Revista ID' | Nº10 - Outubro 2013

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IDENTIDADE | Nยบ 10 | OUTUBRO ย 13

IGUALDADE


COLABORADORES Manuel Damas 'Médico

Diogo Vieira da Silva 'Economia

Rosa Soares 'Atriz

'Editorial 'Sexalidades

'Economia

'Teatro

Susana Soares Ribeiro 'Professora Universitária

Francisco Lourenço 'Licenciado em Comércio Internacional

Francis Kinder 'Economista

' Criação Literária

Tiago Barbosa Ribeiro Vereador da Câmara Municipal do Porto ' Fogo cruzado

'Artista ID

Eugénio Giesta 'História 'Poeiras e Eras

'Ecos do Mundo (Brasil)

Marília Lopes 'Professora de Educação Física 'Ecos do Mundo (Japão)

Teresa Vernier 'Belas-Artes

Pedro Alves 'Fotógrafo

'Artista ID

'Grande Entrevista

Manuela Gonzaga ' Escritora

Pedro Carvalho 'Arquitectura

Diogo de Campos 'Multimédia

'Criação Literária

' Arquitectura

'Biografias

Elvio Bettencourt 'Turismo

António Castro 'Gestão

Paula Machado 'Fotógrafa

' Turismo

' Televisão

'Ecos do Mundo (Austrália)

Hugo Trindade 'Deputado de Freguesia do PS 'Política Internacional

Cristiano Pires 'Comunicação Empresarial 'Ecos do Mundo (Letónia)

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Hélder Pinto Bessa Advogado

Tiago Jonas 'Direito

'Direito

'Ciência Política

Silvia Alves 'Estílista

Bruno Silva 'Psicologo

Filipe Moreira Da Silva 'Director Clínico

' Poetisando

'Psicologia

'Ecos do Mundo (Espanha)

João Paulo Meireles Secretaria de Estado da Cooperação

António Martins Silva ' Mestre em Desporto de Alto Rendimento

Samuel Pimenta 'Prémio Jovéns criadores literários 2012

'Fogo cruzado

'Corpo em movimento

'Poesia

Luísa Demétrio Raposo 'Escritora

Pedro Pinto 'Escritor

Marco António Ribeiro ' Jornalista

' Criação Literária

'Poesia

'Grande Entrevista

Carlos Matos ' Enfermeiro Veterinário 'Olhares

Luíz Antunes 'Bailarino

Rui Sousa 'Psicologia

Francisco Vilhena 'Apresentador de Televisão

' Dança

' Música

'Lazer

Delmar Maia Gonçalves 'Presidente do Circulo de Escritores Moçambicanos na Diáspora 'Ecos do Mundo (Moçambique)

Filipe de Barros 'Professor

Hugo Vaz ' Especialista Informático

'Ecos do Mundo (Timor)

'Tecnologias

Ricardo Fonseca 'Enfermeiro 'Filosofia de vida

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Sinta o abraรงo do Douro. Deixe-se enfeitiรงar...

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REVISTA ID

REVISTA ID ’ O lançamento da Revista ID’ Identidade foi um momento de enorme emoção, na CASA, pelo esforço que implicou mas também e acima de tudo, pelo caloroso apoio que recebeu.

Nº1

Enquanto revista oficial da CASA, de periodicidade mensal e de cariz informativo/formativo, nunca esquecendo a sua índole pedagógica e de abordagem dos grandes temas da Sociedade, a ID’ representa um desafio constante no sentido de conseguir ultrapassar, cada vez mais, as expectativas e cumprindo, sempre, o princípio major da CASA - a Universalidade do Direito à Felicidade. Nº2

Nº3

Nº4

Nº5

Nº6

Nº7

Nº8

Nº9

IDENTIDADE | Nº 9 | SETEMBRO 13

PORTUGAL

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CAPA

INDEX

08 ’ Artistas ID TERESA VERNIER FRANCISCO LOURENÇO

IDENTIDADE | Nº 10 | OUTUBRO 13

IGUALDADE

11 ’ EDITORIAL MANUEL DAMAS 12 ’ NA CASA ... 23’ OLHARES CARLOS MATOS 24’ CRIAÇÃO LITERÁRIA SUSANA SOARES RIBEIRO LUÍSA DEMÉTRIO RAPOSO MANUELA GONZAGA 35 ’ POETISANDO PEDRO PINTO SAMUEL PIMENTA

ID ’ COMPOSIÇÃO ’ NEUZA MOREIRA DIRECÇÃO MANUEL DAMAS REVISÃO DE TEXTOS MANUEL DAMAS DIRECÇÃO DE ARTE & DESIGN GRÁFICO NEUZA MOREIRA

É interdita a reprodução, ainda que parcial, de textos, fotografias ou ilustrações desta revista, para quaisquer meios e para quaisquer fins, sem a autorização escrita da Associação CASA.

36 ’ POLÍTICA NACIONAL I FOGO CRUZADO TIAGO BARBOSA RIBEIRO JOÃO PAULO MEIRELES 38 ’ POLÍTICA INTERNACIONAL HUGO TRINDADE 39 ’ CIÊNCIA POLÍTICA TIAGO JONAS 40 ’ DIREITO HÉLDER PINTO BESSA 41 ’ ECONOMIA I CETERIS PARIBUS DIOGO VIEIRA DA SILVA 42 ’ PSICOLOGIA BRUNO SILVA 44 ’ SEXUALIDADES I SEXUALIDADES, AFECTOS & MÁSCARAS MANUEL DAMAS 48 ’ HISTÓRIA I POEIRAS & ERAS EUGÉNIO GIESTA

CONTACTE-NOS ’ facebook.com/revistaID ’ id.identidade.revista@gmail.com A ID ’ é uma revista mensal publicada pelo Centro Avançado de Sexualidades e Afectos ®

50 ’ IDENTIDADES “GRANDE ENTREVISTA"

58 ’ ARQUITECTURA PEDRO CARVALHO 59 ’ BIOGRAFIAS DIOGO DE CAMPOS 60 ’ DESPORTO ANTÓNIO MARTINS SILVA

Rua Santa Catarina, 1538, 4000-448 Porto 918 444 828 www.ass-casa.com geral@ass-casa.com facebook/AssociacaoCASA 6

62 ’ DANÇA LUIZ ANTUNES


63 ’ MÚSICA RUI SOUSA 64 ’ TEATRO ROSA SOARES 66 ’ TELEVISÃO ANTÓNIO CASTRO 68 ’ LAZER FRANCISCO VILHENA 70’ TURISMO ELVIO BETTENCOURT 72 ’ TECNOLOGIAS HUGO VAZ 76 ’ ECOS DO MUNDO FRANCIS KINDER 'BRASIL FILIPE MOREIRA DA SILVA 'ESPANHA MARÍLIA LOPES 'JAPÃO PAULA MACHADO 'AUSTRÁLIA DELMAR MAIA GONÇALVES 'MOÇAMBIQUE FILIPE DE BARROS 'TIMOR CRISTIANO PIRES 'LETÓNIA 90 ’ FRASES COM’TEXTO

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92 ’ DESCØNSTRUIR 94’ FARPAS 97 ’PROGRAMA MENSAL

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ARTISTAS ID TERESA VERNIER

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FRANCISCO LOURENÇO

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EDITORIAL

MANUEL DAMAS

A

pós a pausa a que a Revista ID’-Identidade se obrigou, regressámos, em Setembro, com o número 9, com uma imagem reformulada, maior tamanho, mais diversificação, mas também consubstanciando um projeto mais consistente e mais maduro. Mas o regresso efetuou-se, partindo de um patamar muito elevado. Com efeito, após terem sido lançados os oito números anteriores, subordinados, respetivamente, aos temas, Moda, Violência (s), Erotismo, Lazer, Educação, Europa, Amor e Bullying, os números totais alcançados foram as 500.000 visualizações e conseguirmos ser lidos em 32 Países. Munidos destes resultados a edição nº 9 procurou, no seu regresso, abordar um outro tema, que também fosse transversal à sociedade portuguesa e que se direcionasse para a nossa identidade como País. Assim sendo escolhemos, para a ID’ 9, como tema de capa, “Portugal”... e ficámos à espera, imbuídos do nervosismo e da expectativa legítimos, relativamente aos resultados que conseguiríamos alcançar. Hoje, que lançamos a ID’ 10, podemos considerar os objetivos amplamente atingidos. Com efeito, a ID’ 10 conseguiu ultrapassar, já, as 9.000 visualizações, tendo sido lida em 28 Países, o que é uma enorme (re)conquista, para uma publicação, produzida em Portugal e em língua portuguesa, acima de tudo, em regime de total voluntariado e sem qualquer tipo de apoio financeiro, mas que se pretende direcionada para a Aldeia Global em que vivemos. Depois de termos abordado diversos temas transversais à Sociedade, na senda da Cidadania em Dignidade, o tema escolhido para a ID’10, a edição de hoje,

é a Igualdade, nas suas diversas vertentes, mas com óbvia e legítima prioridade para o que à Igualdade de Género concerne. Assim, o desafio colocado a todas e todos as/os cronistas da ID’-Identidade foi que tentassem obedecer, sempre que possível, ao vetor da Igualdade nas suas crónicas. O resultado obtido está, neste momento, nas vossas mãos. A relevar, ainda, que a partir deste 10º número, a ID’ passará a contar com duas novas colaborações, que saudamos vivamente. Uma será a rubrica “Filosofia de Vida”, assinada por Ricardo Fonseca e a outra será mais um correspondente, para o Ecos do Mundo, agora a partir da Letónia, com a Ecos Letónia, assinada por Cristiano Pires. Desta forma, a partir de hoje, a Equipa ID’ passa a ter 36 colaboradores. Mas porque nem tudo são conquistas a ID’ 10 é lançada mais tarde do que seria previsto. Tão só e apenas porque Portugal atravessou uma agitada campanha eleitoral para as Eleições Autárquicas e alguns dos nossos colaboradores foram candidatos motivo pelo qual as suas crónicas foram recebidas, legitimamente, fora do prazo. Assim sendo, considerámos ser preferível atrasar o lançamento desta edição do que prescindir dos seus valiosos contributos. Assim sendo deixo, aqui e agora, a toda a Equipa ID’, o meu sincero Agradecimento por, à custa do vosso esforço, ainda hoje ser possível embarcar num Sonho, que se tem vindo a concretizar, ainda que, com todas as dificuldades inerentes a um trabalho que, sendo totalmente voluntário, continua a defender a Universalidade do Direito à Felicidade. É para esta viagem lúcida, frontal e pedagógica, que te convidamos.

