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Alimentar 9 mil milhões de pessoas é o grande desafio

O mundo atingiu o número de 8 mil milhões de pessoas e o crescimento da população mundial não vai ficar por aqui. A distribuição é desigual, com mais de metade da população a viver na Ásia, no entanto, há quem defenda que as emissões de gases com efeito estufa têm a ver com os rendimentos e não com a distribuição da população.

A relação entre a atividade humana e as alterações climáticas está provada há muito tempo. O impacto ambiental do crescimento populacional vai depender de quantos somos: as estimativas variam desde um pico populacional de aproximadamente de 9 mil milhões até 2050, até mais de 12 mil milhões por volta de 2100.

Raya Muttarak, investigadora que que estuda a dinâmica populacional humana é desta opinião e afirma que “ Os primeiros 10% em termos de riqueza líquida são na realidade responsáveis por cerca de 50% das emissões de C02 e representam apenas 770 milhões de pessoas em todo o mundo.”

São apenas números, previsões, mas previsíveis. Tudo vai depender dos comportamentos – se vão agravar ou abrandar o aquecimento global – com alguns países a terem mais responsabilidade que outros. A investigadora da universidade de Bolonha, com mestrado e doutoramento na Universidade de Oxford diz ainda que a humanidade precisa de melhorar, no que diz respeito à igualdade de acesso a recursos. Os países menos desenvolvidos não só carecem de recursos como são também os mais afetados pelas alterações climáticas. Têm menor capacidade financeira para fazer face às consequências. O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas prevê que cerca de 20% da população mundial seja deslocada até 2050. E estas migrações forçadas em grande escala poderão comprometer fortemente os esforços de desenvolvimento, mesmo que seja respeitado o limite estabelecido pelo Acordo de Paris; abaixo de 2 graus Celsius (ºC) na temperatura média global. Os cientistas deixam um sério aviso: os cenários extremos a nível de temperatura não devem ser excluídos. Infelizmente, as perspetivas não são boas. Recentemente, o Secretário-Geral das Nações Unidas mostrou-se frustrado porque “o mundo está a perder a luta contra as alterações climáticas e a condenar países a uma sentença de morte. Estou profundamente frustrado com o factos dos líderes mundiais não encararem esta situação como uma emergência de vida ou de morte. Estamos perante a luta das nossas vidas e infelizmente estamos a perdêla”, afirmou António Guterres, à LUSA.

“As emissões continuam a aumentar, as temperaturas não param de subir, estamos prestes a ultrapassar o limite de 1,5 graus e se nada for feito, caminhamos penosamente até aos 2,8 graus de aquecimento global, antes do ao final do século. Seria uma catástrofe de consequências devastadoras. Várias partes do nosso planeta seriam inabitáveis, particularmente, no continente africano e, para muitos, esta seria uma sentença de morte”, enfatizou.

As alterações climáticas têm impacto direto na produção de alimentos e face ao número crescente da população mundial e à redução de recursos, alimentar 9 mil milhões de pessoas em 2050 será, sem dúvida nenhuma, o grande desafio da humanidade.

Devemos prestar muita atenção à evolução da agricultura no mundo, particularmente, neste primeiro quarto de século. Especialmente, porque muitas multinacionais e fundos soberanos disputam há vários anos a compra de terras agrícolas. Até, recentemente, parte da América do Sul e alguns países do continente africano estavam principalmente preocupados com essas aquisições que forçaram a redução da produção de alimentos a favor de culturas comerciais para a exportação. O fenómeno induz ao arrendamento ou à venda de terras agrícolas a empresas ou fundos soberanos e alastra-se a outros continentes, incluindo países da União Europeia. No inicio da primavera de 2018, soube-se que através de um jogo subtil de investimentos de capital, algumas das maiores estruturas de capital agrícola da Europa teriam passado 98% para as mãos de investidores chineses, sem que os reguladores de desenvolvimento agrícola e economia rural - que deviam regular as transações - se opusessem a essa aquisições. Aconteceu na Alemanha, França, Espanha e Portugal, entre outros.

A TERRA FÉRTIL TORNARSE-Á UM BEM PRECIOSO NAS PRÓXIMAS DÉCADAS

A chegada de capital chinês à Europa mostra quanto a terra fértil tornar-se-á um bem precioso nas próximas décadas. O tema exige uma reflexão prospectiva de longo prazo integrando a noção de soberania alimentar dos povos, enquanto as consequências do aquecimento global tornarão as colheitas mais incertas em muitas regiões do mundo. Não é por acaso que a Rússia de Putin quer conquistar a Ucrânia, um dos maiores celeiros do mundo.

