROZ/RBA

EDUCAÇÃO

RECOMPENSA Geanne, do Mova de Duque de Caxias: “Tanto trabalho vale a pena quando vemos nossos alunos trabalhando, estudando, exercendo seus direitos”

mandou estudar. “Estou aprendendo. Não passo mais vergonha”, afirma. A seu lado, a colega Joana Batista Magalhães, 55 anos, não deixa de sonhar: “Novela não ensina nada; fica pra outra hora. Aqui é mais divertido e aprendo”. Na infância estudou pouco, a escola ficava muito longe. Quando teve escola perto, já estava casada e o marido não a deixava ir. “Meu sonho é fazer um curso técnico de Enfermagem e lutar por um lugar na faculdade.” Com 15 anos de experiência no EJA, a professora Maria Edilma diz que são muitas as histórias de transformação pela educação. “Encontro muitos ex-alunos que conseguiram emprego, foram promovidos, tiraram carteira de motorista; têm hoje uma vida melhor. Uma aluna, cujo marido a chamava de bur-

ra, hoje sustenta a família com seu trabalho”, conta.

Problemas a superar

O Plano Nacional de Educação (PNE), que tramita no Congresso, determina que até 2020 seja erradicado o analfabetismo absoluto e reduzido pela metade o analfabetismo funcional — em que a pessoa consegue ler, mas não compreende bem o texto. “É urgente rever o modelo atual e construir uma política nacional de educação de jovens e adultos. E não vejo nenhuma iniciativa efetiva, capaz de fazer com que os 85 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais avancem na conclusão da educação básica”, diz Catelli. Para o educador, estão aquém do esperado os resultados do programa federal Brasil Alfabetizado, que destina recursos

para atender mais de 1 milhão de pessoas por ano em todo o país. Segundo Catelli, ainda há muitos problemas a serem superados, além do analfabetismo: os educadores, leigos, têm deficiências na formação, há problemas na organização de turmas, uso político do programa nas localidades e falta um sistema de avaliação no qual os resultados sejam discutidos e divulgados. “O mais grave, porém, é não se efetivar como política pública integrada às secretarias de Educação dos municípios, permitindo a continuidade dos estudos”, aponta. “Sinto falta de uma política mais ofensiva do governo e do envolvimento da sociedade na cobrança do pagamento dessa dívida histórica com os milhões de analfabetos”, diz Luiz Marine José do Nascimento, membro da coordenação pedagógica do Instituto Paulo Freire. Em parceria com a Petrobras, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), sindicatos, movimentos sociais e prefeituras, a entidade executa o programa Mova-Brasil. “Até o Mobral era mais agressivo que as políticas atuais no sentido de envolver a sociedade.” Marine cobra também a participação das universidades, que não oferecem nos cursos de licenciatura a disciplina de alfabetização de adultos. E defende ainda medidas de combate à elevada evasão nos cursos para adultos, a modernização da metodologia empregada em sala de aula e alternativas para problemas estruturais que desestimulam o aluno, como a oferta de aulas em locais próximos da moradia, em horários flexíveis. “Não existe Brasil sem miséria enquanto persistir o analfabetismo.” Coordenadora do núcleo Rio de Janeiro do Mova-Brasil, do Instituto Paulo Freire, Geanne Campos conhece de perto as dificuldades do setor e não mede esforços para contorná-las. Para atrair mais alunos, por exemplo, procura criar turmas em horários alternativos, em lugares mais próximos dessas pessoas. Contra a evasão, outro grande problema, firma parcerias com cursos profissionalizantes e entidades da economia solidária e incubadoras, para estimular a renda dos educandos. “Tanto trabalho vale a pena quando vemos nossos alunos trabalhando, estudando, exercendo seus direitos, sua cidadania.” REVISTA DO BRASIL ABRIL 2013

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HISTÓRIA

Em nome dos joões sem terra

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gaúcho João Machado dos Santos, que morreu em 2010, virou um dos símbolos do movimento dos trabalhadores rurais, ao ganhar a alcunha de João Sem Terra. Ele é um dos personagens da relação de camponeses mortos, torturados e desaparecidos incluídos em livro editado pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e relançado durante o congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em março. Faz parte da iniciativa o projeto Memória Camponesa e Cultura Popular, com sede no Núcleo de Antropologia da Política (NuAP), que reúne pesquisadores de várias instituições, sob supervisão do antropólogo Moacir Palmeira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A obra abrange 28

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inclusive período anterior à ditadura: vai de 1962 a 1985. Também estão no livro nomes como o paraibano João Pedro Teixeira, a também paraibana Margarida Maria Alves, os paraenses Raimundo Ferreira Lima, o Gringo, e Expedito Ribeiro, todos assassinados. Ou dom Pedro Casaldáliga, de Mato Grosso, ainda hoje vítima de amea­ças. “É a memória viva da luta camponesa no Brasil, que não tem o devido registro histórico. Estamos tentando suprir essa falta”, diz o coordenador do projeto Direito à Memória e à Verdade da SDH, Gilney Viana. Insistir para que o Estado reconheça a violência cometida contra trabalhadores rurais, com a devida reparação, foi uma das resoluções de encontro unitário realizado em agosto de 2012, com “trabalhadores e trabalhadoras e povos do cam-

CÉSAR RAMOS/CONTAG

Movimento quer incluir 602 nomes ligados ao setor rural na lista de mortos e desaparecidos políticos Por Vitor Nuzzi

JUSTIÇA Gilney: “Só assim vamos tirar da invisibilidade a luta camponesa. Só assim os direitos serão restabelecidos”


MEMÓRIA Livro traz registro da luta camponesa

Reforma agrária já CÉSAR RAMOS/CONTAG

“Vamos acelerar a les, Brizola Neto (Trabalho reforma agrária. E com e Emprego), é agora exterra de qualidade”, ga-ministro. Pepe Vargas, do Desenvolvimento Agrário, rantiu a presidenta Dilma destacou o aumento de Rousseff aos quase 2.500 recursos para a agriculdelegados no congresso da Contag, em Brasília, tura familiar (de R$ 2,4 logo depois de avisar bilhões, em 2003, para que não promete o que R$ 18 bilhões na atual sanão pode fazer. Os rurais fra) e os 87 mil hectares “que tiveram algum tipo prometeram cobrar. Broch: reeleito de intervenção do Esta“Entendemos que isso compromete o governo. do, entre desapropriaVamos pautar o governo na reforma ções e assentamentos”. agrária, na assistência técnica e na A Contag, que completará 50 anos melhoria dos assentamentos”, afirmou em dezembro, aprovou a paridade de o presidente reeleito da entidade, gêneros – a partir da próxima gestão, em 2017, terá igual número de homens Alberto Ercílio Broch. e mulheres na direção. No congresso Dilma, que classificou a relação com deste ano, 45% dos delegados eram a Contag de “dura, mas fraterna”, levou mulheres, a maior parcela já alcançada. cinco ministros ao congresso – um de-

MARCELLO CASAL JR/ABR

HISTÓRIA

po, das águas e das florestas”. Ali também se decidiu pela criação de uma Comissão Camponesa da Verdade, formada por diversas organizações, com o objetivo comum de fazer com que a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos inclua mais nomes na lista de atingidos pela repressão. “Só assim vamos tirar da invisibilidade a luta camponesa. Só assim os direitos serão restabelecidos”, afirma Gilney, lembrando que a grande maioria dos camponeses foi excluída da chamada justiça de transição, conceito que compreende mecanismos para atribuir responsabilidades por atos de violência e garantir reparações. Segundo Gilney, de 1.200 camponeses mortos e desaparecidos, só 49 entraram na comissão especial – e, dos 49, apenas 27 foram reconhecidos. A comissão camponesa, que já se reuniu com a Comissão Nacional da Verdade – o primeiro encontro ocorreu em novembro –, quer incluir 602 nomes à lista de mortos e desaparecidos, entre líderes comunitários, sindicalistas, advogados e religiosos. “O camponês era meio ‘invisível’. As leis foram pensadas mais na luta urbana”, observa o representante da SDH. Além disso, em muitos casos os rurais tinham maior ligação com a igreja do que com partidos políticos. No primeiro encontro entre a comissão nacional e a comissão camponesa, os dois lados lembraram que o problema não acabou com o fim do período autoritário. “Todas essas formas de violência no campo, que tiveram seu apogeu na ditadura, ainda continuam”, lembrou Maria Rita Kehl, que na CNV coordena o grupo de trabalho sobre violações de direitos humanos ligadas à luta pela terra e contra populações indígenas. “Esses fatos deverão estar presentes nas nossas recomendações, que deverão estabelecer elos entre passado e presente, visando à não repetição desses fatos.” Trata-se, como se diz na apresentação do livro, de uma violência com dupla face, “uma comandada diretamente pelo Estado, pela ação das forças policiais e do Exército, e outra, privada, expressa pela ação de milícias e jagunços a mando de latifundiários”. Uma espécie de “terceirização” da repressão. REVISTA DO BRASIL

