Revista ID' | Nº9 - Setembro 2013

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IDENTIDADE | Nยบ 9 | SETEMBRO ย 13

PORTUGAL


COLABORADORES Manuel Damas 'Médico

Diogo Vieira da Silva 'Economia

Rosa Soares 'Atriz

'Editorial 'Sexalidades

'Economia

'Teatro

Susana Soares Ribeiro 'Professora Universitária

Francisco Lourenço 'Licenciado em Línguas e Comércio Internacional

Francis Kinder 'Economista

' Criação Literária

Tiago Barbosa Ribeiro 'Deputado Municipal do PS ' Fogo cruzado

Eugénio Giesta 'História 'Poeiras e Eras

'Ecos do Mundo (Brasil)

Marília Lopes 'Professora de Educação Física 'Ecos do Mundo (Japão)

Teresa Vernier 'Belas-Artes

Pedro Leal 'Fotógrafo

'Artista ID

'Grande Entrevista

Manuela Gonzaga 'Escritora

Pedro Carvalho 'Arquitectura

Diogo de Campos 'Multimédia

'Criação Literária

' Arquitectura

'Biografias

Elvio Bettencourt 'Turismo

António Castro 'Gestão

Paula Machado 'Fotógrafa

' Turismo

' Televisão

'Ecos do Mundo (Austrália)

Hugo Trindade 'Deputado de Freguesia do PS 'Política Internacional

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'Artista ID


Carlos Matos 'Enfermeiro Veterinário

Hélder Pinto Bessa 'Advogado

Tiago Jonas 'Direito

'Olhares

'Direito

'Ciência Política

Silvia Alves 'Estílista

Bruno Silva 'Psicólogo

Filipe Moreira Da Silva 'Director Clínico

' Poetisando

'Psicologia

'Ecos do Mundo (Espanha)

João Paulo Meireles 'Deputado Munícipal do PSD

António Martins Silva 'Mestre em Desporto de Alto Rendimento

Samuel Pimenta 'Prémio Jovens Criadores Literários 2012

'Fogo cruzado

'Corpo em movimento

'Poesia

Luísa Demétrio Raposo 'Escritora

Pedro Pinto 'Escritor

Marco António Ribeiro 'Jornalista

' Criação Literária

'Poesia

'Grande Entrevista

Luíz Antunes 'Bailarino

Rui Sousa 'Psicologia

Francisco Vilhena 'Apresentador de Televisão

' Dança

' Música

'Lazer

Delmar Maia Gonçalves 'Presidente do Circulo de Escritores Moçambicanos na Diáspora 'Ecos do Mundo (Moçambique)

Filipe de Barros 'Professor

Hugo Vaz 'Especialista Informático

'Ecos do Mundo (Timor)

'Tecnologias

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Sinta o abraรงo do Douro. Deixe-se enfeitiรงar...

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revista id

REVISTA id ’ O lançamento da Revista ID’ Identidade foi um momento de enorme emoção, na CASA, pelo esforço que implicou mas também e acima de tudo, pelo caloroso apoio que recebeu.

2 | MAIO ’ 12

A MODA

Enquanto revista oficial da CASA, de periodicidade mensal e de cariz informativo/formativo, nunca esquecendo a sua índole pedagógica e de abordagem dos grandes temas da Sociedade, a ID’ representa um desafio constante no sentido de conseguir ultrapassar, cada vez mais, as expectativas e cumprindo, sempre, o princípio major da CASA - a Universalidade do Direito à Felicidade.

nº1

nº3

nº6

IDENTIDADE | Nº 6 | OUTUBRO 12

EUROPA

nº2

1

3 | JUNHO ’ 12

EROTISMO

VIOLÊNCIA(S)

4 | JULHO ’ 12

nº4

nº7

LAZER

nº5

nº8

IDENTIDADE | Nº 8 | Janeiro 13

BULLYING

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CAPA

INDEX 08 ’ ARTISTAS ID TERESA VERNIER FRANCISCO LOURENÇO

IDENTIDADE | Nº 9 | SETEMBRO 13

PORTUGAL

11 ’ EDITORIAL MANUEL DAMAS 12 ’ NA CASA ... 19 ’ OLHARES CARLOS MATOS 20 ’ CRIAÇÃO LITERÁRIA SUSANA SOARES RIBEIRO LUÍSA DEMÉTRIO RAPOSO MANUELA GONZAGA

COMPOSIÇÃO ’ NEUZA MOREIRA

32 ’ POETISANDO PEDRO PINTO SAMUEL PIMENTA

ID ’

34 ’ POLÍTICA NACIONAL I FOGO CRUZADO TIAGO BARBOSA RIBEIRO JOÃO PAULO MEIRELES

DIRECÇÃO MANUEL DAMAS

36 ’ POLÍTICA INTERNACIONAL HUGO TRINDADE

REVISÃO DE TEXTOS MANUEL DAMAS

37 ’ CIÊNCIA POLÍTICA TIAGO JONAS

DIRECÇÃO DE ARTE & DESIGN GRÁFICO NEUZA MOREIRA

38 ’ DIREITO HÉLDER PINTO BESSA

É interdita a reprodução, ainda que parcial, de textos, fotografias ou ilustrações desta revista, para quaisquer meios e para quaisquer fins, sem a autorização escrita da Associação CASA.

39 ’ ECONOMIA I CETERIS PARIBUS DIOGO VIEIRA DA SILVA 40 ’ PSICOLOGIA BRUNO SILVA 42 ’ SEXUALIDADES I SEXUALIDADES, AFECTOS & MÁSCARAS MANUEL DAMAS 44 ’ História I POEIRAS & ERAS EUGÉNIO GIESTA

CONTACTE-NOS ’ facebook.com/revistaID ’ id.identidade.revista@gmail.com A ID ’ é uma revista mensal publicada pelo Centro Avançado de Sexualidades e Afectos ®

46 ’ IDENTIDADES MARCO ANTÓNIO RIBEIRO PEDRO LEAL 58 ’ARQUITECTURA PEDRO CARVALHO 59 ’ BIOGRAFIAS DIOGO DE CAMPOS 60 ’ DESPORTO ANTÓNIO MARTINS SILVA

Rua Santa Catarina, 1538, 4000-448 Porto 918 444 828 www.ass-casa.com geral@ass-casa.com facebook/AssociacaoCASA 6

62 ’ DANÇA LUIZ ANTUNES


63 ’ MÚSICA RUI SOUSA 64 ’ TEATRO ROSA SOARES 66 ’ TELEVISÃO ANTÓNIO CASTRO 69 ’ LAZER FRANCISCO VILHENA 70 ’ TURISMO ELVIO BETTENCOURT 72 ’ TECNOLOGIAS HUGO VAZ

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76 ’ ECOS DO MUNDO FRANCIS KINDER 'BRASIL FILIPE MOREIRA DA SILVA 'ESPANHA MARÍLIA LOPES 'JAPÃO PAULA MACHADO 'AUSTRÁLIA DELMAR MAIA GONÇALVES 'MOÇAMBIQUE FILIPE DE BARROS 'TIMOR 90 ’ FRASES COM’TEXTO 92 ’ DESCØNSTRUIR

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94 ’ FARPAS 97 ’ PROGRAMA MENSAL

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ARTISTAS ID TERESA VERNIER

FRANCISCO LOURENÇO

10

9

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95

56 8


9


10


editorial

manuel damas

E

m Abril de 2012 um grupo de colaboradores da CASA juntou-se com o intuito de tentar construir um projeto de informação escrita. A esse projeto foi chamado Revista ID’-Identidade, não tendo, a escolha do nome, sido inocente. Assim ficaram delineados os principais vetores orientadores da ID’…na área dos Afectos e das Sexualidades. A intenção foi criar uma revista de grande informação, que englobasse diversas rubricas, do Direito à Economia, passando pelo Desporto, pela Moda, pelas Sexualidades, pela Psicologia, pela História, pelo Teatro, pela Dança, pelas Biografias, pela Música, pela Televisão, pela Política Nacional e Internacional. Mas englobando, em lugar nobre, as duas grandes vertentes da Criação Literária, a Prosa e a Poesia, assim como a Olhares. Incluiria, obrigatoriamente, uma grande entrevista, sempre relacionada com o tema de capa e intitulada “Identidades”. Mas a ID’ foi mais longe, integrando, também, uma vertente designada “Ecos do Mundo”, que teria a colaboração de correspondentes, inicialmente em Espanha, no Brasil e no Japão. Apresentava, ainda, duas rubricas com uma missão pedagógica…as “Frases ComTexto” que elencariam as citações mais emblemáticas produzidas mundialmente e o “Desconstruir”, cuja função, seria, como o próprio título indica, fazer a desconstrução de estereótipos…principalmente porque a ID’, para além da Cultura e da Informação, das Atualidades e da Política, das Artes e do Desporto assumiu, sempre, a função pedagógica de desconstrução de estereótipos, com a finalidade máxima de contribuir para a Cidadania, no sentido, sempre presente, da Universalidade do Direito à Felicidade. Mas a ID’ preocupou-se sempre, também, com a vertente artística e, como tal, decidiu divulgar jovens criadores artísticos, na área da Ilustração convidando, mensalmente, um criador diferente. O projeto ID’ preocupou-se, sempre, com o Design gráfico da revista, tendo criado um logo, um design e uma imagem, próprios, que foi atualizando e melhorando, à medida que iam sendo lançadas as diversas edições.

Assim nasceu o projeto ID’-Identidade, com um quadro de vinte colaboradores, não remunerados, consubstanciando verdadeiro voluntariado. A partir do lançamento a ID’ foi sendo apresentada à Sociedade como um projeto de informação escrita, oriundo de uma ONG, com uma edição mensal, com um quadro de colaboradores voluntários, em suporte digital e abordando, especificamente, temas pré definidos, cumprindo a sua linha de intervenção pedagógica. Desta forma e com este intuito, foram lançados oito números, subordinados, respetivamente, aos temas, Moda, Violência (s), Erotismo, Lazer, Educação, Europa, Amor e Bullying não sendo, a sequência, aleatória. Cumpridos estes objetivos a ID’ conseguiu atingir o patamar de ser lida em 32 Países e mais de 500.000 visualizações na plataforma social onde sempre esteve. Alcançado a referida meta foi necessário parar para repensar a ID’… tinham sido atingidos números surpreendentes que obrigavam a que o projeto fosse repensado, com o intuito de evoluir, diversificar, crescer e tornar-se, ainda mais consistente. Agora a revista ID’- Identidade regressa, mantendo a filosofia de revista de grande informação, os objetivos, a intenção pedagógica. Mas a ID’, não só mantém as rubricas iniciais, como acrescenta novas e aumenta o quadro de colaboradores. Assim às rubricas existentes, que se mantém, são acrescentadas o Lazer, o Turismo, a Arquitetura, a Ciência Política e as Tecnologias. Por outro lado na Criação Literária - Prosa passam a existir três colaboradores em vez de um e na Criação Literária - Poesia duas pessoas em vez de uma. Mesmo a nível de ilustrações, de um colaborador por mês a ID’ passa a ter dois ilustradores fixos. Até nos Ecos do Mundo, aos repórteres no Brasil, em Espanha e no Japão, acrescem, agora, na Austrália, em Moçambique e em Timor. Hoje, dos vinte colaboradores iniciais, a Equipa ID’passa a 34. A toda a Equipa ID’ deixo, aqui e agora, o meu sincero Agradecimento por, ainda hoje, ser possível embarcar num Sonho, que se tem vindo a concretizar.

Obrigado…

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NA CASA ... A CASA está estruturada em Departamentos entre os quais se podem elencar aqueles que, pelo seu tipo de trabalho, adquirem maior visibilidade:

O Departamento Cultural de cujo plano de actividades fazem parte:

Ciclo de “Debates na CASA” O Ciclo de Debates na CASA está em vigor desde 2009. Uma vez por mês é organizado um debate sobre os temas mais pertinentes da actualidade, sendo convidadas personalidades para participar. Assim são efectuados Debates com o intuito de esclarecer a população sendo intenção que estes debates atraiam público jovem para, desta forma, serem sensibilizados e motivados para as questões da Democracia participativa, da Cidadania e do combate ao alheamento social.

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Ciclo de Tertúlias “A CASA ComVida” O Ciclo Mensal de Debates, "A CASA ComVida" que, como sempre, teve a sua maior edição do ano, em Dezembro e que contou com a Prof. Dra. Clara Sottomayor que, na CASA, assumiu o Debate intitulado - A Mulher e o Direito. Grupo de Teatro da CASA O Grupo de Teatro da CASA foi criado em Maio de 2011. Dirigido por Eloy Monteiro, conhecido actor profissional, com 50 anos de profissão, o Grupo de Teatro da CASA junta pessoas de várias idades e estratos sociais, unidos pelo amor à arte da representação. Actualmente o Grupo de Teatro da CASA apresenta a peça original, "Violências", escrita na CASA e que aborda o tema da violência doméstica. O grupo de teatro funciona única e exclusivamente com voluntários e tem ensaios todas as semanas, à segunda e quarta feira à noite.

Ciclo de “Poesia na CASA” O Ciclo de Poesia na CASA está em vigor desde Janeiro de 2011 com periodicidade semanal. Mensalmente, é escolhido um poeta ou poetisa portugueses e semanalmente, à quarta feira à noite, são declamados poemas da autoria do poeta escolhido, na Sala de Leitura da CASA. Pretende-se, desta forma, cultivar e incentivar hábitos de leitura e relembrar autores que o tempo fez esquecer. Já fizeram parte do Ciclo de Poesia na CASA nomes como Sofia de Mello Breyner, Almada Negreiros, Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa - heterónimos, Fernando Pessoa - ortónimo, Natália Correia, António Ramos Rosa, António Botto, Al Berto, Manuel Alegre, Cesário Verde, apenas para citar alguns nomes.

PEÇA DE TEATRO VIOLÊNCIAS 3 JULHO 22H

Rua Santa Catarina, 1538, 4000-448 Porto ³ 918 444 828 ³ www.ass-casa.com ³ geral@ass-casa.com ³ facebook/AssociacaoCASA

EXPOSIçÃO - Provocações Periodicamente a CASA inaugura, no seu Auditório, exposições de artistas que, através da sua obra, pretendem desconstruir estereótipos. Presentemente a CASA tem em exibição a exposição "Provocações", da autoria de Carla Sampaio, que merece ser visitada e observada em detalhe. 13


O Departamento SOCIAL de cujo plano de actividades fazem parte: Campanha “Um café, um preservativo – é tão fácil usar um preservativo como tomar um café!”

Clínica da CASA A CASA disponibiliza um Serviço de Consultas, designado “Clínica da CASA”, a laborar desde Janeiro de 2011, com 4 especialidades: Medicina, Psicologia, Sexologia e Direito. Os especialistas das diversas áreas são voluntários e o público alvo, sendo, primariamente, a população geral, é constituído, mais especificamente por Mulheres vítimas de violência doméstica, Jovens vítimas de abuso sexual e pessoas com dificuldades na área das Sexualidades e dos Afectos.

Projecto "Clínica da CASA" - da autoria da REGREEN PROJECT

É uma campanha de proximidade que pretende fazer prevenção dos comportamentos de risco. É a forma que a CASA encontrou para dinamizar o uso preventivo do preservativo. Assim, nas instalações da CASA, cada vez que é servido um café, juntamente com o açúcar ou o adoçante é oferecido um preservativo com o intuito de tentar desconstruir o tabu, os estereótipos e os preconceitos que ainda hoje estão associados ao seu uso na população portuguesa.

VEJA AQUI O VÍDEO PRODUZIDO PELO REGREEN PROJECT

campanha É TÃO FÁCIL TOMAR UM CAFÉ COMO USAR UM PRESERVATIVO!

CAMPANHA FREE HUGS

Rua Santa Catarina, 1538, 4000-448 Porto ³ 918 444 828 ³ www.ass-casa.com ³ geral@ass-casa.com ³ facebook/AssociacaoCASA

PROGRAMA DE TELEVISÃO DA CASA "SEXUALIDADES, AFECTOS E MÁSCARAS"

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Dia Nacional da Felicidade A CASA elaborou uma petição pública a solicitar à Assembleia da República a criação do Dia Nacional da Felicidade que se encontra em fase de recolha de assinaturas, a qual tem duas vertentes, a presencial e a recolha pela Internet. Com esta petição pretende-se alertar para a necessidade de uma real Universalidade do Direito à Felicidade promovendo correntes de economia do bem-estar. A petição será entregue na Assembleia da República a 3/9/2012, dia de aniversário de criação da CASA. Assim terá início a segunda fase de recolha de assinaturas, a serem entregues no Parlamento Europeu, a propor a criação do Dia Europeu da Felicidade. Se a criação formal de um Dia da Felicidade não a garante, “de per si”, oficializa, todavia, a obrigatoriedade da sua prossecução. A Petição pode ser consultada e assinada em: http:// www.peticaopublica.com/PeticaoVer. aspx?pi=DNFe2011

Recolha de assinaturas da petição para instituição do Dia Nacional da Felicidade

Ceia de Natal, realizada na noite de Natal.

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O Departamento DE FORMAÇÃO de cujo plano de actividades fazem parte:

Projecto ISA – (In)formação em Sexualidades e Afectos A CASA disponibiliza a escolas do ensino Secundário e Universitário um Projecto de (In)formação na área das Sexualidades e Afectos. Este projecto é direccionado para todos os membros da Comunidade Educativa, nomeadamente Professores, Alunos, Encarregados de Educação e Pessoal Auxiliar. É um projecto que pretende consciencializar as comunidades educativas para as questões das Sexualidades e dos Afectos, promovendo comportamentos sexuais e afectivos responsáveis e uma Sociedade mais inclusiva.

Mas a CASA também efectua, nas suas instalações, Acções de Formação e Workshops subordinadas aos mais diversos temas..

Formação na CASA em “Voluntariado”

Em 2012 a AVAnÇADO CASA iniciou aDE Formação CEnTrO Pós-Graduada nos E grandes temas® sEXUALiDADEs AFECTOs das Sexualidades CURSOS DE FORMAÇÃO

e Afectos.

curso de pós graduação 12h

curso de especialização 24h

sEXUALiDADEs & EnVELHECimEnTO ACTiVO

sEXUALiDADEs & EnVELHECimEnTO ACTiVO

curso de pós graduação 12h

curso de especialização 24h

JOrnALismO & sEXUALiDADEs

JOrnALismO & sEXUALiDADEs

curso de pós graduação 12h

O DEsPOrTisTA & As sEXUALiDADEs

curso de pós graduação 12h

O EDUCADOr & A sEXUALiDADE DA CriAnÇA

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inFOrmAÇõEs & mATríCULAs Horário de Atendimento 16h às 20h CASA - Centro Avançado de Sexualidades e Afectos

Recentemente a CASA assinou Protocolos formais de Colaboração, com a Ordem dos Psicólogos e com a Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa. através dos quais passa a disponibilizar Estágios Profissionais, oficiais, com a duração de um ano, a Psicólogos recém-licenciados, e com a duração de dois meses para Enfermeiros de Saúde Mental.


Av. Ramos Pinto · Loja 240 Cais de Gaia · 4400-161 Vila Nova Gaia TL [+351] 223 722 415 · FX [+351] 223 723 116 geral@barcadouro.pt · reservas@barcadouro.pt WWW.BARCADOURO.PT · RNAAT 13/2010 · RNAVT 4000

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OLHARES

C a r l o s M at o s

ncontro-me num estado de total entorpecimento, pela persistência do vazio que me corrói a cada dia que passa. Sinto nojo dos seres que habitam este planeta, da acefalia crónica, domaterialismo desmedido, da fugacidade emocional, retratada numa capacidade substitutiva de tais dimensões que envergonha a crueldade. As palavras “perspectiva” e “esperança” tornaram-se motivo de gargalhada, pela descredibilização que lhes atribuo. É isto a insanidade? –compreensão do que o rodeia; factualização do mundo? Assim sendo, peço encarecidamente que abram as alas psiquiátricas e prendam os “sanos”. Já denoto os efeitos colaterais da não inclusão pela repugnância sentida, entre eles poderei mencionar a transformação da capacidade emotiva num platonismo elevado ao auge da insatisfação continuada. Estou cansado de julgamentos gratuitos, superficiais e donos de uma infantilidade magnânima. Onde se encontra a essência humana? O que é a essência humana? Considerava ser o que há de mais puro e subtil, algo distintivo e agradável. Vejo que não passa de uma formatação, repleta de comportamentos e maneirismos, numa rotina mental, cuja sua quebra envolverá demasiado esforço para um simples ser humano comodista. Consigo comparar o nascimento a uma tiragem tipográfica, onde qualquer tipo de analogia advida será plausível; abusem da vossa imaginação. Caso uma núvem de confusão, pela minha (inexistente) fuga ao tema, vos cubra de momento, deixem-se estar à sombra, como bons portugueses que são. Tudo o que mencionei retrata em grande maioria a sociedade portuguesa. Não considero que piorara, somente me dignei a reflectir quanto à sua execrável realidade há pouco tempo. Esperança? Aquela de cor verde presente na bandeira Nacional hasteada ao contrário? Abstenho-me de frase feitas quanto aos desejos (inabalavelmente altruístas) para o país, enterrado num patamar geracional tão longínquo, que a sua retirada originaria danos superiores à abertura da caixa de Pandora. Pessoa, juntar-me-ei a ti como eterno insatisfeito, não pela busca incessante (em vão) da felicidade, mas pela fatuidade deste país, igualmente teu.

HUMANA

E

PERVERSÃO

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CRIAÇÃO LITERÁRIA

O

susana soares ribeiro

A CASA DO TITO

dinheiro não importa nada. O importante é ser feliz!

O coro de gargalhadas fazia estremecer o soalho velho da sala do piano. Marco tinha o condão de chamar a zombaria sobre a desgraça, mesmo quando o mortal era dos mais sisudos. A conversa caía uma vez mais na crise, um tema que se queria parco em variações e ausente de concorrência. As frases, já muito conhecidas, repetiam-se, parecendo vaidosas na sua redundância, e os desesperos, que se escondiam entre as entranhas dos presentes, a ponto de as revolver, prenunciavam o ato de contrição dos rostos. O piscar de olhos cintilados começou à palavra emigração e foi nesse momento que Marco surpreendeu com o aforismo, pobre em cultura, tão destituído de elevação e significado que rir pareceu a melhor solução. Não satisfeito, sentou-se ao piano em versão Piaff. Um ou outro ainda tentaram forçar a sua tristeza, mas sem sucesso. Ganhou o improviso, excedente de humor por exagero no drama. Marco ofereceu o show transformista com altruísmo, dando de si para entusiasmar corações mais aflitos e baixar a pressão nos peitos. A música, o cenário, a partilha, acabaram por vencer. As graças soltaram-se e as artérias voltaram a pulsar, testemunhas de uma circulação sanguínea mais entusiasmada. Pedro aproveitou o ensejo para ir buscar a peruca negra da Piaff, que repousava em lugar fixo e de destaque na arrecadação permanente de todas as fantasias. Alguns levantaram-se para um passo de dança escangalhada, e o fim de tarde viu assim cumprido o seu dever, em jeito de happy hour. À saída da Casa do Tito, Marco foi alvo de beijos e abraços. Pessoas saciadas de alegria que iam embora de melhor humor. O rapaz tinha alma de coveiro e não terminava o dia sem enterrar melindres e tristezas, agruras e desventuras. Os outros sabiam-no e por isso lhe doaram apertos sentidos e lhe sussurraram um emocionado Feliz Natal. Faltavam apenas três dias para o Natal e isso era algo que nunca se deixavam esquecer. Faziam questão de ser reconhecidos como ornatos de pinheiro. Penduravam-se uns nos outros, enfeitando-se com afetos e amores indisfarçáveis. Era a forma de cintilarem, projetando brilhos com forma de estrela, muitos, tantos, que até os mais sensíveis tinham de conseguir ver ou sentir. Pedro foi o último a abraçá-lo. Depositou-lhe um beijo nos lábios, sorriu-lhe e piscou-lhe o

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olho. Saíram de braço enlaçado, sendo o calor um do outro na frialdade do crepúsculo negro do inverno. Nesse dia Marco não seguiu com Pedro para casa. Olhou-o com decisão e murmurou-lhe um não te preocupes comigo. No rasgado dos olhos, junto das pestanas inferiores, tinha humidades que contrastavam com as disposições que ainda há pouco tinha feito emergir. Eram o código necessário para Pedro perceber a mensagem e deslaçar o abraço, sentindo, ele mesmo, uma tristeza e uma dor indefinidas e, por isso, impossíveis de descrever. Fez-lhe uma festa no rosto e disse-lhe vai, estarei à tua espera. Marco agradeceu-lhe em silêncio, usando uma mímica indelével que era só deles, indecifrável e telepática. O voltar de costas foi suave e a caminhada de afastamento lenta, como se cada passada estivesse a fazer doer a calçada no momento de a pisar. A pé, Marco tinha um percurso longo e moroso, mas preferia-o ao autocarro carregado de suores e lamentos. Para desoprimir a respiração, precisava do frio gélido de Dezembro e da humidade a fazer adivinhar a chuva. Se o ar fosse seco e quente sufocaria, era certo que sufocaria, desmaiaria ou talvez adormecesse a vontade de ir. Se o ar fosse quente talvez se levasse para lado nenhum, perdendo-se num emaranhado de atalhos estranhos de onde seria incapaz de voltar. No início da viagem que lhe estava predestinada, depois de se despedir de Pedro, pensava na memória que dele teriam as casas, as ruas, as árvores. Estava certo de que nenhuma delas se esquecera dele. Sentia que algumas campainhas ainda se encolhiam à sua passagem, à espera que o dedo malandro se espetasse para um toque curto e provocante. Estava certo de que as ruas corriam sob os seus pés, para o salvar do perigo de ser apanhado por um proprietário mais ágil e muito zangado. As árvores, essas, sentia-as ainda inclinadas para lhe dar cobertura à fuga, divertidas com o ar perdido de todos os que o pressentiam sem o encontrar. Com o avançar dos passos, deixou de pensar. Movia-se dentro de uma nuvem de algodão, da qual se dissipavam alguns fios por ação da aragem ventosa. Via branco e desfocado, provavelmente como os pássaros no momento do primeiro voo. Não era exatamente nostalgia o que sentia. Seguia. Seguia, apenas, em ritmo de autómato, progredindo segundo uma rota programada a cada instante. A um pé seguia-se o outro, sem que nenhum de ambos tivesse necessidade de se consultar com a vontade. A vontade era a imagem fixa de uma casa amarela. Via-a ao fundo de uma estrada longa de terra enlameada, que o obrigava a seguir em curvas para evitar as poças barrentas. A casa tinha uma entrada em arco, composta por uma fileira de azulejos desenhados a tinta azul, com representações de trabalhos de outrora. Eram quadros de ceifas e lavouras, recolhas de água em fontes e pastoreios, a forma hipócrita de, no passado, os ricos mostrarem aos mais pobres a dignidade do trabalho. A porta era formada por quatro painéis de madeira e dois de vidro amarelo martelado, todos com o mesmo tamanho. No meio dos dois superiores, tinha pendurado um batente em forma de mão fechada, talvez a simbolizar o soco no descanso, o ato do incómodo, o perturbar de quem vive entre as paredes. Talvez a simbolizar um por favor não bata à porta. Parou de caminhar quando a imagem que trazia fixa no pensamento lhe apareceu nítida. De repente, Marco ali estava. Tinha chegado. Dirigiu-se ao portão baixo que quebrava o muro na parte da frente da casa e empurrou-o, sabendo-o há anos apenas encostado. Dirigiu-se à porta. Ao centro, engalanado com uma coroa de Natal, brilhava o batente recentemente polido. Agarrou a aldraba e impulsionou três vezes. Três sonoras pancadas. Do interior da casa chegou-lhe a fala de uma criança pequena, excitada pela chegada de alguém, e a do adulto que a acalmava. Reconheceu de imediato a voz do pai e do sobrinho, filho único da sua também única irmã, e identificou os ruídos típicos do Natal na casa amarela, porque os tinha gravado na lembrança. Quase percebia o que diziam as mulheres na cozinha. Poderia cantarolar a canção que espalhava o CD de Natal, mesmo estando este a tocar de mansinho para não perturbar as conversas dos homens na sala de jantar. Cavaqueiras que decorriam em torno do prato de rabanadas quentes, cada um erguendo o seu cálice de Porto branco, o tawny de sempre para acompanhar a gulodice obrigatória dos dias festivos. A porta abriu-se e a criança assomou ao exterior num ápice, sem que o avô a tivesse conseguido segurar. Ao avistar Marco soltou um grito de menino feliz e, numa desmesurada alegria, saltou-lhe para o colo, abraçou-o com toda a sua força e exclamou: tio Marco! Num instante de tempo que pareceu não ter existido, Marco cingiu o menino e apontou-lhe um beijo para a face, mas os lábios só lha tocaram de raspão. Sentiu-o ser-lhe arrebatado dos braços pelo avô, que vociferava o nome do genro e ordenava violentamente à criança que voltasse para dentro. Num instante de tempo resoluto, pai e filho ficaram frente a frente, com a porta de casa encerrada. Marco ficou imóvel, num transe de judeu sobre a fogueira prestes a arder. Conseguia ver o pai mover os lábios com fúria,