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NA CASA . . A CASA está estruturada em Departamentos entre os quais se podem elencar aqueles que, pelo seu tipo de trabalho, adquirem maior visibilidade:

O DEPARTAMENTO CULTURAL de cujo plano de actividades fazem parte:

CICLO DE “DEBATES NA CASA” O Ciclo de Debates na CASA está em vigor desde 2009. Uma vez por mês é organizado um debate sobre os temas mais pertinentes da actualidade, sendo convidadas personalidades para participar. Assim são efectuados Debates com o intuito de esclarecer a população sendo intenção que estes debates atraiam público jovem para, desta forma, serem sensibilizados e motivados para as questões da Democracia participativa, da Cidadania e do combate ao alheamento social.

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CICLO DE TERTÚLIAS “A CASA ComVIDA” O Ciclo Mensal de Debates, "A CASA ComVida" que, como sempre, teve a sua maior edição do ano, em Dezembro e que contou com a Prof. Dra. Clara Sottomayor que, na CASA, assumiu o Debate intitulado - A Mulher e o Direito. GRUPO DE TEATRO DA CASA O Grupo de Teatro da CASA foi criado em Maio de 2011. Dirigido por Eloy Monteiro, conhecido actor profissional, com 50 anos de profissão, o Grupo de Teatro da CASA junta pessoas de várias idades e estratos sociais, unidos pelo amor à arte da representação. Actualmente o Grupo de Teatro da CASA apresenta a peça original, "Violências", escrita na CASA e que aborda o tema da violência doméstica. O grupo de teatro funciona única e exclusivamente com voluntários e tem ensaios todas as semanas, à segunda e quarta feira à noite.

CICLO DE “POESIA NA CASA” O Ciclo de Poesia na CASA está em vigor desde Janeiro de 2011 com periodicidade semanal. Mensalmente, é escolhido um poeta ou poetisa portugueses e semanalmente, à quarta feira à noite, são declamados poemas da autoria do poeta escolhido, na Sala de Leitura da CASA. Pretende-se, desta forma, cultivar e incentivar hábitos de leitura e relembrar autores que o tempo fez esquecer. Já fizeram parte do Ciclo de Poesia na CASA nomes como Sofia de Mello Breyner, Almada Negreiros, Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa - heterónimos, Fernando Pessoa - ortónimo, Natália Correia, António Ramos Rosa, António Botto, Al Berto, Manuel Alegre, Cesário Verde, apenas para citar alguns nomes.

EXPOSIÇÃO - PROVOCAÇÕES Periodicamente a CASA inaugura, no seu Auditório, exposições de artistas que, através da sua obra, pretendem desconstruir estereótipos. Presentemente a CASA tem em exibição a exposição "Provocações", da autoria de Carla Sampaio, que merece ser visitada e observada em detalhe. 13


O DEPARTAMENTO SOCIAL de cujo plano de actividades fazem parte: CAMPANHA “UM CAFÉ, UM PRESERVATIVO – É TÃO FÁCIL USAR UM PRESERVATIVO COMO TOMAR UM CAFÉ!”

CLÍNICA DA CASA A CASA disponibiliza um Serviço de Consultas, designado “Clínica da CASA”, a laborar desde Janeiro de 2011, com 4 especialidades: Medicina, Psicologia, Sexologia e Direito. Os especialistas das diversas áreas são voluntários e o público alvo, sendo, primariamente, a população geral, é constituído, mais especificamente por Mulheres vítimas de violência doméstica, Jovens vítimas de abuso sexual e pessoas com dificuldades na área das Sexualidades e dos Afectos.

Projecto "Clínica da CASA" - da autoria da REGREEN PROJECT

É uma campanha de proximidade que pretende fazer prevenção dos comportamentos de risco. É a forma que a CASA encontrou para dinamizar o uso preventivo do preservativo. Assim, nas instalações da CASA, cada vez que é servido um café, juntamente com o açúcar ou o adoçante é oferecido um preservativo com o intuito de tentar desconstruir o tabu, os estereótipos e os preconceitos que ainda hoje estão associados ao seu uso na população portuguesa.

VEJA AQUI O VÍDEO PRODUZIDO PELO REGREEN PROJECT

CAMPANHA FREE HUGS

PROGRAMA DE TELEVISÃO DA CASA "SEXUALIDADES, AFECTOS E MÁSCARAS"

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DIA NACIONAL DA FELICIDADE A CASA elaborou uma petição pública a solicitar à Assembleia da República a criação do Dia Nacional da Felicidade que se encontra em fase de recolha de assinaturas, a qual tem duas vertentes, a presencial e a recolha pela Internet. Com esta petição pretende-se alertar para a necessidade de uma real Universalidade do Direito à Felicidade promovendo correntes de economia do bem-estar. A petição será entregue na Assembleia da República a 3/9/2012, dia de aniversário de criação da CASA. Assim terá início a segunda fase de recolha de assinaturas, a serem entregues no Parlamento Europeu, a propor a criação do Dia Europeu da Felicidade. Se a criação formal de um Dia da Felicidade não a garante, “de per si”, oficializa, todavia, a obrigatoriedade da sua prossecução. A Petição pode ser consultada e assinada em: http:// www.peticaopublica.com/PeticaoVer. aspx?pi=DNFe2011

Recolha de assinaturas da petição para instituição do Dia Nacional da Felicidade

Ceia de Natal, realizada na noite de Natal.

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O DEPARTAMENTO DE FORMAÇÃO de cujo plano de actividades fazem parte:

PROJECTO ISA – (IN)FORMAÇÃO EM SEXUALIDADES E AFECTOS A CASA disponibiliza a escolas do ensino Secundário e Universitário um Projecto de (In)formação na área das Sexualidades e Afectos. Este projecto é direccionado para todos os membros da Comunidade Educativa, nomeadamente Professores, Alunos, Encarregados de Educação e Pessoal Auxiliar. É um projecto que pretende consciencializar as comunidades educativas para as questões das Sexualidades e dos Afectos, promovendo comportamentos sexuais e afectivos responsáveis e uma Sociedade mais inclusiva.

Mas a CASA também efectua, nas suas instalações, Acções de Formação e Workshops subordinadas aos mais diversos temas..

Formação na CASA em “Voluntariado”

Em 2012 a CASA iniciou a Formação Pós-Graduada nos grandes temas das Sexualidades e Afectos.

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Recentemente a CASA assinou Protocolos formais de Colaboração, com a Ordem dos Psicólogos e com a Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa. através dos quais passa a disponibilizar Estágios Profissionais, oficiais, com a duração de um ano, a Psicólogos recém-licenciados, e com a duração de dois meses para Enfermeiros de Saúde Mental.