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AMÉRICA LATINA

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Antes e depois de

Chávez

A Venezuela foi para sua primeira eleição em duas décadas sem a presença do líder bolivariano, e com muitos indicadores de que seu governo se tornou um divisor de águas na história do país Por Tadeu Breda

TADEU BREDA/RBA

om skate debaixo do braço, boné pra trás e namorada a tiracolo, Aleksei foi meu guia na primeira visita que fiz a uma favela de Caracas, a 23 de Janeiro. É um foco de resistência popular desde que foi construída, em 1956, na zona oeste da capital venezuelana. Seus blocos residenciais foram um presente do ditador Marcos Pérez Jiménez, que batizou o bairro como 2 de Dezembro para comemorar o dia em que dera um golpe de Estado. Em 23 de janeiro de 1958, seu governo seria derrubado. E os moradores rebatizaram a vizinhança com a data de sua queda – também início da mais duradoura democracia formal da América do Sul. Não por acaso, a 23 de Janeiro é uma das poucas periferias de um país a abrigar o corpo sem vida de um presidente da República: o de Hugo Chávez foi levado para o quartel da Milícia Bolivariana no alto de um de seus morros – até haver uma decisão sobre o destino definitivo dos restos mortais. No bairro existem coletivos autogestionários e guerrilhas armadas remanescentes dos anos 1970 e 1980. Na ausência de inimigos políticos, o arsenal serve basicamente para autoproteção – inclusive para fins menos nobres, como eliminar traficantes. O 23 ostenta seus próprios mártires, lembrados em praças e afrescos castigados pelo tempo. São vítimas de uma repressão que parece não mais existir. “O melhor de Hugo Chávez é que, com ele, finalmente tivemos liberdade”, atesta o morador Gustavo Rodríguez, assinalando o que considera a maior virtude do ex-presidente. Aos 60 anos, é uma das lideranças da Coordenadora Simón Bolívar, um dos coletivos que atuam na vizinhança. Faz algum tempo, tomaram posse do edifício onde funcionou um quartel da polícia, “já levei umas surras aqui dentro”, e montaram uma rádio comunitária. Atendendo a pedidos dos moradores, o governo federal instalou no local um Infocentro, com computadores, internet e cursos para a comunidade, e um escritório para tirar documentos e resolver pequenas burocracias.

FOCO DE RESISTÊNCIA A favela 23 de Janeiro recebeu o corpo do ex-presidente


AMÉRICA LATINA

RAUL ARBOLEDA/AFP

“CHÁVEZ EM MEU CORAÇÃO” Amar ou odiar a figura do ex-presidente – e tudo o que representa – é questão de classe. A Venezuela ocupa hoje a 71ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano. O Brasil está na 85ª

Não é à toa que imagens e slogans que remetem a Hugo Chávez estão espalhados por todos os lados. As menções são tão numerosas nas favelas quanto inexistentes nas regiões mais ricas. A capital venezuelana é dividida em duas. Nas subprefeituras de Baruta, Chacao, Hatillo e Sucre domina a oposição, representada por uma coalizão de partidos chamada Mesa de Unidade Democrática (MUD). No centro e na zona oeste, região conhecida como Libertador, o governo fica com o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Amar ou odiar a figura do ex-presidente – e tudo o que representa – é questão de classe. Claro, existem pobres que não votam no chavismo e gente de renda elevada que o apoia. Há inclusive uma nova elite que floresceu à sombra do governo bolivariano: a chamada boliburguesia.

Batalha de comunicação

Com 6 milhões de habitantes, Caracas é um lugar aparentemente irreconciliável. Chavistas e antichavistas têm um sem-número de argumentos para canalizar suas emoções. Entre radicais e moderados, a maioria, porém, continua sendo chavista. A MUD tem poucos representantes na Assembleia Nacional, controla apenas três dos 23 estados e não está tão estruturada quanto gostaria. A maior força da oposição está na mídia. Quem liga a tevê na Globovisión ou abre os jornais El Nacional e El Universal percebe facilmente. Mas, se chovem críticas na mídia tradicional, despeja-se uma tempestade de elogios sobre o telespectador que sintoniza as emissoras estatais. Depois que sofreu uma tentativa de golpe de Estado, em 2002, o presidente se deu conta de que era preciso construir canais de comunicação direta com o povo.

Enquanto Chávez tinha uma arma apontada contra a cabeça, as redes de tevê noticiavam sua “renúncia” e transmitiam a posse do líder golpista, Pedro Carmona. E dá-lhe novela para transmitir aos venezuelanos uma completa sensação de normalidade. Agora, o chavismo conta com um imenso aparato comunicacional que inclui estações de rádio e tevê, agências de notícias, portais e jornais diários. “Na Venezuela, a batalha política é também midiática”, explica Robert Vinache, 23 anos, aluno da Escola de Meios e Produção Audiovisual de Caracas (Empa), inaugurada há seis anos pela prefeitura caraquenha junto a uma emissora pública local chamada Ávila TV, ambas encampadas posteriormente pelo governo nacional. “Somos o único canal-escola do país e talvez da América Latina”, orgulha-se a diretora de formação do instituto, Yajaira González. “Todos os nossos estudantes são provenientes de bairros pobres.” São jovens que chegam à Empa loucos para mostrar o profundo processo de transformação vivido pelo país – e por eles mesmos – nas periferias. E, se não conseguem vagas no sistema nacional de meios públicos para trabalhar, podem recorrer a rádios e tevês comunitárias que falam de realidades até então invisíveis pelo padrão loiro-branco-olhos azuis da imprensa comercial. “Mas as emissoras populares sobreviverão apenas se não tomarem posições muito críticas em relação ao governo”, acredita a coordenadora de comunicação da ONG Programa Venezuelano de Educação-Ação em Direitos Humanos (Provea), Paola Salcedo,. “Existe liberdade de expressão na Venezuela, mas ao mesmo tempo se observam alguns impedimentos para que possa ser exercida em sua plenitude.” Paola desanda a falar que o canal RCTV foi fechado injustamente; que repórteres das emissoras contrárias ao chavismo não são convidados para entrevistas oficias; que o jornal El Nacional foi obrigado a ficar um dia fora de circulação depois que publicou fotos de um necrotério público abarrotado de cadáveres; e que jornalistas sofreram retaliações em algumas rádios depois de criticar o governo. “É um claro sinal de autocensura”, analisa. REVISTA DO BRASIL

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AMÉRICA LATINA

Questiono se as mencionadas limitações à liberdade de imprensa não poderiam ser interpretadas como uma reação à participação da mídia no golpe de 2002. Paola concorda que as emissoras descumpriram obrigações inerentes a uma concessão pública, mas... “Sob o ponto de vista da política, podemos até compreender as atitudes do governo. Contudo, sob a ótica dos direitos humanos, não é possível justificar nenhum cerceamento à informação”, analisa. A conturbada relação de Hugo Chávez com a imprensa é apenas a ponta mais visível do imenso iceberg que sustenta a revolução bolivariana. Nas periferias estão bases mais sólidas do regime. Deparei com uma delas – talvez a principal – caminhando com Aleksei, seu skate e sua namorada pela 23 de Janeiro. Um “exército” de jalecos brancos enviados por Havana ocupa as quebradas da Venezuela. Cuba manda médicos e o chavismo retribui com petróleo, sua maior riqueza econômica. O resultado do escambo é visível. Apenas no centro e na zona oeste de Caracas, as mais carentes da cidade, trabalham 2.689 profissionais de saúde cubanos, entre os quais 552 médicos. Em todo o país estão em atividade 17 mil doutores e outros 17 mil enfermeiros, fisioterapeutas, laboratoristas formados na ilha. Compõem a mão de obra do programa que leva medicina a pessoas que nunca nem em sonho haviam pensado em ver médicos e hospitais na esquina de casa. Basta caminhar pelo bairro para topar com pequenos consultórios, os módulos, onde a vizinhança recebe atenção primária e preventiva. São casinhas minúsculas de bloco pré-fabricado com dois pavimentos. Na parte de baixo ficam consultório, sala de espera e banheiro. Em alguns há cadeira de dentista. Os médicos moram na parte de cima, uma quitinete com cozinha e banheiro. Trabalham oito horas por dia, mas não sonegam suas habilidades caso alguém precise de socorro durante a madrugada. Consegui visitar as instalações da Missão Bairro Adentro depois de pedir auto32