O século XX foi marcado por duas guerras mundiais, mas também, e sobretudo, por fabulosos progressos científicos e técnicos, por revoluções que se propuseram a instituir sociedades de justiça e bem-estar para todos, em muitos casos, sem grande sucesso. Mas este século muito industrial foi marcado por um consumo excessivo de matérias-primas de todo o tipo, incluindo os combustíveis fosseis, grandes emissores de gases efeito estufa, principais responsáveis pelo aquecimento global. O século XXI será marcado pela escassez de bens tão preciosos como metais, terras agrícolas e água.

Mesmo antes de levar à escassez, é urgente reduzir o consumo de matérias-primas, inclusive para garantir a nossa alimentação. No contexto atual, duplamente marcado pelo aquecimento global e pelo declínio da área de terras férteis agrícolas, alimentar 9 mil milhões de pessoas até 2050 é um grande desafio, atualmente ainda muito mal compreendido pelos decisores políticos, em quase todos os países do mundo. A questão é: que mudanças profundas estamos dispostos a introduzir na produção agrícola? No transporte e processamento destes produtos? Na distribuição final de alimentos se quisermos que cada individuo tenha o suficiente para comer?

Há acontecimentos que devem ser cuidadosamente analisados para gerir com a maior precisão possível as atividades económicas do presente século e, mais particularmente, a produção dos nossos alimentos. Os incêndios que queimam centenas e centenas de milhares de hectares de floresta em todo mundo, é o suficiente para desafiar governos e cidadãos comuns. Sejam qual fossem as origens destes incêndios gigantescos, conseguiu perdurar, alastrar, fazer milhares de vitimas mortais, entre humanos, animais e danos materiais irreversíveis, porque as condições climatéricas cada vez mais secas do que no passado o favoreceram. Estes desastres ambientais são muito mais frequentes devido ao aquecimento global. Enquanto a floresta ardia em várias partes do globo, noutras, inundações incomuns afetam gravemente outras regiões do globo, sem esquecer as secas prolongadas que ameaçam as plantações de arroz, cana de açúcar e outros alimentos básicos em África e na Ásia. Por exemplo, as regiões da India são constantemente afetadas pelo calor e falta de água. O Supremos Tribunal da India chegou a determinar que mesmo nos períodos de férias, as escolas servissem refeições gratuitas às crianças.

Aquecimento Global E Inseguran A Alimentar

Durante o século passado, a mecanização do trabalho agrícola em muitos países avançados e emergentes, a seleção genética, o uso massivo de fertilizantes e irrigação permitiram um aumento considerável dos rendimentos.

Em muitos países, a produtividade das terras agrícolas aumentou consideravelmente durante o século XX. Isso, não deixou de ter consequências, sendo as mais importantes o consumo excessivo de fertilizantes, produtos fitossanitários e água, que se torna perigosamente escassa, como na China ou

India, que têm de alimentar mais de um terço de população mundial.

A contrapartida que começa a ser visível é a degradação da qualidade natural do solo que se esgota em matéria orgânica enquanto a erosão acentua o declínio da fertilidade. Este empobrecimento global dos solos foi maquilhado pela abundância de combustíveis fosseis baratos que aumentaram consideravelmente a produtividade da agricultura.

Durante o século XXI, os ganhos de produtividade não progredirão mais nesse ritmo. Este século será cada vez mais marcado pela imperiosa necessidade de gerir a escassez. Nos oceanos, a eficiência das técnicas de pesca, constantemente aperfeiçoadas para responder à procura global sempre crescente, leva agora ao saque autorizado ou fraudulento das zonas pesqueiras. Estas remoções maciças já não permitem a renovação de recursos e podem levar rapidamente a uma dramática escassez de peixes marinhos.

Além disso, os efeitos cumulativos do aquecimento dos oceanos e a destruição das florestas, muitas vezes transformadas em áreas de cultivo industrial de peixe e mariscos, também podem desacelerar a reprodução de espécies no mar. Ao longo da costa do Chile, mais de 50% do salmão é de viveiro e milhares de toneladas de sardinha morrem todos os anos no inicio da primavera, nas águas aquecidas pelo conhecido fenómeno El Niño, que causa a proliferação de algas vermelhas tóxicas. A própria proliferação desta alga beneficia da abundância de excrementos do salmão de viveiro.