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conseguia ver o ódio na sua face dura, aperceber-se do seu braço, que o impelia em direção ao portão de ferro. Mas não o escutava. Deu dois passos para trás, em resposta a um repelão, e foi nesse momento que a audição descerrou e que ouviu a frase final do repúdio. Uma passagem do cinema mudo para o mundo ruidoso dos filmes da atualidade, que antes não tivesse acontecido. Tivesse quedado a surdez para sempre. Ficou-lhe gravada a única e última frase do pai, que reconheceu como sendo a mesma do ano anterior: vai-te embora, filho da puta, não voltes mais. A porta de casa bateu com firmeza e o pai de Marco desapareceu atrás dela. O sobrinho desatou a berrar por ele, tal como já acontecera antes. Este era o segundo Natal que ia passar ausente daquela que fora a sua casa, o ninho de onde foi expulso no dia em que decidiu que o Pedro não era um amigo de passagem, como tantos outros que tivera. Um caso. Foi expulso no dia em que decidiu falar aos pais sobre o Pedro. Nunca lhes tinha falado no Pedro. Os pais não sabiam de nenhuma relação anterior. Mas o Pedro era diferente, era de verdade, era porventura para sempre, e ele sentia que tinha de partilhar a descoberta do seu amor com aqueles que mais o amavam a si. Foi expulso tal como estava, com a roupa que tinha no corpo e sem tempo para pegar num agasalho. Foi proscrito com os trocos que tinha no bolso. Lembrava-se de ter sido empurrado para fora de casa entre gritos. Não se lembrava de mais nada. Não sabia que mais lhe tinha acontecido até ter sido encontrado pelo Pedro. Estava estendido numa soleira qualquer da cidade, sujo e desorientado. O número de dias que ali esteve nunca lhe foi possível determinar. Ficou parado no passeio da casa dos pais mais um pouco, ou um muito, não sabia bem. Apesar de não haver sombras a espiarem por detrás das cortinas das janelas e de o ferir de morte o choro do menino, queria continuar a ouvir os sons do tempo presente. Queria adivinhar o cenário encoberto pelas paredes, acreditar que alguém vertia alguma lágrima por si. Queria entrar um bocadinho, nem que fosse só assim, através do som, a única proximidade que lhe concediam. Ficou uns minutos, todos os necessários até ter a certeza de que perdoara. Depois, respirou fundo e foi embora. Pedro estava à sua espera. Tinha a casa aquecida e tudo preparado para um banho de imersão. À entrada, Marco não disse palavra, contaminado pelo silêncio do caminho. Deixou que Pedro lhe tomasse o casaco e que o conduzisse para o quarto, que lhe tirasse todas as roupas, que o levasse para a banheira, que o ajudasse a deitar-se na água, quente ao ponto de fazer arder a pele. Que dor tão insignificante! Ficou imóvel, imerso, enquanto Pedro, na cozinha, adiantava um chá de cidreira, calmante e doce. Na cabeça sentia uma bigorna sobre a qual um ferreiro batia armas para a guerra. Os membros estavam entesados. Os olhos, abertos, fixavam o teto, onde identificava monstros sonhados na infância. As riscas da cortina de banheira ondulavam e causavam-lhe enjoo. Os azulejos cor de salmão lampejavam pretos e brancos sucessivos. Foi Pedro quem adivinhou a água já fria e que ajudou Marco a secar-se, a vestir-se, a agasalhar-se, a encaminhar-se para a sala e a aninhar-se no sofá com as mãos a rodear a caneca de chá quente. A ausência de palavras entre ele e Marco era visível, mas o silêncio não se fazia sentir. Comunicavam na linguagem dos morcegos, à medida que o tempo se ia ausentando, alheio, insensível aos momentos, por os somar sempre em demasia. Ainda bem que os relógios são imperturbáveis. A deterem-se em todos os instantes de maldade estariam muitas vezes parados, porque não há minuto sem prantos. Marco manteve-se naquele estado absorto até à noitinha. Não jantou, foi apenas bebendo o chá doce que o Pedro lhe foi acrescentando na caneca. À hora de deitar deixou que o ele o levasse para a cama e deitou-se enroscado, apertando-se como se tivesse memória dos tempos em que foi feto em gestação. Pedro deitou-se a seu lado e ajustou o seu corpo ao dele, formando as paredes internas de um útero quente e protetor. Pedro sabia o que o esperava nessa noite. Um sono interrompido por choros convulsivos, estremeções e pesadelos. Momentos de pânico e desorientação, que desapareceriam ao nascer do sol, na hora do voo de retorno dos morcegos. Era já de manhã quando o corpo de Marco, esgotado, começou a ordenar ao cérebro que parasse, que reavivasse, porque, afinal, havia casos bem piores do que o dele. Era um pensamento vulgar, este, um lugar-comum, mas que lhe deu o conforto necessário para reagir quando Pedro desenlaçou o abraço e se levantou. Marco vestiu-se só, focado nas peças de roupa como um leitor no seu livro. Foi Pedro quem tratou do pequeno-almoço, que comeram trocando já algumas palavras. Foi ele quem, sentindo-o melhor, lhe começou a ordenar o dia, lembrando-lhe tarefas e rotinas. Manteve silêncio absoluto sobre a noite anterior. Adivinhava a história, ou melhor, lia a história através do olhar do Marco e não precisava de fazer perguntas. À saída de casa, a caminho de cumprir os últimos trabalhos devidos na véspera de Natal, deram um longo beijo

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apaixonado e Marco agradeceu a Pedro com palavras de ternura vulgares entre amantes. Não havia espaço para afetos mais físicos. Esses ficavam para depois da Ceia de Natal, quando voltassem a casa confortados pela fartura das comidas e das amizades. Largaram as mãos com suavidade e, olhando-se nos olhos, disseram um tranquilo até logo, prenúncio de que já estava tudo bem. A Ceia de Natal foi na Casa do Tito, pela segunda vez para ambos, naquela casa que era e não era deles. Juntaram-se uns quantos, quase iguais em histórias diferentes, que comungavam da mesma proscrição familiar e que, por isso, entre si, sob a bênção do Tito, fizeram a sua própria família. Marco e Pedro chegaram carregados de doçarias e presentes. A árvore de Natal alegrou-se e o ar absorveu de imediato o cheiro da canela, entretendo-se a distribuí-lo por todas as divisões. Tito, apesar de triste pelo facto de os seus amigos não poderem passar o Natal com a família que era verdadeiramente a sua, radiava na cozinha, onde a panela estava ao lume, com o bacalhau e as batatas no fundo e as couves e os grelos no topo, a salpicar água quente para todo o lado. A mesa foi posta por todos, com Tito na liderança, obrigando a um cuidado estético particular. O vinho, esse foi do melhor. A Ceia foi alegre e barulhenta. As conversas foram animadas e todos fizeram por esquecer as imagens de outros Natais, passados junto a lareiras crepitantes, mantidas por pais e mães zelosos, com jogos de dados e canções à viola. Marco, Pedro e todos os outros, naquele dia não puderam largar as suas tristuras sobre a mesa. Estavam em casa. Era Tito quem tinha a casa quentinha e feliz para eles, um poiso, vários ombros, um grande alguidar para aparar as lágrimas em todos os dias que não o da natividade. A Casa de Tito era a casa de todos os fins de tarde, de todos os fins-de-semana, e daquela ceia particular, a Ceia de Natal. Na manhã seguinte, Marco e Pedro foram ver as decorações à baixa, os desfiles de Pais Natais, as montras engalanadas. Voltaram para casa gelados, mas satisfeitos, porque a arte simples do Natal é saber transformar em júbilo a tristeza. A semana seguinte decorreu normal. Trabalhavam e iam beber um copo ao fim do dia, à Casa do Tito, onde iam acertando o jantar de fim d’ano e a festa que se lhe havia de seguir. Marco, com o acordo tácito de Pedro, voltou à casa dos seus pais. A cena repetiu-se quase igual. Havia dentro de Marco uma força enigmática que o puxava para lá, talvez uma esperança, ou somente o desejo. Talvez um desejo para 2013. Foi na véspera de ano novo, ao fim do dia. Sabia que em casa estavam só a mãe e o pai. Enquanto o pai lhe repetiu frases repletas de vergonha, Marco olhou apenas a mãe, que chorava por entre o vão das cortinas e que levantou a mão discretamente para lhe dizer adeus. Desapareceu depois para dentro do espaço que ele tão bem conhecia e pode adivinhar-lhe os passos incertos, o vagar indeciso entre o sofá e a porta da sala. O aninhar sob um peso opressivo e que jamais deixa erguer por ser excessivo. Marco voltou a perdoar. Desta vez o pai já não lhe fechou a porta. Marco aproveitou a sua fugaz conformidade para o olhar com tristeza e voltou-lhe as costas, para retornar a Pedro. O pai disse-lhe que ele fizera a sua escolha, mas Marco não fez escolha nenhuma, foi apenas obrigado pelas circunstâncias a mudar de vida. Amou e amava Pedro, mas não foi isso que o levou a sair de casa, não foi uma fuga louca, adolescente, foi o dedo em riste do pai, apontando a direção da porta. Não escolheu, foi empurrado para boca de cena sem treino de representação. Teve o mesmo destino que o lixo arrastado para fora de casa pela vassoura da mãe. Marco decidiu entrar em 2013 animando todos com uma apresentação dramática da sua criação. Quiseram que ele atuasse. Pediram-lhe um espetáculo transformista e disseram-lho em todas as Happy hour passadas em Casa do Tito. Preparou-se. Vestiu um vestido simples, preto, abotoado à frente e de saia em viés. Calçou uns sapatos rasos e deixou as pernas desnudas. Maquilhou-se levemente. Pedro colocou-lhe a peruca de corte médio e descuidado. Cabelos negros, pelos ombros, enrolados para dentro. Franja e risca ao meio. Sem que ninguém visse, colocou-se sob uma mesa retangular coberta com um pano de flanela negra. Gostou daquele espaço exíguo, cerrado e escuro. Encolheu-se sobre si e sentiu-se no ventre da sua mãe. Ouviu as vozes dos que entravam na sala e sentiu Pedro perto de si, colocando a música. Troaram os primeiros acordes de Piaff. Levantou o pano e saiu olhando a sala vazia. Voltou a perdoar. Não, não se arrependia de nada e por isso saiu do buraco escuro para gritar o direito à vida sob a forma de canção. Um dia o seu pai estaria lá. 2013 estava ainda a começar e ele cantava com muita força. Num canto da sala, Tito lutou contra uma onda de calor que, começada nos pés, subiu veloz por cada célula e exigiu sair pelos olhos e pela boca em explosão. Tito fez como sempre, diluiu-se numa única lágrima que ninguém viu. Aliviado, ficou depois a pensar que daí a nada estariam nos Reis e que tinha uma Casa que não era só sua. Endireitou-se e sorriu.

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CRIAÇÃO LITERÁRIA

A

Luísa Demétrio Raposo

SUMULA lvíssaras as garras descalças entre sombras alastram. As mãos contrabandeiam as rendas e apalpam arestas

suco lentas entre sussurros desamparados, que calcorreiam e apalpam o céu e o fundo boreal, apalpando os desencontros aceleirados. Entre pausas, silêncios. Nos imos arde a tinta brava, nos arroios a riscada dá água a beber aos dedos tentáculos, domadores, albergando-se nos inúmeros teoremas mentais que alcançam a orgia clarinada entre os acabramemos e a resistência térrea do desejo. Resvalam os nervos curvilíneos, incorporados nos socalcos. A boca acorda a outra boca e apalpam as paredes transgressoras, os segredos apressados gemem e também apalpam a fissão da ansiedade, desabrochando o sexo, alastrando-lhe fogo indefinidamente no enroscar das línguas presas pelo cio, puxadas pelo equador que rasga e gira ciclicamente entre as duas grutas. Fez-se separação. Os limbos olham-se labirínticos e saem expelidos pelas bocas em grande terramoto. As línguas estremecem, hasteadas dentro dos orifícios, compridas e desatentas nas desabaladas colinas sugam-se cegamente, apalpam, desramam intenções e a largura do sangue que nos imensos canais cénicos os conflitos configuram a eclosão em todos os rios, perigosamente. Denso o fogo caiu indefinidamente violento do absoluto perdido das bocas. Os corpos em relâmpagos entalam-se um ao outro fragmentando suas últimas vestes nas encruzilhadas que testemunham o despertar dos sentidos que se comprometem e desordenam dentre os arreios crescentes. A luxuria entra em erupção nos ramais em germinação. A vagina pequena e ardente. O pénis másculo e profundo. Os compassos de ambos sentem-se através do escarlate torvelino. Desejam-se e uivam na certeza de que serão um só no balancim impacientemente parado queimando-lhes todo o inundar que possuem entre mãos, entre a pele, entre o sal aberto que fecunda o limiar abismos impregnando de perfume o despedaçar das duas trevas contínuas. O rio cresce e abre-se de dentro de um inchado cílio. O pénis. O sangue que entra e saí entra e saí bem devagar esquadrinhando-se dentro do coaxo deambulante do exilio, no fluxo atómico, nas ínsulas escarlates que calcorreiam a vagina rebelde entre a dança que alimenta todos os simulacros do cio. A vulva, ciclone, a génese, a fenda que engole, entorna e encharca, o fogo penetrável dum recôndito linho coberto de desavinhas molhadas, assanhadas juntas, obsessões intercaladas onde é rebuliço mergulhar as desfloradas primitivas e marulhar uma e outra vez uma e outra vez uma e outra vez, sempre, lenta mente nos ritmos instintivos, reconquistando o selvagem na imersão, na fusão extensa de todos o regressos.

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Aaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh… As babas, macias beliscam as saídas, a claridade, o vórtice ameaçando todos os lugares circunlóquios, os quadris dentre os nós metropolitanos dos dedos, na diagonal, na horizontal dessalando as brumas rudes da carne além-mar, tecendo, pontuado a embriaguez depois de longos e longos cativeiros eriçados. Sobre defronte, as salivas, o buraco, as pálpebras térmicas nas valetas fluxão transbordando e o mar nos pentelhos negros, arrasta-se. A lentidão nele ousa-se adentro nas colinas amargas do sexo unidos pela boca acocorada e quente, pelo êxtase que volteja e o descalça nos desertos à sua volta, deitando-se quente e largo até às bases. Os sítios continuam estreitos e a consumar a enovelada desordeira, entre as aurículas e os afectos assanhadas vergam-se definições e alastram os tentáculos nítidos nos extensivos lóbulos, no cambalear das duas flamâncias as fronteiras são reinventadas. Trancados no navegar, o prisma espelha-se mais que nunca incendiário, duro e agudo no mosto cerca e ombreia, ressuscitando-os do fundo das águas, nas paredes e nos sítios inventam inteiramente exibições num infinito absinto. O pénis uiva ingovernável. A Vagina na alvura taça, translucida no coito, nómada nas faúlhas que por ela lambem-se e rosnam. Linfáticas as membranas, sílabas iniciais, abalam de dentro das bocas nas palavras empapadas em matérias, reféns de odores e queimaduras súbitas, hipotecando os incensos nos fluxos, nas humidades destelhadas dentre as folhas excêntricas, interiores, de onde o corpo regressa sacudido. São inaudíveis os pássaros delinquentes que voam de entre os ferozes testículos para a luminescência do útero desassossegado. As esquinas mergulham pela última vez, marginais ao expandir da turbulência vivenciada, exibem-se mutualmente de entre possuidores sentires translativos na abertura abismática liberta depois de fundir-se nas pulsões, no abismo do devir. Os sítios do fogo, acima descritos, os galopes, que movem todas as composições secretas, acabam no subsolo a transmutar-me, no precipício impalpável dos penhascos mentais que o lêem... Luísa Demétrio Raposo 10 De Agosto 2013

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CRIAÇÃO LITERÁRIA

D

MANUELA G ON Z A G A

DIONÍSIO

a varanda, incendiada pelas sardinheiras, via-se o largo mar de safira, um espelho atlântico encastoado na

baía de Cascais, iridescente sob o sol a pique, agitado pelas velas de inúmeros veleiros, a desmanchar-se em ondas pela areia das praias. Com uma túnica branca de algodão até aos pés manchados de pétalas de violetas, Joaquim pensou que só lhes faltava uma coroa de louros, a ele e ao amante, para personificarem, naquele momento, e àquela luz, dois gregos do tempo da palavra, discursando como se o verbo fosse, também ele, um néctar que embriaga e enlouquece ao sol impiedoso do meio-dia. Abel servia o vinho em copos de pé alto e vidro grosso, de uma transparência irregular e manchada, erguendo-os a contra luz para que o vermelho rubi se revelasse em todo o seu esplendor. – Sangue da Terra ilumina-nos – disse. – Contigo, os homens ganharam o direito à embriaguez, e sobem às moradas divinas. Graças a ti, aprenderam a escarnecer da infâmia da morte. Sabes, amor, a embriaguez é uma desmesura e a desmesura é a medida dos deuses. Joaquim estremeceu. Não gostava quando Abel o tratava por amor no prefácio de uma conversa, porque, invariavelmente e com esse sinal, o diálogo reduzia-se à frincha acutilante do monólogo. Esse «amor», no princípio de um discurso, era um pobre bálsamo para suavizar as setas desferidas pelas palavras seguintes, uma espécie de fogo-de-artifício de erudição, que o reduzia ao silêncio, e o fazia sentir-se, invariavelmente, um pobre bárbaro ignorante, deslumbrado e furioso. – O vinho é a história da primeira paixão de um deus, Dionísio, e do seu primeiro desgosto de amor diante do corpo dilacerado do amante, sob os cascos do touro. Desse corpo belíssimo sem vida, o deus recebeu o consolo da videira. Mais tarde, quando ela se cobriu de frutos, espremeu os cachos, e ao lamber o sumo vermelho que escorria entre os seus dedos recordou o esplendor do corpo de Ampelo, o seu amante morto. E riu. E depois andou pela Ática a revelar aos homens este segredo – disse Abel pousando o copo, e reclinando-se nas almofadas. Joaquim estremeceu ao ouvir a descrição dos gestos do deus que espremia as uvas e ria lambendo os dedos tintos do sumo da videira. Sob a mesa, as suas mãos enclavinharam-se enquanto o olhar não conseguia afastar-se dos movimentos daquela boca de traços finos, que modulava as palavras de forma hipnótica. A erudição do amante acordava nele uma memória antiquíssima, que transportava pelo fio dos tempos, milagrosamente inteiro, um animal sombrio, que uivava à lua, gania ao fogo e queria matar, para destruir aquele sentimento terrível de uma irrevogável solidão. – À nossa! – Abel sorria, estendendo-lhe o copo que brilhava. – Aos deuses – respondeu Joaquim, rangendo os dentes. Até conhecer Abel, Joaquim amara mulheres, mas do amor só tinha conhecido a obsessão da caça e a súbita embriaguez da posse, que logo se esquece no desejo de um novo objecto de paixão. Amara três mulheres inacessíveis: a mãe de um colega do colégio militar, uma professora da Faculdade e uma mulher que só amava mulheres. Todas as outras que perseguiu, caçou e esqueceu, não lhe mereciam sequer uma referência, porque na memória trocava-lhes nomes e rostos, e no coração não lhes encontrava o rasto. À mãe do amigo tinha dado a ilusão de ser ele o seduzido, num longo processo que durou quatro anos até se consumar numa tarde de fogo. Esqueceu-a no momento em que a teve deitada a seu lado. A professora da Faculdade coube-lhe numa noite de snooker, por aposta. Era mais velha do que ele 14 anos, e durante algum tempo Joaquim chegou a julgar

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que a amava. Era uma mulher sofisticada, com voz de comando e um gesto brusco de deitar a cabeça para trás quando falava, que nunca chegou a entender que o perdera no momento em que depôs as armas da sua natureza orgulhosa para deixar emergir as emoções de uma rapariguinha que tinha crises de ciúmes e a necessidade de o ouvir dizer «amo-te». Numa escala de valores muito relativa, a mulher que mais o tinha enfeitiçado só gostava de mulheres. Durante meses cruzaram-se nos corredores da Faculdade de Arquitectura, sem que ela lhe concedesse mais atenção do que a que a prestaria a um mosquito: sacudia-o, quando ele se tornava demasiado insistente, ou ignorava-o no resto do tempo. Para a conquistar, ele conquistou todas as colegas por quem ela parecia interessar-se, transformando-se numa espécie de sombra da sombra daquela mulher vestida de negro, magra com um rapazinho, de olhos orientais e dentes carnívoros que às vezes pareciam pingar sangue da boca pintada de vermelho escuro. Um dia Miranda percebeu que o poder do seu encanto parecia duplicar quando deixava que aquele rapaz insolente, de feições árabes, a acompanhasse. Juntos transformavam-se num imã para o qual convergiam todos os olhares. E isso agradava-lhe e convinha-lhe. A meio do ano apaixonou-se por uma caloira de ar inocente que corava quando lhe dirigiam a palavra, e parecia tão deslocada naquele território aparentemente civilizado mas tão selvagem como uma floresta dos trópicos. Joaquim ajudou-a a montar o cerco. Parecia conformado ao papel de cão de caça, mas por baixo daquela docilidade também ele montava o seu cerco. – Meu Deus – exasperava-se Miranda – como é que se pode ser tão burra! A parva julga que eu quero ser amiga dela. Por fim, um outro aluno, aparentemente ainda mais pateta ainda do que a caloira, levou-lhes a palma, colmatando três meses de equívocos. Miranda quase chorou quando os viu passar de mão dada. Nessa noite, Joaquim levou-a a jantar e tratou-a com a mesma afabilidade rude que existe entre companheiros de tropa. Parecia completamente esquecido do desejo que o levara a aproximar-se dela, e, mais tarde, num bar onde foram continuar a conversa incoerente que começara no restaurante, e onde coerentemente Miranda continuou a embriagar-se, Joaquim largou-a por momentos para namorar descaradamente uma amiga que não via há meses. Dois dias mais tarde ela convidou-o para jantar em sua casa, e levou-o para a cama. Não era virgem, e riu-se-lhe na cara, adivinhando-lhe os pensamentos. Uma virgem é uma menina de seis anos que corre mais do que o irmão – disse tatuando-o com as unhas cor de sangue, abrindo sulcos violáceos na sua pele branca e lambendo os arabescos que pouco a pouco perdiam a cor. – Para variar, é bom estar contigo. Um dia podíamos casar, fazíamos um casal perfeito. Ajudavas-me a arranjar as mulheres que eu quero, eu dividia-as contigo e vivíamos felizes para sempre. Joaquim nunca tinha amado assim. Miranda era tão feroz na cama como um animal, e ele tinha sempre a sensação de que um dia ela podia devorá-lo, como uma aranha saciada após o coito. A sua própria lembrava-lhe uma teia, com cortinas esvoaçantes, paus de incenso a arder por todo o lado, mesas baixas com bandejas de prata cobertas de flores secas, candeeiros que espalhavam uma luz que criava mais sombras do que claridade, e aonde os seus corpos se recortavam como espectros. Mas pela primeira vez na vida, tinha acesso a um corpo de mulher que lhe negava o coração, e essa incerteza acordava nele o sentimento mais próximo de amor que alguma vez tinha experimentado. – Somos lobos da mesma ninhada. Animais selvagens de estimação – dizia ela, enroscando-se nos seus braços. Depois falava-lhe de novos amores, e paixões súbitas, e descrevia-lhe meninas loiras e morenas, rebeldes ou submissas, que se ofereciam ou negavam, em nome das quais era preciso reescrever, de novo e urgentemente, todo um manual de ciência amorosa. Então conheceu Abel. Foi nos jardins da embaixada do México: Tempos depois, ao recordar aquele fim de tarde, ambos chegaram à conclusão de que tinha sido um encontro quase improvável. Joaquim não estava para ir à festa. Miranda convocou-o à última hora. A amiga que lhe oferecera o convite não podia acompanhá-la. Aceitou, contra-