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DIVULGAÇÃO

Médico na esquina de casa

HABITAÇÃO POPULAR Desde 2010, o governo entregou 350 mil residências. Neste ano, serão mais 380 mil

rização ao governo cubano. Bastou enviar um e-mail à embaixada e trocar três ligações com os responsáveis pelo programa: no dia seguinte, tinha uma sugestão de itinerário e um carro iraniano me esperava. Acompanhado pelo doutor Reynier, vice-chefe da missão médica cubana em Caracas, saí rumo às instalações hospitalares de Montalbán, zona pobre a oeste da capital. Já nos esperava o doutor Padilla, diretor do Centro Médico de Alta Tecnologia. Depois assistir a uma projeção de slides, visitei todas as salas e conversei com cinco médicos pré-selecionados para me atender. Responderam a todas as minhas perguntas, mas os superiores não saíram do meu pé. É difícil saber se os cubanos foram totalmente sinceros quando questionei se estavam felizes trabalhando nas periferias caraquenhas, com uma rotina tão rígida e limitada não apenas pelas regras do governo cubano, mas também pelo entorno violento. “A medicina é uma carreira muito humana, e nossa tarefa como médicos formados em Cuba é ajudar os demais países

que ainda não conseguiram se desenvolver na área da saúde. Estamos dispostos a ir a qualquer lugar do mundo. E não porque somos pressionados ou obrigados pelas autoridades: temos vontade de levar nosso conhecimento à população que mais precisa”, contou o doutor Bernardo. “As pessoas aqui nunca haviam visto um médico subir o morro. Por isso, não querem que a gente vá embora.” O programa que trouxe medicina cubana para as periferias é apenas uma das chamadas missões bolivarianas impulsionadas durante os 14 anos de governo Chávez. Existem mais de 20. Outra que conta com a ajuda de Cuba é a Missão Robinson, proposta para alfabetizar a população. Em 2005, a Venezuela foi declarada território livre de analfabetismo pela Unesco. A Missão Sucre criou universidades e transformou o país na quinta nação com maior número de matrículas no ensino superior. Outro projeto, a Grande Missão Vivenda, começou a trabalhar na construção de moradias populares depois que milhões de venezuelanos perderam a própria casa devido a fortes chuvas ocorridas em 2010. Chávez não titubeou em instalá-los em hotéis, prédios vazios, edifícios governamentais e até mesmo no Palácio de


TADEU BREDA/RBA

ANDREW ALVAREZ/AFP

AMÉRICA LATINA

DIVULGAÇÃO

GLOBALIZAÇÃO DO BEM A Venezuela troca seu petróleo pela assistência de profissionais da área médica cubanos, acomodados em consultórios/residência espalhados pelos bairros pobres

MISSÃO SUCRE O programa transformou o país na quinta nação com maior número de matrículas no ensino superior

Miraflores. De lá para cá, graças ao imenso fluxo de caixa possibilitado pelo petróleo, foram entregues 350 mil residências. Neste ano, serão mais 380 mil. A meta é construir 2 milhões de casas até 2017.

Persiste a violência

Os maciços investimentos sociais do chavismo – auxiliados por taxas de cres-

cimento econômico que em 2004 chegaram a 17% – possibilitaram que a pobreza venezuelana fosse reduzida em 20 pontos percentuais entre 1999 e 2012, passando de 49% para 29% da população. A Venezuela ocupa hoje a 71ª posição no ranking mundial do bem-estar, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O Brasil está na 85ª. Mas a evolução social não foi acompanhada de queda nos índices de violência – um dos problemas mais gra-

ves do país. O índice de homicídios na Venezuela gira em torno de 45 por 100 mil habitantes. Em Caracas, chega a 108 por 100 mil – taxa que a coloca entre as cidades mais perigosas da região. Cerca de 500 presidiários perdem a vida todos os anos dentro das casas de detenção venezuelanas. “A violência tem crescido em toda a América Latina, com exceção de Brasil e Colômbia”, afirma Andrés Antillano, psicólogo e criminologista da Universidade Central da Venezuela (UCV). “Os índices de criminalidade no país tiveram muito mais a ver com desigualdade social do que com pobreza, mas mesmo essa relação parece não funcionar como se imaginava. Talvez seja um erro pensar que apenas ampliar o acesso aos direitos sociais pode reduzir a violência.” Antillano afirma ter detectado em suas pesquisas que grande parte da juventude pobre nas grandes cidades sequer é chavista. Tampouco oposicionista. “São despolitizados”, define, “e veem o crime como uma maneira de ganhar respeito e incluir-se socialmente”. Pelas ruas da 23 de Janeiro, Gustavo Rodríguez conta que de tem de gastar o verbo para convencer os jovens das benesses trazidas pelo chavismo. O problema, segundo ele, é que têm pouca idade e não se lembram de como era a vida antes de Hugo Chávez. “Para quem viveu as duas coisas, está claro que agora estamos muitíssimo melhor.” REVISTA DO BRASIL ABRIL 2013

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SAÚDE FIM DO SEDENTARISMO Ricardo, de Recife: maior disposição

LEO CALDAS/RBA

ACADEMIA , 34

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SAÚDE

S

ubir as escadas de casa não é mais problema para o vendedor Ricardo Mosart dos Santos, morador de Recife. Aos 43 anos, há quatro Ricardo vem enfrentando o sedentarismo e a indisposição, quando passou a frequentar uma academia pública. Com melhor condicionamento devido à atividade física regular orientada por profissional, passou a correr e até a participar de maratonas, como a São Silvestre, em São Paulo. “Para quem subia uns degraus quase morrendo, nada mau disputar essas provas. A mudança na minha vida é tão grande que estimulou minha mulher a frequentar as aulas também”, diz. Ricardo é um dos 60 mil frequentadores da Academia da Cidade, mantida desde 2002 pela Secretaria de Saúde da capital pernambucana. Ginástica, dança, lutas, corridas, rodas de conversa sobre saúde e nutrição estão no rol de atividades dos 38 polos instalados em praças, parques e praias. Para participar, o aluno preenche uma ficha e passa por avaliação da pressão arterial, peso, gordura corporal e capacidade cardiorrespiratória. Em caso de alterações, é encaminhado ao ser-

Por Cida de Oliveira

pulares, públicas e gratuitas, ao ar livre, sempre com orientação profissional, surgiu em 1990, com um módulo na praia do Camburi, ao norte da capital capixaba. Atualmente são 13, funcionando em parques, praças, praias, postos de saúde e outros espaços públicos, nos quais 50 professores de educação física, todos efetivos, dão aulas de alongamento, ioga, hidroginástica no mar, dança, programas de caminhada e vôlei adaptado para os mais velhos. “Ninguém resiste. Até turistas participam das atividades”, diz o educador físico Edson Camargo de Araújo, coordenador do Serviço de Orientação ao Exercício da Secretaria de Saúde de Vitória. A clientela estimada é de 25 mil alunos. Como em Recife, a matrícula inclui testes para detectar pressão alta, obesidade e nível de sedentarismo, entre outras possíveis restrições.

EXEMPLO Curitiba: várias academias, algumas com piscina MAURILIO CHELI/SMCS

Oferta de espaços públicos adequados, com orientação profissional, democratiza o acesso à atividade física, traz benefícios para a qualidade de vida e para a saúde coletiva

viço de saúde – e será indicado para uma atividade apropriada à sua condição. Em cada polo, a programação é definida conforme a procura. “A ideia é promover a saúde da população e melhorar a qualidade de vida por meio da atividade física, do lazer e da orientação para hábitos saudáveis, além de potencializar o uso de espaços públicos e equipamentos de saúde”, explica a professora Geanine Barros da Silva, coordenadora do programa. A iniciativa venceu em 2005 o 2º Concurso Cidades Ativas, Cidades Saudáveis, da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e do Centro de Controle de Doenças, dos Estados Unidos, e é considerada uma das 50 melhores experiências do mundo em inclusão social pelo observatório internacional União das Cidades e Gestores Locais (UCLG, na sigla em inglês). Em Vitória, a ideia das academias po-

,melhor que hospital REVISTA DO BRASIL ABRIL 2013

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SAÚDE

Parte da rotina

Moradora de Vitória, a aposentada Olinda Marta Andreão, 59 anos, não perde nenhuma aula. Praticante de esportes desde a infância, quando jogava futebol e vôlei, nunca se tornou sedentária. Quando se aposentou, há 11 anos, temia abandonar o antigo hábito. Chegou a entrar em academia particular, mas saiu devido à aposentadoria minguada. “A minha salvação foi conhecer as academias populares da cidade. Há vários professores, todos capacitados, que ensinam os exercícios e corrigem os erros”, conta. Esses programas inspiraram gestores de Belo Horizonte, que em 2006 abriram a primeira academia, num salão próximo ao centro de saúde de Mariano de Abreu, bairro carente da zona leste. Hoje são 59 unidades distribuídas pela cidade, em especial nos bairros mais carentes, nas quais trabalham 163 professores de educação física em fase de efetivação por concurso público. Todas funcionam em locais fechados, pela manhã, de segunda a sábado, e 15 delas ampliaram seu horário à tarde e à noite para atender um público total de 25 mil pessoas. Há aulas de exercícios aeróbios (corrida, dança, step, corda e minicama elástica) e de musculação, também é feita avaliação da condição de saúde e encaminhamento para acompanhamento médico, se necessário. “Enfatizamos sempre que a prática da atividade física deve ser incorporada à rotina diária, como dormir, tomar banho e escovar os dentes“, diz a educadora física e coordenadora Vera Regina Guimarães. Além de parcerias com faculdades de Nutrição e apoio de universidades como o Instituto Izabela Hendrix, que abriga uma das academias. Em breve haverá na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e na UniBH. Em Curitiba, onde a demanda por esse atendimento vem desde o final da década de 1960, a Secretaria do Esporte, Lazer e Juventude mantém 34 núcleos no centro e nas chamadas Ruas da Cidadania, extensões da prefeitura nos bairros que oferecem serviços municipais, estaduais e federais, além de comércio e lazer. To36

