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A sabedoria e o convívio do mundo rural
Uma das mais genuínas feiras agrícolas do país teve lugar, mais uma vez, no Baixo Alentejo. Falamos, naturalmente, da Feira de Garvão, “ponte de encontro do mundo rural, da sabedoria e do convívio” como defende a organização, o município de Ourique.
A menção mais antiga que se conhece sobre a Feira de Garvão, surge no livro da Misericórdia de Garvão, onde se lê uma petição ao Paço, datada de 22 de maio de 1734. No entanto, a atividade mercantil em Garvão, surge na carta foral de 1267 e em 1398 surge uma informação sobre a presença de mercadores algarvios em Garvão.
A feira de Garvão realiza-se no equinócio da primavera, o tempo de germinar novas ideias e encontrar o equilíbrio da natureza! Tradicionalmente, a população de Garvão aproveita para as limpezas, para caiar o que tem de ser caiado, para receber visitas e familiares que visitam a feira.
Um ritual do tempo dos tempos das estações agrícolas, de vender e comprar o que se produzia, para conviver, “a modes que” estar a par das novidades e beber um copito.
Havia de tudo para vender: utensílios agrícolas e de cozinha, panos grossos e finos, facas e navalhas, potes e alguidares, produtos regionais feitos artesanalmente, onde não faltava o albardeiro, o latoeiro, o abegão, o cadeireiro, o ourives ou até o romântico vendedor da banha-da-cobra.
Vinham feirantes de todo o lado, algum com presença familiar de várias gerações e era ponto de honra respeitar o espaço tradicional de cada um, coisa que por vezes não acontecia gerando-se um pandemónio dos diabos acalmando depois de um boa discussão bem acalorada ou da intervenção do Corpo de Quadrilheiros (atual GNR).
A ferira de gado era geralmente nos dias anteriores, uma feira farta: rebanhos, manadas assim como caprinos e toda a espécie de muares, o meio de transporte dos lavradores da região, que num acérrimo despique entre negociantes de gado e ciganos faziam da Feira de Garvão uma das mais importantes do país. Não é sem justa causa, que a região é o solar da raça autóctone Garvonesa.
Viriato
Dizem os antigos que a feira de Garvão é tão antiga que até Viriato, o célebre líder lusitano que lutou contra os Romanos, esteve em Garvão.
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Viriato era pastor nos Montes Hermínios (a sul da Serra da Estrela) e deslocava-se com os rebanhos para as novas pastagens do sul, mas é pouco provável fazer quase 500 km para encontrar pastagens verdes. Uma lenda que provavelmente teve origem no próprio casamento do guerreiro serrano que viria a casar com a filha de Astolpas, um rico mercador lusitano de Évora, amigo dos Romanos.
FEIRA DE GARVÃO NO SÉC. XXI
Entende-se a tradição como um conjunto de sistemas simbólicos, que são passados de geração em geração e tem carácter repetitivo. No entanto, a tradição deve ser dinâmica e não estática, uma orientação para o passado e uma maneira de organizar o futuro. De uma forma sucinta a Feira de Garvão reinventa-se da tradição no contexto da modernidade.
A Feira de Garvão mantém-se fiel aos seus princípios com a modernidade que os tempos impõem. Os tratores substituíram os animais de tração, os plásticos deram um nova vida aos artefactos, artífices, com raras exceções, deram lugar aos produtos de fabrico industrial. Hoje, reina a diversão, os comes-ebebes, o frenesim de uma alegria por vezes maquilhada para superar as amarguras da vida, mas será que não foi sempre assim?
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A modernidade impõe-se a cada segundo que passa... ficam as memórias de tempos proibidos de regressar.
Desta forma, a Feira de Garvão promovida pela autarquia de Ourique, pela Associação de Criadores do Porco Alentejano (ACPA) e pela União de Freguesias de Garvão e Santa Luzia, com o envolvimento da Associação dos Agricultores do Campo branco /A.A.C.B.) demonstrou, mais uma vez, uma grande dinâmica que mereceu a presença de milhares de visitantes.
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A ternura do olhar da raça rafeiro alentejano, descendente dos mastins tibetanos.
“Milhares de pessoas visitaram a nossa feira, num dos mais tradicionais e relevantes momentos de encontro e convívio do melhor mundo rural”, sublinhou Marcelo Guerreiro, presidente da Câmara de Ourique.
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A Feira de Garvão inclui no seu programa, exposição agroalimentar, pecuária, workshops, sessões de esclarecimento, debate de produtores, apresentação de produtos e equipamentos, concursos de raças, técnicas de manejo, atividades equestres, demostração de tosquia, artesanato, gastronomia, música popular, cante alentejano, viola campaniça foram alguns dos momentos que encantaram os visitantes, que recordamos em fotografias. A essência da Feira de Garvão são as pessoas e os animais. Para fechar a nossa reportagem com chave de ouro, não podíamos sair de Garvão sem degustar o excelente presun-
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Bibliografia histórica: in “Garvão Herança Histórica” (2003) de Jose Pereira Malveiro to da paleta de porco da Raça Alentejana da Montaraz “Bolota” Santana da Serra IGP, com o bom pão da região e um tintinho de Aldeias da Soromenha, uma trindade gastronómica digna dos deuses. Obrigado Garvão
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