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riado. Abel, por sua vez, delegara o convite num dos seus assessores, que, também à última hora se escusara com argumentos de natureza pessoal. Sentindo-se na obrigação de representar a empresa, cujo departamento de relações públicas dirigia, partiu para a festa com uma disposição homicida. Joaquim tinha o braço de roda dos ombros de Miranda, e o olhar distraído a deslizar pelos colos decotados das outras mulheres. Abel encontrou-o no instante em que Joaquim desviava os olhos de uma que lhe sorria enquanto trocava, de uma bandeja, um copo vazio por outro cheio. Mediram forças, enfrentando-se como dois gladiadores numa arena de morte, com uma intensidade tal que Miranda estremeceu. Virou a cara e apanhou o olhar que ambos trocavam. E odiou Abel desde o primeiro momento. Foi um instante em que o tempo pareceu deter-se para que todos apreendessem a essência do papel que lhes cabia cumprir a partir de então. Miranda suspendeu o gesto de acender o cigarro, a expressão congelada de ódio. Abel apanhava no rosto os últimos raios de sol que iluminavam a sua entrada de actor principal em cena. Joaquim estava levemente inclinado para a frente, as costas em arco como um gato que se prepara para saltar sobre a presa. A orquestra parou a música nas mesmas notas que repetia como um disco partido, e todas as pessoas pareceram obedecer a um invisível maestro que as remetia para as sombras da boca de cena na qual não tardariam a desaparecer. Coube a Abel a deixa de um diálogo que apanhou Miranda de surpresa: – É dificílimo encontrar, nestas circunstâncias, uma mulher tão bela e tão bem vestida. Todas as outras parecem embrulhos de Natal, cheias de folhos, laços e fitas. E os cabelos, Santo Deus, que massacre! – comentou dirigindo-se-lhes como se fosse o anfitrião. Em poucos minutos sabia deles o suficiente para farejar o rasto fresco dos seus percursos diários, tendo o cuidado de tomar Miranda como o alvo do seu interesse. De si, falou pouco. Parecia muito culto, e estava tão à vontade a falar de arquitectura que ambos acabaram por lhe perguntar se era arquitecto. Abel riu. Tinha um curso de Ciências Políticas, mas frequentara, em Londres onde tinha vivido durante anos, seminários de História de Arte. Amava a poesia, mas tinha vendido a alma ao Diabo: – Sou director de relações públicas e marketing numa empresa de publicidade. Os meus melhores poemas são slogans. Joaquim envolveu-se sem dar por isso. Era uma variante perturbadora no ritmo da sua vida de conquistador inconquistável, porque Abel repetia com ele o velho jogo a que ele se dedicara, mas agindo sempre como se objecto do seu interesse fosse Miranda, de tal forma que, sobrepondo-se à lucidez do ódio que lhe votou desde o primeiro momento, até ela vacilou cheia de dúvidas. Parecia uma dança, aquele ritual de sedução, no qual cada passo dependia da perfeição do movimento anterior. E um dia, Joaquim deu por si a pensar que Abel o tinha conquistado como quem demonstra uma equação matemática, cujo hermetismo se vai desvendando no rigor e na beleza da sua evidência. Abel teve-o quando quis e como quis. Tal como Miranda, seduziu-o no fim de um jantar em sua casa, um espaço luminoso que lhe fazia lembrar um palácio romano saqueado, com as salas quase vazias e as paredes de ocre desbotado, ou azul mediterrânico. Vivia no Estoril, numa casa da família que esvaziara de móveis e recordações, remetendo-os para um sótão de onde os tirava à vez. Gostava de pintura contemporânea, mas quase nunca tinha à vista mais do que um quadro. Eram telas grandes, cheias de pinceladas furiosas. No chão da sala e dos quartos tinha tapetes persas esburacados, e jarras murano com grandes ramos de lírios. Às vezes espalhava pétalas de flores pelo chão da casa, que ficavam a agonizar em fragrâncias de câmara ardente. O Verão estava a começar. Pelas janelas abertas entrava um ar quente e quase enjoativo, perfumado de madressilvas. No corpo de Abel, Joaquim encontrou, pela primeira vez, a chave da paixão, e mergulhou num estado febril onde se descobria vulnerável ao ciúme e à insegurança, dependente do amante como um animal aprisionado numa rede de que já não se queria libertar. Foi como se um jacto de luz iluminasse as cenas da sua vida passada, onde no seu papel

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de predador, amara como quem mata por desporto e vício, sem sonhar que nesse desempenho tinha estado privado de tanto esplendor, tanto desespero e tanta alegria. Quando Joaquim lhe contou, Miranda esbofeteou-o, cega de fúria. E usou todas as armas, da injúria à sedução, passando pela intriga. Mas ele tornara-se-lhe inacessível. Curvando a cabeça, vergado pela torrente de palavras incendiadas pelo ódio, olhou-a por fim com os olhos rasos de lágrimas e quando, exausta, Miranda se calou, disse: – Desculpa – numa voz trémula quase infantil, após o que deixou a casa dela como quem parte para o exílio. Abel não lhe prometia nada e não lhe exigia nada. Era capaz de lhe telefonar semanas a fio, três vezes por dia, entontecendo-o com a sua paixão e os seus discursos, e depois, sem qualquer motivo aparente desaparecia. E Joaquim, com os seus telefonemas insistentes e desesperados, não conseguia furar a barreira eficaz da secretária que lhe garantia, numa voz de gravador, que o seu recado seria transmitido, logo que a reunião acabasse, só que era uma reunião que demorava, ininterruptamente, dias e dias a fio, porque quando não era a secretária com voz de gravador a surgir-lhe do outro lado da linha, aparecia-lhe a voz de um gravador de verdade em todos os telefones para onde lhe ligava, a pedir-lhe laconicamente, que deixasse o nome e o contacto. E a casa do Estoril, com a sua campainha musical e as janelas cegas, parecia assombrada como se apenas a visitassem fantasmas. Então Joaquim voltava atrás e refazia os velhos trilhos na esperança de encontrar a memória descuidada dos tempos antigos, e aparecia em casa de Miranda com o ar desamparado de um pobre que pede agasalho. A princípio, ela ainda o recebia com raiva. Abria-lhe a porta e despejava sobre ele uma torrente de injúrias. Mas Joaquim estava dema-

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siadamente perturbado com a novidade da paixão para reagir, e ela acabava por lhe abrir os braços como uma mãe desajeitada. Já não faziam amor. No corpo de Abel, ele descobrira uma intensidade de emoções que até então lhe tinham estado vedadas. Tudo o resto agora lhe parecia sem sentido. À noite, quando olhava o corpo do amante deitado ao seu lado, dava por si a imaginar, cheio de ódio, as histórias que Abel já teria vivido, e revolvia-se na cama incapaz de dormir. Agora era ele que precisava, desesperadamente, de ouvir as velhas frases gastas que as mulheres lhe tinham pedido tantas vezes. De modo que se deitava ao lado de Miranda como uma criança atormentada por um sonho mau, e ela abraçava-o e acabava por lhe repetir ao ouvido, até ele adormecer, que o amante o amava com tanto ou maior desespero, e que sim, ia voltar sem dúvida, desarmado e submisso para sempre. Era uma mentira piedosa, ambos sabiam. Mas Joaquim agarrava-se a ela como um náufrago e afundava-se no sono com os ecos desta ilusão. Depois Abel telefonava e ele corria ao seu encontro. Uma vez lutaram. Foi um combate tremendo que tomou por palco os jardins onde Abel o esperava, e continuou dentro de casa. Depois amaram-se. E Joaquim percebeu que a morte, agora, era a companhia mais próxima do seu desespero, porque a violência se tornou o complemento directo da forma como exprimia o seu amor. Abel gostava e instigava aquele prelúdio de arena, onde os gestos da paixão tomavam de empréstimo os passos do ódio, e avançavam em direcção ao covil da besta, onde se acocorava aquele animal paleolítico que esgrimia contra os deuses da natureza em gravuras na pedra, prefaciando na dança obscura da sua vida a chegada triunfante dos heróis, numa era que havia de tomar emprestado o nome de um metal ainda por descobrir. – Gosto de ti selvagem – dizia, depois, ofegante, parecendo não sentir dores no corpo massacrado. E Joaquim sentia o coração apertar-se de desgosto. E agora, ao ouvi-lo falar do deus que espremia cachos de uvas e ria, lambendo o licor da embriaguez em que se tornara o corpo do amante, teve um sobressalto, como se finalmente tudo fizesse sentido, e enclavinhou as mãos sob a mesa num gesto que também já lhe era familiar, como se conhecesse desde sempre o desfecho daquela história. – Em que pensas, amor? – perguntou Abel sorrindo. A luz impiedosa do dia acentuava-lhe os traços duros do rosto, e tornava-lhe o olhar mais profundo. Parecia, também ele, um deus, pensou Joaquim estremecendo, mas um deus autista, um Apolo a cruzar os cenários da terra, sem ver mais do que a imaterialidade do seu esplendor. – Não me chames amor - respondeu com voz tensa. Depois espreguiçou-se. Era tudo tão evidente. Até a varanda, com a sua inocência de cenário de ópera, na moldura do dia perfeito. Havia o pescoço branco de Abel, de onde jorravam correntes irreprimíveis de palavras. Havia o animal que corria, impiedoso e assassino, ao longo do fio incerto do fundo dos tempos, tomando emprestada a voz que parecia humana, e que ainda parecia soltar gargalhadas, em vez de bramidos. Depois era uma história de sangue e uvas, com a bênção divina da embriaguez. A garrafa estava vazia. Era a terceira que bebiam. Foi a última que beberam juntos.

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SÍLV IA ALV ES

oetisando PEDRO PINTO

SAMUEL PIMENTA

PORTUGAL Na tua pele, Por vales e montanhas, Cada milímetro sôfrego, Espaço que conheço, Vejo-te de forma diferente.

deste-me a certeza do mundo num toque a presença da vida num beijo teu

Na minha pele, Nossa pele, Somos unos separados, Trilhamos os vários sulcos, Ziguezagueamos, Conhecemos e.

quero olhar-te longe do tempo da manhã que nos invade o quarto e nos beija os corpos nus

Esta pele é tão nossa, Conhecimento vasto, Pleno de recantos, Simulacro de corpo humano, Assim é este país, descoberta de cada pedaço, objeto de desejo, mais e mais.

abraça-me ter-te-ei na pele até findar o dia e cair sobre nós a frescura da noite que nos adormece

QUARTO

Pergunto-te; Perguntas-me; Dizemos apenas: Vamos? Olhamo-nos e partimos, Deixamo-nos ir, Um no outro, Conhecemo-nos: Conhecemo-lo – Este é o nosso desafio, Um nós num todo, Na imensidão desta terra, Banhada pelo mar, Na perdição de mim e ti, Um nós global.

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política nacional

A

AS ELEIÇÕES QUE PODEM DESBLOQUEAR PORTUGAL

s próximas eleições autárquicas ocorrem num momento particularmente crítico para Portugal. Numa altura em que este Governo já cumpriu mais de metade do seu mandato aplicando um programa que antes de ser económico é ideológico, parece meridianamente claro que o executivo falhou todos os seus objectivos. A crise política suicidária que a coligação abriu com a demissão do irrevogável Portas é o resultado desse falhanço, que continua a ser alimentado por um Presidente da República absolutamente comprometido com o programa da direita, legitimando o «consenso» virtual sobre a austeridade que serve as principais forças fácticas do país. Até hoje não houve um – 1 – indicador que tivesse ficado dentro das estimativas do Governo, incluindo défice, dívida, desemprego, receitas, despesas e recessão. Pior: agravaram-se todos. Hoje temos um país mais pobre, mais desigual, menos competitivo e com menos instrumentos para combater a crise em nome de uma economia decente. Incapaz de olhar a realidade e reconhecer os erros, a solução do Governo é invariavelmente triplicar a dose de austeridade que tem aplicado. Em 2013 já tivemos o maior aumento de impostos da história portuguesa e para 2014 perspectiva-se novo assalto aos bolsos dos portugueses, em linha com a espiral recessiva desde 2011. Empobrecemos em nome de uma perspectiva ideológica de desenvolvimento do país – o «ajustamento» –, num contexto em que se alimenta a ideia da inevitabilidade do beco em que estamos, da ausência de alternativas, de chavões intuitivos como a estúpida comparação entre o Orçamento de Estado e os orçamentos das famílias. Ora, perante o que vivemos, a recusa deste caminho é a alternativa imediata para virar o tabuleiro deste jogo. E só as eleições autárquicas podem desbloquear este impasse, acelerando a mudança que se impõe. No próximo dia 29 de Setembro, os portugueses podem escolher entre o reforço dos candidatos do Governo de PSD e CDS (coligados ou não, falsos independentes ou não, com ou sem símbolo) ou a afirmação de alternativas locais que demonstrem, a partir das freguesias e dos concelhos, que é possível voltar a tomar o país em mãos e encetar políticas de desenvolvimento que se distanciem dos programas da direita. Não por acaso, o Governo antecipou as autárquicas, escondendo as medidas recessivas do Orçamento de Estado para 2014 quando os portugueses forem às urnas. Cabe ao leitor decidir em consciência se Passos e Portas merecem o seu voto de confiança.

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T i A G O BARBOSA RIBEIRO


J o à o Pa u l o M e i r e l e s

N

A cada obstáculo superado um passo mais perto

ão há qualquer dúvida que estamos hoje mais perto do que estávamos ontem. Quer os mais desatentos quer os seguidores mais fiéis têm a perfeita consciência que estamos a chegar lá. Haverá dúvidas e divergências de opinião sobre qual serão esses destino e esse objectivo mas não interessa..interessa, sim, que estamos mais perto. Ser Português é uma arte e é uma arte de tal modo digna que não deixa espaço para que nos detenhamos no resultado final….pior: não se compadece com que o façamos ! Portugal é o processo e o caminho, a distância percorrida entre o que foi e o que será, sem que esses momentos assumam particular relevância. Não proponho que deixemos a invocação do passado renascentista ou o saudosismo ultramarino (para não referir outros menos recomendáveis). Muito menos abdico de ter uma visão sobre o País que também é meu dentro de 20 anos – até porque com a profissão veio um ímpeto incontrolável de ter sempre opinião sobre tudo - , mas os tempos obrigam-me a pensar (ainda que temporariamente) de uma forma diferente, em que saber (acreditar) que o dia de amanhã será melhor do que o de hoje tem de ser suficiente. Melhor como ?! Melhor em quê ?! E lá estaremos nós a prender-nos com os pormenores….melhor… apenas melhor ! Será preciso elencar indicadores económicos ou apresentar cálculos e tabelas para que eu consiga saber ?! Querem-me agora convencer que toda e qualquer pessoa não sabe dizer se o dia de hoje foi melhor do que o de ontem ? Depois de gatinhar, andar e falar essa deve ser a 4ª capacidade mais inata com que nascemos ! Já escrevi aqui que acredito neste caminho – dizem/parece/consta que finalmente poderá começar a dar frutos, o que outros imediatamente refutam, aniquilando toda e qualquer possibilidade de esperança porque essa, sim, é mais perigosa do que qualquer arma (pelo menos aqui em

Portugal é comummente classificada como arma de destruição maciça) . Como integro essa resistência clandestina e me assumo um optimista temperado, estou suficientemente confiante. Mas insisto : o que interessa é o que se mantém constante desde o que fomos até àquilo que seremos. Procurar a resposta fora desse raciocínio é inútil. E então o que é Portugal ? Portugal, entre muitas outras coisas, que nunca saberei – é triste mas é mesmo assim porque Portugal é uma coisa mesmo, mesmo, muito grande para se ter a pretensão de O conhecer bem – é deixarmos saudades (uma palavra Portuguesa) quer quando colonizamos e levamos conhecimento e tecnologia, quer quando reforçamos as comunidades de emigrantes num qualquer lugar, por mais recôndito que seja, nos períodos em que estamos nós a necessitar de assistência. Portugal é não virarmos as costas aos nossos amigos e continuarmos a cooperar e puxar pelo seu desenvolvimento, mesmo quando estamos nós a necessitar de assistência. Portugal tem sido capaz de compreender que o Brasil não nos compre dívida, que Espanha tenha interesses legítimos na gestão que faz das suas barragens e que (alguns) Alemães pensem que somos preguiçosos. Somos aquele País de brandos costumes onde as ditaduras formalmente não o chegam a ser, onde as leis devam ser cumpridas mas, entendendo-se essa máxima com moderação, onde é possível escrever um artigo para uma revista e, teimosamente, recusar-me a adoptar a grafia do novo acordo ortográfico. Se quisermos, Portugal não é hoje fruto do seu passado, nem antecâmara do seu futuro…Portugal É, porque foi e porque sempre há-de ser…tal como o Sonho Filosofal “é uma constante da Vida”

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política internacional

H U G O TRINDADE

Será uma utopia ou realidade?

Estados unidos Da europa

O termo Estados Unidos da Europa foi usado, pela primeira vez, por Victor Hugo, em Paris, no ano de 1859 aquando do Congresso Internacional da Paz e, mais tarde, na Assembleia Nacional Francesa, no dia 1 de Março de 1871. Estamos em 2013. Fazendo as contas, percebe-se rapidamente que a ideia não é nova e apesar de ter sido, continuadamente discutida ao longo da história, nunca se conseguiu chegar a uma conclusão. O cerne da discussão parece estar essencialmente no que seremos quando falamos em Estados Unidos da Europa. Poderemos ser uma federação de Estados, uma confederação ou uma unificação sustentada num ou noutro sistema político. Independentemente disso é a soberania que está em causa. Onde residirá, nessa organização, a soberania? Curioso. Se optarmos por uma federação de Estados, a soberania deixaria de residir nos estados membros e passaria a residir na Federação. Se analisarmos rapidamente o tratado da União Europeia, mesmo na versão actualizada do Tratado de Lisboa, não existe uma linha de orientação no sentido de constituir uma verdadeira federação Europeia. Contudo o presidente da Comissão Europeia defendeu, em 2012, no discurso anual do estado da união, perante o Parlamento Europeu que a EU deve aprofundar a sua união política, de modo a evoluir para uma federação de Estados-Nação, como tinha sido também defendido por Jacques Delors e Francisco Lucas Pires nos anos 90, mas até agora, pouco ou nada se tem feito. Por outro lado, se optarmos por uma confederação, usualmen-

te criada por meio de tratados, a soberania continuaria a residir inteiramente nos estados membros, deixando de fazer sentido a designação Estados Unidos da Europa, visto que não seria implementado nenhum novo poder político. Essencialmente, o futuro da União Europeia, parece não ter um rumo verdadeiramente definido, a par de Portugal. Assim torna-se impossível lutar por algo que não existe. Se o futuro da UE estiver directamente ligado com preocupações como a defesa, as relações externas, o comércio internacional e a união monetária a solução poderá passar por uma confederação. Caso o objectivo seja, realmente criar, de forma igualitária, fraterna e solidária uma nova Europa, a solução poderá passar para uma federação, onde a democracia impere e a escolha política fosse dada a todos os europeus. Winston Churchill, em 1946, na Universidade de Zurique preconiza a criação do Estados Unidos da Europa, incentivando os europeus a virarem as costas ao passado e a olharem para o futuro. Defendendo que a Europa não se pode dar ao luxo de continuar a arrastar o ódio e o desejo de vingança suscitados pelas feridas do passado e que a primeira medida para reconstituir a «família europeia» da justiça, da clemência e da liberdade era criar uma espécie de Estados Unidos da Europa. Só dessa forma centenas de milhões de trabalhadores poderão recuperar as alegrias e esperanças simples que dão sentido à vida. Pois bem, mas não me parece que seja para já. Aguardemos. Talvez mais cem anos.

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CIÊNCIA POLÍTICA

TIA G O J ONAS

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Ciência Política: intenção. Poder Político: fundamento

ão é unânime, nem tão pouco metódica ou uniforme, a definição de Ciência Política. Todas elas baseiam-se nas diversas perspectivas da Política em geral, e da investigação académica em particular. No presente e no âmbito da intenção da instrução, pode-se considerar a Ciência Política como o estudo científico do acontecimento político, ou seja, todo o fenómeno social relacionado com o acesso, a titulariedade, actividade, exercício, administração e domínio do poder político. A definição em si leva, necessariamente, a uma consideração do conceito de Poder. Poder (do latim potere) está relacionado com o direito de deliberar, agir; trata-se de uma influência, eficácia e vigor. Não obstante o significado da estrutura conceptual que a suporta, a palavra Poder adquire um significado primordial na esfera da Ciência Política, intimamente relacionado com o Poder Político. É importante referir que, o poder do Homem sobre o Homem, pressupõe uma relação entre seres humanos: possibilidade de alguém impor a outrem um certo comportamento. Obviamente, há diversas concepções e modalidades de poder do Homem sobre o Homem, dependendo das diversas épocas históricas. Deste modo, e tendo presente a ideia actual de autoridade, pode define-se Poder Político como a faculdade coerciva que o Estado exerce para afiançar um direito ou obrigação lato sensu, tendo como objectivo o bem público. Vivendo em Sociedade, o Homem tem necessidade de uma organização estável no tempo, só conseguida através de um Poder Político. Assim, o fundamento para o exercício do Poder Político resulta de uma necessidade de diligenciar um conjunto de elementos rígidos destinados à resolução de incompatibilidades entre objectivos e intenções; dito de outro modo, tem em vista a resolução de conflitos de interesse resultantes do acesso a determinados fins, ou na utilização de recursos finitos. Resultado do descrito, um escopo fundamental de interesse da Ciência Política é a forma como é exercido o Poder Político. É inegável a predisposição do Homem para a Política, revelada por Aristóteles: “o Homem é, por natureza, um animal político”.

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Direito

Q

uando me comunicaram que o tema deste mês seria PORTUGAL, devo confessar que por breves momentos, que mais pareciam anos, tudo escureceu à minha volta. Não conseguia raciocinar. Instalou-se em mim um vazio que até agora me faz tremer. Após este fenómeno, que veemente me abalou e que ainda não consigo explicar, vieram-me imediatamente dois nomes à cabeça – Luís Vaz de Camões e Eça de Queirós. Se é facto que reservo a estes dois SENHORES grande respeito, menos verdade é o facto de ter ficado dividido entre os feitos exaltados pelo primeiro e a intensa narrativa do segundo relativamente à podridão da sociedade Portuguesa. Não fosse eu um homem de Direito e por conseguinte, mais do que habituado a ver-me confrontado com conflitos de interesses parei, refleti e decidi – “Não consigo!”.Mas, como a persistência também é uma das minhas principais qualidades, embora haja quem a qualifique como hediondo defeito… Será? Não interessa. Continuei. Por breves momentos abstraí-me deste circo em que Portugal se tornou e deixei descer em mim o orgulhoso, no bom sentido entenda-se, Português. A relação do nosso pequeno País com o resto do Mundo é algo de único e extraordinário pois fomos nós que pela primeira vez pusemos em contacto todos os povos do Mundo. Povos africanos, asiáticos e americanos contactaram, pela primeira vez, com ocidentais através dos portugueses. Documentámos distâncias, tempos de viagem, cartas marítimas e terrestres, ventos e climas, fauna e flora, usos e costumes dos povos. É difícil que alguém possa, sequer, pensar fazer a História da Civilização humana, sem referir os Descobrimentos e a presença dos portugueses por toda a parte. A sua influência estende-se a todos os Continentes, da Economia às Ciências Exatas, da Religião à Cultura. Dois períodos históricos são-me particularmente queridos e fazem-me sentir orgulho de Portugal e de ser Português. São eles:

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Hélder Pinto Bessa

1761 - Abolição da escravatura em Portugal. Portugal foi dos primeiros países a abolir a Escravatura. Decorria o reinado de D.José I, quando, em 12 de Fevereiro de 1761, a Escravatura foi abolida por Marquês de Pombal na Metrópole e na Índia. Contudo, só pelo Decreto de 1854, os primeiros escravos a serem libertados foram os do Estado e mais tarde os da Igreja pelo Decreto de 1856. E, com a Lei de 25 de Fevereiro de 1869, proclamou-se a Abolição da Escravatura em todo o Império Português, até ao termo definitivo em 1878. "Fica abolido o estado de escravidão em todos os territórios da monarquia portuguesa, desde o dia da publicação do presente decreto. Todos os indivíduos dos dois sexos, sem excepção alguma, que no mencionado dia se acharem na condição de escravos, passarão à de libertos e gozarão de todos os direitos e ficarão sujeitos a todos o deveres concedidos e impostos aos libertos pelo decreto de 19 de Dezembro de 1854." D. Luís, Diário do Governo, 27 de Fevereiro de 1869 Curiosidade: o comércio de escravos que se estabeleceu no Atlântico entre 1450 e 1900 contabilizou cerca de 11.313.000 indivíduos. 1867 – É abolida a Pena de Morte para todos os crimes não militares (para este tipo de crimes a Pena de Morte foi abolida em 1911). Portugal foi, assim, o terceiro país da Europa e do Mundo a abolir a Pena Capital, após a República Romana, em 1849 e o Principiado de S. Marino em 1852 e o primeiro, do Mundo, a prevê-lo na Lei Constitucional. Não querendo, de todo, ser exaustivo nem crítico do estado atual de Portugal, algo que deixo, certamente, para o meu querido Professor Manuel Damas …. Termino por aqui com um até já.


D i o g o V i e i r a d a S i lv a

CETERIS PARIBUS

N

economia

A luz (intermitente) ao fundo do túnel!

o último mês a Sociedade Portuguesa, devido aos dados revelados pelo INE (Instituto Nacional de Estatísticas), foi invadida por um sentimento de esperança havendo, inclusive, alguns Economistas que pregam já conseguir ver, finalmente ,a luz ao fundo do túnel da recessão, do desemprego e da austeridade pelo qual o País foi obrigado a atravessar. Segundo o INE e após dez trimestres consecutivos em que o Produto Interno Bruto (PIB) nacional só evoluía em sentido negativo, a Economia Portuguesa voltou a crescer. O PIB português cresceu 1,1% no segundo trimestre de 2013 (Abril a Junho), em comparação com o trimestre anterior (Janeiro a Março de 2013). Por outro lado registou-se uma quebra do PIB de 2%, em comparação com o período homólogo do ano anterior, (Abril a Junho de 2012). Para o crescimento entre Abril e Junho contribuíram a quebra, menos acentuada, do Investimento, nomeadamente no sector da Construção e o aumento das Exportações, numa altura em que também a Zona Euro interrompeu o ciclo recessivo (cresceu 0,3% face ao primeiro trimestre). Apesar da recuperação face aos três primeiros meses do ano, 2013 continuará a ser um ano de travão no Consumo Privado, no Investimento e na Procura Interna, num contexto marcado por níveis de Desemprego historicamente elevados. Este crescimento, infelizmente, não significa que 2013 deixará de ser um ano de recuo da Actividade Económica em Portugal. Mas será este o virar de ciclo da Economia? Estaremos mesmo a visionar a luz ao fundo do túnel? Vamos finalmente virar a página da austeridade e de cortes insuportáveis? Infelizmente não… Apesar de ser MUITO POSITIVO este crescimento inesperado no segundo trimestre de 2013, tal deve-se a fatores mais Externos do que Internos e graças ao Investimento Privado e não Público.