TRABALHO ACADÉMICO Cidadanias e Margens de Manobra: quando a escola falha… Hugo Santos Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

Corre pelas redes sociais uma citação da autoria da poetisa brasileira Cecília Meireles, uma frase daquelas bem cliché e, no entanto, cativante que, pela sua rara beleza, é digna de ser pensada, dita e escrita, esmiuçada até à exaustão, certamente invejada pelo facto de as nossas mãos não anteciparem a escreve-la (ou se quer imagina-la) antes da sua verdadeira e original fonte: “Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.”. Apesar da sua beleza não é sobre conceitos de tamanha índole intersubjetivista e quiçá polémica (como “liberdade”) que quero discutir. Queria antes propôr que se substituísse a palavra “liberdade” pela palavra “cidadania”. De igual forma, tal como na frase, a palavra “cidadania” parece conter em si inevitavelmente um dilema sobre a forma de uma contradição interna e conceptual: entende-se o que é a cidadania, há uma compreensão vasta sobre ela e reconhece-se o seu valor incomensurável, contudo, não se consegue, para mal dos nossos males, defini-la com exatidão. É seguindo esta tentativa conjunta de a definir, em tom semiconfessional, semiteórico, que justifica a escrita deste texto. Nesse sentido, importa interrogar: mas o que é então – ou o que é que pode ser – a cidadania? A cidadania parece ser, no senso-comum, uma dessas palavras que impõe uma aura de respeitabilidade e parece atrair para si, quando em discurso emerge, uma iminente importância social e política. Compreende-se que dela ninguém pode ficar de fora o que é já revelador dessa intensa e compulsória desejabilidade. Numa pesquisa de cariz etnográfico e elegendo primordialmente entrevistas semiestruturadas como método principal, no âmbito da minha tese de Mestrado “Um Desvio na Corrente que(er)stionando as Margens. Percursos escolares e culturas juvenis de rapazes não-heterossexuais”, quando era perguntado aos jovens uma definição inequívoca de cidadania, estes tinham reações de imediata perplexidade. Após a estupefação, por um lado, reconheciam irrevogavelmente a sua utilidade, por outro lado, quase paradoxalmente, admitiam a impossibilidade de a definir (cf. Santos, 2013). Era curiosa, no entanto, a emergência de duas conceções, de natureza mais ou menos binária e oposta, que surgiam como possibilidade de definição: ora a cidadania implicava a pertença a uma estrutura mais ampla e exterior que conferia segurança, proteção, estatuto e dignidade (o Estado, a lei, a sociedade, a cultura, etc), por outro lado, comportava uma abrangência estendida para lá do infinito, albergando uma multiplicidade de formas que transcendia uma noção redutora e unilateral tocando inclusive as fronteiras limítrofes do “relativismo”. Nesse sentido, a cidadania era… tudo! Do ponto de vista científico – ao qual devo recorrer por via da minha profissionalidade e para pôr travão a esse mesmíssimo “vale-tudo” que incorre o risco de desvirtuar a “solenidade” contida no conceito –, é Marshall que inaugura a discussão em torno do mesmo. Para ele, “cidadania” não é mais do que “um estatuto que é conferido aqueles que são plenos membros de uma comunidade. Todos que possuem o estatuto são iguais com respeito a direitos e a deveres no qual esse estatuto é conferido.” (Marshall, 2009: 149-150). (itálico e tradução livre da minha autoria). Apesar da enorme contestação do termo – afinal de contas, Marshall estava muito mais preocupado com as desigualdades oriundas da estratificação social e esqueceu grupos desapoderados como, por exemplo, as mulheres ou os grupos étnicos –, a definição, apesar da sua contestação, parece preservar ainda muita da sua atualidade mesmo quando se verificam, na contemporaneidade, várias reestruturações conceptuais e o esquartejamento da cidadania em várias tipologias. É na questão da igualdade – palavra politicamente tão ambígua remetendo, ora para a diversidade, ora para a homogeneidade – que se estabelece um fio condutor entre a cidadania ossificada de Marshall e o frenesim de cidadanias na pós (pós-pós-…) modernidade. Se cidadania pode então ser considerada um conjunto de direitos e deveres relativos ao exercício da nossa ação político-social consciente que nos interliga por em relação a um Estado que garante essa mesmíssima igualdade de direitos e deveres – e parece que os jovens tinham razão quando falavam do “Estado” – parece ter havido, ao longo da história, grupos que dela tiveram destituídos. Desde da década de 60, na esteira dos movimentos contraculturais, grupos como as pessoas LGBT (“lésbicas, gays, bissexuais e transgénero”), no entanto com inúmeras desig-

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nações, faziam da sua voz um instrumento da denúncia da opressão chamando a atenção para as suas margens que eram também as margens da cidadania (Magalhães & Stoer, 2005). Helena Costa Araújo (2007) refere mesmo que o reconhecimento e a diversidade cultural superaram as controvérsias monolíticas da classe social ultrapassando noções marshallianas, e tendem hoje a focar a questão da identidade, da diferença e do reconhecimento. Ora, quando se fala da marginalização de pessoas LGBT fala-se em cidadanias da intimidade e sexuais num debate público onde é possível discutir-se a democracia dos corpos, a justiça dos afetos e a diversidade sexual. Ken Plummer propõe mesmo uma cidadania da intimidade (2003), conceito tensional porque alia estrategicamente a formalidade e a respeitabilidade da dimensão pública da cidadania à informalidade da dimensão privatizada da “desregrada” sexualidade mas cientificamente relevante para se discutir a igualdade LGBT e a sua colocação na discussão em termos de uma eventual potencialidade cidadã, referindo-se esta, por exemplo, ao direito a amar alguém do seu próprio sexo e a ter os mesmos direitos daqueles/as que amam alguém de sexo diferente, aos mais variados níveis e expressões. À escola, como instituição-mor da educação formal e dispositivo de fabricação e inventariação da juventude, tem-lhe sido atribuída a responsabilidade de formar cidadãos e cidadãs (Gordon, et al, 2000), contudo, no que toca à sexualidade, parece que esta continua a se constituir como um elemento da perturbação à sua ordem cognitiva, carecendo perspetivas que alinhem conceções de cidadania (públicas, formais) com a sexualidade (privatizada, informal) (Lees, 2000), o que se torna mais problemático quando se integra as questões de orientação não-heterossexual que, devido à heteronormatividade – mecanismo que tende a naturalizar a “norma heterossexual” e a outrizar a não-heterossexualidade –, fica sempre reduzido à “especificidade gay” (Epstein, 1994; Epstein & Johnson, 1998). Nesse campo, homossexualidade e educação escolar não se cruzam e nem se quer o podem fazer como nos lembra o tabu histórico (e também falacioso) relacionado com a juventude, a formação gradual das sexualidades e o fantasma ideológico da pedofilia/pederastia associado às não-heterossexualidades (Filax, 2006). Como se isto não bastasse, o insulto homofóbico e a abjeção invisibilizante aos/às jovens não-heterossexuais na e com a escola lembram que existem identificações que não se podem permitir e restrições de acesso a um campo plural de possíveis identificações, experiências e práticas (Louro, 1997). Simultaneamente desvendam a ideia fantasiosa de que a sexualidade é meramente privada quando passa abjeta para o escrutínio público através do escárnio e da afronta contidos no insulto, o que se torna mais problemático se se tiver em conta que a juventude é um momento onde vários/as jovens descobrem, experimentam, constroem e reconstroem a sua (hetero, homo, bi, etc) sexualidade. O bullying homofóbico como a) ritual de passagem moderno e juvenil para uma masculinidade hegemónica, como b) uma violência de género que procura modelar e adequar normativamente os/as jovens, através da coerção, física ou simbólica, a masculinidades e feminilidades pensadas socialmente como mais legítimas e como c) um mecanismo de opressão e apagamento de sexualidades não-normativas levam-nos a discutir a ideia da escola como um espaço seguro (e visto que as pessoas heterossexuais podem inclusive serem vítimas deste tipo de bullying convertendo-se a homofobia num problema de saúde pública que diz respeito a todos/as) e a perspetivar a cidadania sexual para estes/as jovens como uma miragem, declarada em papel – no decreto que regula a educação sexual nas escolas – mas completamente negligenciada na prática. Um decreto que prevê (ou diz prever), “f) O respeito pela diferença entre as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais; (…) l) A eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual.” (Decreto-lei, Nº 60, 2009: 5097). Um estudo de Louise Allen (2011) em escolas australianas, “do outro lado do mundo”, revela que os discursos juvenis eram unânimes numa crítica concertada à educação sexual pois tendia a existir uma discrepância entre os discursos institucionais, intelectualizados e adultocêntricos sobre o sexo e o sexo vivido, experimentado, real e físico por parte dos/as jovens. Além disso, estes discursos apareciam só e apenas numa perspetiva moralizante e preventiva, desvalorizando a dinâmica relacional ou afetiva e focalizavam excessivamente a (hetero)sexualidade reprodutiva, aliás, efeitos da própria abordagem da educação sexual que teve a sua origem, no início da década de 90, como proposta e medida política com intenção de prevenir as doenças sexualmente transmissíveis (no rescaldo do aparecimento do HIV-sida) e diminuir a incidência da gravidez adolescente (cf. Allen, 2011). O mesmo se aplica às escolas portuguesas onde se verifica uma visível invisibilidade na abordagem da (hetero, homo, bi, etc) sexualidade sendo estas escandalosamente negligentes. No que toca aos discursos e às políticas anti-bulying homofóbico, fala-se muito, como numa espécie de proliferação discursiva, das escolas como “safe places” (espaços seguros) (Rasmussen, et al, 2004). Mas, e se estes espaços se convertem rapidamente em sítios de inclusão subordinada, agravados pela forma como as estratégias de benevolência são pensadas e operacionalizadas no terreno? A escola pode não fornecer instrumentos para os/as jovens LGBT se constituírem como cidadãos e cidadãs de pleno direito (e deveres) dentro das suas muralhas metafóricas mas alguns/mas jovens educam-se na “cena gay” (Valentine & Skelton, 2003): nas suas culturas, nas associações, nos cafés e nos bares, em suma, naquilo que vulgarmente designamos como “comunidade gay”. É nesse sentido que destacar a importância das associações, como espaços palpáveis e emblemáticos da educação informal, é crucial quando a escola se torna truncada e insuficiente (mesmo que, por vezes, estas associações tendam a subsistir num regime de respeitabilidade dessexualizador ou de parcos recursos financeiros). A CASA (Centro Avançado de Sexualidades e Afectos) tem sabido, decorrente da sua aproximação estratégica aos decisores políticos mais locais, fazer um trabalho corpóreo de proximidade, por oposição a uma certa glamourização mediática do ativismo LGBT (embora, verdade seja dita, transcenda esse segmento encaminhando-se para a “universalidade do Direito à Felicidade”), assim como de rearticulação e de diálogo com a sociedade civil e as diferentes comunidades que a constituem, sendo inclusive destacada em inúmeros domínios. A vertente informativa da CASA, que se gere em dois eixos distintos: a revista “ID’ – Identidade” e o programa televisivo “Sexualidades, Afectos e Máscaras”, são nesse sentido pontes entre a Associação e o público em geral, abrindo linhas de diálogo sobre os temas de que quase ninguém fala, quebrando