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dos são cobertos, têm salas de ginástica equipadas e espaço para caminhada. Em seis deles há piscina, com aulas de natação e hidroginástica. São beneficiadas 306 mil pessoas. Os 250 professores são concursados. “Como a demanda é grande em algumas atividades, como natação, há fila de espera. Mas a população nunca fica sem alternativas”, afirma o educador físico Dalton Grande, gerente do Centro de Referência Qualidade de Vida e Movimento da Prefeitura de Curitiba. A oferta de espaços públicos adequados para a prática de atividade física, sempre com orientação de profissional, é estratégica na luta contra a obesidade e problemas decorrentes, como diabetes, infarto, derrame e alguns tipos de câncer, que quando não incapacitam acabam com a qualidade de vida das pessoas e afetam gravemente os cofres públicos com internações, cirurgias, medicamentos e

aposentadorias. Além de prevenir esses males ou evitar seu avanço, os exercícios melhoram a saúde mental, diminuem o risco de depressão e aliviam a ansiedade.

Política nacional

“A epidemia mundial de obesidade é causada por hábitos alimentares inadequados, com consumo excessivo de refrigerantes, doces e alimentos gordurosos. Outra causa importante é o sedentarismo. O acesso ao exercício físico é fundamental porque a doença está crescendo mais entre as pessoas de baixa renda, que não podem pagar uma academia nem têm orientação nutricional”, explica o endocrinologista Walmir Coutinho, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Segundo Coutinho, o sedentarismo é alto até em cidades aparentemente ativas, como o Rio de Janeiro. “Quem passa na


ALEGRIA Olinda, de Vitória: “Professores capacitados que ensinam os exercícios e corrigem os erros”

FÁBIO VICENTINI/ARCO/RBA

SAÚDE

orla da zona sul e vê as pessoas se exercitando acha que é assim em toda a cidade. Mas não é. Além de academias públicas e gratuitas, com orientação especializada, é necessário ainda condições urbanísticas para a atividade física informal, como ciclovias e transporte público de qualidade

para que as pessoas deixem o carro em casa”, diz o médico, lembrando que em cidades como Amsterdã, na Holanda, e Copenhague, na Dinamarca, onde se caminha e pedala mais, há poucos casos de obesidade. “A lógica da promoção da saúde deve estar na prevenção, com menos pessoas ficando doentes – e não no tratamento, um modelo que tem demonstrado não funcionar”, opina Pedro Hallal, professor e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Hallal é autor de estudos de grande repercussão que comprovaram que o sedentarismo é tão nocivo à saúde quanto o cigarro, até então o maior fator de risco para diversas doenças. Segundo seus estudos, publicados na revista britânica Lancet, uma das mais importantes do mundo em medicina, um terço dos adultos não pratica atividade física suficiente, o que 5,3 milhões de mortes por ano em todo o mundo. No Brasil, a inatividade é culpada por 8,2% das doenças cardíacas, 10% dos casos de diabetes tipo 2, 13% das ocorrências de câncer de mama e 14%, de cólon. “Entre as recomendações dos estudos está a urgência de oferta de atividade física para as comunidades, em espaços públicos e com orientação profissional”, diz Hallal. Como ele destaca, a decisão de praticar exercícios é individual. Pesquisas demonstram, porém, que tal decisão envolve ainda aspectos ambientais. “A existência de locais de boa qualidade

para a prática é determinante para as pessoas começarem a se exercitar e se manter ativas.” Experiências como em Recife, Vitória, Curitiba, Belo Horizonte e Aracaju, e o trabalho de universidades como a Federal de Pelotas – que identifica a importância de espaços públicos para motivar a população à atividade física regular –, inspiraram o Ministério da Saúde na criação do programa Academias da Saúde, no final de 2011, como parte do Plano Nacional de Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis. “Trata-se de uma expansão dos projetos já existentes e de uma oportunidade para os municípios passarem a oferecer o serviço”, diz a médica Deborah Malta, diretora do Departamento de Análise de Situação em Saúde do Ministério. O orçamento é de R$ 300 milhões para a construção de 4 mil academias em todo o país. Já estão em funcionamento 155 delas e, segundo Deborah, os prefeitos apresentaram mais de 6 mil projetos. Na avaliação de Pedro Hallal, um dos muitos benefícios das Academias da Saúde é a tendência a atrair mais as mulheres, em especial as mais velhas. “Isso é excelente porque esse público é o mais sedentário. Os que mais praticam exercícios são os homens mais jovens de maior poder aquisitivo.” Democráticas, essas academias estão incluindo na atividade física justamente os grupos mais afastados.

Lauro dos Passos, 52 anos, morador do Jardim do Lago, em Jundiaí (SP), vai à praça várias vezes por semana. E observa: “Seria importante ter pelo menos um estagiário para acompanhar as pessoas, orientar os exercícios”. A instalação de equipamentos em praças e parques, cada vez mais comum, é melhor do que nada, mas não resolve. Para Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, o benefício trazido é limitado. Sem orientação profissional as pessoas podem desistir por não sentir melhora em sua condição física ou se machucar. Há riscos de lesões quando se desconhecem limites ou ações adequadas a cada necessidade. “Não se trata de ter personal training, mas dispor de professores para orientar um grupo populacional é essencial.”

JORNAL BRASIL ATUAL/JUNDIAÍ

Cadê o monitor?

Sem orientação, o benefício é limitado

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PERFIL

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Corpo e mente Na juventude, Zé de Abreu descobriu a arte e a política. No autoexílio, novas possibilidades para o ser humano. Na vida, convivem o ator e o militante

LUCIANA WHITAKER/RBA

Por Guilherme Bryan

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veia militante de Zé de Abreu verteu para a cultura e a política. Simultaneamente. Em 1967, quando entrou na faculdade de Direito da PUC de São Paulo, estreou no teatro com Morte e Vida Severina Severina, obra de João Cabral de Melo Neto musicada por Chico Buarque, uma premiada produção do Teatro da Universidade Católica (Tuca). Tinha 21 anos. Ali conheceu o então líder estudantil José Dirceu. Ambos estavam entre os 719 presos, no ano seguinte, no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, no interior paulista. “Entrei na faculdade e a Ação Popular era um grupo de esquerda ligado à igreja mais evoluída, que tinha montado o grupo de teatro do Tuca, para fazer política”, lembra José Pereira de Abreu Júnior, que completará 69 anos em 24 de maio. Aos 14, ele deixou Santa Rita do Passa Quatro, a 250 quilômetros de São Paulo, rumo à capital. Foi assistente de laboratório, office-boy e, na faculdade, descobriu novos mundos. “O centro acadêmico era estimulante.” Com passeata toda semana era impossível não participar. “Acabei sendo um dos delegados da PUC para o congresso da UNE, participei da organização. Havia uma briga bastante forte entre a AP e a dissidência do Partidão ((o Partido Comunista Brasileiro leiro). Quando houve a informação de que a polícia havia cercado, acordamos os líderes, fizemos uma reunião, e a AP disse que não fugiria. Então se decidiu que ficaria todo mundo.” A barra pesava em dezembro de 1968. O AI-5 marca o início da fase mais implacável do regime imposto em 1964. Censura, Congresso fechado, tortura, desaparecimentos, violência física e moral. “A luta política foi totalmente proibida. Um congresso da UNE era motivo de cadeia e processo, qualquer manifestação era proibida. Restaram a clandestinidade, a luta armada”, diz Zé de Abreu, que nunca pegou em armas, mas ajudou no deslocamento de pessoas clandestinas. Ele resolveu se exilar na Europa em 1968. “Minha irmã trabalhava no departamento de identificação civil da polícia de São Paulo e conseguiu um passaporte para mim, meio por baixo dos panos, para pegar um navio em Rio Grande e descer em Cannes ((França).” Dali, o roteiro incluiu Paris e Londres. Na capital inglesa, trabalhou como lavador de pratos e morou numa comunidade com 11 brasileiros. Ia a shows de rock, praticava alimentação macrobiótica e meditação. Antes de regressar, em 1974, morou na Holanda


PERFIL

e na Grécia. Foi um “autoexílio” de descobertas. “Encontro outra realidade lá fora, a da luta contra o capitalismo, o consumismo, o crescer a qualquer custo. Foi um movimento filosófico, mas ficou com essa pecha pejorativa”, lembra, indicando a leitura de Corpos em Revolta, do filósofo norte-americano Thomas Hanna. Em 1970, Hanna escrevia que os corpos humanos se encontravam “em estado de rebelião cultural” e da sociedade tecnológica surgiria um novo ser humano.