Sintetizando: 1. As medidas de austeridade não tiveram nada a ver com o crescimento económico, inclusive poderá ter sido o inverso, isto é, foi o facto de o Governo ter “suspendido” a austeridade (devido à sua quase queda e obrigatoriedade de devolver os subsídios de férias ordenado pelo Tribunal Constitucional) que deu algum fôlego às famílias e a possibilidade de não ser

tão grande a quebra no Consumo Privado; 2. Apesar dos cortes, a Dívida Pública não para de aumentar, tendo atingido os 131,4% do PIB, cerca de 214,57 mil milhões de euros (214,57 biliões de euros, na métrica brasileira) no final do primeiro semestre deste ano, segundo os dados divulgados pelo Banco de Portugal através do seu Boletim Estatístico. O que faz com que dificilmente seja possível pagar este montante; 3. O aumento das Exportações, apesar de não tanto como o esperado, demonstrou que as empresas portuguesas têm grande facilidade de internacionalização, o que é excelente; 4. O grande aumento do Turismo que se tem registado em Portugal. Tal facto é justificado pela instabilidade em países como a Grécia, Chipre e Espanha. E foi possível devido ao receio dos consumidores europeus que tinham normalmente como destino o Sudoeste Asiático e que passaram a optar por destinos mais próximos. Acresce, por fim, a perceção de que, apesar da Crise e de Portugal estar em assistência financeira, ser um País calmo, sem grandes “convulsões” sociais. 5. Por fim o equilíbrio da Balança Comercial nacional que, apesar do aumento das Exportações, é apenas possível devido à enorme quebra das Importações e ao aumento das Remessas dos Emigrantes. Estes dados demonstram que, para além de os consumidores Portugueses estarem mais pobres, (compram menos no Estrangeiro) existe uma enorme fuga de Recursos Humanos para outros países (ao contrário do que aconteceu na década de 60 e 70 do seculo passado...estamos a falar de trabalhadores altamente qualificados) fazendo com que o investimento feito no Ensino não esteja a ser aproveitado e rentabilizado internamente.

Um longo caminho ainda está para ser percorrido e ,atualmente, é difícil dizer se estamos num período de viragem. Mais ainda quando existe, propositadamente, uma acalmia na apresentação de novos cortes e medidas de austeridade impostos pelos nosso credores, a TROIKA (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), dado estarmos em vésperas de eleições locais (29 de Setembro). Também por isso a 8ª avaliação da TROIKA e a apresentação de novas medidas de austeridade, só decorrerão após as Eleições Autárquicas. Aguardemos, pacientemente, o Futuro… com a certeza de que a luz ao fundo de túnel está, ainda, muito longe!

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Psicologia

B r u n o S i lv a

Portugal, Fado e Depressão “- Como está, D. Maria?” “- Nunca pior, nunca pior… vamos andando, do jeito que podemos …Hoje está a chover e nem tenho vontade de sair da cama…” Contemplo acima um tipo de discurso muito comum na nossa realidade portuguesa. Arrisco-me a dizer que todos os leitores pelo menos uma vez na sua vida encetaram um diálogo que se desenrolou de forma semelhante àquela que acima descrevo. Um discurso pesado, carregado de tristeza, de impotência e de depressão. Um discurso que caracteriza tão bem o estado de espírito do nosso povo à beira mar plantado. De facto, a depressão parece estar socialmente e culturalmente enraizada na nossa vivência lusitana. Quiçá marcada pelo catolicismo, quiçá marcada pelas fortes guerras travadas ou pelo vasto império colonial que tínhamos e que acabou por cair… são variados os motivos que poderiam justificar o pesar sentido no discurso do típico português, como se sorrir fosse um crime, um pecado, uma doença. Somos, contudo, mais perversos, indo mais longe, julgando aqueles que sorriem e que fazem por ser felizes. “Aquela parece maluquinha, está sempre a rir-se”, ou “já viste que a Ana agora decidiu mudar de curso? Quando já estava a terminar?! O que é que ela pensa que vai fazer da vida?” Vivemos assim neste luto prolongado, sem percebermos bem porquê. E somos o país da Europa com o mais elevado nível de depressões “medicamente diagnosticadas” (e explicarei o uso das aspas mais à frente neste texto) e o segundo país do Mundo (sim, leu bem, do Mundo!) em que tal se regista também. E fala-se da Crise económica, política e social como elementos gatilhos que explicam, em parte estas estatísticas e outras (como o esperado aumento no consumo de psicotrópicos [antidepressivos e ansiolíticos] até 2017, factos que não nego impulsionarem estes dados, mas que não consigo aceitar como sendo os exclusivos fatores destas perturbações do humor. De facto, atrevo-me a dizer que estas estatísticas estão ligeiramente enviesadas. Recorda-se de lhe ter falado sobre depressões “medicamente diagnosticadas”? Pois infelizmente, não raras vezes, acon-

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tece que continuamos a tentar resolver arrufos emocionais com medicação. Continuamos a acreditar que as “pastilhas milagrosas” curam tudo, ignorando as capacidades e características tão únicas do ser humano. Sim, esse ser resiliente e adaptativo, esse ser que é capaz de procurar a felicidade mesmo depois de grandes desastres… Continuamos a ignorar que muitas das vezes, as raízes da depressão e da ansiedade não estão expostas e podem ser eliminadas com medicação. Esquecemo-nos que enquanto profissionais da saúde e do bem-estar psicológico, urge fazer mais do que receitar químicos que apenas apagam, temporariamente, os problemas e que acabam por debilitar a Pessoa, o Ser Humano. Esquecemo-nos que é importante dar força e que isso se consegue conversando com a pessoa, escutando-a, explorando alternativas e que isso não acontece ouvindo-a durante cinco minutos, sem olhar para ela enquanto rabiscamos um bloco de notas e assinamos uma receita médica, carimbando-a com o autocolante cor-de-rosa. Apelo ao leitor para que não me interprete mal; de facto, não estou contra a utilização de medicação no tratamento de perturbações do humor (depressão e ansiedade), admitindo que em muitos casos, só mesmo o uso da medicação torna possível o exercício pleno da psicoterapia. Apenas gostaria de mostrar que muitas das vezes, reduzimos a pessoa a uma esponja de químicos, ignorando todo um conjunto de atividades que a podem ajudar. Não há melhor remédio contra a depressão do que o exercício físico, por exemplo, que estimula a secreção de seretonina e de outras hormonas responsáveis pelo bom humor! Afinal, já chega de, enquanto profissionais da saúde, vestirmos essa capa tão lusitana da depressão, acreditando que com parcos gestos a pessoa recupera. Para ajudarmos a outra pessoa, temos que nos envolver nela, nas suas lutas. E isso implica não sermos desistentes e avançarmos com confiança! E quem sabe um dia, conseguimos mudar o discurso inicial. Quem sabe um dia, não poderemos ter conversas diferentes: “- Então D. Maria, como está?” “- Estou bem, a aproveitar que hoje chove para ler um livro e, mais logo, se abrir o sol, ainda vou dar um passeio pelo parque!”


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SEXUALIDADES, AFECTOS

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aixões de Verão… A designação, só por si, indicia o significado, a etiologia e as circunstâncias…refiro-me aquelas situações que alguns designam, erradamente, como “amores de Verão”. E classifico como “erradamente” porque o Amor é muito mais do que um devaneio estival. Mas, regressemos ao tema, para não perder o fio condutor, de que tanto falava Descartes. Paixões de Verão… Aquelas paixões violentamente fortes e inebriantes que, habitualmente em contexto sazonal, arrebatam, a uma velocidade estonteante. Acontecem… talvez porque episódicas, talvez porque descontextualizadas do normal contexto em que cada um de nós se integra, talvez porque pouco responsabilizantes, acima de tudo porque mágicas! É o momento do sonho, da liberdade para colorir e efabular as realidades de cada um. Também por isso adquirem um ritmo vertiginoso e uma intensidade invulgar, provocando reações e contra reações anormalmente desproporcionadas. As paixões de Verão concentram em si, qual “kit afetivo”, as velocidades, os momentos, as fases, de um relacionamento afetivo, mas em tempo vertiginosamente curto. Deste modo, tudo se vivencia a uma velocidade estonteantemente atrativa. Também por causa dos tempos vivenciais, que encurtam drasticamente, estas paixões de verão tornam-se tão intensas, rápidas e arrebatadoras. Os olhares que se trocam e queimam… Os toques que se desenham e trocam, exalando violenta paixão… As emoções que vulcanizam, incandescentes, levando tudo à frente! Os atores de uma paixão de Verão percorrem mundos, trajetos, vivências, realidades…só que a velocidade e a intensidade abrasadoras. Em plena paixão de Verão, somos capazes de vertiginosas insanidades! Numa análise sem dogmas, uma paixão de verão percorre, na minha perspetiva, diversas fases, cuja ordem não é aleatória, a saber…Olhar, Ver, Desejar, Conquistar, Adorar e Abandonar, todas elas percorridas de um modo intenso e sofrido. Estes Afectos de estação tornam-se dolorosos porque intensos, mas inebriantes porque mágicos. E são pulverizadas, sem retorno, as capacida-

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MÁSCARAS

Manuel Damas

des de racionalização e de análise objetiva. Senão vejamos… Qualquer incapacidade física adquire, por magia, tonalidades de deliciosa sensualidade. Qualquer trejeito ou gestualidade mais exuberante, transmuta-se, de repente, em excêntrica originalidade. Até fisicamente, as pequenas celulites que cada um de nós guarda, amargamente, de forma revoltada e sigilosa, resguardadas de olhares alheios, se tornam sensuais e encantadoras curvaturas. Inclusive fenómenos aparentemente incontornáveis como a distância geográfica a que cada um vive se tornam, em situação, especificidades, rapidamente relegadas para as calendas. Habitualmente, quiçá por ironia perversa do Destino, os atores principais destes romances de verão, residem a enorme distância que, no momento, se tornam detalhes despiciendos. E assim se cumpre a real irrealidade de uma paixão de Verão… E não se alegue que a culpa é do Calor que, quando aperta, faz diminuir drasticamente a quantidade e dimensões da roupa usada aumentando, proporcionalmente, os segmentos corporais visíveis, desnudos, elevando exponencialmente os índices de erotismo e de sensualidade…as paixões de Verão também ocorrem se não estiver calor! Também não serve de argumento o facto da ingestão de bebidas, maioritariamente alcoólicas, subir exponencialmente, aparentemente toldando a capacidade analítica…muitas paixões de Verão nascem no remanso de abstinência alcoólica! É, tão só e apenas, o epifenómeno de uma paixão de Verão…que se vai vivenciar irremediavelmente, cumprindo as etapas acima plasmadas. Se a vivência destas paixões é libidinosamente arrebatadora e vertiginosamente intensa, as despedidas são anormalmente dolorosas, sofridas, sangradas, dilacerantes… Até as promessas e juras, inabaláveis como tal, maioritariamente irracionais, fluem com invulgar ardor…O “Vou ter contigo dentro de dias, amanhã, logo, já!...” brota, apaixonado, veemente, impensado, sabendo todos nós, bem lá no fundo, que jamais serão para cumprir, porque impraticáveis. Mais tarde, já de regresso à pequena realidade de cada um, no vaivém diário em que nos inserimos, quais pequenos autómatos encarrilados, os detalhes esfumam-se, as promessas esvaem-se, até porque…a realidade não se compadece com veleidades ou desvarios! E assim se cumpre, uma vez mais, o Verão!


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história POEIRAS & ERAS

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ortugal é, actualmente, um país desenvolvido, um dos mais pacíficos e mais globalizado. Em 2010 foi considerado o 27º país com maior qualidade de vida. No entanto, num país com quase 900 anos de vida, as lutas iniciais pela independência e pela identidade do País pautaram os caminhos da História de Portugal, criando verdadeiros marcos e personalidades que viriam a tornar-se símbolos do País. É inegável a acção de D. Afonso Henriques, considerado actualmente o pai da nação e, não é à toa, que é apelidado de “O Conquistador”. Abriu o caminho para que os seus sucessores conseguissem preservar e perpetuar o seu legado, o que viria mais tarde culminar no pioneirismo da idade dos Descobrimentos, colocando Portugal no mapa como um dos maiores impérios (e dos mais duradouros). Desde a criação do Condado Portucalense nos finais do século XI até à ascensão política de Afonso Henriques, a preocupação principal era estabelecer um território que serviria de apoio ao combate dos mouros, a Sul do Mondego. Após a morte do conde D. Henrique em 1112, o governo ficou a cargo da mulher, D. Teresa, filha de Afonso VI, rei de Leão e meia irmã de Urraca de Castela. D. Teresa sofreu a pressão de um novo casamento, especialmente para unir a Galiza com o Condado Portucalense. Se, numa primeira fase, a condessa se conservou separada dos galegos, a sua posição alterou-

Estátua de D. Afonso Henriques

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E u g é n i o G i e s ta

-se a partir de 1121, prevalecendo a influência galega. Em 1126 morre D. Urraca, sendo o seu filho coroado Afonso VII, rei de Leão e Castela o que constituiu uma preocupação para o Condado Portucalense, que agora enfrentava um rei com um vasto território que exigia vassalagem. Os conflitos internos intensificam-se com a pretensão de D. Teresa em casar com um nobre galego, dividindo a população entre apoiar ou contrariar os seus ideais. As resistências do Clero e da Nobreza portucalenses não tardaram a fazer-se sentir, com uma parte destes grupos sociais a abandonar a corte condal. “Nesse clima de oposição interna, claramente sentido durante a segunda fase do governo de D. Teresa e, por certo, também na conjugação de alguns acontecimentos de política peninsular, ora protagonizada por Afonso VII, sobressaiu a emergência de Afonso Henriques como chefe dos nobres portugueses descontentes”. A sua relação com a mãe tornou-se complicada: com apenas onze anos o jovem Afonso tinha já as suas próprias ideias políticas que eram divergentes das da sua mãe. Em 1120 tomou partido de um grande inimigo político da mãe, o arcebispo de Braga, sendo ambos exilados fora do território condal. Quando atinge a maioridade em 1122 (que na altura era atingida aos catorze anos), o futuro rei auto intitula-se cavaleiro na Catedral de Zamora, organiza um exército e marcha rumo ao Condado numa tentativa de tomar posse das terras que lhe pertenciam por direito hereditário. Num confronto e numa data que são hoje símbolos de Portugal (e bastante discutidos, por sinal), combateu a mãe a 24 de Junho de 1128 às portas de Guimarães, em S. Mamede, saindo vencedor e capturando D. Teresa, exilando-a até à sua morte num convento em Leão. Não se tratou apenas de uma simples substituição dos detentores do poder, mas da afirmação de um grupo social – o escalão superior da Nobreza, representante do grupo dirigente na Sociedade. “Foi a tentativa conseguida de recuperação de um protagonismo momentaneamente perdido, representando, por isso, uma capacidade humana determinante na independência de um território que, num passado próximo, havia sido cobiçado por forças estranhas”.


Assim, a possibilidade do território ser incorporado no reino da Galiza foi eliminada e Afonso tornou-se único governante. Em Abril de 1129 intitula-se Príncipe de Portugal e inicia uma série de campanhas de conquista de territórios aos Mouros, vencendo na também simbólica batalha de Ourique, sendo aclamado rei de Portugal pelos seus soldados. No entanto a independência não era algo que se podia escolher; Portugal tinha de ser reconhecido como país independente pelas terras vizinhas e, mais importante, pela Igreja Católica Romana, algo que Afonso Henriques resolveu de imediato, enviando embaixadores a Roma e construindo uma série de conventos e mosteiros, dando privilégios às ordens religiosas. Em 1143 escreveu ao Papa Inocêncio II, declarando-se a ele e aos seus vassalos como súbditos da Igreja, jurando expulsar os Mouros da Península Ibérica. Passando por cima dos restantes reis da Península, declara-se vassalo direto do Papado e continua as suas campanhas de conquista, capturando Santarém e Lisboa em 1147. Enquanto isso Afonso VII encarava o seu primo como apenas um rebelde e os conflitos entre ambos eram constantes nos anos que se seguiram. Afonso Henriques alia-se ao rei de Aragão, inimigo de Afonso VII e para assegurar essa aliança, promete em casamento o seu filho, Sancho I com Dulce, princesa de Aragão. Foi apenas em 1143 que a paz entre os dois primos Ibéricos se atinge, com o tratado de Zamora, onde Afonso VII reconhece Portugal como reino soberano independente e Afonso Henriques como seu governante. Em 1179, os privilégios e favores concedidos à Igreja Católica Romana foram recompensados: o Papa Alexandre III emite a bula papal Manifestis Probatum, reconhecendo o já D. Afonso Henriques como rei de Portugal, como terra independente, com o direito de conquistar terras aos Mouros. Com esta benção papal, Portugal consolidou-se como país e salvaguardou-se de qualquer tentativa de anexação por parte dos Leoneses. Se é verdade que a História de Portugal se inicia graças aos esforços do seu primeiro governante, não é menos verdade que tal se deveu, também, aos símbolos e aos mitos, necessários para a construção de uma

identidade nacional. A veracidade e o impacto das batalhas de S. Mamede e de Ourique perdem força para o seu simbolismo e para o que representam. Se por um lado é essencial o apoio nos factos históricos é também essencial a criação de uma certa mitologia nacional, uma forma de identificação, de criação de raízes e da necessidade de criação de um “poder” em que é necessário acreditar. Se existem, hoje em dia, dúvidas quanto ao local onde o primeiro rei de Portugal nasceu (as evidências apontam para Viseu) é Guimarães quem sempre irá ter impacto como o berço da Nação. Talvez isto implique que os símbolos são, muitas vezes, mais fortes do que a verdade histórica. Não é importante saber se Afonso Henriques seria mesmo filho dos condes Henrique e Teresa ou se era filho do seu aio, Egas Moniz. O que conta é a figura, a imagética, as histórias e as lendas que se criam em torno de uma verdade, muitas vezes tortuosa, o que é semelhante à lenda de D. Sebastião e do seu regresso numa manhã de nevoeiro. As pessoas precisam de crenças e não subsistem dúvidas de que é importante acreditar em algo que parece real. Em algo que construiu a identidade de um País e que, quer queiramos quer não, faz hoje parte da História da fundação de Portugal.

D. Henrique e D. Teresa

1 Portugal em definição de fronteiras (1096-1325) : do Condado Portucalense a crise do século XIV. Lisboa : Editorial Presença, 1996. p. 23-24 2 Op. Cit. p. 24

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ID’entidades GRANDE ENTREVISTA Augusto Madureira, 46 anos. Licenciado em Comunicação Social, pela Universidade Nova de Lisboa. É um dos rostos do jornalismo da SIC Notícias, onde conduz diariamente o Jornal da Meia-Noite. Está na SIC desde a fundação, em 1992, casa onde viu o seu trabalho jornalístico reconhecido e premiado. Assume-se como um homem de afectos, para quem os amigos «são a melhor coisa da vida», vida que desde sempre liga à música. Quisemos conhecer um pouco melhor um dos rostos da televisão portuguesa que, todos os dias, levam as notícias de Portugal e do mundo aos portugueses e saber o que pensa Augusto Madureira sobre o passado, o presente e o futuro do nosso País. A baixa alfacinha foi o local escolhido. Entrevista: Marco António Ribeiro: Assistente de Produção: Bruno Silva Fotografia: Pedro Leal Agradecimentos: Hotel Turim Suisso Atlântico

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MAR C O ANT Ó NIO RIBEIRO

AUGUSTO MADUREIRA OLHO PARA O PRESENTE E PARA O PORTUGAL DE HOJE, COM GRANDE APREENSÃO, COM GRANDE PREOCUPAÇÃO, COM GRANDE TRISTEZA E DECEPÇÃO… SE TIVESSE VINTE E POUCOS ANOS, IA-ME EMBORA

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Marco António Ribeiro - MAR: Falar do Augusto Madureira é falar de… Augusto Madureira – AM: Não sei… Sei como me defino a mim, não me consigo olhar pelos olhos das outras pessoas… Mas isto não era uma entrevista sobre Portugal [risos]?! MAR: Então, reformulando: Quem é o Augusto Madureira? AM: O Augusto Madureira é jornalista, tem 46 anos, é pai de três filhos e acha que os amigos são a melhor coisa da vida. Gosta muito de música, é muito divertido em certos momentos e noutros muito nostálgico… MAR: Começamos então pela vertente jornalística… Porquê ser jornalista? AM: Eu nunca quis ser jornalista… O facto de ter feito formação musical no Conservatório e de ter pertencido a uma geração em que a televisão começou a ganhar peso, fez-me querer ser uma coisa que não sabia explicar bem o que era. Sempre tive interesse em trabalhar no audiovisual,

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mas associando a música ao audiovisual, portanto, imaginava-me muito mais a trabalhar na área da produção… Há trinta/vinte anos em Portugal raramente se compravam modelos de programas, inventavam-se programas. Lembro-me de ser fã de programas como a “A Visita da Cornélia” ou “A Prata da Casa” … cresci um bocadinho a achar que seria muito interessante trabalhar na televisão, numa área criativa. Ou seja, criando modelos de programas e associando sempre a música a isso. Depois tive assim algumas derivas a meio, «não vou seguir música», pensava… Depois queria ser Médico mas o que estava em mim era uma admiração pela profissão e não uma vocação para tal… Era bom aluno em todas as áreas, mas passei por momentos de grande indefinição e tive que canalizar ideias. Fui para Humanidades e acabei por escolher a Comunicação Social, seguindo a ideia que tinha de miúdo. Fiz o curso sem pensar em ser jornalista, tendo sempre em mente a área criativa.

era criar [risos]! Depois acontece que, quando termino o curso, consigo estágio na RTP e tive a oportunidade de fazer um curso de televisão no centro de formação do canal, todo ele vocacionado para o Jornalismo e comecei por perceber a graça do jornalismo televisivo. Acabei, uns meses depois, por entrar para a RTP como colaborador onde estive dois anos a “recibos verdes” e fui descobrindo que gostava de Jornalismo e que a área, apesar do seu lado rigoroso, pode também ser muito criativa! Portanto, é um percurso sinuoso [risos] que me leva até ao Jornalismo, mas sempre com espírito de procura e com vontade de trabalhar com uma boa dose de criatividade.

MAR: É então aí que se dá a incursão no mundo da Comunicação…

AM: Gosto, claramente, muito, de fazer televisão. De resto, quando fiz rádio, na RFM, fui “abrir” a estação. Acumulava com o trabalho na RTP, típico de um recém-licenciado e de novato no mercado de trabalho… Fazia dois horários

AM: Precisamente! Tive uma muito breve passagem pela Publicidade. O que eu queria

MAR: Um trajecto que contempla o audiovisual mas, curiosamente, deixa de fora a imprensa escrita… Se pudesses eleger um meio preferencial, qual escolherias?


por dia, não ganhava sequer bem, mas percebi, na altura, que estava a investir em mim. Isso era-me permitido porque os meus pais me ajudavam. A dada altura percebi que estava num estado de exaustão… Apanhei a primeira guerra no Golfo, com noticiários de meia em meia hora! Trabalhava na rádio das nove às cinco e na RTP das seis da tarde às três da manhã. Houve uma altura em que percebi que não era aquilo que queria da vida… Não estar com os amigos, não sair, não ir ao cinema, trabalhar, trabalhar, trabalhar... Tive que pensar no que queria para o meu futuro. MAR: Um pouco à imagem do que acontece com os actores, relativamente ao Teatro, existe sempre algum saudosismo relativamente à rádio… Acontece o mesmo contigo? AM: Gosto imenso de rádio, mas claramente o meu meio ou o meio onde gosto de trabalhar é o meio audiovisual. Gosto da combinação do áudio com o visual. Quando falo do visual, falo por exemplo, de fazer uma reportagem e poder ter quinze minutos de silêncio com imagens que “fazem” a reportagem. Portanto, é claramente na componente audiovisual que ponho a minha criatividade a funcionar. Não tenho

dúvidas que, gostando muito de rádio, a opção que tive que fazer, por estar exausto, entre rádio e televisão, foi acertada. MAR: Como um dos elementos pioneiros da televisão privada em Portugal, como foi viver o pulsar dos primeiros anos de jornalismo televisivo sem um cunho estatal? AM: Participar na abertura da SIC foi extraordinário, fascinante! Foi uma experiência única… Única por se tratar da primeira TV privada em Portugal. Foi o arranque de um projeto que ninguém sabia o que viria a ser. Éramos todos muito novos e, como jovens que éramos, tínhamos uma certa dose de inconsciência que nos permitia arriscar, fazer coisas novas e até quebrar algumas regras até então vigentes. Por outro lado tínhamos um empenho total, trabalhávamos “dez dias” por semana, vivíamos na SIC… Passados vinte anos é com algum saudosismo que recordo esses tempos, foram tempos de sonho! Fizemos até uma acção de formação, com uma equipa de jornalismo francesa, que tinha aberto uma televisão privada que entretanto havia fechado. Por isso vivíamos com aquele fantasma de que «isto poderiam ser só seis meses», não é [risos]? Mas há coisas que só se faz

quando se tem vinte e poucos anos, portanto, foi mesmo um privilégio e podia contar “n” histórias… Por exemplo, fazíamos tudo! Se fosse preciso lavar as casas de banho, nós íamos! Por acaso, nunca aconteceu [risos]… Foi mesmo um projecto que, dada a idade que tínhamos e a novidade que comportava, nos consumia, no bom sentido do termo, a 500 por cento! MAR: O que é que fica desses primeiros anos? Qual foi o contributo para o profissional dos dias de hoje? AM: Fiquei a perceber que a dedicação a um projecto, seja ele qual for, pode ser muito intensa, quando queremos e nos são dadas essas condições. É óbvio que nenhuma empresa ao fim de vinte anos tem a mesma dinâmica que tinha no início, nem os colaboradores dessa empresa têm a mesma ingenuidade e, por vezes, a mesma entrega. É mesmo assim… Fica uma memória, também uma saudade muito grande desse tempo, mas também um orgulho e uma aprendizagem. A maneira como hoje escrevo uma notícia tende a ser resultado desses primeiros tempos e de um percurso que entretanto fui fazendo. Acho que nada se perde, no

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que se faz… E, como tal, em cada reportagem que fiz, em cada jornal que apresentei, em cada projecto que ajudei a criar, cresci profissional e humanamente. Aquilo que possa hoje fazer tem dentro toda essa história, com os momentos bons, os momentos maus, com tudo…

esse feedback que posso crescer mais. Os prémios na altura foram motivo de orgulho, mas foram sobretudo sinais externos de reconhecimento do meu trabalho, que acabaram por ser um estímulo para que a próxima reportagem fosse melhor.