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os tabus sem contudo descurar o teor científico e rigoroso que devem sempre estar associados ao trabalho na área das Sexualidades e dos Afetos. A “ID’ – Identidade” que tendo editado já 10 números tem, hoje, um quadro de 36 colaboradores dos quais 6 correspondentes no Estrangeiro (Espanha, Brasil, Japão, Austrália, Moçambique e Timor) sendo lida, neste momento, em 40 Países e 600.000 visualizações nas redes sociais assim como no programa de televisão, “Sexualidades, Afectos e Máscaras” que já emitiu 13 episódios. Não se trata pois de um mero gueto ou de um devaneio autocompletativo de quem a edificou. É na CASA que alguns/mas jovens constroem sobre ela (e, sobretudo, com ela), sentidos de pertença, alguns/mas por oposição às suas próprias casas sendo essas sítios insuportáveis para estar, crescer e tornar-se cidadão e cidadã. É neste lugar, concreto e material, que alguns jovens fintam as camadas de vulnerabilidade por detrás do artifício da festa, se informam formando-se através da palestra, da conferência e do workshop e negoceiam as suas margens de manobra para fazer frente a um mundo à deriva, (ainda) discriminatório e baseado em subtis exclusões. São exemplos dessas formações os Cursos de Formação Pós-Graduada, sendo que a CASA aposta também numa formação continua, ativa na área das Sexualidades, acreditando ser importante o trabalho desenvolvido no terreno, proporcionando a profissionais de diversas áreas essa oportunidade de aprendizagem e formação. Atualmente, a CASA dispõe de vários cursos de formação pós-graduada, sendo eles: “Sexualidades e Envelhecimento Ativo”, “Sexualidades e Deficiência Mental”, “O Desportista e as Sexualidades”, “Jornalismo e as Sexualidades”, “O Educador e a Sexualidade da Criança”. Além desses cursos, pode-se encontrar um amplo serviço de consultas nas áreas da Sexologia, Psicologia, Medicina e do Direito, que atuam diretamente sobre as necessidades da população que a Associação contacta diariamente assim como a formação de profissionais, outro dos serviços que a CASA presta à comunidade científica, assumindo também responsabilidade enquanto espaço de aprendizagem e crescimento profissional, com os protocolos firmados tanto com a Ordem dos Psicólogos Portugueses como com a Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa, que validam a realização de Estágios Profissionais Obrigatórios na área da Psicologia e da especialidade de Saúde Mental, em Enfermagem. Margens de manobra que nos fazem questionar um certo regime vitimista e assistencialista arquitetado pelas lentes paradigmáticas através das quais é perspetivada a juventude não-heterossexual (Driver, 2008). Aqui as margens não são a experiência crónica ou terminal de uma situação-limite mas sim um “sítio de radical possibilidade, um espaço de resistência” (hooks, 1989: 206) (tradução livre), localização central para a produção de um discurso contra-hegemónico, suporte vital para tornar algumas vidas realmente vivíveis. Esta outra casa serve os propósitos de se constituir como espaço de anunciação, enunciação, fuga e encontro, uma zona de conforto quando, em contexto de crise, as instituições-pilar mais privilegiadas e históricas da sociedade (como o Estado ou a família) se encontram na bancarrota em vários sentidos (Silva, 2011) e a cidadania se dá em outros universos. Uma instituição que, contra algumas marés, têm sabido levar o seu barco a bom porto e é nesse “Porto” que muitos/as jovens (e não só) completam as versões inacabadas das suas cidadanias parciais, alegadamente formuladas na escola e por ela mutiladas, e rumam à adversidade dotados de uma pueril mas convicta fuga|cidade. Performativamente constroem modelando as suas cidadanias e o seu exercício pode também “expressar-se no poder inventivo das margens que se manifestam insurrectas em relação às estratégias de encerramento e que ganham todo o seu fulgor nos jogos de abertura.” (Pais, 2005: 56). Não significa que se deva negligenciar – e isto é importante – a luta contra o bullying homofóbico nas escolas ou que esta CASA preencha o perfil de substituto total para educação formal, pública ou privada. Há que reconhecer que a escola ainda é, com efeito e com todos os defeitos, a instituição mais democrática que temos. Nessa esteira, a CASA acolhe O Projeto “Tudo Vai Melhorar”™, afiliado português do sobejamente conhecido projeto internacional “It Gets Better” ™, que pretende combater as mais variadas formas de bullying, com especial incidência sobre o bullying homofóbico, subespécie deste tipo de fenómeno que se revela especialmente acutilante e ameaçador, dado o seu caráter socialmente difundido, validado e fortemente discriminatório. A acrescentar ainda O “Projeto ISA: (In)Formar em Sexualidades e Afectos”, focado especificamente no meio educativo, pretendendo colmatar uma das mais graves falhas curriculares que se verifica ainda nos dias que correm, denotada pela ausência de uma disciplina de Educação Sexual, presente em todo os ciclos de ensino obrigatório a nível nacional, que pretende a criação de um espaço aberto no qual se possa dialogar, de forma científica e coerente sobre

“Sexualidades” e “Afectos”, tendo como público-alvo tanto os/as jovens alunos/as como os seus pais, mães e outros agentes educativos (professores/as, assistentes operacionais…). Não se pode pois ignorar a indispensabilidade que as associações, como espaços de educação informal, comportam como ferramentas de resiliência e (in)formação. Amparado/as então pela poesia da citação que abriu este texto reflexivo em tom de proposta política, pode-se dizer que a cidadania começa em CASA: uma instituição que foge às tentativas de ser explicada linearmente mas que toda a gente entende o imenso trabalho quotidiano que lá tem lugar.

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Referências bibliográficas: ALLEN, Louisa (2011). Young People and Sexuality Education. Rethinking Key Debates. Basingstoke: Palgrave Macmillan. ARAÚJO, Helena C. (2007). “Cidadania na sua polifonia: Debates nos estudos de educação feministas.”, In Educação, Sociedade & Culturas, nº 25, pp. 83-116. DECRETO-LEI (2009). “Estabelece o regime de aplicação da educação sexual em meio escolar.”, In Diário da República, 1.ª série — N.º 151 — nº 60, pp 5097-5098. DRIVER, Susan (Ed.) (2008). Queer Youth Cultures Albany: State University of New York Press. EPSTEIN, Debbie (Ed.) (1994). Challenging Gay and Lesbian Inequalities in Education. Buckingham: Open University Press. EPSTEIN, Debbie & JOHNSON, Richard (1998). Schooling Sexualities. Buckingham: Open University Press. FILAX, Gloria (2006). Queer Youth in the Province of the “Severely Normal”. Vancouver: UBC Press. GORDON, Tuula; HOLLAND, Janet & LAHELMA, Elina (2000). “From pupil to citizen: a gendered route.”, In Madeleine Arnot & Jo-Anne Dillabough (Eds.), Challenging Democracy. International Perspectives on Gender, Education and Citizenship. London: Routledge Falmer, pp. 187-202. hooks, bell (1990). “Choosing the Margin as a Space of Radical Openness.”, In Yearnings: Race, Gender and Cultural Politics, MA: South End Press, pp. 203-209. LEES, Sue (2000). “Sexuality and citizenship education.”, In Madeleine Arnot & Jo-Anne Dillabough (Eds.), Challenging democracy: International perspectives on gender, education and citizenship. London/New York: Routledge/Falmer, pp. 259-277. LOURO, Guacira Lopes (1997). Gênero, Sexualidade e Educação. Uma perspetiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes. MAGALHÃES, Stoer & STOER, Stephen (2005). A Diferença somos Nós. A Gestão da Mudança Social e as Políticas Educativas e Sociais. Porto: Edições Afrontamento. MARSHALL, T. W. (2009): “Citizenship and Social Class.”, In Jeff Manza & Michael Sauder (Eds.), Inequality and Society. New York: W. W., Norton, pp. 148-154. PAIS, José Machado (2005). “Jovens e Cidadania.”, In Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 49, pp. 53-70. PLUMMER, Ken (2003). Intimate Citizenship. Private Decisions and Public Dialogues, Seattle & London: University of Washington Press. RASMUSSEN, Mary Louise; ROFES, Eric & TALBURT, Susan (Eds.) (2004). Youth and Sexualities. Pleasure, Subversion, and Insubordination in and out of Schools. New York: Palgrave Macmillan. SANTOS, Hugo (2013). Um Desvio na Corrente que(er)stionando as Margens. Percursos escolares e culturas juvenis de rapazes não-heterossexuais. Tese de Mestrado: FPCEUP. SILVA, Sofia Marques da (2011). Da Casa da Juventude aos Confins do Mundo. Etnografia das fragilidades, medos e estratégias juvenis. Porto: Edições Afrontamento. VALENTINE, Gill & SKELTON, Tracey (2003). “Finding Oneself, Losing Oneself: The Lesbian and Gay ´Scene´ as a Paradoxical Space.”, In International Journal of Urban and Regional Research, vol. 27, 4, pp. 849-866.