P R Fim Teoria Das Vantagens Comparativas

No que respeita à produção agrícola, a globalização das trocas comerciais, tendo como pano de fundo uma redução maciça das tarifas aduaneiras na sequencias dos vários acordos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) – segundo a teoria das vantagens comparativas, uma teoria preconizada há mais de dois séculos pelo economista inglês de origem sefardita português, David Ricardo, que defendia - a sua - teoria das vantagens comparativas que constitui a base essencial da teoria do comércio internacional. Demonstrou que duas nações podem beneficiar mutuamente do comércio livre, mesmo que uma nação seja menos eficiente na produção de todos os tipos de bens do que o seu parceiro comercial. Teoria que continua a ser a bússola dos economistas da Comissão Europeia.

A Comissão Europeia tem acordos com o Japão, Singapura, Vietname, México, Mercosul, China, Austrália e Nova Zelândia, entre outros. No entanto, alguns defendem que a principal consequência desses acordos é acentuar o aquecimento global. A Europa é assim levada a facilitar a importação de carne e frutas e legumes de que não necessita em detrimento do que é produzido no seu solo. Isso traduzse em longos períodos de transporte para produtos perecíveis e competição exacerbada em estratégias econômicas de curto prazo.

Por exemplo, o El Niño um fenômeno atmosférico-oceânico que provoca o aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico tropical, influenciando bastante a distribuição da temperatura da superfície da água e, consequentemente, o clima de várias regiões do mundo. O fenômeno foi percebido pela primeira vez, por pescadores da costa oeste da América do Sul. Devido ao fato do El Niño ocorrer no final do ano, esses pescadores deram o nome de “El Niño” em referência ao menino Jesus, principal figura do Natal.

Este fenómeno pôs em causa a segurança alimentar de vários países africanos: enquanto alguns perderam as colheitas devido à seca prolongada, outros tiveram o mesmo destino devido às inundações. Entre as regiões mais afetadas pela falta de chuva estão grande áreas do Zimbabué, Malawi, Zâmbia, África do Sul, Moçambique, Botswana, Namíbia, sul de Angola, Madagáscar, Etiópia, além de vários países da Ásia e América Central. Num número crescente de países altamente populosos, incluindo a India e a China, a perfuração de águas subterrâneas para irrigar plantações reduziu consideravelmente os recursos hídricos. O mesmo acontece para a maioria dos países ao redor do Mediterrâneo –incluindo Marrocos, um grande fornecedor de tomates, melões, pepinos, entre outros, para a Europa, mas também para alguns estados norte americanos ou mesmo para certas áreas agrícolas da Austrália, só para nos limitarmos a alguns exemplos preocupantes.

Menos Com Rcio Global E Mais Proximidade

Alimentar 8 a 9 mil milhões de pessoas nas próximas décadas deixará pouco espaço para politicas erradas. O comércio será essencial para alimentar uma parte crescente da população mundial. Mas não pode ser num frenesim de todos contra todos segundo regras primitivas, impostas pela OMC que também prevalece nas negociações bilaterais num cenário de dumping social e ambiental.

Apesar da existência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), ainda e sempre são as câmaras comerciais que, no início do século XXI, ditam os preços mundiais das principais commodities que são os cereais, a soja, o óleo, o açúcar , lacticínios. E bastou a safra mundial de trigo ser boa por três anos seguidos nos principais países exportadores para que os preços de mercado caíssem de 20 a 30% entre 2013 e 2016, a ponto de não cobrir mais os custos de produção à época de produção firme, respondendo apenas à procura do mercado solvente.

Na Europa, já deveríamos ter proibido a importação de produtos de outros continentes, como carne, palha de cereais, milho, laticínios, óleo de palma, frutas e vegetais não tropicais que facilmente produzimos em casa. Tratase de limitar a pegada de carbono do nosso prato diário e de não privar as populações de outros países e continentes da sua soberania alimentar. Podemos sentir vontade de comer abacaxi ou tomar café importado do Brasil.

Mas devemos evitar comprar destes países produtos que sabemos produzir, e reduzir gradualmente nossas importações de soja para alimentar o gado criado em Portugal e na Europa; mesmo que isso signifique produzir menos carne e leite, alimentos muitas vezes difíceis de exportar para países terceiros.