MAR: Foram duas décadas de grandes mudanças, não só no panorama televisivo mas, também, na Sociedade. Olhando para todos estes anos, repletos de acontecimentos, grande parte deles em contexto de reportagem numa equipa encabeça pela jornalista Margarida Marante (no “Esta Semana”), como caracterizas esse percurso?

MAR: Vamos então às perguntas difíceis e que nos reportam para o tema da ID’ - Identidade deste mês. Como é que olhas para o Portugal do início dos anos 90, altura em que enveredaste pelo Jornalismo e o Portugal deste tenebroso 2013?

AM: Foi a altura em que comecei a fazer “Grande Reportagem” diária e, atenção, “Grande Reportagem” na altura significava fazer reportagens de uma hora! À escola francesa e europeia… Muitas dessas reportagens eram, efectivamente, de investigação. Lembro-me que uma vez demorei seis meses para fazer uma reportagem e que, ao fim de dois meses, disse à Margarida Marante e à Direcção que não ia conseguir fazê-la… Na melhor das hipóteses, pensava eu, só dali a dez anos é que ia conseguir ter aquilo feito. Foi-me dito então que a reportagem tinha mesmo que ser feita… Foi quando começou o fenómeno da emigração do Leste em Portugal e, como tal, os emigrantes clandestinos estavam, como o próprio nome indica, clandestinos, escondidos e era uma reportagem que a Direcção considerava importante ser feita, levasse o tempo que levasse! Já ninguém trabalha assim no mundo inteiro, em quinze anos, em dez anos… E até dada a actual situação financeira, dificilmente se trabalhará assim. Em Portugal ninguém trabalha assim. MAR: Mas esse trabalho de investigação, por árduo que fosse, tinha os seus frutos. Recordo-me que, por exemplo, o programa “Esta Semana”, foi reconhecido e premiado no âmbito do jornalismo de investigação... Que sabor é que têm conquistas como essas? AM: É sempre saboroso, sobretudo se olharmos para um prémio como o reconhecimento de um trabalho sério, não é? Pessoalmente gosto de ter feedback daquilo que faço, gosto que me digam se gostaram ou não, porque é com

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AM: Fazer uma comparação entre o País de há 20 anos e o País de hoje é também fazer uma comparação de quem eu era há vinte anos e de quem eu sou hoje. Portanto, o meu olhar para o Portugal no início dos anos 90 era o olhar de

alguém que estava a começar e que tinha um mundo pela frente, que vivia num País onde tudo parecia indicar tratar-se de um País em prosperidade, de um País de oportunidades. Havia uma plena consonância entre a fase da vida em que me encontrava e o próprio quadro económico e político que tínhamos então… Da mesma forma, a maneira como olho para o Portugal de 2013 já não é o olhar dos 25, mas o olhar do Augusto com 46, onde as responsabilidades são maiores, onde tenho três filhos para sustentar e onde se me depara um País quase decrépito. As diferenças são abissais... Gostava de poder olhar para Portugal com os olhos de há 25 anos, ou de há 20 anos, com a esperança que na altura tinha e que manifestamente não tenho hoje. MAR: Consideras que tens que ter uma postura tão neutra como possível, na avaliação que fazes da actualidade? Ou seja, partilhas da preocupação de vários jornalistas em, de certa forma, “medir” as palavras com receio de ser incorretamente interpretado? Afinal,

és um dos agentes que leva a notícia aos demais cidadãos… AM: Sabes, não acho que haja uma dualidade, entre um “Augusto Jornalista” e um “Augusto Cidadão”. Somos pessoas e colocamos aquilo que somos em tudo o que fazemos. É o exercício de qualquer jornalista, seja em Portugal, na Bulgária ou na Noruega, esteja esse país num ciclo de crescimento ou de afundamento… Mas acho que é impossível cingirmo-nos à factualidade que o Jornalismo exige (e está lá). Quando fazemos uma entrevista não é fácil que as perguntas sejam tão inócuas e que não tenham dentro um certo “olhar”... Já me aconteceu receber e mails de espectadores a acusarem-me, na mesma entrevista, de ser um jornalista de Esquerda e outros que entenderam que eu era um jornalista de Direita. É a melhor coisa que pode acontecer, não é [risos]? Muitas vezes essa necessidade de isenção, essa tensão para não deixar passar as nossas próprias opiniões, também resulta de um treino… Mas muitas vezes leva-nos quase a cair num campo oposto. É um clássico dilema dos jornalistas em todo o Mundo, não é específico do caso português… Tento ser factual no que digo, mas também acho que o Jornalismo excessivamente factual, acrítico, que se limita a relatar o que foi dito, sem salientar contradições, sem salientar incongruências, sem salientar faltas de Ética, também é um Jornalismo desinteressante! Ou seja, procuro ser factual mas não abdico de um conceito de Jornalismo interventivo… Não porque tenha que defender esta ou aquela ideologia, mas porque considero que é o jornalista que também cumpre a missão de pôr as pessoas a pensar! Portanto, um Jornalismo excessivamente factual, um Jornalismo “porta-microfone” é um Jornalismo que não me interessa. MAR: Os últimos anos foram pródigos em polémicas ligadas à Política, em que alguns jornalistas marcaram uma posição mais vincada, nomeadamente na vertente televisiva, tendo sido, em alguns casos, chamados a Comissões Parlamentares… Que opinião tens sobre estas tomadas de posição e das consequências que acarretam? AM: Essas situações a que te referes, lembro-me de meia dúzia delas, mas há mais… Estamos a falar de comentadores televisivos ou Diretores de Informação, não me recordo de ver repórteres ou


pivôs em Comissões Parlamentares de Inquérito. A promiscuidade, com aspas… MAR: Estava aqui a lembrar-me de outro caso, em que um Jornalista, numa Comissão Parlamentar, ergueu uma t-shirt em que se podia ler: «Eu ainda não fui processado pelo Sócrates». Como vês este tipo de situações em que os agentes da informação saltam para a ribalta… AM: Pois… Essa não é a minha maneira de estar nas coisas. Agora, há uma apetência, uma grande proximidade entre o Jornalismo e a Política, porque o Jornalismo, quer dizer, o Jornalismo é Política também, lato sensu, contribui para a formação de opiniões. Uma coisa é essa proximidade inevitável, outra coisa é a promiscuidade indesejável. Políticos que acham que são Jornalistas e Jornalistas que acham que são Políticos. É muito importante separar as águas e é algo que tento sempre fazer.

profundos, mais consistentes e, desta forma, as coisas hoje também se processam todas a um ritmo mais rápido. A própria tecnologia, em 20 anos, mudou muito… MAR: Podemos, portanto, depreender que hoje em dia há maior quantidade do que propriamente qualidade jornalística? AM: Não poria as coisas nesses termos. Continuo a achar que há Jornalismo de grande qualidade! Há mais quantidade porque há mais profissionais, mais meios de comunicação… Enfim, apareceram em vinte anos centenas de rádios,

MAR: É mais fácil ser Jornalista nos dias de hoje, do que era há 20/25 atrás? AM: Acho que o Jornalismo, como aliás todas as outras atividades, sofre muito com a actual situação económica do País, não é? A partir do momento em que as empresas têm menos dinheiro e há menos dinheiro para investir, lá está, se calhar não se pode levar tanto tempo a investigar… Como tal, considero que a actual situação económica do País penaliza muito o Jornalismo. Acho que faz falta hoje mais investigação, faz falta o Jornalismo mais interventivo, no sentido de ser um Jornalismo que promova a Cidadania e mais uma vez voltado para a ideia de há pouco… As diferenças são grandes, porque quando as redações passam a ter, a integrar no activo, pessoas que deviam estar apenas a estagiar… As dificuldades económicas pelas quais as empresas de comunicação também passam invalidam ou impedem a realização de trabalhos mais

canais de televisão, o Cabo abriu todo um universo, o online também, portanto, há manifestamente mais quantidade. Em relação à qualidade continuo a ver belíssimos trabalhos, belíssimas reportagens, belíssimas entrevistas, não é? MAR: Vamos fugir um pouco ao Jornalismo e passar para outra área… Falar do Augusto Madureira é também falar de alguém que tem uma paixão muito significativa pelo mundo da Música. Como é que nasce essa paixão? AM: Essa paixão acaba por nascer comigo mesmo, não consigo precisar o seu aparecimento no tempo… Havia um piano em casa da minha avó, que eu utilizava sempre que ia visitá-la e que a partir dos meus 4/5 anos veio parar a

minha casa, altura a partir da qual o utilizava diariamente. Os meus irmãos ouviam também muita música e tínhamos muitos discos em casa, em vinil, tínhamos também daqueles gira-discos portáteis…! Portanto, de certa forma, cresci a ouvir música e quando o piano aparece em minha casa eu começo a dar-lhe grande uso, reproduzindo todas as músicas que na altura ouvia como se costuma dizer na gíria musical “de ouvido”, ou seja, sem qualquer tipo de aprendizagem formal que sustentasse essa minha experiência. Assim, ao sentir que eu tinha algum “ouvido” ou mesmo uma queda para a música, a minha mãe entendeu que deveria levar-me ao Conservatório, para que alguém com habilitação específica pudesse avaliar se eu teria ou não aptidões musicais. Não fui aprender música por ser “chique”, mas porque a minha mãe em particular achou que o filho poderia ter alguma vocação. Eventualmente comecei a aprender piano com seis anos de idade, sendo que começo a aprender as notas musicais ao mesmo tempo que aprendo os números e aprendo a fazer contas… Tudo isto acabou por se integrar na minha vida de forma muito natural, foi um percurso que fui fazendo em paralelo, conjugando as aprendizagens da escola com a música e só deixei o Conservatório quando entrei para a Faculdade por força das circunstâncias. MAR: Fazes questão de terminar cada edição “Jornal da Meia-Noite” com um tema musical. É quase fundamental para ti que o noticiário tenha esse apontamento? AM: Essa ideia nem é minha, é da Marisa Caetano Antunes, que alterna semanalmente comigo a apresentação do jornal [risos]! MAR: Foi, então, uma feliz coincidência…

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AM: Foi, foi uma ideia dela, que depois achei muito interessante, porque àquela hora, à uma e pouco da madrugada, as pessoas já estão mais desprendidas e com outro estado de espirito, não é? Acaba por ser também uma marca distintiva do jornal que contribui, de certa forma, para a sua identidade. MAR: Sentes que os telespectadores reconhecem isso? AM: Não tenho esse feedback, não faço ideia… Ou melhor, tenho por vezes, através do Facebook, quando amigos ou conhecidos comentam comigo, por exemplo: «que engraçado, no dia em que se soube quem era o novo Papa, terem terminado com um Tango!»... Ao tentar estabelecer estas ligações acabo por dar uso à criatividade, que como tive oportunidade de referir anteriormente, se trata de algo que gosto bastante de fazer, do género, «que canção é que vai bem com o dia de hoje?»… O que acaba por ser também interessante é perceber que as músicas que a Marisa escolhe e as músicas que eu escolho têm linhas diferentes, têm que ver com as nossas orientações musicais e com os gostos de cada um. MAR: Continuando a falar de música, sem deixar a televisão de lado, foste o autor (entre outros) de um hino que ficou no ouvido dos portugueses. Refiro-me ao hino da “Volta a Portugal em Bicicleta”, na SIC. Como é que surgiu esta ideia, em particular? É que, para um telespectador comum, estes acabam por ser pormenores que passam despercebidos… AM: A história do Hino da “Volta a Portugal” é tao simples quanto isto: A RTP durante anos, com o monopólio que assumia, transmitia a volta a Portugal… Mas em 93 (creio eu), a SIC passa a ser a televisão oficial da “Volta a Portugal”. Posto isto, a dois dias de começar a volta, o Gualdino Paredes, na altura Subdiretor de Informação da SIC, que tinha então esse projecto em mãos, lembrou-se que havia uma música que identificava a “Volta” na RTP e que nós não tínhamos… Passou por mim, e disse-me: «Ouve lá, és capaz de fazer aí uma música? Preciso de um Hino!». No dia seguinte levei-lhe a música. Foi assim simples! É muito engraçado porque, na altura, nunca cheguei a acompanhar nenhuma “Volta a Portugal”, nem fui Jornalista de Desporto alguma vez, sendo que só muitos anos mais tarde é que me apercebo do impacto que essa música teve! Apercebo-me disso através dos estagiários de 20 anos, que vão para a SIC

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e que em miúdos cantavam: «pedalar para vencer… onde há SIC-ciclismo e emoção!» [risos]. Foi uma descoberta muito engraçada! MAR: Há um marco importante na tua carreira como compositor. A participação como autor do tema que venceu uma das edições do Festival da Canção, com a Filipa Azevedo… Como é que foi essa aventura? AM: Eu sou de uma geração para quem o “Festival da Canção” era “O” evento musical anual no país… Portanto eu, ao contrário de muita gente, continuei sempre a acompanhar o “Festival”, mesmo quando se tornou uma coisa socialmente menos cotada, menos prestigiada. Assim sendo, todos os anos mantive aquele ritual que havia nos anos 70 e no início dos 80 que marcava o dia do “Festival”, em que toda a gente parava os seus afazeres e se organizava uma espécie de Consoada, uma segunda noite de Natal [risos]! Mantive esse espírito e fui acompanhando o “Festival”. Mas respondendo à tua pergunta, a minha participação no “Festival” dá-se da seguinte maneira: eu começo a compor, ainda com imensa vergonha e nunca mostrando nada do que compunha a ninguém chegando, depois, a uma altura em que começo a sentir a necessidade de obter feedback… Aquilo de que falei anteriormente, que também se sente no trabalho jornalístico, não é? Alguém que me dissesse «gosto» ou «não gosto», «estás a ir bem» ou «estás a ir mal», «devias ir por ali e não por acolá»… Senti essa necessidade de crescimento, compreendes? Não foi, contudo, nada fácil. Bati a várias portas, não conhecia ninguém no ramo musical, da mesma forma que não conhecia ninguém no ramo jornalístico… Algumas houve que se foram entreabrindo, acabando depois por receber algum feedback, ainda em pouca quantidade e todo ele muito lacónico. Assim foi acontecendo, até que houve uma determinada altura em que pensei: «OK, vou mandar uma música para o “Festival”», pondo-me assim à prova a mim próprio. Acabo, portanto, por arriscar com a música para o “Festival” em 2009 (numa primeira fase) e diverti-me imenso pois, de repente, senti-me “do outro lado”. Senti-me parte integrante daquele evento musi-

cal que, em miúdo, acompanhava, fantasiava sobre e cujos discos escutava “de fio a pavio”! No ano seguinte (2010), acabo por repetir a experiência e mandei uma canção que acabou por ganhar. Costumo dizer que sou um privilegiado, pois em miúdo gostaria de trabalhar em televisão e acabei por fazê-lo… Isto é, acabei por concretizar muitos sonhos de infância, compreendes? Vejo tudo isto como um privilégio, como uma bênção divina mesmo, isto é, poderes chegar a determinada altura da tua vida, olhar para trás e dizer: «não fiz nada de especial para ter chegado aqui», mas saber que me foram dadas oportunidades para concretizar sonhos, mesmo que por vezes pequenos sonhos, sabes? De certa forma quer a minha profissão, quer as minhas incursões musicais, acabaram por ser concretizações de sonhos de miúdo! MAR: No teu entendimento, a que se deve a falta de ligação que existe actualmente, em especial por parte das novas gerações, em relação à música portuguesa? AM: Não considero que as novas gerações estejam desligadas da música portuguesa, considero, sim, que estão ligadas a um determinado tipo de música. Acho também que Portugal é um país muito preconceituoso, também a nível musical e há um género de música que se convencionou chamar ligeira, no qual o “Festival” se insere, que a partir de determinada altura foi conotada como uma música de “5ª Categoria”, inevitavelmente sem qualidade. Acontece, contudo, que noutros países da Europa, como por exemplo, Espanha, França, Itália, Suécia, há um nicho de música ligeira, do qual as pessoas não têm vergonha em dizer que gostam. São, também, países cujas estações de rádio não têm vergonha em passar música que se insere nesse mesmo estilo musical. Posturas diferentes... Há boa e má música ligeira, há boa e má música de intervenção, há bom e mau rock… Acho que esse afastamento em relação ao “Festival da Canção” se prende com inúmeras razões que nos levariam aqui dois dias de conversa, mas tem sobretudo que ver com um preconceito musical generalizado, preconceito esse que também se sente na Literatura e nas Artes em geral. MAR.: E sentiste esse preconceito na pele, na tua passagem pelo “Festival”? AM: Curiosamente não… Muito pelo contrário, aliás! Houve uma altura em que pensei que me estaria a expor de uma forma que só uma música e uma letra expõem, mostrando outros


lados de ti que as pessoas não conhecem! Cheguei mesmo a pensar que poderiam achar que «aquele que deveria ter credibilidade enquanto dá as noticias, faz músicas que falam de Amor, de Saudade ou de Tristeza ou de Alegria»… Mostrar as minhas emoções numa canção foi uma ideia que a determinada altura me perturbou, que me assustou, chegando mesmo a pensar como tudo isto poderia perturbar, de algum modo, a minha actividade profissional, mas a experiência que tive foi exactamente a inversa. Na verdade, quer os meus amigos, quer as pessoas que não conheço e que falam comigo sobre as minhas canções e sobre o Jornalismo verbalizam isto: «que bom que é conhecê-lo também numa outra perspectiva». Acho que, de uma forma geral, muita gente passou a olhar-me com muito maior admiração pois, afinal, «o Jornalista de fato e gravata também é capaz de expressar sentimentos»! No fundo, acabei por perceber que as pessoas gostam mais de música ligeira do que dizem, percebes?

músicas e mandei aquela. Ela nunca ouviu a outra, não tenho certeza, mas penso que não… Sei, pela própria, que gostou da música à primeira audição e que ainda disse «eu quero esta música no meu disco». MAR: Regressando ao Jornalismo… O papel de um Jornalista é algo agridoce, dada a postura factual exigida, quase que isenta de emoções. Ainda assim, há notícias e notícias… Recordo-me de acontecimentos como a queda da ponte de Entre-os-Rios, o caso “Casa Pia” ou, em contraponto, a participação portuguesa no Euro 2004, momento de êxtase para a população…

Como é que, no teu caso, é feita a gestão destes sentimentos? AM: É suposto os jornalistas não transmitirem sentimentos? Creio que é suposto, sim! Trata-se de uma pergunta retórica [risos]… Mas, mais uma vez te digo, o sentimento é inevitável e faz parte da nossa natureza. Então em televisão… Está sempre lá! Até pode não ser na frase que estás a dizer, mas no teu olhar… O teu para-verbal, o teu não-verbal reflecte sempre muito de ti. No dia em que for uma máquina vou-me embora, não quererei mais fazer Jornalismo…

MAR: Curiosamente, enquanto fazemos esta entrevista estamos a ouvir música ligeira, Dulce Pontes [risos]… Mas, para encerrarmos o capítulo “Música”, há ainda aqui um ponto alto nesta vertente que gostaria de abordar. Falo da tua recente colaboração, se assim podemos dizer, com Simone de Oliveira… AM: Um outro acaso! MAR: Foi assim, um feliz acaso? AM: Foi, foi mais um acaso na minha vida, um acaso feliz…! Eu soube, já não me lembro bem como, que a Simone ia gravar um disco e pensei no quanto gostaria que a Simone gravasse uma música minha. Dar-me-ia imenso prazer, porque eu gosto muito da Simone! Tentei ver qual era a melhor maneira de lhe fazer chegar uma canção e compus um tema. Quando gravei a maquete odiei a canção, porque era uma canção construída tão a pensar na Simone, que era quase artificial, era uma canção “À la Simonetta”… Ouvi aquilo e pensei: «eu não vou mandar isto!», mas sabia que havia alguma pressa e que ela já estava a escolher músicas para o álbum… Portanto, se eu aparecesse e houvesse duzentas pessoas antes de mim a mandar canções, provavelmente nem ouviria a minha… Teria já escolhido, provavelmente, o repertório para o disco! Portanto eu pensei: «das canções que eu já tenho prontas, qual é aquela que eu acho mais franca, mais sincera, mais forte e que condirá melhor com a voz da Simone?»... Fui então ao meu “baú” de

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MAR: Houve algum momento em que as emoções do “Augusto Jornalista” se manifestaram de forma mais marcada? AM: Sim, mas nem foi com um acontecimento nacional. Posso falar-te, por exemplo, sobre o momento em que soube que caíram as Torres Gémeas. Chorei compulsivamente na Redação, porque achei toda aquela situação terrífica. Cheguei mesmo a acreditar que este fosse o início de uma guerra a uma escala global, muita gente assim o admitiu. Temi que a próxima grande Metrópole a ser atacada fosse Londres, que a seguir fosse Paris e que a seguir fosse outra qualquer… Ver pessoas naquelas torres, onde já tinha estado, atirarem-se pela janela… Ver as torres desmoronarem-se… Foi algo que me levou às lagrimas. E isto não tem nada a ver com eu ser pro ou contra os Estados Unidos! É uma coisa que ultrapassa todas essas questões Políticas e Culturais. De repente, estava a ser espectador de uma situação absolutamente tenebrosa, onde havia pessoas como eu… Eu podia estar naquela torre, naquele momento… Podia ser aquele que se atirou da janela, ou que não conseguiu sair a tempo das torres. Esse foi um dos momentos, dos que me lembro, que mais me afectou. Foi como se o Apocalipse estivesse a acontecer naquele momento. Um dia muito marcante… MAR: Como é que imaginas, de forma realista e fria, o nosso País, do ponto de vista social e económico, daqui a vinte anos? AM: Nunca pensei nisso, sabes?

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MAR: Não é algo que te preencha o pensamento? AM: O futuro preocupa-me muito, aliás, de uma forma especial depois de ser pai… Mas o futuro constrói-se dia-a-dia. Como não tenho poderes de adivinhação, posso fazer exercícios especulativos sobre como o País poderá estar… Receio que o resultado dessa minha especulação não seja o mais optimista, contudo. Mas isso decorre da maneira como olho para o presente e para o Portugal de hoje, com grande apreensão, com grande preocupação, com grande tristeza e decepção… Com muita descrença, mesmo. E quando digo olhar para o Portugal de hoje, não me refiro ao Governo “X” ou “Y”, mas sim ao País que construímos nas últimas décadas, ao ponto a que o País chegou. Sou franco, se tivesse vinte e poucos anos, ia-me embora. Portanto, espero que os meus filhos assim que tenham a minha idade encontrem um País que lhes dê perspectivas de vida que não são as que eu encontro agora, nem as que eu penso que eles irão ter. Posso mesmo falar-te da coisa que mais me assusta neste momento… Enquanto a geração dos meus pais nos podia dizer: «filho, estuda para teres um emprego», eu não posso dizer isso aos meus filhos. Tenho que dizer «filho, estuda para saberes mais, para seres uma pessoa mais interessante, para olhares o mundo com outros olhos»… Ora, se eu próprio estou muito céptico em relação ao meu próprio percurso, muito mais estou relativamente às próximas gerações. E, sinceramente, os problemas do País são crónicos, de tal forma que acredito que daqui a vinte anos as Finan-

ças Públicas poderão estar mais equilibradas… Mas o País tem problemas de fundo muito graves que não se resolvem em duas décadas! Este País tem alguns vícios embrenhados, que se reflectem no estilo de vida de cada um e que são perceptíveis quer na vida pública, quer na privada. Serão precisas, de facto, muitas gerações para que isso mude. Por isso, quando eu penso em como será Portugal daqui a vinte anos, vejo uma nebulosa, algo que não consigo muito bem definir, algo que gostava que fosse bom… Mas não consigo ter grande optimismo relativamente a essa perspectiva nebulosa de que falo. MAR: São três e meia da madrugada, já é Sábado, acabaste uma edição do jornal há poucas horas… O que é que sentes quando chegas ao final de uma semana e as luzes se apagam, deixas nas tuas costas o estúdio e regressas a casa? AM: Sinto… Sinto, quase sempre, que cumpri o meu dever. Que o fiz da melhor maneira que podia e que sabia… E quero é descansar [risos] e também divertir-me! Quero, por vezes, também higienizar… Isto é, por vezes deliberadamente, “desligo-me” das notícias. Penso sempre que se acontecer alguma coisa no Mundo ou no País, realmente importante, eu vou sabê-lo. Habituei-me a fazer este exercício de ligar/ desligar, sendo que, muitas vezes, nas férias ou nos fins-de-semana, tento estar completamente relaxado e despreocupado relativamente ao que acontece no Mundo, fora da minha esfera pessoal/familiar. “Há dias assim” [risos]!