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Av. Ramos Pinto · Loja 240 Cais de Gaia · 4400-161Vila Nova Gaia TL [+351] 223 722 415 · FX [+351] 223 723 116 geral@barcadouro.pt · reservas@barcadouro.pt WWW.BARCADOURO.PT · RNAAT 13/2010 · RNAVT 4000

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OLHARES

C A R L O S M AT O S

"Igualdade”, uma palavra que me incita um sorriso oblíquo, evi-

denciando o descrédito com que a classifico, tristemente. Concordo que possua um peso difícil de suportar, sendo vítima de constantes arrastamentos, terminando, infelizmente, abandonada e esquecida num beco, aguardando o próximo crente que a deseje. É dona de uma polaridade infinita controlada pela cultura, crença, costumes e mediada pela personalidade, por vezes, nublada pelo sentimento. Envolvida em constantes guerras, de onde se semeia e colhe a discórdia, dada a sua impossibilidade de implementação e estabilização global. A ausência de desigualdade entre direitos e deveres, assim como de género, orientação sexual, classe e raça, será eternamente debatida e combatida por todos os que a ousam aclamar, dado o seu individualismo tão marcado e magnânimo. A ausência de privilégios de classes numa organização social implicaria a destruição dos mais diversos patamares hierárquicos, podendo impor-se um sistema de extremo anarquismo com consequências drásticas, dada a falta de civismo, cooperação e excesso de comodismo e desleixo dos seres que planam neste planeta. O princípio da isonomia já há muito que perdera a sua força, sendo actualmente preterido pela diversidade. Sou seu apologista, desde que pelo caminho me depare com a evolução, onde a igualdade do respeito será obrigatória para que uma saudável troca de ideias sobre ideais distintos seja frutífera. O que para mim se apresentam como ideais empíricos de igualdade pelas mais diversas razões, sobrepondo-se a salubridade do Mundo, para outrem poderão representar o oposto, numa desigualdade opinativa, contudo partilhada. Independentemente do meu discurso parecer derrotista, limitei-me somente a explanar os danos advindos da busca de igualdade, independentemente de que tipo seja. O meu desânimo deve-se às constantes barreiras que desmesuradamente surgem. Será, eternamente, uma desigualdade formal e material repletas de incongruências, donas de um desdobramento ínfímo e impulsionadas pelo acto mais básico do ser humano: a comparação.

IGUALDADE

(DES)

’ Enfermeiro Veterinário

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CRIAÇÃO LITERÁRIA

A

SUSANA SOARES RIBEIRO

VIVER. NO FEMININO

minha amiga Magui diz que o marido não consegue usar a cozinha sem deixar migalhas em cima da bancada. Eu acho que a culpa é dela: primeiro, porque tem marido; segundo, porque compra alimentos que soltam migalhas. E, convenhamos, refeições só se fazem fora de casa… A Magui ligou-me ontem de manhã, não muito cedo, porque ela sabe que eu não saio da cama antes das 10h, a menos que tenha algum evento de reconhecida importância social, o qual inclua a presença de pessoas importantes e que se revista de uma notória oportunidade de conhecer alguém estimulante. É isto mesmo que falta à Magui, estou farta de lho dizer, conhecer alguém estimulante. A vida é curta em demasia para perdas de tempo. É preciso dar prioridade ao prazer, matando tédios como quem mata moscas. As desventuras são para ser curadas entre dois copos e dois corpos. Afinal, o mar é de tal forma imenso que é insano ficar ancorada. A minha amiga sempre seguiu o modelo mulher-princesa, imposto por uma família dada a pedantismos de estilo monárquico. Foi educada para ser mulher casada, coisa que aconteceu com o primeiro emplastro que acenou com um título de conde, vindo de um tetravô qualquer de linhagem genealogicamente comprovada. Os pais dela entraram em completo delírio e, claro, não perderam a oportunidade de casar a filha muito bem. A Magui precisava de ter sido filha da minha mãe, que tinha os homens como um erro das nossas emoções e os erros apagam-se com as borrachas. Aprendi com ela a não me submeter a homem nenhum. Doo-me apenas quando quero e tenho prazo de retoma. A Magui é aquilo a que a minha mãe chamava de mulher-esfregona: útil para limpar porcarias e enfiar no armário para ninguém ver. O senhor conde é o caso típico do nem faz, nem deixa fazer. Traduzindo, um homem que nem promove a

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felicidade, nem permite a busca da mesma. Houve uns tempos em que vivi de Zorra e andei por aí vingando as mulheres destes inúteis, mas hoje não tenho paciência. Só escolho homens que vivem no meu comprimento de onda. Já nos conhecemos desde os primeiros anos do liceu e eu bem que a avisei que o rumo da vida dela daria mau resultado. Acertei. Porque agora ela passa a vida a apanhar-me para almoços e lanches de lamúrias, acompanhados de lágrimas abundantes. O que me vale é que é ela quem paga, julgando com isso aliviar-me da penúria da situação. Fico sempre arreliada quando temos estes encontros. Ela queixa-se sempre do mesmo, de não ter atenção da parte do marido, das suas exigências e críticas em tom de voz que roça os maus-tratos, dos ralhetes permanentes, como se ela fosse uma adolescente à sua guarda, da falta do enaltecimento e do reconhecimento dos seus talentos e da desconfiança permanente. O meu discurso também já não tem alterações nem declinações. Digo-lhe que ela não existe, que vive na sombra, carente de pequenos momentos de exaltação. É como se fosse um cachorro preso a uma corda, que vê o dono comer e espera impaciente que lhe toque um bocado, de tal forma pequeno, que nem lhe mata a fome, nem lhe sacia o gosto. Eu bem lhe digo que ela tem que começar a partir louça, a impor os seus quereres, mas ela não tem coragem. A Magui refugia-se apenas em desabafos e arranja pequenos interesses que lhe servem de refúgio à vida que leva. Há alturas em que nem consigo falar com ela, tão embrenhada está no seu mundo imaginado, garante da sua sanidade mental, se é que é são viver num mundo imaginado. Segundo ela, o marido não presta, mas eu tenho algumas dúvidas de que isso seja mesmo assim, primeiro porque me diz que os homens são todos iguais, o que não é verdade porque eu conheço imensos, e depois porque afirma que nenhum deles presta, o que só é verdade quando se decide mantê-los por tempo indeterminado. Estou farta de dizer à Magui que os homens devem ser usados sem moderação ou contenção, mas por períodos pouco prolongados. São bons todos aqueles que têm fundos para suportar as nossas vontades, nomeadamente um carro de gama elegível para nos levar a jantar à capital, vindos de qualquer lado. Nada de meninos com pedigree, dados ao clássico. É apanhá-los esbanjadores e apreciadores de decotes a descoberto. Dos tiro e queda: levam o tiro, vão morrer longe e ainda deixam presentes. A Magui foi sempre resistente à minha ideia de que um homem não é para meter em casa, porque as chatices passam a superar os granjeios. Agora já me vai dando razão. No caso dela até já nem há grandes proveitos, porque depois de um dia passado a ir buscar e levar os filhos para as inúmeras atividades que uma criança monárquica deve frequentar, cai na cama e entra imediatamente num sono profundo, que se irrita à mínima perturbação (leia-se encosto). Não consigo perceber isto. A Magui diz que tem uma imensa inveja do meu estilo de vida, mas não faz nada para mudar o dela. Está presa à tradição e ao bem parecer e, para completar o ciclo, ama. Já lhe disse que não há nada mais errado do que amar um homem. Temos é que amar todos os homens, para que ao nos faltar um tenhamos logo outro para compensar. Os únicos seres masculinos que devem viver connosco em permanência são os diamantes. A minha vida é muito simples, nunca a compliquei. Vivo da mesada dos meus pais, que se vai acumulando na minha conta bancária, porque só vou a festas e aceito saídas quando tenho a certeza de ter tudo pago (e presentes!). Só passo férias em quintas no Douro ou em hotéis de 5 estrelas, com tratamentos SPA incluídos. Detesto férias com putos aos gritos, saídas em grupo para ver museus, circo, teatro infantil, passeatas no campo com picnic, banhos de rio, festa de aldeia, feiras populares ou arraiais do tipo Santoinho. Recuso-me a calçar seja o que for que não tenha saltos altos, exceção feita ao ginásio e aos centros de tratamento do corpo. Não gosto de vestidos de praia, daqueles que se usam também para assar as sardinhas, nem de roupa de desporto fora de local próprio. Um estilo de vida à mão de qualquer uma. Às vezes rio-me sozinha de mim mesma. Acho que sou como as prostitutas: invejada pela ousadia

