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Opinião
Políticas públicas, bem-estar social e desenvolvimento econômico: a trindade possível e urgente.
Por Carlos Gadelha*
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As políticas públicas voltadas ao bem-estar social podem se constituir um verdadeiro motor do desenvolvimento econômico no Brasil. Para isso, Estado brasileiro deve colocar a Constituição e os direitos sociais no centro do orçamento. Trata-se, aqui, de articular a universalização dos direitos sociais e o desenvolvimento econômico em uma visão integrada da dimensão econômica e social, que supera o debate ortodoxo da economia apenas como alocação recursos escassos.
O desenvolvimento, conforme definia o maior economista brasileiro do século XX, Celso Furtado, é o processo de transformação social pelo qual as necessidades humanas são atendidas através de um intenso processo de introdução de inovações tecnológicas no sistema econômico nacional. Nesse contexto, a economia brasileira deve começar a servir à população brasileira. Essa visão incorpora para além das políticas assistenciais, a relação virtuosa entre desenvolvimento econômico e políticas públicas voltadas para o bem-estar social. Se as políticas públicas são um conjunto de ações e decisões tomadas pelo Estado, visando assegurar direitos de cidadania garantidos na Constituição; o papel da economia nas políticas públicas é buscar justiça e bem-estar social. Quando deslocadas desse objetivo central e dessa abordagem, as decisões em torno apenas da alocação dos recursos públicos perdem sentido, tornando-se, assim, soluções técnicas que não levam em conta a realidade humana e social.
A pandemia atual acentuou a importância desta perspectiva que articula os direitos sociais (e ambientais) com a base cientifica, tecnológica e produtiva nacional. Essa é a abordagem do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), desenvolvida no início dos anos 2000. O compromisso de acesso universal em um país de dimensões continentais gera uma demanda proporcional ao desafio de garantir promoção, prevenção e atenção à saúde em escala nacional, que mobiliza um sistema econômico, produtivo e tecnológico, envolvendo setores industriais de base química e biotecnológica (fármacos, medicamentos, imunobiológicos, vacinas, hemoderivados e reagentes) e de base mecânica, eletrônica e de materiais (equipamentos mecânicos, eletrônicos, próteses, órteses e materiais). Esses setores industriais estão sendo revolucionados >>>
Foto: divulgação
no contexto de emergência de novas tecnologias de informação e conectividade e relacionam-se com os serviços de saúde (hospitais, serviços de saúde e de diagnóstico) em dinâmica permanente de interdependência e de interação com a sociedade e o Estado na busca de oferta de serviços e produtos em saúde. No caso da produção de vacinas para o novo coronavírus, a articulação do mundo social, tecnológico, produtivo e da inovação como elementos embutidos em uma estratégia em que o conhecimento em saúde resulta em bens e serviços concretos, permitiu apreender a mútua determinação econômica e social (e ambiental) do desenvolvimento e a urgência de uma visão integrada de políticas públicas que articule essas dimensões de forma endógena, no âmbito de um projeto nacional de desenvolvimento.
A análise integrada das dimensões econômicas e sociais permite afirmar, de modo analiticamente consistente, que Saúde é desenvolvimento no sentido mais nobre do termo, pois alia a garantia de um direito com criação de demanda econômica variada. É por isso que o Sistema Único de Saúde (SUS) — a principal política pública do Estado brasileiro — é um imenso patrimônio nacional. Sobretudo porque é a expressão prática de um direito humano e constitucional, capilarizado por todo território nacional, mas também porque se trata de uma potência econômica, que no Brasil responde por 9% do PIB, por pelo menos 15 milhões de empregos diretos e indiretos e por 30% da pesquisa brasileira.
A armadilha de insular políticas econômicas, de um lado, e as políticas sociais e de bem-estar, de outro, tem levado ao baixo crescimento econômico e trancado a sociedade brasileira na reprodução de uma estrutura produtiva insustentável e pouco dinâmica, que perpetua desigualdades sociais e limita direitos de cidadania à grande maioria da população. Ao contrário das políticas públicas com a marca setorial e muitas vezes capturadas por interesses particulares, temos que aprender um novo padrão de política pública que, ao mesmo tempo, seja sistêmico e comprometido com as demandas de nossa sociedade para garantir o bem-estar. Sistêmico, uma vez que o foco nas necessidades, como na saúde, envolve a articulação entre diferentes indústrias e serviços de saúde. Comprometidos com as demandas da sociedade porque, contrariamente a um desenvolvimentismo vulgar, não cabe apenas apoiar setores produtivos se esses não estiverem vinculados às necessidades sociais. Não apenas as políticas setoriais, mas também as ditas orientadas por missões precisam se inserir em realidades histórico-concretas das necessidades das pessoas que, afinal, financiam o Estado, o fomento e o poder de compra público.
Com isso, tem-se a visão integrada do desenvolvimento, aliando o social e o econômico e orientando o debate político sobre o padrão de desenvolvimento desejado para nosso País. É para a sociedade real brasileira que as políticas econômicas, de desenvolvimento produtivo e de inovação devem estar direcionadas. A perspectiva do CEIS propõe uma abordagem passível de ser generalizada para viabilizar um padrão de desenvolvimento norteado pela equidade e sustentabilidade, pelo dinamismo econômico e tecnológico de um dos sistemas produtivos mais importantes e estratégicos do mundo e pela soberania para implementar políticas sociais para que possamos atender às necessidades de nossa sociedade e não deixar as pessoas vulneráveis pela irracionalidade de uma visão de desenvolvimento míope que opõe os direitos sociais à economia. Os direitos sociais e o direito à vida não apenas cabem no PIB, mas são parte essencial da solução, constituindo uma alavanca para a superação estrutural da crise.
*Carlos Gadelha é coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz Antonio Ivo de Carvalho.