IDENTIDADE | Nยบ 8 | Janeiro ย 13

BULLYING

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ARQUITECTURA

A

Arquitetura é uma das poucas áreas onde o nosso país lança regularmente profissionais altamente competitivos a nível mundial, sendo que nas últimas duas décadas e tendo em conta o Prémio Pritzker, foram dois os arquitetos galardoados: Álvaro Siza Vieira, em 1992, e Eduardo Souto de Moura, em 2012. Encontra-se paralelo somente porventura no mundo do futebol, mas não é sobre este assunto que esta crónica se vai debruçar. Mesmo sendo arquitetos de renome, a falta de trabalho também parece ter-lhes “batido à porta”. Siza Vieira diz mesmo poder ter que fechar o seu escritório no Porto, à semelhança do que acontece com Souto de Moura, cujo escritório tem vindo a sofrer reduções desde há uns meses a esta parte. Já não é novidade que a crise económica tem vindo a arrastar-se, tendo sido necessário pedir “ajuda” financeira à Troika, para tentar contornar a situação. Tal empréstimo, para pagar juros e comissões e para capitalizar bancos comerciais parece não ser suficiente, já que a “cada dia” nos é transmitida a notícia de novas medidas de austeridade, incluindo cortes e a privatização de determinadas organizações pertencentes ao Estado, o que leva a manifestações e greves. Se, em primeiro lugar, o Governo objetiva pagar a dívida, como podem as áreas profissionais ter futuro? Arquitetura, Urbanismo e Design são exemplos de áreas que estão a ser cada vez mais ignoradas em Portugal, apesar dos seus trabalhos serem reconhecidos mundialmente. Hoje em dia, questões relacionadas com o emprego e com o simples facto de se ter dinheiro para sobreviver, são preocupações constantes no quotidiano das pessoas, fazendo com que uma área tão importante para o bem-estar das pessoas, como o é a Arquitetura, passe para segundo plano. A título de curiosidade, dados do INE revelaram que nos primeiros seis meses de 2012, dezoito famílias abandonaram a sua residência dada a dificuldade em pagar o empréstimo que haviam pedido ao Banco e previram um aumento abrupto até final do mesmo ano, passando de dezoito para oito mil, as famílias “obrigadas” a sair da sua habitação; umas irão para casas com condições de habitabilidade deploráveis, outras ver-se-ão forçadas a dividir a sua habitação com outros membros da família e ainda há as que só poderão arrendar casa. Nesta fase de mudança na vida das pessoas, o arquiteto seria uma grande ajuda, mas dada a crise em que o País se encontra, eis

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p e d r o c a rva l h o

que surge outro entrave: tais pessoas não têm recursos que lhes permitam pagar. Não é só o bem-estar da população que se encontra ameaçado. Grande parte do património paisagístico, quer sejam monumentos, edifícios ou os simples feitos da natureza, têm vindo a sofrer uma degradação ao longo do tempo, chegando mesmo à ruína, nalguns casos. Tudo isto parece dever-se, em certa parte, à emigração e à queda nos índices de natalidade, que advêm da situação financeira que se faz sentir no País, originando vazios urbanos e, consequentemente, a necessidade de intervenção do Arquiteto nesse âmbito. Qual será então o papel reservado ao Arquiteto numa situação de calamidade como a que vivemos? Será que o seu trabalho é dispensável? Estará condenado a emigrar para conseguir trabalho? O Arquiteto é uma figura crucial na melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, pois durante e no pós-crise, há muito trabalho de colaboração a fazer com aquelas pessoas mais necessitadas e que prescindem da ajuda do Arquiteto por falta de dinheiro. O Arquiteto é a única pessoa com aptidão profissional, sensibilidade própria para perceber a longo prazo as consequências de uma intervenção no presente e com formação científica para pensar e concretizar um espaço de habitar adaptado às necessidades de cada um. Portanto, enquanto estudante de Arquitetura, é com revolta que vejo o descrédito em que esta área multidisciplinar caiu durante, principalmente, a última década. Há muita coisa por fazer. Naomi Klein, uma jornalista e ativista canadense, com artigos de opinião sociopolítica em vários jornais consagrados refere, numa das suas publicações, casos de sucesso de alguns países - latino-americanos principalmente - que tiraram partido dos conhecimentos dos arquitetos em situações económicas deploráveis, tais como aquela em que vivemos atualmente. O futuro da Arquitetura nacional será assim tanto mais risonho quanto maior for a compreensão dos políticos portugueses para com o bem-estar geral da população. A Arquitetura não se pode deixar acomodar e ser condicionada pela austeridade aqui verificada e estou convencido que, cada vez mais, as palavras de ordem terão que passar pelo confronto e pela resistência, para que a qualidade de vida das pessoas seja a melhor possível. Os Arquitetos têm que ficar onde são precisos!


BIOGRAFIAS

DIO G O DE C AMPOS

N

um momento, como o actual, em que se questionam a capacidade e até mesmo a legitimidade das principais figuras políticas da Nação, decidi apresentar-vos um dos maiores estadistas, bastante à frente do seu tempo, que Portugal alguma vez teve: Dom Pedro V. Dom Pedro, de seu nome completo Pedro de Alcântara Maria Fernando Miguel Rafael Gonzaga Xavier João António Leopoldo Victor Francisco de Assis Júlio Amélio de Saxe-Coburgo-Gotha e Bragança, nasceu a 16 de Setembro de 1837 no Palácio das Necessidades, filho primogénito da Rainha Dona Maria II e de seu esposo o Rei Dom Fernando II. Ascendeu ao trono português com apenas 16 anos de idade, mas foi considerado, por muitos, como um homem de uma inteligência e vontade de saber fora do vulgar, a que uma poderosíssima memória contribuiu para um brilho esplendido da sua personalidade. Soube aproximar e reconciliar a casa real da lusa gente, depois do reinado da sua mãe ter sido fruto de uma guerra civil. Dom Fernando, pai de Dom Pedro, é por muitos considerado como o principal apoio do jovem monarca, por causa das orientações que lhe terá dado no que diz respeito às grandes obras públicas que foram feitas. Era também descrito como um monarca com valores sociais e humanos muito presentes, devido à sua primorosa educação a que se junto um valiosíssimo trabalho de campo e um vasto conhecimento do continente europeu É aclamado rei no dia 16 de Setembro de 1855, precisamente no dia em que completa o seu 18.º aniversário, presidindo ainda nesse ano à inauguração do primeiro telégrafo eléctrico no país e no ano seguinte, em Outubro de 1856, participa na inauguração do caminho-de-ferro que ligava Lisboa ao Carregado. É no seu curto reinado que se iniciam as viagens de navio entre Portugal e Angola, na altura uma das colónias do Reino. Conseguiu dar um novo ritmo à vida nacional, graças ao seu espírito liberal e fortemente progressista. Dedicou grande parte do seu tempo a resolver problemas nas áreas da educação, área que considerou fundamental; da indústria, da agricultura, na melhoria das condições públicas e até mesmo na política internacional – os famosos “negócios estrangeiros”. É também conhecido por ter sido um defensor acérrimo da abolição da escravatura. Portugal entre 1853 e 1857 foi flagelado por duas epidemias: cólera e febre amarela. O monarca não cruzou os braços e decidiu percorrer os hospitais do país e estar próximo dos doentes. Em 1858 casa-se, por procuração, com a princesa Dona Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen, que viria a falecer no ano seguinte vitimada por difteria – uma doença que provoca inflamação e lesão em partes das vias respiratórias. Foi no reinado de Dom Pedro que se fundaram hospitais públicos e instituições de caridade, onde se destaca o Hospital de Dona Estefânia, localizado em Lisboa.

Dom Pedro foi um homem muito à frente do seu tempo. Estudou ciências naturais e filosofia, dominava a língua grega, o latim e até mesmo inglês. O seu educador foi Alexandre Herculano – considerado por muitos como influência de Dom Pedro. Faleceu no dia 11 de Novembro de 1861, precisamente na mesma cama onde havia nascido vinte e quatro anos antes no Palácio das Necessidades. Jaz no Panteão dos Braganças, no Mosteiro de São Vicente de Fora em Lisboa. Acerca da sua morte, e em jeito de conclusão, de Bulhão Pato retemos: «Foi a primeira vez que vi Alexandre Herculano chorar como uma criança.» (Memórias – volume II)

D. Pedro IV

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DESPORTO

É

com muita alegria e redobrada responsabilidade que aqui estou de novo, na tentativa de, senão puder fazer melhor, pelo menos dar continuidade ao que foi feito até aqui no que concerne às crónicas do Desporto e/ou da atividade física. A proposta para este número da ID não podia ser mais interessante e, ao mesmo tempo, não podia ser mais cruel, pelo menos para mim, que escrevo a uns milhares de quilómetros de distancia - Portugal! Falar do desporto em Portugal é quase falar só de futebol, dirão muitos, o que não deixa de ser verdade, mas para quem gosta do fenómeno sabe que não só de futebol vive o homem! Portugal tem demonstrado, nos últimos anos que, com pessoas bem formadas e competentes, se conseguem feitos em modalidades tão diferentes como a canoagem, o atletismo, o hóquei em campo e a ginástica. Esta última muito bem na vertente de acrobática e de trampolins, onde temos conseguido não apenas alguns pódios, logo medalhas, mas até alguns títulos europeus e mundiais. No ciclismo podemos orgulhar-nos de termos um dos mais promissores ciclistas da atualidade, que, só este ano, venceu duas etapas no Tour de França, a prova rainha do ciclismo mundial, de seu nome Rui Silva.

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a n t ó n i o m a r t i n s s i lv a

Corpo em Movimento O mais recente vencedor da ultra-maratona Badwater (em Death Valley, EUA) de 217 quilómetros, que começa 86 metros abaixo do nível do mar e termina a 4400 acima, é Português, Carlos Sá de seu nome. Falar do Desporto adaptado é falar de medalhas em larga escala. Seja em que modalidade for, estamos muito bem representados pelos nossos atletas que elevam sempre bem alto a nossa bandeira, mesmo quase não tendo apoio do Estado ou das federações que representam. Para eles o Desporto é a sua essência mais pura, a superação de objetivos e, com isto, surgem as vitórias. O Espirito de Viriato está muito entranhado nestes atletas e isso explica muito do seu sucesso. Mas isto são algumas evidências e até, se quisermos, o lado bom. Mas há o mau, claro… há sempre. E não deve ficar por abordar, que o jornalismo desportivo é somente comercial, não se preocupando nem com a qualidade das reportagens, nem com a qualidade da informação que devia prestar. As Federações, no seu geral, não apoiam suficientemente os atletas ou os clubes que representam. Até a mais forte de todas, a do futebol, só tem olhos para a Seleção Nacional sénior (porque esta dá mui-


to dinheiro), esquecendo todo um projeto das equipas mais jovens que, neste momento, estão quase ao abandono no que à qualidade do trabalho e prospeção diz respeito. Antigamente estávamos sempre representados nas mais diversas competições e, hoje, conseguimos apenas e, por vezes, ter as sub-20 nalgumas. O Governo prepara-se para matar a Educação Física nas escolas, esquecendo-se que não é a disciplina da cambalhota, mas sim a disciplina que educa uma geração para a prática da atividade física, sua importância, prazer e suas consequências. Responsável por educar os nossos jovens nos valores do respeito pelo adversário e pelo esforço, espírito de sacrifício e trabalho em equipa (se for o caso) para se conseguir algo. Não descurando os hábitos de higiene e de boa nutrição. Mas isto pode desaparecer porque quem governa não tem noção das coisas e não sai do gabinete! Num futuro bem próximo e com uma geração mal preparada, quem será responsável pelo aumento dos problemas de saúde física e mental da população? Ninguém. Com certeza, porque Portugal tem esta grande virtu-

de…Politico é abençoado e é, quase como Sua Santidade o Papa, infalível. Quando opina/fala é dogma, não se questiona, até porque só pode estar certo!!!!! Como dizia no início, vivo bem longe desta realidade no aspeto geográfico, mas estou sempre “dentro” do que acontece no Burgo. Se, por vezes, se me molham os olhos de orgulho, infelizmente molham-se, muito mais vezes, por vergonha, por raiva, por impotência. Falar de Portugal, nos nossos dias, é dizer que temos um País lindo, fantástico, cheio de potencial físico e humano, mas que uns quantos teimam em não ver, não potenciar e, pior, estragar, “expulsando” todos estes que gostariam de dar outra face, outra realidade e um futuro sustentado, tornando Portugal um País onde viver fosse mais que um prazer, fosse uma verdadeira qualidade de vida, onde os hábitos de atividade física e desporto fossem uma realidade, não por necessidade ou por estética, mas por puro prazer, onde poderíamos levar os filhos, os amigos, os/as companheiros(as) e nos pudéssemos orgulhar de que cuidamos dos nossos e estes cuidarão de nós!

Até à próxima… em movimento!

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DANÇA Temáticas da/na Dança

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ntramos na sala, o cheiro é sempre uma mistura de boticário que paira no ar. Olhamos em redor, e os “do redor” olham-nos pontualmente. E lá estamos nós à espera do inesperado, há uma expectativa que se abre sem limites concretos, sem trajectória. Esperamos e desejamos, mas será que estamos disponíveis? Como 0’Neill escreveu “esperança e surpresa estão demasiado contaminadas de humano para poderem participar nesta disponibilidade para o que vier de um lá que nem sabemos onde se situa, onde terá vigência”. Por vezes não se sabe o que se vê, não nos parece ser nada, nem o novo, nem o esperado. Fica-se calmamente sentado a aguardar que nos entre pelos olhos. Apenas que nos entrem pelos olhos aquelas infindáveis imagens de gentes que se movem aparentemente sem rumo e sem trajectória, tal como as nossas expectativas. Eis a passividade do pensamento, eis a glória do público zero. Heraclito formulou de uma forma clara essa imposição: “ se não buscas o inesperado não o encontrarás, que é penoso e difícil encontrá-lo”. Por isso, não esperar, mas ir ao encontro de, tentar alcançar no tempo e no espaço, o que implica por parte do agente, uma vontade própria de busca. A Dança, a dança teatral do Ocidente, já foi barroca, romântica, clássica, moderna, abstracta, com influências de tudo e apenas do nada, já foi conceito e realidade, minimal e até somente ou quase palavra. Já deixou de ser dança para ser “só” performance, ou “só” com “mente” performance contemporânea. Mas o público continua a querer ser zero e o criador um zero à esquerda que não se consegue colocar à direita e somar. Num trabalho de Olga Roriz intitulado Jardim de Inverno, aparece um texto da coreógrafa que começa da seguinte maneira: “ No jardim da casa do mar Ela espera. Avança e logo pára. Ela não pára nunca.” Não será isto que se pode dizer sobre a Dança? Não será isto o estado da Dança em Portugal? Não basta apenas desejar. É preciso agir, abrir as portas ao hoje e não ficar preso no novo de ontem, ou às novas danças de antes de ontem. A maioria de nós vive presa a formas hidráulicas de vida, em que esperamos que nos elevem as pernas, para que tudo façam por nós.

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L u I Z ANTUNES

PÚBLICO ZERO Houve correntes que tudo queimaram em nome do novo, assim teve que ser; Mas agora deixem que o queimado amargo, que ficou, dê lugar às pequenas pontas verdes que surgem no meio dos troncos carbonizados e secos. Nos anos 80 a “Nova Dança Portuguesa”, forte movimento constituído por várias cabeças pensantes e corpos dançantes, que moldados foram por técnicas bem sólidas de base, trouxe grande criatividade, propondo uma nova realidade, que aceite foi. Segundo a coreógrafa e bailarina Vera Mantero “estamos, sem dúvida, num país dos mais pobres culturalmente onde as artes interessam a pouca gente e a dança interessa ainda a menos gente dentro do mundo das artes”. Será apenas isto? E o público zero continua sem nada perceber! As estruturas de dança actuais (formadas por bailarinos, coreógrafos, críticos, entre outros) são sempre mais pensantes do que actuantes, com o argumento de que as gerações mais novas “não assumiram as rédeas”. Mas quem as deixa? Outra questão pertinente fica no cosmos: onde é que esta nova geração da dança teve a sua formação? Quem os formou? Todos os que anularam as suas bases, não tendo consciência, que é isso que lhes permite ter um corpo ainda actuante e pensante? Perdoem-me, mas desconfio da consciência. Pois pelo menos as actuais estão ocidentalmente conformadas e confundem-se com a culpa, o remorso, a expiação ou, então, com vaidade, orgulho, prepotência. Tal como a consciência, por vezes a memória é curta, por isso não nos esqueçamos que muitos dos incendiários tentam hoje semear as suas colheitas em terrenos violentamente queimados. Mas a olhos vistos sem os rebentos idilicamente desejados, cada umbigo, por maior que seja, alberga em si uma quantidade reduzidíssima de sementes. O público quer ser zero por pensamento, actos e omissões, continuando para bem de muitos e para mal dos matemáticos, que não conseguem descobrir uma nova formula, de somar ao zero, conteúdo. O espectáculo chegou ao fim e as essências de boticário, dando cor ao olfacto, dão lugar a um bafiento transpirar de desconforto de quem nada quis perceber, ou de quem não sabe como dizer que não gostou! Somos todos espectadores de situações zero. E ele há tanta maneira de deixarmos de o ser, não há?


MÚSICA

RUI SOUSA

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A Meio Tom: Portugal e Modas

om os calores de uma Primavera persistente surgiu, em Portugal, o desagrado do chamado povo para com o Governo. Cada pessoa, com as suas razões (ou por lhes ter sido cortado parte dos rendimentos ou por lhes ter sido cortada parte da reforma ou mesmo por verem que cada vez se tem de pagar mais por uma única gota de água canalizada), saiu às ruas, em pleno Fevereiro, para juntar a sua voz às muitas outras a fim de mostrar o seu desagrado perante as medidas do Governo. Porém, é aqui mesmo que o “povo” (as aspas surgem com um contexto) começa a falhar. Aliás, decidiu deixar-se levar por modos, desenterrar antigos costumes e surgiu, em todo o seu esplendor, com a música “Grândola Vila Morena” em plena Assembleia da República. Este gesto, obviamente, teve o efeito de uma pedra num lago calmo: formou ondas e mais ondas e acabou por se propagar e influenciar tudo e todos que se encontravam à volta do epicentro. Antes de continuarmos com a história, vamos colocar a pergunta: o que é a “Grândola Vila Morena”? A resposta é bastante simples e, ao mesmo tempo, complicada. Graças ao Estado Novo de Salazar, um músico português, leia-se Zeca Afonso, viu algumas das suas músicas proibidas de passarem na rádio, já que o músico era associado, pelo Estado, ao Comunismo. A “Grândola” não foi uma delas e eis que, em plena ditadura, Zeca Afonso toca esta música para uma plateia e a mesma faz-se de coro, mostrando o seu desagrado para com o estado actual do País. A música foi então considerada um símbolo de revolução e isto mesmo ficou reforçado quando a 25 de Abril de 1974 esta passa na Rádio Renascença como marco do início da Revolução

Assim sendo, é apenas preciso salientar uma diferença entre 1974 e 2013 para tirar alguma credibilidade às acções de Fevereiro: em 1974 havia Ditadura e em 2013 há Democracia. Posso apenas concluir que o “povo” decidiu banalizar o significado da música (ou, melhor, o significado que a música ganhou) e apostar na mesma para criar burburinho entre as forças políticas. Falharam e saíram ridicularizados. Criaram a falsa esperança de que o “povo” estaria pronto para se mexer e criar uma nova revolução, talvez mesmo invadir, em plena sessão, a Assembleia da República. Em vez disso, 20 fulanos juntaram-se, foram à tal sessão e decidiram interromper qualquer que fosse o assunto em ordem a tratar pelos líderes políticos. A esta mesma acção, juntaram-se coros da “Grândola” pelas ruas às quais se seguiram zero queixas, zero razões e zero propostas de modificações. De certa forma, a intenção inicial do movimento fazia sentido: as pessoas chamam a atenção para o desagrado geral. Mas quando essa atenção já está ganha, é então preciso mostrar-se o que se quer mudar e sugerir formas de se criar essa mudança. Seria preciso saber controlar as emoções, o fanatismo pelo “o que está em moda” e saber pensar e realmente criar mudança. Infelizmente, como em caso geral, Portugal falhou e aqui estamos, 7 meses depois, com o movimento esquecido, a música esquecida e, mais uma vez, passivos. Tal como no mundo da Música, os movimentos persistem durante uma semana e depois caem no poço do esquecimento, deixando vestígios quase invisíveis na memória das pessoas.

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Teatro DE TEATRO SE fALA

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uando falamos de Teatro, esquecemos as cenas de teatro que vivemos no dia a dia e nas quais somos participantes ativos. Em casa, fora dela, no trabalho, na rua, no dentista, enfim, qualquer ponto do globo por onde caminhamos e que preenchemos com “coisas”, a que eu chamo de momentos. Momentos “teatrais”, cujas personagens não sabem, ou não têm consciência que o são e, por isso, vão-se fazendo umas “figurinhas”. Num desses momentos, vai passar no palco do quotidiano, uma personagem chamada Maria. A situação é real e o palco uma casa de família civilizada e de gente honesta. Passo a descrever. « A Maria era desgarrada por natureza. E descarada também.. Mas era aparentemente bem comportada. Situações dramáticas não lhe faltavam na vida. Mas, como diz o povo, e bem, o tempo resolve muita coisa, dizem. Ela às vezes duvidava dos ditados, mas neste ia confiando. Também dava jeito arranjar um ajudante que ajudasse a desdramatizar os dramas. Daí que encomendava muitas coisas ao tempo. Ele resolve muita coisa, sim, se criarmos nova forma nos acontecimentos passados! E ao criar, damos a nós próprios, sobretudo uma visão mais alargada, mais ampla, daqueles momentos. Mas deixemos a filosofia e passemos à ação. Questão 1ª: Ela, a Maria e usando uma frase dela mesma, dava o cu e cinco tostões por uma boa conversinha. Só que nem sempre a conversinha era boa, e nessas alturas a Maria normalmente passava-se. Fazia o que lhe dava mesmo na gana. Era, segundo alguns amigos, uma gaja porreira, mas... perigosa. Certa vez, um amigo, num aviso deste género, perguntou: - Mas perigosa como? Ao que lhe responderam que, era perigosa porque nunca se sabia muito bem o que iria sair dali. - Mas é uma gaja porreira, pá! – rematavam. E a Maria, que sabia que pensavam isto dela, gozava com a situa-

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ROSA SOARES

Dos bastidores ção. Astuta e matreira como só ela sabia ou pensava que sabia, tinha a lata ou a coragem de dizer, com propriedade, o que lhe passava pela cabeça. Dizer ou fazer. Tinha sempre, até chateava, razões fortes para as suas ações “perigosas”. Um dia, o namorado apareceu em casa dela com um amigo, segundo ele monhé, segundo ela um homem dos seus 40, 45 anos, indiano bem escuro, não muito bonito, um ar um tanto mole e toda a aparência de quem está no mundo por estar. Pior, de quem está no mundo como uma grande chatice. Era fim de um dia de Outono muito invernoso. O namorado não tinha jantado em casa dela e quando apareceu trazia a tal companhia monhé.. A Maria cumprimentou, simpática, como boa anfitriã que era e sentaram-se. O namorado, que percebia de música, pôs discos a rolar e o tema da conversa durante algum tempo caminhou por esse setor. Até que as mulheres passaram a ser o tema. Mulheres assim e assado, “porque” as mulheres, “mas” as mulheres, poligamia sim ou não, monogamia não ou sim, estatísticas, mulheres sim porque um mal necessário, mulheres não porque trazem o Inferno com elas. Enfim. Sem comentários. E a Maria ia opinando, com um certo sorriso. Fê-lo 2 ou 3 vezes. Ela tinha percebido já, que o seu namorado era muito mais cabotino do que ela pensava que ele era. E reparou também que o amigo do namorado era um muçulmano xenófobo, chauvinista, fundamentalista e que tinha aquele ar que pode parecer de Inverno mas que era o ar do próprio conflito acomodado. Ele debatia-se com os seus ismos todos. E o principal e complicado ismo de resolver era o mulherismo. E como a Maria não era clubista de nada, começou a sentir umas comichões no corpo, sinónimo de incómodo acelerado. Apercebeu-se que estava nitidamente a ser insultada, na sua qualidade de pessoa, não de mulher especificamente, por alguém que


não conhecia ou talvez se tivesse cruzado umas duas vezes nalgum sítio, mas com quem falava diretamente pela primeira vez. E que, o seu namorado, era muito mais mau caráter do que o amigo monhé. Detetou, também, que o amigo monhé era burro e que até parecia que tinha vindo de propósito a sua casa para a insultar. Ao vivo. Não estava a gostar nada da brincadeira. Bom. Era chegada a altura de fazer qualquer coisa, até porque ela sentia que alguns limites já tinham sido ultrapassados. Meteu mãos à obra. Levantou-se, olhou para os dois senhores e disse: - Vós sois um nojo! E não percebeis nada de mulheres, nem de nada. E como não me quero chatear, vou dar uma volta e venho já. A Maria não tinha carro. Era uma mulher lindíssima, e mesmo vestindo-se sem estilo, informal, tinha qualquer coisa de próprio. Ar altivo, estatura 1,60 mais ou menos, uns trinta e oito anos bem apaladados, um riso contagiante, mas quando saía do sério a sua estatura aumentava e o ar era um pouco intimidante, senão bastante. Via-se nela um animal feroz. Isto para dizer que a Maria saiu com estes ares todos juntando-lhe a raiva contida na dita conversa. Sai de casa disparada, em passo de militar raivoso e dá duas voltas ao largo quarteirão onde vivia. Perto do local de casa, já na volta, lembra-se: Não há ninguém na rua! Viu as horas. 4 da manhã! Eh pá, que sorte, podia ter sido assaltada, ainda por cima com a toxicodependência pelas redondezas podia ter tido uma valente chatice! E logo a seguir pensa: Também a andar assim e com esta fúria ninguém se chegava a mim. E continuou, com o seu passo largo e firme, mas já menos acelerada internamente. A vontade de matar tinha amainado. O vento tinha também passado por ela e levado o seu peso. Tinha-a aliviado. Tornara-se mais leve… Entrou em casa. Ainda fora da porta de entrada, não ouvia que saísse

de dentro algum som. Nada. Pensou: O outro já foi embora. Que alívio. Vou ter relambório e missa cantada. Tudo bem, hoje estou por tudo. Portanto, já na sala, depara-se afinal com os mesmos dois senhores que estavam antes da sua saída. O silêncio era total. Não havia música e os dois monhés, estavam no mesmo sítio, sentados e mudos. Parecia até que nem respiravam. A Maria colocou-se à frente deles, olhou para os dois e, seca, disse: - Eu vou-me deitar. E você - para o indiano – quando quiser pode sair. A ti – para o namorado – quando fores para o quarto não me acendas a luz. Se isso acontecer arriscas-te a que hoje voe qualquer coisa. Muito boa noite. Virou costas e foi-se deitar. Não demorou 10 minutos a que o namorado se despedisse do seu amigo e entrasse no quarto sem acender a luz. Pelos vistos sempre que havia discussão ela arrastava-se indefinidamente e esticava-se infalivelmente pelo quarto dentro. Ela sentia que o quarto era assim como o local dos estilhaços que a bomba tinha produzido. Naquela noite não ia ser assim. Ela era a bomba. E o silêncio continuava, com uns pequenos estalidos na casa-de-banho por onde ainda passeava o namorado. Até que, entrou no quarto, silencioso e deitou-se. Não se mexeu durante uns minutos, até que se voltou para as costas da Maria e sussurrou-lhe: - Maria, vira-te para mim... E a Maria respondeu: - Se voltas a abrir a boca ou a tocar-me, podes crer que vais ter merda e da grossa! Boa-noite. Ele virou-se para o outro lado, e ficou assim durante uns dias. » Será que temos consciência das "cenas" que nos acontecem e do figurino que vestimos nesses momentos??? Gostei da Maria. Atuante, consciente do seu "papel" no mundo e sem medo do que "eventualmente" pudessem pensar dela. O nível de justiça feito a si própria não será comum também. Ser verdadeiro, era o lema dela. Em todos os palcos.