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e criticada pelas normas. A Magui vive da mesada do marido e de algum dinheiro que lhe vão dando os pais. Tem que pedir dinheiro para tudo. Diz que me inveja imenso, por eu conseguir ter fundos próprios, mas que nunca teria coragem para assumir uma vida como a minha. Não sei como a Magui consegue viver dependente, presa numa teia de correntes grossas e transparentes. Às vezes quase não a suporto, mas, quando não me farto, gosto mesmo dela, porque raramente me critica e porque me coloca entre a pena e a adulação, ou seja, deixa-me ser como sou e aprecia-me de acordo com as suas inconstâncias de humor. A Magui prefere viver sob aquela eterna desconfiança da outra. Tem uma estranha sensação de posse sobre alguém que a possui. Eu nunca tenho esta desconfiança, porque espero mesmo que exista outra para que o momento do desenlace não me saia uma cena do tipo CasaBlanca. Às vezes acontece, quando não consigo sair do carro com a pressa necessária e bater com a porta. Bater com a porta do carro é remédio santo, é o som mágico que os faz sair do transe. Gritam bate a porta devagar e vão-se amuados. A Magui fica furiosa quando eu lhe digo que ela deveria arranjar outro. Argumenta que isso nem sequer é católico e fica escandalizada, mas estou convencida de que lhe faria mesmo bem. O problema dela é a rotina. Isso, e sair de casa. Confesso que sou mazinha e de vez em quando sugiro-lhe que ela deveria mesmo sair de casa. Não pode: três filhos, ainda mais culpa dela, porque por ele tinham ficado com dois. Três é o número de descendentes que está inquestionavelmente na moda. Credo. Odeio fraldas, livros a cheirar a pão com manteiga e crises de adolescência. Quem é que pode ter uma vida se decide ter filhos? A Magui não sai porque tem filhos, não viaja porque tem filhos e destrata-se porque tem filhos. Diz que não tem tempo para ela. É verdade, é por isso que eu não os tenho. Gosto dos dela. Faço-lhes bilu, bilu quando vou lá a casa e depois venho-me embora quando algum vomita na carpete da sala por ter comido demais. Nem quero imaginar-me a recusar um convite por causa de uma criancinha dependente. Aqui está algo completamente fora de questão. Aqui há tempos fui um bocadinho cruel e tentei que a Magui fizesse ao marido uma surpresa no capítulo íntimo. Levei-a a uma sex shop e obriguei-a a comprar lingerie decente, em seda, para ver se lhe matava o eterno (e confortável) algodão. Fiz-lhe todo o guião do filme, mesmo duvidando da capacidade de ela o seguir à risca. Obriguei-a a repetir a sequência umas quantas vezes e liguei-lhe no dia seguinte ao acontecimento, morta de curiosidade. A Magui estava de rastos. O marido deu-lhe uma palmadinha no rabo e disse-lhe que ela já não tem idade, nem corpo, para curtas-metragens ao estilo europeu. Depois saiu para passear o cão, e ela aproveitou para aspirar os pelos acumulados no sofá. A culpa é dela. Não há corpo que resista a tanta gravidez. As grávidas são absolutamente monstras, horrendas, disformes, e eu tenho a convicção de que, para a maioria, parte alguma voltará ao sítio. Quando penso em grávidas lembro-me sempre de um colega do liceu muito bronco, daqueles que deveriam ser tratados com lixa de polimento, que dizia ser a gravidez como as pulgas: incha, desincha e passa, ao qual eu respondia que fosse ao oftalmologista para conseguir ver que não passa coisa nenhuma. Aqui há dias disse à Magui que o casamento dela não pode funcionar. Ela arregalou-me os olhos, mas depois de eu explicar porquê não pode contrapor com nenhum argumento válido. Ora vejamos. Um conde é educado para casar com uma mulher discreta no falar e no vestir, que não mostre grande inteligência senão aquela que lhe é exclusiva: ser mãe; o que não se coaduna com enleios de maior monta. Já sabe o conde, à partida, que o romance inicial é de pouca dura e que depois vai ter que expurgar algumas necessidades em meios mundanos, onde, no que toca a prazeres, não há esquisitices. Trata de o fazer sempre às escondidas da família e às claras dos amigos. O casal exemplo é treinado para dosear as emoções, boas ou más. A filha princesa aguenta-se, o filho conde tem que arranjar forma de compensar as privações, para não acumular stresses.

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Não tenho paciência para condes. Gosto de homens ousados, daqueles que procuram diversão por convicção e não para alívios. Não aguento desabafos de homens, nem sequer dos ricos. Se não lhes consigo mudar o espírito ao segundo copo invento uma dor de cabeça e vou divertir-me para outro lado. Nem quero imaginar ter de aturar um destes e a noite acabar em fiasco, por o dito se vir a sentir com complexos de culpa e abandonar o jogo sem desapertar o cinto. Já me aconteceu duas vezes. Aprendi e resolvi o assunto, mas neste capítulo não consigo que a Magui aprenda nada. A Magui às vezes zanga-se comigo e, para se vingar do que lhe digo, diz-me que não sabe como é que eu arranjo tanta e tão diversa companhia. Afinal, segundo ela, eu não sou nenhuma modelo ou atriz. É verdade, o tamanho das ancas e algumas desproporções corporais têm de ser bem trabalhadas, mas é tudo uma questão de ter os adereços certos e de usar a sensualidade. Estou convencida de que se ela fizesse madeixas claras e tirasse os andrajos de ir à igreja ao domingo teria mais sucesso, até em casa. Modernizar as cores da maquilhagem também lhe faria bem, que já não lhe suporto os ocres de toda a vida. Primeiro, quando andávamos no liceu, era para os pais não notarem muito. Agora é por causa do marido, que tem medo que alguém lhe cobice o que tem por garantido. Detesto ir às compras com a Magui, mas nem sempre lhe consigo escapar, porque ela vem direta a minha casa, sem telefonar, para me apanhar à hora do pequeno-almoço, depois de deixar os miúdos na escola e gastar, a ler, o tempo necessário que eu preciso para acordar com disposição humana. Não fosse ela dar-me sempre uma peça ou outra, que me cai lindamente em qualquer festa de luzes cintilantes, escapava-me mais vezes. A Magui compra sempre a mesma coisa. Calças de sarja azul-marinho, bege ou vermelha, e camisas clássicas de riscas ou quadrados, às quais sobrepõe singelos casacos de malha a condizer com as calças. Os sapatos ou botas são sempre rasos e confortáveis, que é uma palavra que ela usa com frequência. Não percebo como é que alguém se sente confortável com roupa tão desconsolada. Já desisti de a tentar fazer comprar um vestido que lhe adelgace as formas. Diz que se sente despida com as roupas que eu lhe apresento, mesmo que a gola seja alta. Quer passar pelo mundo despercebida. Descanso-a, porque, como é, pode estar segura de conseguir o seu intento. Nas compras, pior do que fazer compras para a Magui é fazer compras para o marido da Magui, os filhos da Magui, a mãe da Magui, o pai da Magui. Quase tenho enjoos com vertigem. O quase é para a vertigem, porque enjoos tenho mesmo. Os homens vestem todos por igual, seja qual for a idade. À inglesa. Casaco azul-marinho com botões dourados e emblema, camisa às riscas, calças de sarja à jogador de cricket e sapatos de vela a rematar. O drama é maior quando ela compra daqueles que têm froquinho no peito do pé. A mãe anda sempre vestida como se fosse receber em casa a velha senhora. Tailleur do tipo Coco Channel, sobre camisa branca, e sapatos pretos sem adornos. Não sai de casa para o chá com as amigas sem ser a feder a laca e ao imutável Nº 5. Confesso que sempre que beijo a senhora tenho que lavar a cara, porque não aguento o cheiro e a gordura do antirrugas. Como facilmente se depreende, neste setor das compras da Magui não opino. Limito-me a ajudá-la a carregar os sacos e a esperar que apareça a peça que lhe indicio que ela me pode dar de presente. Uma característica de que gosto bastante na Magui é a paixão dela pela leitura. Dá-me imenso jeito que ela me faça as suas recensões literárias. De vez em quando apanho umas companhias mais dadas à cultura e à intelectualidade e se não fosse a minha amiga não saía de uns títulos do Pessoa e do Byron, bem como de algumas críticas que memorizei para não ficar mal na conversa e não dar ar de burra. Uma vez esgotados estes, entro com os romances da Magui e, mal posso, salto imediatamente para a Carolina Herrera. Às vezes eles ainda voltam à cultura, tentando a música. Eu não suporto música clássica, mas digo sempre que me apaixonei por Chopin numa encarnação e por Bach noutra, porque uma pessoa que