A Import Ncia Da Agroecologia Em Todos Os S Tios

Em cada país, considerado individualmente, é necessário fazer coincidir a soberania alimentar otimizada com a redução da pegada de carbono do consumo alimentar de cada cidadão, sem esquecer de introduzir práticas agrícolas que conduzam à melhoria da fertilidade dos solos, a fim de ter uma produção sustentável , reduzindo os insumos químicos e o uso de combustíveis fosseis no processo produtivo. Um conjunto de praticas que, somadas de acordo com o potencial agronómico do solo, permitem fazer a natureza trabalhar de forma inteligente e produzir o máximo com menor custo e com pegada de carbono reduzida.

É um desafio enorme que não se ganha de antemão. Portugal, por exemplo, apresenta grandes trunfos para o enfrentar por causa da sua geografia, clima recursos hídricos e um Know-how em matéria de energias alternativas que poderá despoletar uma agricultura cada vez mais criativa à medida que os desenvolvimentos agrícolas finalmente romperem com a exclusividade das orientações produtivas dos últimos 50 anos. Desde há 50 anos a esta parte, semear trigo, milho, cevada ou outro sem arar, gradear e revolver a terra, tem sido um prática comprovada em algumas regiões. A proposta é exatamente inversa ao preparo convencional: manter o solo intacto e protegido por uma generosa camada orgânica que ficou da semeadura anterior para enriquecer o solo. Chegou-se à conclusão que esta prática leva a uma infinidade de vantagens. Gasta-se menos dinheiro em combustível e equipamentos agrícolas. Detritos vegetais de culturas intercalares enriquecem o solo e promovem a proliferação e o trabalho das minhocas que transformam esses detritos em matéria orgânica da qual se alimentam as plantações. Melhores rendimentos dos grãos são assim obtidos e os níveis de proteínas de trigo aumentam apesar do menor uso de fertilizantes nitrogenados. Claro que estas boas praticas agrícolas não agradam aos vendedores de grandes tratores e grandes arados, muito menos aos comerciantes de fertilizantes, muitas vezes cooperativas agrícolas, o que não deixa de ser, no mínimo, estranho.

O Cultivo Da Erva Para Alimenta O Dos Herb Voros

Para a criação de herbívoros como bovinos, ovinos e caprinos, a otimização da produção de carne e leite com preço de custo reduzido só pode ser obtido com os animais alimentados nas pastagens. Tudo o que é necessário é pastagens com uma mistura apropriada de gramíneas e leguminosas. Captam o nitrogénio do ar e utilizam-no como fertilizante para si mesmas e para as gramíneas associadas a elas. Alimentamos vacas, ovelhas e cabras por um preço de custo muito mais baixo. Assim por cada litro de leite ou quilo de carne produzidos aumenta a qualidade do solo.

Cintur Es Verdes Ao Redor Das Cidades

Antes do desenvolvimento maciço do transporte rodoviário na segunda metade do século XXI, “cinturões verdes” dedicados á horticultura comercial e à fruticultura cercavam as grandes cidades. Por exemplo, ao redor de Lisboa, quer na margem sul, quer na região saloia do oeste serviam de fornecedores de produtos hortícolas à cidade. A relocalização da produção de hortaliças e frutas volta a ser imperativa hoje em todas as cidades que possuem terras aptas para essas culturas, quer para a soberania alimentar, quer para conter o aquecimento global. Atualmente, centenas de supermercados são abastecidos todos os dias com frutas e legumes frescos por centenas e centenas de camiões, enquanto outros fazem chegar as frutas e legumes a plataformas de logística, depois de percorrerem longas viagens de milhares de quilómetros.

Por exemplo, em França a região Ile-de-France tem quase 12 milhões de habitantes. Todas as noites chegam ao seu famoso mercado de Rungis, camiões oriundos percorrendo milhares de km. No entanto, metade da região de Ile-de-France é composta por terras agrícolas cultivadas. Apenas 0,5% são dedicadas à horticultura comercial, enquanto quase 100% são cultivadas com trigo, cevada, colza, girassol, milho, beterraba. Uma quinta de cereais de 200 hectares, a vinte km a sul de Rungis, emprega apenas um trabalhador. Se a mesma quinta dedicasse 20% da sua área à produção de hortaliças frescas, criaria de vinte a trinta empregos.

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