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TELEVISÃO

N

ão nos enganemos…nos dias que correm tudo o que se passa em televisão (leia-se entretenimento) é guionado, há sempre um script. Desde o drama, a sitcom, o documentário, até ao mais real dos reality shows todos têm um guião e, com mais ou menos verdade, ele está sempre presente. O que mais aprecio em ficção é mesmo o facto de, ao assistir a algumas produções com qualidade, esse termo se tornar ausente – ficção. A produção de que vos falo não se encaixa, por completo, em nenhum dos habituais géneros.. em inglês usa-se um termo que começa a ganhar força o mockunmentary, não havendo tradução e que, significa, literalmente, documentário em gozo. Modern Familiy – Uma Família Muito Moderna (da americana ABC, que por cá passa na Fox Life), é um mockunmentary pois as cenas são apresentadas no formato standard de uma comédia, mas genialmente interrompidas por comentários previamente gravados das próprias personagens, muito à semelhança de um documentário ou reality show. Nesta história podemos conhecer uma família, aparentemente diferente, mas onde se identificam traços característicos de milhões de famílias. São três os núcleos que a compõem…nas três casas podemos ver Jay e os dois filhos Claire e Mitchel, com as respectivas famílias.

Comecemos pelo Patriarca, Jay Pritchett (Ed O’Neil), que após um casamento falhado de longos anos, voltou a casar, desta feita com a colombiana Gloria Delgado (Sofia Vergara) também ela divorciada e com um filho adolescente do primeiro casamento Manny Delgado (Rico Rodriguez). Tendo Jay bastante sucesso empresarial, percebe-se que vive de forma descontraída, quase que numa pré-reforma, indo umas horas por dia à empresa, usufruindo do que a vida lhe deu, dinheiro e uma segunda oportunidade no amor, com uma voluptuosa e muito mais nova mulher. Mas nem tudo é tão relaxado quanto desejava, pois vive com duas pessoas que são tudo menos relaxadas. Gloria é uma latina muito energética que quer estar longe da rotina, apesar de relativamente jovem, fazendo questão de dizer que já viveu muito, cresceu num bairro pobre na Colômbia, tendo casado cedo, foi mãe muito nova e cedo se apercebeu que não poderia contar com o marido para educar e cuidar do filho. Manny tem uma sensibilidade fora do comum, muito culto, gosta de ler, um romântico que aproveita todas as oportunidades para mostrar esse mesmo romantismo através da poesia…um pequeno à parte, tem apenas 12 anos, mas recusa as limitações da idade, muitas vezes declarando-se de forma muito natural a raparigas mais velhas. Quando Jay o tenta dissuadir, Manny deixa-o sem argumento, dizendo que ele próprio casou com alguém muito mais novo, como tal porque não pode ele se declarar-se a uma rapariga mais velha?! Mas algo mais intenso veio mudar os planos de Jay, pois Gloria engravidou e, desta forma, Jay que aos 60 já tinha filhos e netos, volta a ser pai. Numa outra casa vivem mais cinco elementos da família de Jay, a

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ANT Ó NIO C ASTRO

MODERN FAMILY filha Claire Dunphy (Julie Bowen), casada com Phil Dunphy (Ty Burrell) e os três filhos do casal Haley (Sara Hyland), Alex (Ariel Winter) e Luke (Nolan Gould). Este é talvez o núcleo com que mais me divirto. Phil é um agente imobiliário de sucesso e, como marido e pai, está sempre a tentar dar o melhor, exagerando muitas vezes na tentativa de se aproximar dos filhos que, na fase da adolescência, querem, naturalmente alguma distância. Apaixonado por gadgets, está sempre com ideias para invenções, que nunca chegam a bom porto, primeiro porque, como aluado que é, esquece-se sempre de terminar o que começa e segundo porque todas elas são impraticáveis sendo dignas da imaginação muito fértil de um criança. Claire optou por estar em casa para poder dar um rumo à família…ela costuma dizer que se sente mãe solteira com quatro filhos. Num ponto da história ela admite que sente falta da carreira profissional de que abdicou e pensa em voltar ao trabalho, uma necessidade pessoal, mas percebe que a decisão de ficar em casa foi tomada por via das circunstâncias. Sendo uma verdadeira control freak (controladora por natureza) já não consegue abstrair-se do seu papel de capitão do navio. Sem ela esse navio ficaria, com toda a certeza, encalhado. Ela sabe-o, assim como o marido e filhos. Por falar em filhos, a mais velha Haley, que actualmente está com 18 anos, sempre foi pouco dada aos estudos, preferindo apostar no seu estatuto social, apresentando-se como a miúda popular, atraente e com muito a desejar intelectualmente, mas que em muitas ocasiões


surpreende com a sua perspectiva prática da vida e que garante alguma tranquilidade aos pais no que diz respeito ao futuro da filha. Alex a filha do meio, está na adolescência, mas mostra uma maturidade muito invulgar, o oposto de Haley, pois aposta na sua capacidade intelectual e pragmatismo, em detrimento do estatuto social. Muito assertiva, sarcástica e não tendo problemas nenhuns em usar a sua superioridade intelectual para se divertir com a consequente inferioridade dos irmãos e até mesmo dos pais. Mas percebe-se, em alguns momentos da história, que gostaria de ter um pouco mais de vida social e isso, não a afectando profundamente, acaba por amenizar o seu pragmatismo. Por fim o benjamim da família, Luke, que não aposta nem no estatuto social nem no intelectual, sendo um miúdo que vive o seu próprio mundo. Claire e Phil, nos referidos comentários para a câmara, admitem ter “deixado cair a bola” com a educação de Luke. Ele não se preocupa minimamente com o que os outros pensam e, muito menos, com as consequências dos seus actos. Em alguns episódios, principalmente nas temporadas três e quatro, quando começa a entrar na adolescência, percebe-se que ele não é propriamente um caso perdido. Ele só não sabe o que não quer e, no que diz respeito ao intelecto, ele simplesmente não quer. Num pequeno à parte o actor que dá a vida a Luke é o completo oposto. Nolan Gould entrou, recentemente, na Universidade com apenas 14 anos.

Para completar temos o núcleo de Mitchell, filho de Jay e irmão de Claire. Mitchell Pritchett (Jesse Tyler Ferguson) vive com o companheiro Cameron Tucker (Eric Stonestreet) e a filha adoptada de ambos Lily Tucker-Pritchett (Aubrey Anderson-Emmons). Mitchell é um advogado com algumas características muito semelhantes à irmã, algo controlador e um pouco competitivo, sendo feliz ao lado do companheiro. A vida corre-lhe bem, adoptou uma filha e finalmente o pai deixou cair a parede de gelo que se criou quando assumiu a sua homossexualidade. Muito à semelhança do pai é o senhor certinho, que não gosta muito de fugir à rotina, sendo aí que entra Cameron, uma pessoa que tem como paixões a música (toca alguns instrumentos e dá aulas de música) e o seu alter-ego o palhaço Fizbo. Oriundo de uma zona rural, ele é alguém muito energético, com uma personalidade muito expressiva e alguns traços femininos que para efeitos cómicos é genial. Facto curioso é que Eric Stonestreet, sendo heterossexual, tem uma performance divinal interpretando Cameron. Esta casa ganhou nova vida com a chegada de Lily, oriunda do Vietenam. Nas primeiras primeiras duas temporadas era representada por um par de gémeas, quando ainda bebé, tendo dado lugar, a partir da terceira temporada, a Aubrey, desta feita já com algumas falas e diga-se, de passagem, em bom português, curtas e grossas… Algo que vale a pena salientar, diz respeito às diversas nomeações e prémios. Modern Family ganhou 61 das 189 nomeações a prémios. As mais importantes em televisão são os Emmy Awards em que ganhou 16 das 45 nomeações. Quero dar ênfase a dois pontos…o primeiro é que em 4 nomeações para melhor programa de comédia, ganhou 3 (a gala de 2013 ocorre a 22 de Setembro, ainda não se sabendo se ganhou ou perdeu). O segundo ponto é algo inédito em televisão, os actores e produtores submeterem todas as performances como actores secundários, argumentando que não iriam conseguir escolher personagens principais dentro do elenco. Daí não haver nenhuma nomeação como actor/actriz principal. Vemos, por isso, os diversos actores da série competirem entre si dentro da mesma categoria. Por exemplo na categoria de melhor actor secundário dos 6 nomeados 4 eram os actores de Modern Family (excluindo crianças), o mesmo acontecendo na categoria de melhor actriz secundária, em que as duas actrizes estiveram nomeadas. Algo fora do comum e que se tem vindo a repetir é que todos os 6 actores/actrizes (adultos) foram nomeados simultaneamente. Com um elenco de onze personagens, cada uma melhor que a outra, é quase impossível descrever tudo o que de bom tem cada uma delas. Quase poderia escrever uma crónica por personagem e respectivo actor. O que de mais aproximado posso fazer é convidar, quem nunca viu, a espreitar um único episódio que seja de qualquer uma das quatro temporadas já transmitidas, pois aí possivelmente surgirá a inexplicável vontade de ver todos. E aguardar para ver a estreia da quinta temporada que é lançada, nos EUA, no final de Setembro e, em Portugal, possivelmente, umas semanas depois.

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lazer

F RAN C IS C O V IL H ENA

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os carris da memória, observo algumas das fachadas das casas que venceram a promoção do betão urbanístico fazendo jus a traça original da nossa cidade e ao som das ruas do Porto, faço um caminho, outrora menos povoado, entre um percurso e outro … Sobre os carris, ruídos quase abafados pelo trânsito que se faz sentir na cidade, ou pela confusão da invicta, começamos a andar…

Com a imaginação como parceira, e a capacidade de recordar, a viagem torna-se mais suave e quase consigo voltar ao antigamente, em que as crianças corriam atrás do eléctrico, tentando empoleirar-se, onde as deslocações se faziam com sorrisos, cúmplices de uma rotina …

Um passeio de Elétrico Consigo ouvir desde as peixeiras, aos comerciantes, engraxadores de sapatos, vendedores de jornais e rifas... Actualmente, e mais do que uma necessidade, esta deslocação prende-se com toda uma atracção turística, devido à aparição do metro, o primo modernizado mais rápido. Experimentem fazer-se acompanhar pelos vossos avós e tentem visualizar o Porto desses tempos, assim como eles vos vão contar... Relaxem… ... e aproveitem a viagem ♥

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TURISMO

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ortugal, um país singular com uma história e uma cultura inconfundíveis. Uma nação que deu a conhecer ao Mundo, um novo mundo. Essas marcas são, nos dias de hoje, marcas bem visíveis nos mais variados cantos da terra. Em qualquer continente o trabalho e a presença dos Portugueses podem ser encontrados de várias formas. Podemos destacar por exemplo a arquitetura e a língua que são vestígios bem presentes no quotidiano das pessoas desses mesmos países onde Portugal esteve presente. A época dos Descobrimentos, uma época da qual os Portugueses se orgulham tanto, sem qualquer sombra de dúvida nem só deu uma enorme riqueza ao nosso país, como também pôs Portugal no centro do Mundo. Contudo ao longo da nossa história, vivemos momentos de grandes crises que em muito contribuíram para o empobrecimento de Portugal em vários níveis. Mais concretamente durante o período de Salazar, Portugal perde assim imensos anos e, em vez de acompanhar a evolução da Europa, simplesmente há uma grande regressão. Como seria de esperar, todo este período teve um grande impacto negativo no país e na sociedade. Uma vez que tivemos um país “fechado” ao exterior durante muito tempo, após a queda do regime, Portugal a passos largos tentou recuperar esse mesmo tempo perdido. O facto de não termos acompanha-

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ELV IO BETTEN C OURT

PORTUGAL do a evolução fez com que Portugal não tivesse, por exemplo, uma mão-de-obra qualificada, o que impediu a evolução das nossas indústrias e da Economia. Com a queda do regime e a partir do momento em que nos abrimos novamente ao exterior, Portugal começa a importar de forma massiva e, como havia uma grande discrepância entre o que exportávamos e o que importávamos, fez com que essa mesma discrepância se refletisse na balança comercial. Claramente um dos motivos pelo qual tivemos uma fatura extremamente elevada para pagar. A isto podemos adicionar mais uma consequência. Já que os outros países tinham uma indústria muito mais avançada e com mais qualidade do que a nossa, isto fez com que, durante muitos anos, os Portugueses continuassem a dar mais valor aos produtos que vinham do exterior, o que também afetou gravemente a Economia nacional. Felizmente, nos dias de hoje podemos encontrar um Portugal bem diferente daquele que uma vez foi. Nos dias que correm temos um país desenvolvido, um país que conseguiu preservar a sua Cultura, as suas tradições e ao mesmo tempo se desenvolver em todas as áreas. Apesar da conjuntura económica que se vive na Europa e obviamente em Portugal neste momento, sabemos que temos um país capaz de ultrapassar esta fase


e de voltar a crescer, porque pode contar com pessoas competentes que façam com que isso aconteça. Assim, os Portugueses voltam novamente a acreditar no país que estão a construir, assim como na qualidade do que produzem. Acreditam, acima de tudo, que podem inovar, fazer mais e melhor. São estes alguns dos fatores vitais que fazem a diferença. Portugal sempre foi, também um país virado para o mar. Uma porta de entrada para a Europa assim como um ponto de ligação entre continentes. Conta, neste momento, com uma das maiores Zonas Económicas Exclusivas do Mundo, onde ainda há muito para fazer. É preciso saber aproveitar, dar valor e usufruir do que já temos e, a partir daí, poder criar. Podíamos ter um país que pudesse gerar muito mais oportunidades. Temos tantos Portugueses que são bons lá fora, porque é que não hão-de ser bons cá dentro? Trabalhar e divulgar mais a marca Portugal seja dentro da UE assim como fora dela é, também, essencial. A história de Portugal pode servir de exemplo disso mesmo, de que podemos chegar a qualquer parte do Mundo. Como não há nenhum país perfeito, temos ainda em Portugal alguns elementos que condicionam, de alguma maneira, um pouco do nosso desenvolvimento. O excesso de burocracia, assim como os chamados monopólios / lobbies que tentam, de alguma forma, manipular o que é feito e decidido no País.

Sendo a corrupção, também, um grande problema para qualquer país, quero acreditar que Portugal terá como prioridade acabar de alguma forma com a que nele existe. Desde modo Portugal consegue gerir e aplicar de uma forma mais eficaz os seus fundos, permitindo assim criar mais oportunidades que vão definitivamente contribuir imenso para o contínuo desenvolvimento de Portugal. Acredito ser possível e que, este é um País capaz.

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TECNOLOGIAS

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Enfrentar a Crise: A tecnologia ao serviço do empreendedorismo

ma das consequências positivas que a crise tem na sociedade é o surgimento de novas ideias de negócio. Com o aumento do desemprego e das necessidades, o típico cidadão de classe média com espírito empreendedor sente-se tentado a procurar novas formas complementares de obter um rendimento extraordinário para o ajudar a fazer face às dificuldades acrescidas dos tempos em que vivemos. Surgem então iniciativas espontâneas como a comercialização de artigos manufaturados, a venda de cosméticos, gadgets ou até mesmo artigos esotéricos, habitualmente focadas em pequenos mercados de nicho específico. O que têm em comum iniciativas como esta são geralmente a falta de capital para investimento inicial em infraestruturas, a ausência de uma estratégia de marketing eficaz e a falta de um suporte organizado para gerir o negócio. É aqui que a tecnologia se torna numa aliada fundamental: Uma forma eficaz de contornar estas dificuldades consiste na virtualização do negócio - a criação daquilo que é vulgarmente conhecido como uma loja online. A utilização de plataformas de comércio eletrónico tem a vantagem de permitir aos empreendedores alcançarem um leque mais alargado de clientes do que os métodos mais tradicionais, de uma forma cómoda, eficaz e com um baixo investimento. Torna-se assim possível auto-

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h u g o va z

matizar todo o processo burocrático de gestão das encomendas e processamento dos pagamentos, e ao mesmo tempo suprimir todas as despesas inerentes à manutenção do espaço de uma loja tradicional, libertando tempo e capital para que o empreendedor se possa concentrar nas áreas do negócio que realmente importam: o acompanhamento direto e personalizado aos clientes e o constante aperfeiçoamento da estratégia de negócio para fazer face às necessidades reais do mercado. As despesas com o software das plataformas de comércio eletrónico há muito que deixaram de ser um problema. Os melhores softwares disponíveis na atualidade para este efeito são completamente gratuitos ou disponibilizam uma versão gratuita para download. A título de exemplo, destaco o Magento CE, o PrestaShop e o Opencart. Estes têm a ainda a vantagem de serem desenvolvidos tendo em mente a sua facilidade de utilização por parte do utilizador comum, tanto ao nível da interface de clientes como do painel de gestão e administração da loja online. Por outro lado, para que a loja online fique disponível para o público em geral, é necessário hospedá-la num servidor de alojamento de websites, onde esta poderá ser acedida através de um domínio como por exemplo www.lojadaspalavras.com. Existem boas soluções no mercado de alojamento web nacional para este efeito,


por um valor mensal frequentemente inferior ao de uma refeição num restaurante de uma das mais conhecidas cadeias de fast-food internacionais. Também aqui a tecnologia se encontra ao serviço do utilizador final, já que os painéis de gestão destes serviços de alojamento possuem interfaces amigáveis para o utilizador, destinadas a serem usadas por utilizadores sem conhecimentos técnicos específicos da área. Há muito que a gestão de websites deixou de ser um privilégio reservado aos especialistas. É possível inclusivamente instalar qualquer uma das supra citadas plataformas de comércio eletrónico de forma completamente automática no serviço de alojamento, com apenas alguns cliques no painel de gestão do mesmo. Para além disso, as empresas de alojamento web nacionais prestam suporte em português ao qual o cliente poderá sempre recorrer caso ainda assim eventualmente venha a encontrar alguma dificuldade. Em alternativa, existem também algumas soluções de lojas online "chave na mão" (prontas a usar) que qualquer pessoa pode subscrever, embora estas estejam disponíveis tipicamente por um valor mensal mais elevado e com funcionalidades mais limitadas quando comparadas com a solução que indiquei inicialmente. Uma vez configurada a loja online, o empreendedor poderá focar-se noutro dos principais fatores para o su-

cesso do seu projeto: os seus clientes. A receita para o sucesso de qualquer sítio na web prende-se com a qualidade dos seus conteúdos e consequente interesse que o mesmos geram nos seus visitantes. Em geral, é um boa estratégia abordar assuntos que agradem ao público-alvo promovendo a interação mútua e eventualmente mencionando algumas sugestões de utilização dos produtos que comercializa, com fotografias e/ou vídeos. Por essa razão, é frequente as plataformas de comércio eletrónico disponibilizarem ferramentas práticas para a criação e manutenção de blogues integrados diretamente nas lojas online ou até para interação com as redes sociais, ferramentas essas que não devem ser de todo menosprezadas. O valor do marketing word-of-mouth e do networking é imensurável nos dias de hoje. Adicionalmente, a perseverança, o sentido auto-crítico e o constante refinamento da sua estratégia de marketing e melhoria da qualidade dos serviços prestados são também aspetos fundamentais para o sucesso em qualquer área de negócio. Existem ferramentas de estatísticas que permitem validar em tempo real os resultados de uma estratégia de marketing, e desta forma é possível perceber quais as estratégias com melhores resultados e quais os aspetos que requerem atenção. Uma ferramenta de estatísticas incontornável é o Google Analytics, que é muito intuitivo e integra com as plataformas de comércio eletrónico supra citadas em apenas alguns cliques, produzindo análises muito boas e de fácil interpretação.

Bons projetos e até à próxima!

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DONATIVOS Numa altura em que os pedidos de auxílio e colaboração aumentam de todos os lados a CASA tenta responder a todos mas as contrapartidas diretas que recebe são, na maioria das vezes, pouco consistentes. Se todos os amigos e associados da CASA contribuírem, por mais simbólico que seja o valor, conseguiremos prosseguir o nosso trabalho. Mais do que nunca precisamos de todos os amigos que, desde sempre, fizeram da CASA a sua casa!

Ajuda a CASA a continuar a ajudar!

Rua Santa Catarina, 1538, 4000-448 Porto ³ 918 444 828 ³ www.ass-casa.com ³ geral@ass-casa.com ³ facebook/AssociacaoCASA 74


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F RAN C IS K INDER

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este hiato de oito meses, muita coisa aconteceu. O Brasil viu mais de um milhão de pessoas irem às ruas para protestar. “Contra o quê?” o leitor português e internacional deve se perguntar, se o Brasil experimenta crescimento econômico robusto e sustentável pelos últimos anos. Nossas taxas de desemprego se mantêm nos níveis mais baixos da história. A classe média já representa mais da metade da população: são 104 milhôes de pessoas que têm acesso a tratamentos de saúde, ensino superior, crédito para a compra de moradias, automóveis, aparelhos eletrônicos de última geração, restaurantes, parques de diversões e tantas outras coisas que há vinte anos eram luxos exclusivos à uma minoria. Esses instrumentos favoreceram um maior pensamento crítico na sociedade brasileira. O brasileiro não quer mais apenas panis et circus através de eventos esportivos super-faturados e discursos vazios de suas lideranças. O brasileiro quer mais. O estopim da insatisfação com a gestão pública foi a elevação da tarifa do transporte púbico. Meros vinte centavos que geraram um grito de revolta. Mas essa era

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estamos de volta apenas a ponta do iceberg. Corrupção, direitos humanos e de minorias, serviços públicos de qualidade, truculência da polícia, representatividade. A gama de temas que norteavam os indivíduos que “vieram para a rua” é tão abrangente que muita gente nem sabia pelo que protestar. Mas protestou, fez número, fez barulho, se indignou. E o governo teve que se pronunciar. Primeiro, foram as tarifas do transporte público que retornaram a seus preços anteriores. Depois, a presidente propôs um pacto para tentar responder a (pelo menos) parte das solicitações dos protestantes de mais de 400 cidades de todo o país e até do exterior. Você deve estar se perguntando: aonde o Francis quer chegar ao falar sobre os protestos no Brasil quando o tema central de uma edição da revista ID’ é Portugal? Brasileiros e portugueses não são tão diferentes em tantos aspectos, mas em um aspecto fundamental o povo aí da metrópole está sendo atropelado pelos ex-colonos. O povo português esqueceu de sonhar com o futuro. A situação econômica portuguesa é tão delicada e tão tris-


te há já tanto tempo que os portugueses esqueceram de sonhar. E quando não se sonha, não se realiza. É claro que a situação atual não contribui. Todos os sonhos são cortados com a triste realidade de altíssimos índices de desemprego (especialmente entre os jovens), dívida pública e privada em níveis insustentáveis, cortes e mais cortes nos gastos públicos e nos salários, aumentos nos impostos... De estômago vazio, fica difícil sonhar. Mas sonhar é preciso. Portugal, um país que se orgulha tanto de sua história, de descobrimentos e coragem, de olhar para a frente sem medo de errar, desaprendeu como se inova. Não tenham medo, portugueses. Arrisquem. Se está descontente com as políticas públicas, proteste. Proteste até ser ouvido. E se o país não lhe oferece as ferramentas para o crescimento, viaje. Mas nunca esqueça suas raízes. Termino com Fernando Pessoa, um ilústre português que conseguiu resumir em poucos versos a mensagem que vos destino: "Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu"

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F i l i p e M o r e i r a D a S i lv a

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PORTUGAL EM ESPANHA SÉC. XXI

ão é novidade para ninguém que o Povo Português sempre foi propenso a procurar vidas diferentes e lugares diferentes onde se instalar em busca de vida nova. Nos dias de hoje, porém, deixámos de exportar só senhores de bigode para oficinas de mecânico nos arredores de uma qualquer capital europeia e senhoras de lenço na cabeça para porteiras de prédios de classe média nessas mesmas capitais. Além disso temos exportado, também, várias dezenas de milhares de jovens com cursos universitários que não encontram oportunidades de trabalho e vidas dignas no território nacional. Outra tradição bem nossa é o facto de, em muitos dos novos locais de acolhimento, constituírmos comunidades lusas que, se por um lado nos ajudam a mitigar as saudades dos nossos, da nossa cultura e dos nossos costumes, muitas vezes produzem um efeito negativo no que respeita à integração. Na minha experiência pessoal, algumas destas premissas não se concretizaram da maneira mais “tradicional”. Penso que, em parte, se possa dever ao facto de estar a apenas 550 Km de casa (se bem que ao fim de quase 11 anos poderia já dizer que a casa é aqui) e, em parte, ao facto de na sociedade espanhola os portugueses se encontrarem mais dispersos, sem grandes pontos de união. Talvez o facto de ser uma cultura em parte muito semelhante à nossa, da distância geográfica ser reduzida, de existir uma certa facilidade para nos emiscuirmos e passarmos desapercebidos, sejam factores que contribuam para essa invisibilidade que tem a nossa comunidade em Espanha.

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Porém, não seria de esperar outra coisa pois, em pleno Séc. XXI, criaram-se esses pontos de união recentemente no mundo virtual. Não é infrequente encontrar nas redes sociais comunidades e grupos de Portugueses que servem de ponto de encontro para os que vivemos num outro país ou numa determinada cidade. Servem estas comunidades virtuais múltiplos propósitos. Desde promover a convivência entre compatriotas organizando reuniões à volta de uma mesa com produtos “nossos”, divulgar eventos relacionados com a nossa cultura (concertos, representações ou lançamentos de livros de autores portugueses), servirem de fonte de consulta sobre questões relacionadas com as burocracias da praxe, como forma de promover as empresas e negócios pertencentes a outros portugueses e, em certas ocasiões, incluso, funcionam como agências de emprego improvisadas, mas muito úteis, se considerarmos que nelas se publicam ofertas de trabalho específicas para portugueses. Curioso como deixámos de criar “pequenos Portugais” no mundo real, para criamos um “mundo Português Virtual”. O sentido nacional ou patriota não está relacionado somente com os limites geográficos, mas sim com uma identidade cultural, com um sentimento e forma de estar na vida e no mundo que nos fazem identificarmo-nos com Portugal. Acredito que é responsabilidade de cada cidadão emigrado ser embaixador do seu país, da sua cultura, da sua história. E nesse campo, há uma imensa tarefa a desenvolver. A ideia que muitos têm sobre o nosso povo


e cultura, está baseada em pré-conceitos e estereótipos que estão muito longe da realidade e muito desatualizados no tempo. Esta tarefa de representatividade, infelizmente, parece passar ao largo de personalidades lusas que vivem no estrangeiro. Se pensassem na imagem que transmitem sobre o coletivo de portugueses, certamente que certos treinadores e jogadores de futebol teriam posturas e comportamentos públicos bem diferentes... mas esse ganham demasiado dinheiro para se preocuparem com essas “pequenezas”... Deste modo, acabamos por ser vizinhos e desconhecidos ao mesmo tempo, coisa cada vez mais comum a todas as escalas, inclusive, dentro do mesmo edifício. Sem ir mais longe, até ter vindo viver para Espanha, eu desconhecia que havia um comércio fronteiriço no nosso país de algodões e atoalhados vendidos em muitas ocasiões a peso. É algo que simplesmente nunca me ocorreu... já do outro lado da fronteira, várias gerações cresceram com o mito dos caramelos... comércio esse que os espanhóis também parecem ignorar. Nesta época estival, fruto provável da escassez económica, várias pessoas minhas conhecidas me consultaram quanto a destinos de férias em Portugal. Obviamente que lá me arvorei em embaixador e tentei cumprir com o meu papel de promotor do turismo nacional o melhor que pude, de acordo com as preferências e orçamentos das pessoas que me consultaram. Em alguma edição anterior desta revista, verti a minha opinião acerca da parca promoção turística portuguesa deste lado da fronteira (sendo que seriam os nossos po-

tenciais clientes-alvo por excelência). Geralmente, voltam dessas visitas “sugeridas” com comentários muito semelhantes: a variedade e a beleza das paisagens, a qualidade da gastronomia, a amabilidade e sentido acolhedor das nossas gentes. É gratificante ouvir opiniões positivas, para variar. Se bem que muitas vezes se repete a frase “é uma pena... um país tão bonito na situação financeira em que está...”; e é uma verdadeira pena (para não usar adjetivos algo mais acutilantes... neste preciso momento lembrei-me de uns quantos, mas teríamos que classificar este artigo como para maiores de 18 anos e seria privar emigrantes futuros, em potência, de alguma informação que lhes poder vir a ser útil...). Atualmente, a história dos portugueses em Espanha esbate-se na História da emigração portuguesa em Espanha. Isto porque muitos desconhecem que existem bairros inteiros, em cidades espanholas, que foram levantados por emigrantes portugueses doutrora. Cabe às novas gerações de portugueses na diáspora a árdua tarefa de construir novas Histórias. Coisa que, com a crescente falta de oportunidades dentro do nosso país, se propicia de dia para dia. Pena é que esses casos de êxito no estrangeiro nem sempre cheguem às manchetes dos meios de comunicação. Falta saber se por receio de que produzam um efeito de “chamada” à emigração ou, simplesmente, porque não somos um povo capaz de valorizar o esforço, a tenacidade, o espírito de sacrifício, de quem deixa a sua vida para trás e parte em busca de um futuro melhor...