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não gosta de música clássica não é culta. Não há volta a dar a este conceito. Há que aceitar. Remato o assunto discutindo a oportunidade do cubismo da casa da música e o inaceitável cheiro que largam os miúdos dos skates que habitam à volta dela. Neste campo já me movo melhor. Eu sou, talvez, a melhor amiga da Magui, ainda que não a considere a ela como a minha melhor amiga. Não tenho amigas maiores nem menores. As amigas têm sempre uma função a cumprir e são escolhidas momento a momento, dependendo do interesse. É sempre bom ter amigas bem relacionadas em todo o lado. A Magui leva a amizade demasiado a sério. Eu já lhe disse para ela ter cuidado, que as mulheres não são de confiar, as que a rodeiam, então, são de fugir. Bisbilhotam demais, criticam demais, regulam demais e parecem-me sempre de olho no património masculino privado umas das outras, ainda que se anunciem muito sérias. Apresentam-se todas num estilo muito avant-garde, mas eu tenho-as na prateleira das muito-púdicas. Um dia, de surpresa, organizei na casa da Magui uma reunião da malinha vermelha. Nunca vi tanto embaraço, riso falso (às vezes histérico…) e semblante comprometido. No fim da reunião todas compraram o mesmo vibrador em forma de batom e ficaram de comentar, no dia seguinte, as reações dos maridos, coisa que nunca aconteceu. Duas delas disseram à Magui que deitaram os vibradores no primeiro contentor de lixo que encontraram à saída de casa dela. Eu fazia tenções de oferecer à Magui um artigo de luxo, de latex extra suave, com regulador de cinco velocidades e design com assinatura, mas desisti quando lhe percebi um embaraço humilhado. Compreendi nesse momento que os anos das nossas confidências, ou melhor, das minhas confidências para com ela, tinham ficado no liceu. Não suporto gente pobre daquela que viaja em autocarros e tem odor a mercearia de aldeia. Fujo desta gente sempre que posso, principalmente dos mais novos, que gostam de cantar músicas da moda na versão arrotos. Que nojo. Estas pessoas deviam ser obrigadas a viver em zonas próprias, longe de nós. No campo, por exemplo, da agricultura, que é uma ótima forma de viver sujo. Às vezes, quando a companhia não é boa, lembro-me que algumas destas pessoas trabalham nos restaurantes onde vou e fico sem apetite. Dá-me um enjoo súbito e só vejo carros do lixo a passarem-me à frente dos olhos. A Magui quase me abandona quando eu lhe digo isto. A minha amiga faz caridade em várias obras da Igreja. A caridade é algo obrigatório no estilo monárquico. Por exemplo, todos os anos vai fazer de empregada de mesa e servir a ceia de Natal aos sem-abrigo. A ceia deles é no dia 26 e um dia a Magui convenceu-me a ir com ela, ainda hoje estou para perceber como. Não cheguei a entrar. Desandei de lá para fora mal as portas do salão onde eles estavam se abriram e eu senti o cheiro emanado pela irmandade do lixo. Era isso ou arrojava ali mesmo o parco conteúdo do meu estômago. A Magui andou uns tempos sem me falar, o que até nem foi mau, mas depois perdoou-me e voltou a ligar-me, o que não foi totalmente bom. Acha-me egoísta e insensível. Lá egoísta sou, não me privo de ser a minha primeira escolha, ou seria parva, mas insensível?! Se fosse insensível não teria ficado com o estômago às voltas à primeira golfada de ar que me passou a traqueia. No mês passado a Magui convidou-me para a acompanhar a uma cerimónia organizada pela empresa do marido para entregar uns prémios financeiros aos melhores funcionários. Fiquei impressionada. Anda bem que fui com ela. Mal chegámos o marido largou-nos para se juntar aos homens de negócio. As mulheres que se conheciam juntaram-se a falar de filhos e perspetivas escolares futuras. Ninguém aguenta… Eu convenci a Magui a beber uns copos e acabámos as duas a rir-nos das parvoíces dos tempos do liceu. Um dia conseguirei levá-la sozinha para uma festa. Gosto muito daquele riso dela e já acho que lhe está em falta há muito tempo, mas ela reage ao marido ao estalar do dedo. Ele deve tê-la em transe. Irrita-me. Confesso que se não fosse marido dela tirava-lhe a arrogância. Mas não tenho

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coragem. No fundo, gosto demasiado da Magui. A Magui já não aguenta o marido. Diz que ele não lhe liga, não lhe faz um carinho e só exige, além de salpicar o chão a toda a volta da sanita. Tudo a horas, tudo como ele quer. Ela não consegue deixar de manter as aparências do tudo-bem e, claro, encharca-se com Prozac. Há uns anos que ele não lhe diz que ela está bonita e nunca a leva a lado nenhum. Apetece-me bater-lhe. A ela, claro. O problema dos homens como ele são as mulheres como ela. Comigo, os homens cortejam, bajulam e gastam muito dinheiro. Se não querem, estão fora do meu mapa, mudam de constelação ou desaparecem num subterrâneo. Os homens de que eu mais gosto são os jogadores de futebol. Grandes festas, grandes carros, tempos de sonho e, com sorte, um compromisso passageiro para lhes tomar parte da fortuna, com drama alimentado nas revistas cor-de-rosa. De qualquer forma não me meto com eles. Gosto do anonimato e há outras formas de chegar às pedras preciosas. É isto que a Magui não entende, que se pode viver bem no anonimato, sem rédeas ou limites. Ela própria diz que a vida é feita de momentos de felicidade. Ninguém é feliz em versão de longa-duração. Tem razão, por isso é que eu nunca faço nada por períodos de tempo muito prolongados e organizo-me por ocasiões e oportunidades. As únicas pessoas que acham que a Magui é muito feliz são as falsas das amigas e as tias-avós, as catatuas de saliva no canto da boca e cheiro a mogno de museu. Para elas a Magui é um modelo de virtudes, algo que o marido comprova de forma alardeada. A tonta da Magui fica feliz com estes elogios e, no dia seguinte, vai à igreja confessar-se e agradecer as dádivas de atenção. Depois de levar a lavagem da igrejinha sente-se pura e fica azeda comigo por uns dias, até o marido a voltar a destratar. Gostava muito de a fazer perceber que os homens só prestarão quando ela prestar. Lamento, mas é o que penso. A Magui não é uma mulher, é uma coisa. O tempo passa apenas para enrugar a face da minha amiga, mas as rugas deviam instalar-se-lhe só por excesso de sorrisos. Não consigo fazê-la entender isso. Um dia tive um sonho. A Magui fugiu comigo. Saiu de casa, deixou um papel escrito junto do biberão já preparado do mais novo dizendo que voltava daí a uma semana. Escondemo-nos num canto perfeito do Mundo, onde as pessoas tinham olhos seletivos para a beleza, bocas que só diziam palavras de encanto e ouvidos que só ouviam coisas boas. A Magui viveu uma vida inteira num ciclo de sete vezes vinte e quatro horas. Vestiu os meus vestidos e usou a minha maquilhagem. Subiu os tacões e inebriou. Recebeu sem se dar e percebeu a contradição da sua vida. No fim desta curta caminhada quis largar tudo, quis nunca mais voltar, e fui eu quem a colocou de novo no seu caminho. Quando acordei do meu sonho percebi que a Magui é o meu porto seguro, preciso da normalidade dela para segurar a minha loucura. A Magui tem muito do que eu queria ter sem o conseguir e eu tenho muito do que ela precisaria sem que lhe surja a oportunidade. No fundo, talvez vivamos um pouco uma através da outra. Esta é, contudo, uma verdade que nunca lhe direi. Luana (Heterónimo)

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CRIAÇÃO LITERÁRIA

O

LUÍSA DEMÉTRIO RAPOSO

UM TEXTO HÚMIDO sexo é poesia e todos os recantos de um corpo são poemas, acendendo-se mutuamente, nas bocas, na perflora-

ção dos poros em anais que unem-se e dilaceram-se obsessivamente nas avenidas arpoadas do prazer. Nos meus poentes olhos, molhando em mim metáforas e os úteros imortais do sangue ao encontro da carne. Hálitos, em cima, pulsando, repercutindo-me entre o abandono e a cortesã personagem que por mim inteligentemente se ia congeminando. O pensar sangrando, irrazoável, obsessivamente pelas palavras renascidas em cios que gravitavam pelos (meus) equadores baixos, em ondas que se iam estilhaçando e escorregando pela natural desordem que é o meu corpo. Entre o abandono e a entrança, na linguagem, que existia em cenários, sem gestos, nas falanges, as perspectivas, o acolhimento, as pálpebras. Gôndolas iluminando-nos por uma extensiva inspiração, decorrente, nós duas um rio de sangues, irrigando, irrigando-nos, escutando as palavras assimétricas, descendo húmidas pelo latejar, nos alambiques orgásticos. A semântica, potente, goza o armado dentre os lenços vulvares. Cheira a mar, as mãos remam para possuir a trilha purpura das águas, ferozes e impacientes entre as queimaduras escarlates onde se respira depressa. Os verbos estão vivos, abertos e descobertos, que ardam todos, sobe manete, na mão que implanta o poder de inchar a carne, na poça em que os dedos se despedaçam e invejam os rastros nas bocas. Os licores em sementeiras, arregaçam-se. Acetinados. Marginam, marginam, acetinando entre as vaginas que iam entardecendo o rejuvenescer. Os sexos, o fogo em arcadas e imolações sobre o ferocidade, o espargir sonhando mel e no arder a vida a morder-me em toda a minha húmida carne. A malícia em arco. A largura da minha boca na largura do charco. No grito indígena, o rasgo é o mundo onde o meu cio acontecia e entrava num patíbulo, no foder, o ar permissivo. Orvalhando-me, o saibro, as cíclicas mãos, apalpando dentro em mim memórias, viagens, as outrora fundações de um outrora pénis profundo, em noites bravas e infinitas a horizonte onde outrora um Eros retirou um potente e duro tesão. É amargo, o deserto que a pela concede á luxuria, a que se ergue e me morde, tropeçando em algures, aqui e acolá, algures que serpenteiam entre a vagina, gemente. Odores na revolta, o latejar brunido é um segredo fêmea, foi sempre, entre os caules húmidos, escondidos na íntima nudez, no infinito da rosácea, onde se encurvam as mãos e os sexos empolados se encharcam e abrem irradiações inexplicáveis. O sol túmido, ardente e longo, é dor enquanto arde ateando o barro violento e alto das coisas a maravilharem-se.

