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Pesquisa COVID
Monitoramento incansável
foto: Freepik
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Nas primeiras horas do mês de novembro, o mundo tomou conhecimento de um triste número: atingimos a marca de 5 milhões de mortos em decorrência da COVID-19 em todo o planeta. Apesar da dura realidade da perda de tantas pessoas, temos, do outro lado da “trincheira”, uma verdadeira batalha pela vida, liderada por entidades e organizações que buscam realizar um trabalho de excelência no estudo aprofundado sobre o novo coronavírus e suas implicações na vida humana. No Pará, o Laboratório de Genética Humana e Médica, que integra o Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal do Pará, realiza, desde 2020, a identificação e o monitoramento das cepas/linhagens e variantes que circulam entre os moradores de Belém e região metropolitana.
Por ser um vírus novo, sistêmico e que precisa de novas estratégias e informações detalhadas, por meio do sequenciamento genômico do SARS-CoV-2 (coletado a partir de exames RT-PCR realizados em pacientes com suspeita da doença), o Laboratório de Genética Humana e Médica e a Rede Genômica coordenada pelo Instituto Tecnológico Vale (Belém) ampliam, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Belém (SESMA), o conhecimento e a vigilância sobre as cepas, suas linhagens e seus potenciais danos.
O Laboratório, juntamente com a Rede Genômica, foi um dos primeiros a identificar no Brasil, ainda no ano passado, por exemplo, a circulação da variante Beta, como frisa sua coordenadora e professora titular da UFPA, Ândrea Ribeiro dos Santos. “A parceria com a prefeitura de Belém vem desde 2020, junto com o professor Cláudio Salgado, que é Diretor do Departamento de Vigilância à Saúde da SESMA/DEVS e também professor do ICB. As análises são feitas a partir da extração do material genético do vírus (a molécula de RNA) e do RT-qPCR, que é o exame que avalia a presença ou a ausência do SARS-CoV-2 e o sequenciamento propriamente dito para fazer a avaliação das cepas, linhagens e variantes que estão presentes na cidade de Belém”, afirma. O trabalho, por si desafiador, envolve profissionais, estudantes de mestrado e doutorado e demonstra um imenso comprometimento com a Ciência local, regional, nacional e os seus avanços. “O principal desafio encontrado foi ter que nos adequar, física e estruturalmente, para receber essas cepas/linhagens e variantes sem que os profissionais que estão trabalhando no laboratório se contaminem, uma vez que, enquanto a população se esconde do vírus, a gente o ‘convida’ a entrar no laboratório”, diz Ândrea. “Para isso a Administração Superior, desde o diretor do Instituto de Ciências Biológicas ao Reitor desta Instituição, foram incansáveis e fundamentais”, prossegue.
Ainda segundo ela, os estudos desenvolvidos conseguiram identificar, até agora, aproximadamente 30 variações, sendo três delas classificadas como variantes “de preocupação” (COV). “Essas variantes são importantes porque estão sendo investigadas por órgãos competentes do mundo todo, incluindo o Ministério da Saúde, como variantes de maior transmissibilidade que, consequentemente, podem ocasionar maior gravidade. Mas também identificamos aquelas que não são tão impactantes do ponto de vista do adoecimento”, afirma. No Estado, foram contabilizados até o início deste mês, de acordo com dados atualizados do Ministério da Saúde e do Consórcio Nacional de Imprensa, 599 mil casos confirmados e 16.747 mortes ocasionadas pela COVID-19.
A atuação conjunta da comunidade científica nacional e regional com as entidades de saúde responsáveis pelo monitoramento da população, como a SESMA e a Secretaria de Estado de Saúde
Pública do Pará (SESPA), são táticas importantes e salutares para a identificação das novas cepas/ linhagens e variantes, além da adoção de medidas para conter a contaminação. Nesse sentido, a aplicação das vacinas em adultos e adolescentes, em mais de 70% da população brasileira (vacinada com as duas doses do imunizante), já traz bons frutos. O cenário da COVID-19 em Belém, hoje, diz a pesquisadora Ândrea Ribeiro dos Santos, é mais animador, porém ainda requer muitos cuidados, uma vez que, ao contrário do que se vê nas ruas da cidade, a pandemia ainda não acabou. “Nós temos uma melhora significativa, principalmente na diminuição dos óbitos, mas a sociedade tem que entender que ainda estamos em uma pandemia. Precisamos fazer as medidas não-farmacológicas como o uso obrigatório de máscaras, a lavagem das mãos com sabão, o uso do álcool em gel e tentar, ao máximo, manter o distanciamento, além de evitar aglomerações. Essas são as melhores medidas que sempre teremos que tomar até a pandemia ‘acabar’ ou ‘diminuir’ para que esse cenário de melhoria possa seguir dentro da nossa cidade”, afirma.