Dicotomia

Assim, Zé de Abreu conta que viveu “os dois momentos” – da luta política e do movimento hippie. A busca pela revolução interior por meio da mudança de comportamento para, a partir daí, ajudar a mudar o mundo. A peça Bonifácio Bilhões remete a essa dicotomia. Com texto de João Bethencourt e direção de Ernesto Piccolo, está atualmente em cartaz, mas foi montada pela primeira vez em 1975. O ator interpreta o economista Walter Antunes, que, na fila da lotérica, promete ao vendedor de goiabada Bonifácio Brilhante dividir o prêmio com o novo amigo, se ganhar. “Ele é um socialista que escreveu livros sobre a distribuição injusta da riqueza, o capital espoliador e a mais-valia, mas quando ganha na loteria não consegue dividir. Não consegue aplicar o que prega”, observa. “Um diálogo muito bom da peça é quando ele diz ‘sou socialista’, e a mulher responde ‘socialista na vida pública, egoísta na vida privada’.” Quase um ano depois do sucesso da novela Avenida Brasil, ainda saboreia o sucesso do Nilo. “Quando a gente começa, não cria a expectativa de que aquele personagem será assim ou assado. Para o ator, é um trabalho como qualquer outro. O Nilo foi encarado por mim como qualquer outro e estourou de uma maneira como há muito tempo não estourava. Acho que desde Ti Ti Ti (1985) e Anos Dourados (1986)”, lembra, citando outros papéis “muito bons”, como o delegado Motinha, de A Indomada (1997), “que caía num buraco e saía no Japão”, e Josivaldo, de Senhora do Destino (2004/2005), marido de Do Carmo (Susana Vieira) e amante de Nazaré (Renata Sorrah).

Também considera especial a atuação na telenovela O Outro (1987), na qual interpretou o gaúcho Genésio. “Ela teve uma característica marcante porque eu dirigi mais de 100 capítulos daquela novela. Virei diretor sem querer, de um dia para o outro. Foi muito gostoso, porque era uma coisa meio irresponsável. Fiz um curso de direção com o Herval Rossano, e aí o Ricardo Waddington acabou me convidando para ser seu assistente. Depois de uns dias, teve de sair para cuidar de uma nova novela, e acabei virando diretor”, recorda. Quando voltou ao país em 1974, Zé de Abreu se mudou para Pelotas (RS), com a então mulher, a atriz e professora de teatro Nara Keiserman, com quem realizou a primeira montagem no Rio Grande do Sul de Os Saltimbancos, musical que ganhou canções de Chico Buarque. Com Nara, o ator teve Ana, Théo e Cristiano. Teve mais dois filhos: Rodrigo, com a advogada Neuza Serroni, e o caçula Bernardo, com a economista Andrea Pontual. Acompanhou o parto de todos. E sofreu a dor de perder Rodrigo, morto em decorrência de um acidente, em 1991, aos 23 anos. Há oito anos vive com Camila Mosquella. Zé de Abreu virou global em 1979. Com o sucesso do filme A Intrusa, de Carlos Hugo Christensen, e a vitória como melhor ator no Festival de Gramado, foi contratado pela emissora. Estreou na novela As Três Marias, de 1980. De lá para cá, foram mais de 20 novelas e algumas minisséries. E garante que nunca sofreu represálias em função de seu posicionamento político. Ele também teve passagem pela extinta Rede Manchete, na qual atuou em produções como Pantanal e Ana Raio e Zé Trovão, e trabalhou em mais de duas dezenas de produções cinematográficas. “Minha mãe só considerou que eu realmente tinha uma profissão quando entrei na Globo”, diz.

Candidatura

Sem abrir mão nem da carreira, nem da militância política, Abreu talvez se candidate a deputado federal, estimulado pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ), o qual pretende apoiar caso ele dispute o governo do Rio.

“Eu não acho importante me candidatar e ainda não tenho uma decisão. Na última vez em que conversei com o Lula, ele me disse que tenho até outubro. Então vamos deixar mais para a frente”, conta. Ele convive com Lula desde a década de 1980. “Na campanha presidencial de 1989, participei bastante. Estive com ele algumas vezes no Planalto em 2004, 2005 e durante a campanha pela reeleição (em 2006). De vez em quando a gente se encontra, e ele é sempre muito efusivo comigo.” Durante a campanha de Dilma Rousseff, o ator postou um vídeo, atualmente com mais de 100 mil views no YouTube, em que lembra o currículo do então candidato José Serra, do PSDB. Zé de Abreu admite que hoje não se interessa muito pelo ativismo no mundo­ da arte. Em 1977, lutou pela lei que regulamentou a profissão de artistas e téc­ nicos em espetáculos e diversões. Foi também diretor da associação de produtores do Rio Grande do Sul e ajudou a organizar o sindicato dos artistas de Porto Alegre. “Fizemos um grande congresso nacional de artistas e técnicos, em Canela, o primeiro do final da ditadura. Não sabíamos­bem o que se podia ou não falar.­ Foi quando os sindicatos começaram a se reorganizar. A partir dos anos 90, começou a haver distorções e a lei passou a não ser obedecida. Alguns presidentes de sindi­catos de artistas fizeram acordos com as emissoras”, lamenta. Em sua vida pública, Zé de Abreu é conhe­­ cido pelo arrojo ao manifestar suas­opiniões. E o faz sem cerimônias em seu perfil no Twitter. Divertiu-se muito com o rebuliço causado por suas provocações a respeito da liberdade de opção sexual­. “Sou bissexual, e daí? Posso escolher quem eu beijo? Quando quero beijar uma pessoa não peço atestado de preferência sexual, só depende de ela querer. Não posso obrigá-la a me beijar. Quero saber se posso ter opção! Tenho de beijar um bêbado que invade minha individualidade só porque ele é gay?”, escreveu. As redes sociais, para ele, são mais uma maneira de fazer política. “Foi algo que surgiu. Não tive intenção de fazer isso para dar tal resultado. Fui fazendo.” REVISTA DO BRASIL

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Museu da Inconfidência, Ouro Preto

RONALD PERET/DIVULGAÇÃO

Museu da Língua Portuguesa, São Paulo

JEFFERSON PANCIERI/MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA/DIVULGAÇÃO

CULTURA

O Brasil expõe

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entrada em cena do Museu de Arte do Rio (MAR), agora em março, abre com chave de ouro um ano importante para a museologia no país. Instalados na Praça Mauá, em plena região portuária da capital fluminense, os dois prédios do MAR compõem um novo cartão-postal para a cidade e, mais que isso, um novo espaço de interação entre arte, cultura, patrimônio histórico e o público. Para um país conhecido por nem sempre cuidar de seu patrimônio artístico e cultural, é alentador o surgimento de mais de 700 museus apenas nos últimos 12 anos, conforme dados do Cadastro Nacional de Museus (CNM), do 40

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O país ganhou mais de 700 museus em dez anos e o setor atrai muito público. Falta descentralizar: de cada cinco municípios, quatro não têm nenhum Por Guilherme Bryan

Ibram, instituto brasileiro do setor, que soma 1.938 espaços públicos e 658 privados. Os investimentos também crescem: desde 2001, foram de R$ 20 milhões para R$ 216 milhões anuais. O interesse do público parece corresponder a essa expansão. Enquanto megaexposições internacionais aportam por aqui e provocam filas de várias horas, obras de artistas brasileiros são prestigiadas com a mesma intensidade. O número de visitantes saltou de 15 milhões para 80 milhões em uma década. O ambiente credencia o Rio de Janeiro a sediar, em agosto, a 23ª Conferência Geral do Conselho Internacional de Museus (Icom). Para receber o evento trienal – no qual são esperados


WELLINGTON PEDRO/IMPRENSA MG/DIVULGAÇÃO DIVULGAÇÃO

CULTURA

Sala de restauro da Pinacoteca

Museu do Futebol, São Paulo DIRETO DA ITÁLIA A exposição Caravaggio e Seus Seguidores esteve em vários espaços da América Latina, entre eles o Masp, de São Paulo, e a Casa Fiat de Cultura, de Belo Horizonte. Nas fotos, as obras Medusa Murtola (1597), de Caravaggio, e San Girolamo (1652), de Hendrick Van Somer

entre 3 mil e 4 mil especialistas e profissionais de todo o mundo – a cidade concorreu com Moscou e Milão. “Essa conferência está para o setor dos museus como a Copa e a Olimpíada para os esportes”, compara Magaly Cabral, que desde 1979 integra o Comitê de Educação e Ação Cultural do Icom. “Os museus passaram a fazer parte da pauta cultural do país. A área se desenvolveu muito, trazendo mais investimentos para o setor”, diz o antropólogo José do Nascimento Júnior, responsável pela criação do Ibram. Nascimento trabalhou por dez anos no Ministério da Cultura, até março. E considera um dos desafios a descentralização: apenas 21% dos 5.564 municípios brasileiros têm museus, e em 771 só existe um. O estado de São Paulo concentra 517, sendo 132 na capital.

