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Memória Interiorização
A revolução da educação – parte I
No já longínquo ano de 1987, quando a interiorização da educação superior foi iniciada, o projeto era, no mínimo, ousado, em face dos inúmeros desafios, de todas as ordens, que se interpunham para a graduação e formação de docentes.
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Se a interiorização da educação superior pública, em alguns lugares do país, ainda hoje, representa a única possibilidade de cidadãos e trabalhadores poderem cursar uma graduação, imaginemos a extensão do caminho a ser pavimentado em meados da década de 80. Por natureza, projeto desafiador e complexo, à época, sua concretização era uma ousadia sem tamanho. Embora muitos anos nos separem daquele período, as lembranças são vívidas para a professora Leila Mourão, cuja figura foi essencial ao desenvolvimento do sonho.
“Na década de 70, eu estava em São Paulo, compondo a equipe do Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional, CENAFOR, que fora instituído pelo Governo Militar, em 1969. Neste período, dos anos 70, dada a importância da região amazônica aos projetos governamentais, algumas atividades iniciais foram startadas junto com a UFPA, mas eram pontuais, temporárias, como a formação de professores – que sempre foi um problema gravíssimo”, relembra. Segundo dados da época, entre 1980 e 1984, dos 2.500 professores atuantes nas redes públicas estaduais e municipais, apenas 150 tinham formação superior. “Era uma situação tão extremamente complexa, que era dificílimo encontrar um Secretário municipal de educação ou diretor de URE que tivesse ensino superior completo!”, no interior do estado do Pará, complementa. Leila Mourão atenta para um detalhe: tal realidade era reconhecida desde meados da década de 70. “A situação era tão drástica, que o estudo realizado pelo MEC de 1985, com todas as regiões do país, mostrava essa situação para a região Norte. Na verdade, no início dos anos 80, o Anuário Estatístico Brasileiro também já apontava na mesma direção. Só para se ter uma ideia, aqui no Norte, havia uma Universidade federal (UFPA); as demais eram fundações e somente uma faculdade federal, a FCAP no Pará. Nos outros locais havia núcleos, que ofertavam cursos pontuais, temporários e com estruturas curriculares muito limitadas e em períodos intervalares, com cursos de curta duração, o que não atendia às necessidades daquele momento, no sentido de ampliar, democratizar o acesso ao ensino universitário. O acesso era muito difícil! Se não pelas longas distâncias, pela dificuldade de acesso!”, enfatiza.
Leila Mourão afirma ainda que mesmo naquele período, as universidades viviam seus processos internos de estruturação, em função de seus curtos tempos de existência: a UFPA havia nascido em 1957 e a do Amazonas foi fundada em 1962.
Programa de ampliação de acesso ao ensino superior
Mourão rememora que, ao longo de 1985, vários encontros foram realizados, de modo a consolidar um projeto que se chamou “Processo de Interiorização das Universidades Amazônicas”, que contou com todos os dirigentes superiores e, a partir daí, surgiu a proposição de um Programa de Interiorização da Região Norte, que deveria ser incentivado pelas Instituições Federais de Educação do Norte. Na época, o reitor era o professor José de Seixas Lourenço e Nilson Pinto de Oliveira, pró-reitor. Ambos abraçaram a causa. Em 1989 Nilson Pinto assumiu a Reitoria deu continuidade consolidando o Projeto de Interiorização da UFPA.
“A interiorização foi um ato de coragem, ousadia e teimosia”
Assim a professora Leila Mourão definia o momento todo, revela entre risos. Já como coordenadora da interiorização, pela Universidade Federal do Pará, ela promoveu reuniões em todos os polos de desenvolvimento, mobilizando prefeituras, secretarias de educação, diretores de URES, para implantação do primeiro programa de interiorização. Inicialmente previsto para ocorrer em oito campi, a formação contemplava áreas básicas de formação de pessoal. “Foi uma loucura! Mas aí foi-se delineando o projeto de interiorização da UFPA”, diz. “Chegávamos aos locais de rabeta, barquinho, barcos e até de avião da FAB. Tivemos uma preocupação bem grande com os parâmetros fundamentais que nos orientavam: legitimidade da oferta e sua legalidade, além da participação da comunidade universitária nesse grande projeto!”, complementa. Para viabilizar, financeiramente, foi preciso pactuar pagamentos dos professores e todas as condições necessárias, junto aos entes envolvidos. “Vivíamos entre a cruz e a espada!”, ela segreda também entre risos. “Não era fácil porque a cada quatro anos havia eleições e, muitas vezes, os compromissos de campanha esvaíam-se, até porque havia os eleitos e os derrotados. Foi um aprendizado importantíssimo, pelo menos para mim, mas durante 11 anos, não tive um único final de semana livre”, finaliza.
O novo sempre vem
Então aluno da segunda turma de Letras (interiorização) do Campus Tocantins da UFPA, seu ex-coordenador e doutor em Educação, Doriedson do Socorro Rodrigues, relembra o momento em que ingressou no Ensino Superior. Era 1993, ou seja, poucos anos depois desde o começo efetivo do projeto de interiorização da UFPA.
“O Campus Cametá começou a existir na escola Maria Cordeiro de Castro, em Cametá, que era muito distante do centro da cidade e que ficava nas proximidades de resquícios de uma mata e onde funcionava o estande de Tiro de Guerra, a partir do que se constituiu o Bairro da Matinha. Em 1987, lembro de ver as pessoas indo de bicicleta ou numa Kombi branca, que, posteriormente descobri ser o veículo que promovia a locomoção dos professores até a escola. Ganhei uma bolsa de magistério e quando terminei o curso, o que o mundo me oferecia era conseguir uma vaga, em algum lugar para dar aula ou mamãe conseguir um ‘balcão’ de comércio em que eu pudesse trabalhar. Tentei, ‘sem parentes importantes e vindo do interior’ fazer escola técnica e não passei. Posso dizer, que graças! Aí, surgiu o vestibular e eu me inscrevi! Fiz e passei e cursei períodos modulares, intervalares. Faltava energia no município e eu lembro, claramente, de transitar, de um bairro para o outro, para poder estudar.
Professor Dr. Doriedson do Socorro Rodrigues
O máximo de tecnologia, à época, era retroprojetor. Às vezes, faltava lâmpada ou o pincel, as lâminas de acetato, mas os professores eram muito envolvidos, insistentes, apaixonados!”, recorda. “As casualidades importam muito e preciso mencionar que hoje o Campus de Cametá, por exemplo, tem um conjunto de professores que são fruto daquela fase da interiorização”. Segundo ele, ao olhar para trás, há que se ressaltar a importância de todos que abraçaram esse movimento. A FADESP foi um deles, a partir do estabelecimento de parcerias com o Estado.
Foto atual do campus de Cametá
Na próxima edição da Revista FADESP, que circulará a partir de fevereiro de 2022, acompanhe a segunda parte dessa viagem que levou educação superior pública e de qualidade aos quatro cantos do Estado.