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marília lopes

PORTUGueses - consulados ! Uma Embaixada (TOKIO), sete Consulados ou postos honorários (KOBE, KYOTO, NAGASAKI, NAGOYA, OITA, OSAKA, TOKUSHIMA), aproximadamente 600 Portugueses… Em 2012 tive de tratar de toda a documentação da minha filha, nascida há pouco tempo , com a embaixada de Portugal no Japão. Ao mesmo tempo lia, nos jornais portugueses, acerca da revolta dos emigrantes na Alemanha, principalmente Frankfurt, devido ao fecho dos consulados na Alemanha e em outros países. Os governantes portugueses atribuíam a culpa à crise e à necessidade de fazer alguns cortes para reduzir a Despesa. Quase em simultâneo, recebo um email da Embaixada a dizer que estavam prontos os documentos da minha filha e apenas tinham de ser assinados e que iriam enviar tudo para o Consulado de Portugal em Nagasaki. Quando li este email nem queria acredi-

’ Lic. Educação Física

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tar, pois estava há um ano a viver numa cidade onde existia um consulado do meu País e eu nem sabia! Foi aí que parei para constatar a estranheza da situação. Em Frankfurt vivem mais de 5000 mil portugueses e o consulado ia fechar (contenção de despesas). Em Nagasaki vivo eu, o meu Marido e a minha filha e temos um Consulado só para nós. De imediato fiz uma pesquisa para saber se existia mais algum Consulado Português no Japão e, para grande surpresa minha, não existia apenas um ou dois mas sete… sim… sete Consulados e uma Embaixada para pouco mais de 500 emigrantes! Pensei que, com a Crise e os cortes, iria acontecer o mesmo a todos estes Consulados, mas não! Estamos em 2013 e está tudo igual…esta disparidade de critérios só pode ter a ver com o facto de o Japão estar muito longe e a ordem de fecho ter sido enviada por barco mensageiro, pelo que ainda não terá chegado cá!


Agora vou falar sobre como fui recebida e tratada no Consulado! No dia previsto desloquei-me, com a minha família, ao bendito Consulado. Quando chegámos ao edifício ficamos boquiabertos com a grandeza e imponência deste! Entramos e, de imediato, fomos atendidos por uma menina, muito bem vestida, que já devia estar ali em pé há algum tempo à nossa espera (como se não tivesse mais nada que fazer). Esta acompanhou-nos até ao 15º andar onde o Cônsul nos esperava. Depois das devidas vénias japonesas dirigimo-nos para o fundo do corredor, onde podíamos ver um escudo português de 2m de diâmetro, colocado na parede. Estes 30 metros foram efetuados como se de uma Visita de Estado se tratasse, pois íamos devidamente escoltados pelo Senhor Cônsul e por 3 secretárias. Habituados ao tratamento das instituições públicas em Portugal, naquele momento pensámos

que deveríamos ter vestido os nossos melhores fatos… afinal íamos assinar o bilhete de identidade da nossa filha! Quando se abriram as portas da sala tínhamos toda uma cerimónia montada… o chá com todos os “rococós” obrigatórios por terras nipónicas, uma sala a brilhar, que tinha sido usada, oficialmente, a ultima vez a quando da passagem da fragata Infante Sagres, um ano antes. Língua oficial no Consulado de Portugal: japonês… claro que o Cônsul tinha uma tradutora e, claro está, que esta traduzia de japonês para…inglês! Assim sendo pergunto-me quais serão os critérios usados para a redução de despesas inerentes aos Consulados portugueses espalhados pelo Mundo…

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pa u l a m a ch a d o

C

heia de expectativas, curiosidade e de alguma dores nas costas aterrei em Sydney, já lá vão 6 meses. A minha primeira reacção foi de espanto, no verdadeiro sentido da palavra. Os arranha-­céus liderados por bancos, gente apressada por todo o lado, de fato, gravata, sapatilhas e café na mão. Tenho que admitir que me senti um bocadinho como uma menina vinda da aldeia que tinha chegado à cidade pela primeira vez, mas foi isso mesmo que me atraíu. A abertura e a simpatia de Sydney permitiu-­me a uma adaptação mais rápida do que julgava, e por isso me recordo com frequência da célebre frase de Fernando Pessoa “primeiro estranha-­se, depois entranha-­se”. Porque que é que este país, e especialmente a cidade de Sydney atraí gente dos quatro cantos do mundo? O que é que há aqui de tão apetecível? É num ambiente descontraído do “Hey mate!” e do “How are you today?” que me deparo quando vou a um café, ou ao supermercado. Se no ínicio me sentia um pouco intimidada e a pensar “mas porque raio quer ele saber como estou ou o que fiz no fim de semana?!”, agora percebo que é assim mesmo a energia da cidade, das pessoas que dela fazem parte e daquelas que a procuram. Transbordando de uma multiculturalidade

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muito peculiar, a cidade tornou-­se mais alegre e colorida fazendo dela um destino como é dificil de encontrar, irresistivel e desafiante para qualquer viajante. Olhando para trás, Sydney não foi sempre a cidade atraente e descontraída que conhecemos e experenciamos hoje. Como prova disso foi o resultado da primeira Gay and Lesbian Mardi Gras Parede em 1978. Com uma inesperada violência policial, o evento terminou em confrontos com os participantes do desfile, tendo sido detidos cerca de 50 pessoas. Sucederam-­se outras detenções e maus tratos por parte da policia o que gerou uma onda de solidariedade apelando à liberdade de expressão e direitos civis que ultrapassava já a comunidade gay. Nos anos seguintes sucederam-­se mais desfiles, começando na altura a tomar a forma do actual Mardi Gras. A movimentar multidões e milhões, o Governo Australiano decidiu dar, não só mais atenção como apoio ao evento, fornecendo reforço policial e médico. Tive o provilégio de estar presente na edição da Sydney Mardi Gras Parade 2013 e testemunhar a alegria de milhares de Australianos e de gente de todo o mundo, pela conquista de direitos humanos e igualdade social! Em Sydney existe espaço para se ser como se quer, sem barreiras ou peneiras!


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D e l m a r M a i a G o n ç a lv e s

S

PORTUGAL E MOÇAMBIQUE:

DUAS NAÇÕES IRMÃS E OS DESAFIOS DO FUTURO

ermos operários da palavra tornou-se uma obrigação nossa. Dobrados sobre a grande máquina do mundo e sobre o formigueiro dos homens a tentar fazê-los mover, arrolando cada um de nós para uma função própria através da língua. «Um homem, escreveu Jean-Paul Sartre, nunca é um indivíduo; seria preferível nomeá-lo universal singular». A minha língua sou eu próprio e o meu percurso. Há já quem seja engenheiro da palavra. O poeta regista a fome da letra, adicionando suor e labor no edifício da palavra inspirada. Sem querer extrair conclusões definitivas sobre a questão dos valores, adiantarei, no entanto, algumas reflexões mais importantes. Uma delas diz respeito à profunda e vasta mudança porque passam Moçambique e Portugal. Não apenas no campo económico e das estruturas em que essa transformação é evidente, mas também no campo das ideias, dos critérios, das sensibilidades, das relações, em poucas palavras, no campo dos valores e da cultura. Assiste-se, como alguém já afirmou, ao refazer de Moçambique e Portugal, duas Nações irmãs. “Mãe vou ao funeral da verdade, que a mentira é o rosto dos homens que plantam a cidade. Mãe a minha pátria é o teu solo.” Na verdade, é isso mesmo que acontece nos nossos dias e continuará a acontecer por longos anos no futuro. Que um país não se renova de um ano para o outro, leva muito tempo a transformar-se. É tarefa de gerações. Ao fazer estas afirmações pretendo sublinhar a grandeza e mesmo a gravidade daquilo que está a acontecer tanto em Moçambique como em Portugal e ao mesmo tempo quero realçar a necessidade de todos os moçambicanos e portugueses se sentirem interpelados e comprometidos neste longo processo. Estão em causa, deixai-me repetir, não apenas realidades materiais, mas também o perfil cultural, histórico, linguístico,

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social e religioso dos povos de Moçambique e Portugal. É o modo de ser, de estar e de agir que se encontra em transformação. Conclui-se daqui que, aqueles que tem responsabilidade de orientar este processo terão de pensar seriamente sobre as opções e decisões a tomar pelas suas vastas e profundas consequências nas comunidades moçambicanas e portuguesas. Trata-se de algum modo de definir para longo tempo, o destino dos povos Moçambicano e Português, o que exige acção, competência, lucidez, prudência e humildade. Em trabalho desta grandeza e exigência, deixai-me dizer e sublinhar um outro aspecto de extraordinário valor e absolutamente necessário: refiro-me ao sentido da história, da história da existência dos povos moçambicano e português, para lhe descobrir na alma, que na história se revela, os seus sentimentos, anseios e projectos, os seus valores, opções e critérios. Só pode servir bem um povo quem lhe conhece o espírito, não apenas pelo hoje, que vive e anuncia o futuro que se avizinha, mas também pelo ontem que viveu e até hoje se projecta em fundamento indispensável. Só quem tem capacidade de sintonia, de crítica e autocrítica, de comunicação é que é idóneo para orientar um povo. Quem não tenha esta capacidade, ao decidir e dirigir impõe-se, impondo as suas ideias, critérios e opções, que não é certo coincidirem com a experiência vital do povo. Para não me alongar mais neste aspecto, concluo dizendo, que apesar da inteligência, boa vontade e dedicação de todos os orientadores das vidas moçambicana e portuguesa, não têm faltado atropelos ao longo destas fases de mudança, contra a verdadeira consciência e anseios dos povos moçambicano e português. Ficou definido, que a estrutura social da cultura de qualquer povo é constituída por normas ou regras, papéis, funções, sanções, símbolos e valores. Tudo isto se está a perder, a des-


moronar com a actual globalização selvagem que se vive. É missão dos escritores, poetas, professores, educadores e intelectuais tentarem inverter as actuais tendências. Mas por outro lado, é importante sublinhar, que a inteligência dos poetas e intelectuais precisa de viver num mundo mais amplo do que esse a que as sociedades em que vivemos traçaram tão mesquinhos limites. Haverão, porém, valores que se imponham como necessidade? Atrevo-me a sugerir uma resposta afirmativa com a qual termino. A experiência de como o homem tende a defender certos valores mais difíceis, que precisamente são difíceis por contrariarem as suas tendências mais espontâneas, assim o levam a pensar. Mas há razões mais importantes: se não houver valores objectivos que exijam o seu respeito por cima de qualquer tendência subjectiva, então cairemos numa ética subjectiva que se não acabar em anarquia, será pela pura imposição ditatorial e arbitrária de outro ser humano ou grupo humano. E, logicamente, a educação e a literatura serão actos fundamentais desta degradada espécie. A comunidade é o meio próprio para o desenvolvimento das pessoas. É necessário, por isso, juntar ao primado da pessoa humana a necessidade de salvaguardar sempre os valores da comunidade, da sociedade e do bem comum, que as exprimem. Como dizia Noémia de Sousa (poeta moçambicana) “Se me quiseres conhecer estuda com os olhos bem de ver esse pedaço de pau-preto que um desconhecido irmão maconde de mãos inspiradas talhou e trabalhou em terras distantes lá do norte… Se quiseres compreender-me vem debruçar-te sobre minha alma de África”.E no caso de Portugal ,bem lembra o Poeta Manuel Alegre ,quando diz “E quanto mais te perco mais te encontro morrendo e renascendo…”. Como podem facilmente depreender, as palavras são sempre reveladoras. Os silêncios também.

“Moçambique é um caroço que está sempre inventando o fruto em seu redor. Quando acreditamos ter adivinhado a sua identidade surge uma dimensão inesperada”. Mia Couto

“Sempre no nosso horizonte de portugueses se perfilou como solução desesperada para obstáculos inexpugnáveis a fuga para Céus mais propícios”. Eduardo Lourenço

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F ILIPE DE BARROS

T

imor leste foi um paraíso encontrado pelos Portugueses em 1512 à busca do sândalo. É um local com paisagens magníficas apresentando praias de sonho. Porém, apresenta imensas carências a nível do sistema de saúde, viação, inexistência de água potável e eletricidade cuja a mesma, em muitos distritos e sub-distritos apenas existe em curtos períodos à noite, normalmente das 18h às 24h. Contudo não deixa de ser uma terra maravilhosa em que ainda é preciso fazer muito e em várias áreas. Tal facto, e após muita ponderação, levou-me a aceitar, em Novembro de 2012, um desafio que consistia vir para Timor – Leste dar um contributo, a este país, relacionado com a minha área profissional – o ensino. Deste modo encontro-me, nesta maravilhosa terra, no âmbito do Projeto de Formação Inicial e Contínua de Professores, PFICP, coordenado pela Universidade do Minho desde então. Este projeto consiste em dar formação a docentes timorenses tanto a nível científico como didático, no meu caso na área da Biologia e Geologia, que estes muito necessitam. No decorrer deste (pouco) tempo e após formação do conteúdo científico, das áreas acima mencionadas, os docentes timorenses efetuaram uma série de

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atividades de carácter pedagógico nomeadamente a construção de maquetes didáticas alusivas a conteúdos da componente da Geologia e a realização de inúmeras atividades práticas laboratoriais sempre com as limitações dos poucos ou quase inexistentes recursos. Com a realização deste trabalho pretende-se dotar ao professor a capacidade de construir materiais didáticos (que muito em falta têm) afim de serem usados como um recurso didático interessante proporcionando desta forma ao aluno, dependendo do seu desenvolvimento cognitivo, dominar conceitos espaciais e as representações em diversas escalas. Assim desta forma irão proporcionar aos alunos um entendimento dos fenômenos geológicos através do estudo integrado entre as diferentes formas de relevo e a relação com os elementos do sistema ambiental, sua evolução e a transformação da paisagem de forma prática e construtiva. Por tudo isto que se fez, faz e que se pode vir a fazer e acolhendo, também, toda a amabilidade, humildade e receptividade deste nobre povo encontro a energia que me permite continuar neste projeto mesmo tendo 15 315km que me separa de tudo aquilo que amo e deixei para trás.


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Frases com’texto

Acho impressionante que essa gente, que depende para o quotidiano da política, fale sobre os dinossauros autárquicos. Acho espantoso.

Se o meu tom foi considerado excessivo é porque as pessoas têm razão. Dou a mão à palmatória (…) não foi minha intenção crucificar ninguém, nem tão-pouco um jovem extraordinariamente simpático e acessível Judite de Sousa, Subdiretora de Informação da TVI

Como uma transição para esta nova fase da minha vida, quero que todos conheçam o meu verdadeiro eu. Sou Chelsea Manning, sou uma mulher. Bradley Manning, Soldado Americano condenado por passar documentos secretos à “Wikileaks”

A detenção de David Miranda é ilegal e indesculpável. Ele foi detido ao abrigo de uma lei que viola qualquer princípio de equidade e a sua prisão mostra como se pode abusar dessa legislação por razões mesquinhas e vingativas.

frases com’texto

Fernando Seara, Político

Widney Brown, Diretora de Legislação e Política da “Amnistia Internacional”

Esta situação é inadmissível e eu não posso participar de livre consciência num evento festivo organizado por um país onde pessoas como eu têm negados sistematicamente os seus direitos básicos de viver e amar abertamente. Wentworth Miller, Ator

Este é um projeto onde tu, podes mudar o Mundo. Porquê? Porque todos nós conseguimos mudar um pouco a Sociedade. Diogo Vieira da Silva, Coordenador no Projeto “Tudo Vai Melhorar”

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Recebi uma mensagem divina de Deus. Foi Ele quem me disse para me retirar. Bento XVI, Papa Emérito da Igreja Católica

Continuamos a ser discriminados no contexto do apoio ao turismo. Lisboa, Algarve e Madeira são privilegiados e não se olha da mesma forma para outras regiões, como o Porto e Norte. Já chega. É altura de inverter esta situação Melchior Moreira, Presidente da Entidade Regional de Turismo do Porto e Norte de Portugal

Sou o Papa Francisco, podemos tratar-nos por tu. Francisco I, Papa da Igreja Católica

O Governo não tem tido qualquer preocupação que garanta a sustentabilidade, como bem o provam as medidas tomadas relativamente ao fundo de estabilização financeira da segurança social, mas, mais grave que isso, põe em causa princípio da confiança João Proença, Político e Sindicalista

A área ardida e que ainda está a arder é incalculável. A Serra do Caramulo está a ser atacada por todos os lados. Mais de dez fogos foram contabilizados desde ontem à noite. As chamas começaram numa ponta e já deram a volta à Serra Joaquim Tavares, Comandante dos Bombeiros Voluntários de Vouzela

Fizemos progressos, mas a Crise não acabou. Angela Merkel, Chanceler Alemã

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DESCØNSTRUIR

O macho latino… Uma construção social bem lusitana. O homem que não sente, que não chora, que domina sem receios, que violenta, que agride, que não dialoga, que não negoceia, que não constroi. Uma construção que não passa disso, de um pré conceito. Uma máscara que se arrasta e que, ainda hoje, impede o acesso à Universalidade do Direito à Felicidade. Que impede os casais de viverem os seus sentimentos em harmonia. Até porque…O homem, porque pessoa, chora, sente, tem medo, tem angústia, tem insegurança e, assumi-lo, em nada interfere, condiciona ou prejudica a sua suposta masculinidade. A “masculinidade” que, só por si, é, também, uma construção. O problema não está, por exemplo, em perder uma ereção, mas em não assumir ou até em negar o facto. O problema não está em admitir que é incapaz de dar prazer à/ao companheira/o, mas sim em continuar a achar que é imbatível na cama, quando nem sequer conhece o seu próprio corpo. O problema está em continuar a achar que ser “macho” é viver atrás de uma máscara, de não mostrar a verdade. Acima de tudo porque, o verdadeiro “macho latino” vive em fuga, permanente da realidade…em fuga de si próprio!

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farpas

ARPAS

barão de la palisse

Vinha eu em passo acelerado a subir a rua e, sem me deter, os olhos passaram, instintivamente, pelas capas dos jornais expostos na porta da Tabacaria. Passeei os olhos sem, sequer, refletir, enquanto ia lendo. Mas as letras garrafais saltaram, ecoando… “Educação Sexual nas escolas portuguesas, este ano”… O corpo, em movimento acelerado motivado pelo atraso, continuou a avançar, mas a mente processou a informação lentamente e acabei por estacar, em consequência, alguns metros à frente. Recuei, num segundo tempo, de forma automática, até à Tabacaria… Em todos os jornais os títulos eram idênticos…”Educação Sexual nas Escolas…” Fiquei parado, atónito… Não podia ser mentira de 1 de Abril…era fim de Agosto. E nem sequer era boato da Silly Season… estava em todos os jornais. Com medo de perder a “prova”, comprei um exemplar, guardei-o, rapidamente, debaixo do braço e arranquei, agora mais apressado. Enquanto caminhava ia refletindo…Educação Sexual nas Escolas? Já? Em todo o País? Mas como? Bem… Mais vale tarde do que nunca. A minha mente era assaltada por pensamentos duais e contraditórios. Por um lado, a felicidade da conquista. Por outro, a incompreensão e quase incredulidade. Tinham sido 30 anos de combate, de tentativas, de campanhas, de reuniões, de desilusões… Já sentado, com um café à frente, mais um de muitos e com um cigarro entre os dedos, outro de muitos mais, ataquei as notícias, retendo as frases mais importantes e significativas… ”Educação Sexual em todas as Escolas”. “Um programa curricular comum a todos os graus de ensino, com um tronco comum, evoluindo aprofundada e progressivamente consoante a faixa etária”. “Avaliação obrigatória”. ”Responsabilidade de Docentes com Formação Pós Graduada na área das Sexualidades e dos Afetos.” Outras notícias elencavam alguns dos mais importantes itens programáticos… Estaquei, de novo, agora atónito. Seria possível?!... Estava lá tudo o que sempre defendi, sustentado por anos e anos de estudo, de conferências, de trabalhos académicos

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internacionais analisados ao milímetro… Tudo!!! “Os Afetos. As orientações Sexuais. A Masturbação e o Direito ao Prazer. A Virgindade. A Igualdade de Género. A Inclusão. A Comunicação. A Gravidez não desejada. As Drogas. O Álcool. As DST’s. O HIV/SIDA. A Prostituição. A Violência nas Relações Afetivas. O Bullying. O Ciberbullying. O Sexting. As Redes Sociais. A Sexualidade nos Mais Velhos. O Abuso Sexual. O Assédio Sexual no Trabalho. O Tráfico de Seres Humanos.” Estava tudo plasmado nos jornais. Absolutamente tudo, tal como sempre recomendei, não porque me apeteceu ou por qualquer outra estupida questão ideológica, mas porque tinha aprendido e experienciado que era assim. Mais surpreendido fiquei… contente, mas surpreendido e sem querer acreditar… Seria finalmente possível?! Fervilhava, entretanto, de interrogações, algumas mais importantes do que outras. Todas, em súmula, com o intuito de esclarecer as minhas dúvidas… Depois de ler e reler tudo à exaustão, linha após linha e, mais importante ainda, nas entrelinhas conclui… ”Está cá tudo! E está tudo correto!” Pude, finalmente, parar, suspirar de alívio e, acima de tudo, dar-me ao legítimo direito de um enorme sorriso de congratulação. Estava lá tudo, preto no branco! Finalmente! Tinha demorado trinta anos mas, finalmente, Portugal tinha dado o grande salto, no sentido da Felicidade, no sentido da Universalidade do Direito à Felicidade! Permiti-me finalmente, um berro aliviado de alegria, de prazer, acima de tudo, do sentimento de vitória! Finalmente! Conseguimos! Com o impulso desequilibrei-me, acabando por cair… da cama! Estremunhado, olhei em volta… estava no meu quarto! Tudo não tinha passado de um sonho. Um maldito sonho que rapidamente me deixou, novamente, com uma enorme sensação de vazio, de frustração, de desânimo, de revolta, de incredulidade, de pesar… Afinal tinha sido um sonho! Não mais do que um sonho… Infelizmente!


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SETEMBRO 2013

3 TER 21H30

4º ANIVERSÁRIO DA CASA CENTRO AVANÇADO DE SEXUALIDADES E AFECTOS

A CASA nasceu a 3 de Setembro de 2009! Após 4 anos de muito trabalho, amor e dedicação, muito se construiu, demonstrando que é possivel construir uma sociedade mais justa e igualitária. Acima de tudo foram 4 anos a Lutar pela Universalidade do Direito à Felicidade! 1, 8, 15, 22 & 29 DOM 22H

CICLO DE JAZZ 4, 11, 18 & 25 QUA 22H

POESIA NA CASA

Em vigor desde Janeiro de 2011.

13 & 27 SEX 22H

24 TER 22H 22H

17 SÁB 22H 22H

Em vigor desde 2010, em Outubro o Ciclo de Tertúlias será subordinado ao tema: “Cidade do Porto”.

KARAOKE

NOITE MICHAEL JACKSON

CICLO DE TERTÚLIAS “A CASA COMVIDA”

Um tributo ao Rei do POP.

28 SÁB 22H 22H

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Crepes à escolha, a preços convidativos e servidos com a simpatia e em ambiente inclusivo, como só a CASA sabe oferecer.

FESTA DOS ANOS 80 20 SEX 22H 22H

FESTA DA MENSAGEM

Uma forma divertida de passar a noite de sexta-feira!

NOITE DAS CAIPIRINHAS

Noite de Caipirinhas, a preços convidativos e servidas com a simpatia e em ambiente inclusivo, como só a CASA sabe oferecer.

30 SEG 22H 22H

DIÁLOGOS FILOSÓFICOS

7 SÁB 22H 22H

21 SÁB 22H

NOITE DOS COCKTAILS

A sessão do mês de Janeiro será subordinada ao tema “Química nas Relações”.

Cocktails à escolha, a preços convidativos e servidos com a simpatia e em ambiente inclusivo, como só a CASA sabe oferecer.

12 QUI 22H

CICLO DE DEBATES Acompanhando a actualidade política nacional a CASA continua o Ciclo de Debates subordinado ao tema “Autárquicas 2013”. SEGUNDAS & QUARTAS 21.30H - 23.30H

TERÇAS 21H - 23H

QUARTAS & QUINTAS 19H - 21H

ENSAIO DO GRUPO DE TEATRO DA CASA

ENSAIO DO GRUPO CORAL DA CASA

ENSAIO DO GRUPO DE DANÇA DA CASA

Inscrições abertas em permanência.

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Rua Santa Catarina, 1538, 4000-448 Porto ³ 918 444 828 ³ www.ass-casa.com ³ geral@ass-casa.com ³ facebook/AssociacaoCASA

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