Avançados

Desde 26 de novembro de 2012, o Ibram abriu para consulta pública a construção do Programa Nacional de Educação Museal, por meio de fóruns virtuais de discussão. “Uma iniciativa próxima a essa apenas a Inglaterra possui”, garante Magaly Cabral, também diretora do Museu da República, no Rio de Janeiro. Este, por sua vez, instalado no antigo Palácio do Catete, promove encontros mensais com professores para discutir

as questões relacionadas ao papel educacional e educativo dos museus do estado. “Há muito interesse dos profissionais nessa área. Ainda não temos tantos profissionais, mas posso garantir que muitos têm se qualificado cada vez mais. Por isso, nesse aspecto o Brasil não fica a dever em nada aos museus internacionais e em algumas áreas somos até mais avançados”, acredita. Essa demanda crescente, porém, não é fenômeno exclusivo do Brasil. De acordo com o museólogo Fábio Magalhães, ex-curador do Museu de Arte de São Paulo (Masp), o público aumentou consideravelmente em todo o mundo. Em muitos casos, ele assinala, atinge-se a frequência máxima permitida pelos espaços, como os parisienses Museu d’Orsay e Centro George Pompidou. “Muitas vezes há filas, porque é preciso aguardar a saída de algumas pessoas para outras poderem entrar, e assim garantir segurança e proteção ao acervo.” Magalhães observa que os museus mais retratados pela imprensa são os de arte – mas não são os únicos. “Outros têm visitação muito expressiva, o que mostra diversidade. Em São Paulo, por exemplo, o Museu da Língua Portuguesa, o Museu do Futebol e o Catavento, um museu de ciência e tecnologia para a área infanto-juvenil, vêm trabalhando no limite possível de público durante todos os dias do ano”, destaca. REVISTA DO BRASIL

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CULTURA

Museu do Holocausto, Curitiba

O especialista cita ainda o Museu do Holocausto, em Curitiba, que funciona desde fevereiro de 2012 e possui vários itens em exposição permanente, além de depoimentos de sobreviventes da Segunda Guerra que vieram para a capital paranaense em busca de nova vida. Para o ex-presidente do Ibram, o papel da educação é fundamental. “É a escola que passa mais tempo com os jovens. Assim, tem maior oportunidade de transmitir conhecimento e de valorizá-lo. Seu papel ultrapassa o ensino formal. A escola tem o dever de formar cidadãos. E o que o Ibram tem feito é difundir a relevância dos museus brasileiros com diversos projetos”, diz Nascimento Júnior.

Produção da humanidade

“Os museus representam as diversas realidades do mundo, dos pequenos, com exposições locais, aos maiores, que têm um leque abrangente da produção da humanidade. Todos são fundamentais para a sociedade ao promover reflexão a respeito de sua história e sua realidade”, analisa Magaly Cabral. Um exemplo citado por ela é o Museu da Maré, o primeiro do país localizado numa favela, no Rio de Janeiro, fruto do desejo da própria comunidade de preservar a memória e afirmar sua identidade social. Inaugurado em maio de 2006, conta com um acervo permanente de fotografias, documentos e objetos históricos. O mais antigo do Brasil é o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, também no Rio – originalmente Casa de Xavier dos Pássaros, que preparava exemplares da flora e da fauna brasileiras e de artefatos indígenas para enviar a Portugal. Com a chegada da família real, em 1808, virou Museu Real. Hoje, guarda mais de 20 milhões de bens culturais, dos quais 3.500 em exposição. 42

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RAFAEL DANIELEWICZ/DIVULGAÇÃO

Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá

Em São Paulo, a Pinacoteca do Estado, aberta em 1905, é pioneira. O acervo permanente tem cerca de mil obras, do século 19 à contemporaneidade. O espaço tem capacidade para organizar 35 exposições anuais e recebe em torno de 500 mil visitantes. É o que Fábio Magalhães denomina museu vivo. “Eles criam novidades. Ou seja, a cada visita as pessoas encontram uma situação nova e, por isso, os frequentam. Agora, quando os museus são repetitivos e sempre iguais, desinteressam o visitante, que vai uma vez, se entusiasma, acha muito bonito e volta uma segunda vez. Encontra tudo igual, e não volta”, observa. Em 1992, foi criada a Associação Pinacoteca Arte e Cultura, que em 2006 assumiu a gestão do museu para executar a política cultural do governo do estado de São Paulo. Segundo a coordenadora de comunicação, Cláudia Sampaio, a mudança permitiu o desenvolvimento de um trabalho profissionalizado em todas as áreas, com a introdução de programas de treinamento e o desenvolvimento de todo o corpo funcional. “A Pinacoteca é um dos poucos museus que mantêm uma equipe própria de pesquisadores e tem, no próprio edifício, um laboratório de conservação e restauro que utiliza as técnicas mais avançadas do setor.” Uma das exposições mais badaladas no Brasil em 2012 foi Caravaggio e Seus Seguidores. Considerada a maior já realizada na América Latina para o artista italiano, reuniu sete obras-primas e outras 15 de artistas influenciados pelo mestre. Um dos responsáveis por trazê-la ao país, Fábio Magalhães pondera que não são apenas as atrações internacionais que conquistam o público. E cita a obra da artista plástica brasileira Lygia Clark, reunida na exposição Lygia Clark: uma Retrospectiva, no Itaú Cultural, que


atraiu tanto público quanto a concorrida Impressionismo: Paris e a Modernidade – Obras-Primas do Museu d’Orsay”, no Centro Cultural Banco do Brasil, ambas no ano passado. “Houve uma época em que ninguém queria emprestar exposições para cá em função de um incêndio no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (em 8 de julho de 1978), que queimou uma exposição do Joaquín Torres García (artista uruguaio)”, lembra Magalhães. Com o passar do tempo a situação mudou. “Hoje, temos uma cultura museológica internacional, com apoio institucional. O nível profissional não deixa a dever aos europeus ou norte-americanos.”

Descentralização

Fábio Magalhães aposta numa tendência de estimular a expansão dessa cultura para além das grandes cidades, sobretudo do eixo Rio-São Paulo. Atualmente, ele está envolvido nos projetos de criação dos museus de arte contemporânea, em Sorocaba, do transporte, em Campinas, e da cana-de-açúcar, em Piracicaba – todos no interior paulista. O museu brasileiro de maior reconhecimento internacional, segundo Magalhães, não está em São Paulo nem no Rio, mas em Brumadinho (MG), a 60 quilômetros de Belo Horizonte. Em uma área de 350 mil metros quadrados de jardins paisagísticos, em meio a mais de 4 milhões de metros quadrados de mata nativa preservada, o Instituto Inhotim foi inaugurado em 2002 e conta com 500 obras de arte, de nomes como Helio Oiticica, Adriana Varejão, Janet Cardiff e Cildo Meireles, entre outros, expostas a céu aberto ou em galerias temporárias e permanentes. Em Minas Gerais, existem ainda outros museus importantes, como lembra Magalhães. “O Museu da Inconfidência (em Ou-

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TANIA REGO/ABR

CULTURA

Lygia Clark: uma Retrospectiva, no Itaú Cultural

ro Preto, que funciona desde 1944) foi totalmente remodelado. Por meio da Ângela Gutierrez (colecionadora e empreendedora cultural), foi criado um museu extraordinário que é o de Artes e Ofícios, em Belo Horizonte (aberto em dezembro de 2005). Também em Ouro Preto, foi inaugurado há alguns anos um museu só com o tema dos oratórios. E em Salinas estão fazendo o museu da cachaça.” Outro local bastante prestigiado é a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. Apesar de ainda não ser considerada formalmente um museu, a instituição assumiu papel de vanguarda na arte contemporânea e na ação educativa que realiza. É uma das 397 mapeadas pelo projeto de pesquisa Caminhos dos Museus, coordenado pela professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ana Maria Dalla Zen. O objetivo é descrever os processos de criação, as características, as funções e os objetivos de cada museu, relacionando-o ao contexto histórico, político e social ao qual se refere. E montar um grande roteiro crítico, que já vem sendo divulgado pelo blog Caminho dos Museus. A presença de museus também estimula a movimentação econômica na região em que estão situados. “Como são espaços múltiplos, são um componente de desenvolvimento local e de criação de emprego e renda, com espaço para muitas modalidades profissionais, com diferentes formações, trabalharem neles. Formar uma cadeia produtiva em torno deles é interessante para as cidades”, assegura Nascimento Júnior. “Não existe grande nação no mundo sem projeto de memória em sua estratégia de desenvolvimento. Museus são instrumentos dessa ação, e portanto espaços de diversidade e de identidade. São portas de difusão de conhecimento e estratégicos para a construção de uma ideia de país.” REVISTA DO BRASIL ABRIL 2013