Além do combate ao vírus SARS-CoV-2, por meio da informação levantada nas pesquisas sobre cepas/linhagens e no detalhamento aprofundado das variantes, outros dois “confrontos” diários foram impostos aos profissionais do Laboratório de Genética Humana e Médica da UFPA: o combate ao negacionismo e à queda drástica dos investimentos em Ciência. “Sem Ciência e Tecnologia, um país não avança. Ele ficará estagnado e dependerá dos outros países. Apesar de tudo o que vem sofrendo com a negação da ciência e a diminuição dos recursos, acho que a sociedade científica brasileira respondeu muito bem aos desafios impostos, ajudando, atuando, respondendo, orientando. A sociedade precisa entender! Não só em Belém, mas na maioria das cidades do Brasil, observamos as pessoas já sem máscaras, aglomeradas, fazendo festas... Essa é uma situação muito delicada, pois ainda estamos em uma pandemia. Em locais fechados, precisamos ter ainda mais cuidados. Ainda não é hora de ter liberação para 100% de público nesses locais. Precisamos orientar principalmente as crianças e os jovens na volta às aulas. Ter cuidado com os idosos, que estão em casa e têm mais dificuldade de responder à doença. Estamos indo bem, com calma. Só precisamos de um pouco mais de paciência”, afirma a pesquisadora.
Sobre o futuro, em relação à pandemia em Belém, embora as perspectivas sejam melhores, ainda não é possível prever uma realidade tão diferente quando se fala em circulação do novo coronavírus. As medidas de proteção seguem necessárias e, nesse sentido, contar com o bom senso e a consciência da população ainda é fundamental. “Se você está doente, está com sintomas gripais, fique em casa. Não saia. Essa é uma medida muito salutar, pois você não vai transmitir o vírus para os seus colegas e nem a sua família. Devemos continuar com o uso de máscaras, sim. Eu acredito que até o final de 2022, tenhamos que manter algumas dessas medidas, mesmo que seja apenas o distanciamento social para prevenir algum surto localizado. Acredito que estaremos em um cenário bem melhor, mas diante dos estudos que estão sendo realizados, precisaremos sempre manter a vacinação como se mantém outras vacinações como as da gripe, por exemplo”, explana.
E sim, devemos estar atentos e preparados: a Ciência nos diz que poderemos enfrentar novas epidemias, caso não haja um controle efetivo, especialmente na Amazônia, sobre os impactos socioambientais ocasionados por atividades predatórias realizadas na região. “Aqui na nossa região amazônica, as cidades vivem em um limite muito próximo à floresta e continuamos a agredir o ambiente para fazer assentamentos, pastos e plantações. Toda vez que causamos um desequilíbrio socioambiental, isso traz consequências muito importantes do ponto de vista da saúde. Temos que ter entendimentos maiores e melhores, novas estratégias para lidar com as próximas epidemias que virão”, enfatiza a pesquisadora.
Após quase dois anos, não só na capital paraense, mas como em todo o país, a pandemia trouxe importantes e doloridos ensinamentos. Algumas delas perpassam pela necessidade de enxergar e investir na valorização da Ciência feita na Amazônia e na educação para o cuidado coletivo. “A primeira lição que a COVID-19 nos deixa é sobre o quanto a Ciência é importante e o quanto devemos educar muito bem nossos alunos, nossos filhos, no sentido de que eles zelem, não só pelo ambiente, mas também pelo próximo. A segunda lição que temos é a de que a Ciência que se faz no Brasil e na Amazônia é uma ciência de ponta, de vanguarda que, às vezes, dentro do próprio país, é discriminada. Muitas vezes, não se acredita que um trabalho de monitoramento genômico como esse venha de uma região tão simples, bela e misteriosa como a Amazônia. E a outra lição, não só para cientistas, mas para a população como um todo, é a de que cada um tem que fazer a sua parte para que possamos ter um mundo melhor. Precisamos agir não pensando mais em nós mesmos, mas sim em nossa comunidade, no bem-estar do próximo. É isso que nos torna humanos”, conclui.
Prof. e coordenadora do Laboratório de Genética Humana e Médica da UFPA, Ândrea Ribeiro dos Santos.