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“NOVA REMESSA DOS AUTOMÓVEIS DA AFAMADA MARCA...”
por Manolo
Há dias encontrei este delicioso cartaz da C. Santos (empresa centenária), que me levou numa viagem virtual e nostálgica até à minha meninice. Não que seja tão antigo como o cartaz mas, ainda sou do tempo que levantar um carro novo no stand era um momento solene, muitas vezes, com a participação de toda a família.
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Recordo, nos meados dos anos sessenta do século passado, quando o meu tio Joaquim adquiriu um Datsun 1000 (duas portas), lá fomos todos, em comitiva familiar até ao Entreposto, em Moscavide, para levantar o carrito: o condutor, a minha tia Albertina a minha mãe, a minha tia Glória (mulheres lindas), eu e o meu irmão Henrique, os meus primos Jorge e António, como sardinhas em lata. O acontecimento merecia o sacrifício.
Saímos do stand e quando estávamos a entrar na rotunda do relógio o meu tio reparou que o ponteiro da velocidade não mexia. Voltamos para trás. Lá tivemos todos que sair do modo sardinhas em lata e esperar cerca de uma hora. Era um daqueles dias de agosto à moda antiga, sufocante. "Nada de grave, era a bicha do ponteiro da velocidade que não estava ligado”, disse o senhor vendedor.
Quando chegamos a casa, já lá estava o meu pai e o resto da família para comemorar o acontecimento com a habitual jantarada, ao ar livre, desta vez, com o carro à vista de todos. Recordo com muita saudade este dia.
Hoje, compram-se carros pela net. E chegará o dia em que se compra um carro pela net e ele vem sozinho até à casa do proprietário. Não sei se me habituo à ideia, provavelmente, nunca comprarei um carro pela net.
Hoje, os veículos não são fruto de criadores dotados como Battista Farina, Chris Bangle, Harley Earl ou Marcello Gandini, entre outros. São fruto de talentosas equipas multidisciplinares, startups, investimentos enormes em I&D (Investigação e desenvolvimento), tecnologias emergentes de aplicação transversal, tudo isto, pela necessidade de estarem na fronteira do conhecimento, para defrontar a concorrência. Os conhecimentos científicos e tecnológicos são cada vez mais decisivos para o sucesso competitivo, seja para o setor automóvel, seja para qualquer outro setor de atividade. Sem duvida, que estamos perante um sinal de avanço civilizacional mas, naturalmente, mais frio, calculista e com menos paixão.
Até já há quem chame ao automóvel uma ferramenta. Talvez seja ingénuo mas, quero continuar acreditar que o automóvel embora já não seja um valor nuclear como afirmação da posição do individuo na sociedade: a adrenalina da velocidade, a sensação de liberdade, demonstração de poder e a afirmação social, continue a ser uma experiencia multisensorial de prazer e contemporaneidade, naturalmente, com a adoção de veículos mais eficientes do ponto de vista energético, menos poluentes do ponto de vista das emissões e de ruído e, por fim, que não se perca a paixão e o prazer da condução. Um grande desafio para os construtores de automóveis mas também para os que escrevem.