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VIAGEM

Esculpida pelos dragões A Baía de Ha Long, no Vietnã, é Patrimônio Natural da Humanidade e uma das novas sete maravilhas naturais do mundo. E ensaia agora uma outra guerra, contra a degradação Por Viviane Claudino

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eza a lenda que a Baía de Ha Long foi cuspida por uma família de dragões. Os deuses os teriam enviado, há muitos anos, para proteger o povo vietnamita e sua terra dos ataques de invasores. Os dragões, então, passaram a expelir pedras de jade que se transformaram em centenas de ilhas, uma espécie de muralha da imensa baía. Essa história, transmitida de geração a geração, está na boca dos guias turísticos das centenas de embarcações que navegam diariamente pela lindíssima Ha Long Bay – reconhecida pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade e eleita uma das sete novas maravilhas naturais do mundo. 44

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Segundo a Unesco, a maioria das cerca de 1.600 ilhas que “protegem” a baía, com suas formações rochosas de calcário espalhadas em 1.500 quilômetros quadrados de um impressionante mar verde-esmeralda, é inabitada e pouco afetada pela presença humana. O coração turístico do arquipélago pulsa mesmo num miolo de pouco mais de 330 quilômetros quadrados, onde 2.400 pessoas habitam quatro aldeias flutuantes de pescadores: Ba Hang, Dam Cong, Vung Vieng e Cua Van. Quem navega pelas águas dessas vilas no final da tarde pode ver a criançada voltando da escola, guiando sozinha pequenos botes, enquanto sorri e acena para os turistas e suas câmeras.


ANDREW JK TAN/GETTY IMAGES

DANITA DELIMONT/GETTY IMAGES

VIAGEM

Caverna Surprising

a paisagem não recomponha. Para os atletas com bom preparo, físico e técnico, as escaladas podem ser boa pedida. Mas contentei-me em caminhar por trilhas, entre florestas com macacos, e depois descer para um incrível passeio de caiaque, que me devolveu à condição de minúsculo ser diante de tamanha beleza.

China

Joias

Índia Vietnã

Oceano índico

A pesca e a agricultura já foram os principais meios de sobrevivência dessas comunidades. Agora, a maioria já vive dos serviços e do comércio destinados aos viajantes. Bebidas, salgadinhos e suvenires recheiam os botes dos ambulantes das águas. Alguns levam os forasteiros para passear em seu barco e conhecer sua casa. A estrutura geológica de Ha Long proporciona um acervo incrível de cavernas. Uma delas, a Surprising Cave, que tem cerca de 10 mil metros quadrados, possui três câmaras gigantes, uma infinidade de degraus e milhares de estalactites e estalagmites que permitem aos visitantes com boa imaginação visualizar tigres, dragões, pinguins – tal qual nosso conhecido costume de identificar formas nas nuvens. O sistema colorido de iluminação em seu interior garante mais charme ainda à caverna – que não poderia ter nome mais apropriado. Em algumas ilhas, é possível alugar bicicletas e pedalar pelas longas e íngremes ciclovias construídas com vista para o mar. É de tirar o fôlego, mas nada que uma paradinha para observar

A jovem guia Thanh Hoang Thanh conta que somente ali em Pearl Ha Long Bay Village, um dos pontos de visitação da baía, 20 pessoas trabalham no cultivo de três tipos de ostra para a produção de pérolas. A pérola de Southsea, originária da Austrália, é a maior delas e leva cinco anos para ser produzida. Para a pérola Tahiti, proveniente da França, são necessários quatro anos para que a ostra cresça e a prepare. Mas o tipo mais popular ali é a ostra Akoya, do Japão, pronta após três anos de cultivo. Dali saem os brincos, colares e pulseiras vendidos aos turistas por preços razoáveis. A maioria dos trabalhadores de Pearl Ha Long Bay Village vem de lugares distantes do Vietnã, e só voltam a sua cidade natal uma vez por ano, geralmente durante o Ano Novo Lunar, quando gostam de reencontrar a família. Por essas e outras joias, navegar pelas águas da baía é um investimento pra lá de compensador. Existem passeios diários e cruzeiros para todos os gostos e bolsos. Mas com US$ 150 é possível fechar um roteiro confortável em um bom barco, por três dias de viagem, incluídas todas as refeições. Nos cinco dias passados na Baía de Ha Long, optei por dormir a bordo de diferentes embarcações, passando as noites no mar e jogando conversa fora debaixo de um céu que mais parece um oceano de estrelas. Nesses momentos também é possível acompanhar o movimento de ambulantes noturnos com seus produtos, oferecidos quase sempre pela metade do preço. Cervejas e biscoitos estão entre os mais vendidos por pescadores que se comunicam com grande esforço em um inglês de difícil compreensão. REVISTA DO BRASIL

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FOTOS VIVIANE CLAUDINO

VIAGEM

BRINCOS, COLARES E PULSEIRAS Em Pearl Ha Long Bay Village, um dos pontos de visitação da baía, 20 pessoas trabalham no cultivo de três tipos de ostra para a produção de pérolas. A maioria dos trabalhadores vem de lugares distantes do Vietnã, e só voltam a sua cidade natal uma vez por ano, geralmente durante o Ano Novo Lunar

As embarcações e hotéis locais trazem deliciosas opções da cozinha vietnamita, incluindo muitos tipos de sopa e frutos do mar. Os mais ousados podem até experimentar pratos cuja atração são as carnes de gato ou de cachorro, muito populares em todo o país – mas preferi “me incluir fora dessa”.

O desafio da vida

É preciso tirar visto para visitar o Vietnã. Hanói, a capital e segunda maior cidade do país, com 6,5 milhões de habitantes, é o ponto de partida para Ha Long. São cerca de 170 quilômetros, de ônibus e barco, até chegar à baía, seis horas depois. Não é possível deixar o trecho urbano da cidade a mais de 20 quilômetros por hora. Pedestres, carros, bicicletas e motos – 5 milhões de motos! – dividem o mesmo espaço. Todos buzinam e os semáforos são imaginários. Não há sinalização nem ordem, nem mão, nem contramão. E, devagar, tudo funciona em sincronia. A pobreza impressiona amigos europeus e australianos. Mas não consigo imaginar como poderia ser diferente um país as46

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solado por tantos anos de guerra contra franceses (1946-1954) e americanos (1959-1975), vencidas com a graça dos dragões, apesar de, como já escreveu Bernardo Kucinski nesta mesma Revista do Brasil (edição 49, julho de 2010), os B-52 americanos terem despejado no Vietnã três vezes mais bombas do que em toda a Segunda Guerra, matando 3 milhões de vietnamitas e queimando um milhão de hectares de mata nativa No centro de Hanói, as pessoas gostam ficar papeando em rodas nas calçadas, enquanto comem coisas esquisitas fritas na hora. A comida é sempre uma caixinha de surpresa, mas no geral tive sorte. Tudo é barato. Uma cerveja custa 20 mil dongs, com 80 mil dongs se faz uma refeição e outros 140 mil pagam a diária do hotel. Traduzindo: cerveja US$ 1, refeição US$ 4 e diária US$ 7. Bolsa, isqueiro, xampu, cortador de unha, rede, bolinho – tem de tudo nas cestas dos ambulantes. E todo mundo usa máscara para se proteger da poluição que arde os olhos e estende sua névoa cinzenta até o litoral. Desde 2011, a Baía de Ha Long tem o título de Maravilha Natural do Planeta – as outras seis são Ilha de Jeju (Coreia do


FOTOS VIVIANE CLAUDINO

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TUDO BARATO Culinária com rica mistura de ingredientes e sabores

MARCA REGISTRADA Em Hanói, todo mundo usa máscara para se proteger da poluição que arde os olhos e estende sua névoa cinzenta até o litoral

Sul), Parque Komodo (Indonésia), Porto Princesa (Filipinas), Tábua do Cabo (África do Sul), Cataratas do Iguaçu (Brasil/ Argentina) e floresta amazônica e Rio Amazonas (presentes em dez países da América do Sul). O crescimento do turismo faz com que a região seja importante fonte de renda também para muitos moradores da capital vietnamita. Entre eles está Thanh Hoang. “Eu tenho orgulho de popularizar a beleza do nosso país para o mundo”, diz a guia. “Ha Long é minha segunda casa, mas receio que a atividade turística aumente sem controle a cada dia.” Assim como a poluição, é preocupante o volume de lixo nas vilas flutuantes, nos quintais e até no mar da baía. Thanh conta que o governo planeja remover famílias para o continente e restringir o acesso dos visitantes – que em breve, portanto, não conhecerão essas aldeias. “Precisamos da contribuição de autoridades locais e turistas do mundo todo, homens e mulheres da comunidade, para que o encanto da baía não seja destruído e para manter Ha Long como um bem precioso da humanidade”, alerta. REVISTA DO BRASIL ABRIL 2013

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CURTA ESSA DICA Por Xandra Stefanel Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar

Poeira de uma estrada triste

Os atores Vinícius Nascimento e João Miguel

Solidão, estrada, caminhão e Roberto Carlos. Esses são os elementos-chave do novo filme de Breno Silveira, À Beira do Caminho. Duda (Vinícius Nascimento) acabou de ficar órfão. Sentado na beira da estrada à espera de uma carona para ir a São Paulo procurar o pai que nunca conheceu, ele invade o caminhão de João (João Miguel) e se recusa a sair. O caminhoneiro,

calado e ríspido, é o extremo oposto do garoto. João decide deixá-lo em Petrolina, onde será mais fácil conseguir carona, mas muda de ideia e dá início a uma história emocionante que teria tudo para ser piegas, mas não é. O longa, já disponível para locação, tem roteiro bem costurado e uma fotografia nostálgica que embeleza ainda mais o cerrado brasileiro.

FOTOS SYLVIA MASINI/DIVULGAÇÃO

Viva a criatividade

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Obra de José Cícero da Silva

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Obra de Getúlio Damado

Na exposição Design da Periferia, a curadora Adélia Borges reuniu ideias geniais de design vindas de periferias de todo o Brasil. São manifestações de sabedoria criativa que vêm muitas vezes da precariedade em que vivem as pessoas nesses locais. Objetos, fotografias e vídeos podem ser conferidos em quatro módulos diferentes: Rua, com cenas e itens que ocupam o espaço urbano; Casa, com invenções domésticas; Corpo, que destaca a expressão do vestir; e Brincadeiras, que traz engenhosas releituras do universo infantil. Churrasqueiras feitas de calotas, grafismos nas barracas de festas populares e carrinhos de ambulantes são alguns dos objetos apresentados. Até 29 de julho, de terça a domingo, das 9h às 18h, no Pavilhão das Culturas Brasileiras, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Grátis.


LUIS ALVARO VILLALOBOS/FLICKR ROSA GAUDITANO

Imaginário indígena

Talvez poucos paulistanos saibam, mas existem três terras indígenas Guarani M’Byá na capital. São quatro aldeias (Tekoa Pyau, Tekoa Ytu, Krukutu e Tenondé Porã) que vivem em contato com não índios há quase 500 anos. O cacique Timóteo Verá, de Tenondé Porã, convidou a fotógrafa Rosa Gauditano para retratar seu povo e auxiliá-lo na criação de um livro em guarani e português para escolas indígenas dessa tribo, que até o momento não tinha nenhum livro em sua língua. A ideia era documentar a cultura deles por meio de dois pontos vista: o da fotógrafa, que não é índia, e o deles próprios. Rosa Gauditano organizou oficinas de fotografia digital, texto e desenho para 90 jovens e crianças guaranis. O resultado das aulas é um livro trilíngue (guarani-portuguêsinglês) e a exposição Tão Perto Tão Longe, em cartaz até 30 de junho no Sesc Pinheiros, em São Paulo. A mostra conta com 21 desenhos e seis quadros (com quatro fotos cada um) feitos pelos próprios índios e 12 fotos em preto e branco feitas por Rosa. Nos desenhos e fotografias realizados pela comunidade, fica evidente o imaginário indígena: o céu estrelado, os animais silvestres, a mata... Tudo o que quase não existe mais na cidade de São Paulo. Além das imagens, em abril a programação terá atividades como apresentação de mitos e lendas (dias 13 e 14, às 15h30), cantos e danças (20 e 21, às 15h30) e artesanatos Guarani (27 e 28, às 15h30). De terça a sexta, das 10h às 22h, e sábado, domingo e feriado, das 10h às 19h, na Rua Paes Leme, 195. Grátis. Mais informações em www.sescsp.org.br.

O direito de morar O Museu de Arte do Rio (MAR) inaugurou em março a exposição O Abrigo e o Terreno, que faz parte do projeto Arte e Sociedade no Brasil. As concepções de cidade e as forças que se aliam e se batem nas transformações urbanísticas, sociais e culturais do espaço público e privado reúnem textos de Aluísio Azevedo, Clarice Lispector e Gilberto Freyre e telas de Hélio Oiticica, Lasar Segall, Pierre Verger, Walter Firmo e Adriana Varejão, entre outros artistas. As obras problematizam a propriedade, a posse e o uso dos espaços sociais e a relação entre a política e a subjetividade ‒ do direito à habitação ao desejo de abrigo. Até 14 de julho, de terça a domingo, das 10h às 17h, na Praça Mauá, no Rio de Janeiro. R$ 4 e R$ 8.

Clássicos para jovens A coleção Graphic Chillers, da Editora Prumo, lançou mais um clássico do terror em quadrinhos. O Fantasma da Ópera, de Gastón Leroux, foi adaptado por Joeming Dunn e ilustrado por Rod Espinosa. Os títulos dessa coleção, direcionados ao público adolescente, são uma tentativa de aproximar os jovens dos clássicos da literatura. O livro narra o triângulo amoroso entre a cantora lírica Christine Daae, o aristocrata Raoul de Chagny e Eric, um gênio da música obcecado que habita os porões da Ópera de Paris. Também fazem parte da coleção O Drácula, O Médico e o Monstro, Frankenstein, O Lobisomem e A Múmia. R$ 23,90, em média. REVISTA DO BRASIL

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B.KUCINSKI

O garoto de Liverpool

Ele sabia tudo sobre os índios do Amazonas, mas da ditadura tinha noções imprecisas. A imprensa britânica não se incomodava com a ditadura, uma entre tantas, e ele próprio a achava amena

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le veio de Liverpool, chamava-se Patrick e devia ter menos de 24 anos. Veio atraído pelo realismo mágico de García Márquez e pelo Amazonas, com sua fantástica floresta tropical e seus povos indígenas, alguns recém-contatados pelo homem branco. Falava um pouco de português. Chegou para cobrir as atrocidades contra os Atroaris, denunciadas com destaque na imprensa britânica, e se alojou na minha casa. Era um rapaz muito magro de cabelos negros e rosto miúdo sempre semioculto pelos cabelos que lhe caíam da testa, abundantes. Por causa da cabeleira desgrenhada e da barba por fazer, que a ela se misturava, o Patrick dava a impressão de sujo. Também não se vestia bem. No entanto, era um escritor de qualidade. Já havia publicado dois romances históricos, um deles, que eu lera, muito bom, sobre a submissão e quase extermínio dos aborígines australianos pelos colonizadores ingleses. Achei que o Patrick fazia o gênero do hippie. Queria demonstrar no próprio corpo o desprezo pela convenção e sua disposição rebelde. Veio para ficar quatro semanas e sabia tudo o que se pode saber de leitura sobre os índios do Amazonas. Sobre a resistência à ditadura tinha noções gerais e imprecisas. A imprensa britânica não se incomodava com a di-

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tadura, uma entre tantas, e o próprio Patrick achava que ela era amena. Chegou num sábado; na quarta seguinte partiu para Belém do Pará de avião, de onde seguiria para Altamira. Foi de mochila, à moda hippie. De Altamira pegaria a Transamazônica, que estava sendo construída, para mapear os estragos que a abertura da estrada fazia à vida indígena. Esse era o plano. Falei com ele dos boatos sobre a existência de um foco de guerrilha no Amazonas e de que o Exército ocupara parte de região. Recomendei que não deixasse de passar pela delegacia da Funai em Altamira, mas ele disse que tinha como método evitar contatos oficiais. Passaram-se três semanas e nada de o garoto de Liverpool voltar. Já estava pensando em acionar algum conhecido de Belém do Pará quando, passados mais cinco dias, ele surge no portão de casa, cabelos e barba ainda mais desgrenhados e compridos, os olhos esbugalhados e marcas de ferimentos no supercílio esquerdo. Tremia de modo descontrolado. Levei-o pra dentro. Tomou um banho, comeu. Depois contou o que aconteceu. Disse que foi preso assim que desembarcou na rodoviária de Altamira. Penduraram ele num pau, querendo saber quem era o contato dele. Ele nem entendia direito o que estavam perguntando e não adiantou dizer que era jornalista. Depois jogaram ele num buraco, de uns quatro metros de profundidade. Tiravam de vez em quando para mostrar fotografias ou fazer perguntas e depois jogavam ele de volta. Passou frio e fome. Chegou a defecar e urinar dentro do poço. No dia seguinte ao seu retorno, à noite, o garoto de Liverpool embarcou de volta para a Inglaterra. Antes, passou pelo barbeiro do bairro, mandou fazer barba e cabelo completos, corte bem rente.


Em casa, no carro, no ônibus: sintonize a rádio que fala a sua língua. ,3 3 9 ,9 8 9 2,7 0 1

L RA STA O LIT ULI PA E ND AULO A GR O P SÃ E EST A O R T NO ULIS PA

De segunda a sexta, das 7h às 9h



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