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As bocas, uma só língua, açulada, lambendo, bebendo, sugando os sítios, a saliva que brota de um solo, panteão. O texto, a memória costeira da boca em desequilíbrio, nos círculos nómadas, as cartilagens gemendo para lá das minhas cisternas interiores onde não se ouvem gritos mas tão-somente um amargo gosto a lanha e escuridão, na secreta via onde o paraíso vira noite e o sangue a desmata oblíqua entre a voz rouca que a pronuncia. A beleza de braços abertos entre o respirar cru, cíclame, aberto e desperto nu na boca que ferve e que ama toda a matéria explícita. Acende-se o meu cheiro, nela, e se evapora dentro alimentando-me o percurso feminino desde o fundo lago até á minha faiscante varanda onde juntas pintamos os céus e o amor que ilumina os sentidos a ir e a vir, nas paisagens escarlates onde o delírio celebra êxtases. Ah, os seios dela, anelantes disseminando-me a língua. Os seios dela, gumes, em copas escancaradas, as auréolas bárbaras, na língua que tremia e no mamilo lambiam, lá onde os dois cumes eram de leite e cheios de tempestades salgadas. A cama, em cada poro, nela os meus órgãos cresciam e as rotações bobeavam as duplas silhuetas, juntamente, secretamente nos sexos felinos, crepitando-se, aveludadas, as virilhas repletas de tinteiros e de prosas em sanha, gota a gota, as duas púbis suadas. Nas veias, a chama, irrompe, a vertigem, trilhada, o meu endereço amante, o epicentro do equilíbrio e o desequilíbrio à nossa volta, a precipitação e a bigorna sem rosto, a cópula. Abrindo-se em travessias, a vagina desnivela-se em palavras e prosas, linhas e núcleos, pólvoras, golfadas e lanços nadando, nadando entre águas minadas, entrando nas duplas ancas contorcendo o mundo húmido, vibrantes, vibrando, vibrando, vibrando, vibrando, entre o espaço e os dedos navegadores em debate. A memória bruta de um naufrágio, a imagem das suas entranhas esmagando-me. Seda, a carne, encostada à página inteira, na escrita que se vai fixando e se vai fechando a cada onda orgástica, a cada profundo nó, as trevas, o enxofre cai nas margens, iluminando a ceifa e nós, abertas, nas espasmódicas respirações, num cais, ateando toda a memória atenta, avassalando nas frases a frase. O cio a desmoronar-se onde os buracos fervem e nos abrasando não só a Alma, mas também toda a carne hasta. Luísa Demétrio Raposo Além Tejo, 6 De Setembro 2013

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CRIAÇÃO LITERÁRIA

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MANUELA GONZAGA

VIVA A DIFERENÇA PORQUE NO SEU RESPIRAR VIVE A IGUALDADE

ncontramo-nos quase sempre a passear os respectivos cães, nos esparsos e empoeiradíssimos jardins desta al-

deia no coração da cidade antiga. Ele com a Rilha dele, eu como o meu Timóteo. Foi pelos cães, ambos com historial de abandono, que começámos a conversar, tão naturalmente como se nos conhecêssemos desde sempre. Temos outro traço de união. Adoramos Lisboa. Com todos os defeitos e problemas que a cidade tem, com todos os obstáculos que ela nos coloca, Lisboa é uma paixão comum, sobretudo nestes lugares onde a história se faz presente e onde a convivialidade espontânea e de rua, é tão natural como respirar. Um dia apresentou-me o seu companheiro de longa data de quem me fala amiúde. Um jovem urbano, fato de bom corte, cabelo claro muito curto, português fluentíssimo e sem sotaque, mas onde se detecta um indefectível ‘vento’ do Leste. Um dia falámos sobre isso. Quero dizer, sobre o filme de terror que se abate sobre a vida de alguém que tenha a coragem suficiente para assumir a sua não-alinhada identidade de género em países como a Ucrânia, a Rússia, a Moldávia, só para citar alguns, onde a homofobia é avassaladora. Eu sei muito bem disso, porque tenho amigas e amigos de Leste. Sei dos espancamentos, das humilhações, das mutilações e das mortes que tal assunção do mais elementar direito à diferença pode acarretar. Lembro-me de ter comentado com este meu amigo, durante os nossos passeios de cães: – É preciso ser-se muito Homem, é preciso ser-se muito Mulher para sair do armário em sociedades assim. E depois, por comparação, congratulámo-nos pelo privilégio de viver num país como Portugal, onde a liberdade é palavra viva e onde o direito à diferença não está apenas consignado na lei. Aqui ele hesitou ligeiramente. Depois, concordou comigo na generalidade, mas discordou na especialidade, dizendo-me que não era «tão assim». Eu insisti. E adiantei: – O problema é o medo. Se toda a gente se assumisse não haveria outra maneira. Era tao bom que as pessoas não sentissem medo ou vergonha da sua identidade de género. Eu, por exemplo, se me apaixonasse romanticamente por uma mulher, andaria de mão dada na rua com o meu amor e ninguém teria nada com isso. Nem admitiria que alguém tivesse alguma coisa a dizer a esse respeito. Mais uma vez, ele concordou e discordou. E deu exemplos. Não é por cobardia que as pessoas não se assumem, mas por uma questão de sobrevivência, explicou. Talvez em certas profissões, ou meios, se possa viver essa dimensão de liberdade, que ele, por exemplo, vive e desde sempre. Mas, acrescentou, um actor que não esteja no seu apogeu, se se assumir publicamente como homossexual, está condenado ao desemprego. Olhei-o como se ele tivesse enlouquecido. A quantidade de actores que… ia eu a dizer. Ele deu-me só um exemplo. O da jovem que assumiu ser lésbica, e que foi mãe há uns tempos, não se sabe se por inseminação artificial, porque nesse campo ela preservou a sua privacidade e a do seu bebé, mas cuja história fez as parangonas da imprensa. – Foi muito elogiada pela sua coragem. Teve todo o tempo de antena que se possa imaginar. Televisão, rádios, imprensa. Mas a partir de então, só a chamam para fazer de lésbica. Nunca mais a consideraram viável num casting «normal». Pode imaginar a quantidade de papéis que ela representou desde aí? Pois. Nenhum. Quando muito, aparece como actriz muito secundária. A fazer de lésbica, claro. Não soube que lhe responder. Ia mesmo, mesmo a contestar que o facto de ela ter muitas tatuagens também pode interferir com os papéis que eventualmente lhe pudessem oferecer, porque o seu corpo está muito marcado. Mas depois percebi que era mais um preconceito, desta vez da minha parte, a somar-se aos outros. Em cinema, em teatro, em televisão, a maquilhagem cria, recria, oculta, realça e faz desaparecer tudo e aparecer tudo. E isto deu-me que pensar.

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SÍL V IA ALV ES

oetisando PEDRO

PINTO

SAMUEL

IGUALDADE Esticaste-me a mão Naquele dia de Inverno, Dia chuvoso: Tu à chuva; Eu debaixo do chapéu. Olhei-te de soslaio, Tinhas apenas um cartaz, Olhaste-me nos olhos E nada disseste. Li: “Ajuda-me! P.F.”, eu senti: dor, confusão, desânimo, perda, ansiedade – vontade de (te) fugir.

P I M E N TA

QUADRATURA DO CÍRCULO Vestimos a pele tecida de um fio comum. Mudamos-lhe a cor o padrão a textura. Despidos somos a matéria em bruto, a gema por talhar. Engana-se quem pensa que círculo e quadrado são distantes. Em tudo o que é díspar há um fundo que nos une. in “Geo Metria”, Literarte, Rio de Janeiro, 2013 Samuel Pimenta

Continuaste a olhar-me, Nada me pediste, Apenas esticaste a mão, Uma vez mais. Abracei-te, Despojado de preconceitos, Lembrei-me de outros tempos, Colegas de carteira, Amigos inseparáveis, Abraçaste-me novamente.

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POLÍTICA NACIONAL

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A IGUALDADE É O CORAÇÃO DA DEMOCRACIA

vaga de austeridade cumulativa na Europa, em especial nos países do Sul, está a matar o centro de gravidade das nossas democracias: as classes médias e os seus ascensores de mobilidade social assentes em pressuspostos de igualdade (e jamais no igualitarismo), rompendo com séculos de reprodução social de sociedades fortemente estratificadas. O Estado Social tem de reformar-se, mas a implosão do contrato social sem qualquer transformação das relações entre capital e trabalho é uma forma de activismo liberal particularmente radical e doutrinário, invertendo a lógica relacional entre Estado e cidadãos. Portugal tem sido um dos laboratórios desse experimentalismo. Parte da direita portuguesa entende que existem estruturas que dificultam a realização do potencial dos portugueses e por isso têm de ser mudadas (leia-se, retiradas) para que todos deixem de ser «reprimidos». A conquista da opinião pública começa pela indução de uma confusão deliberada entre administração pública, que pode e deve ser continuamente racionalizada e maximizada nas suas condições reais de eficiência, sem propagandismos; e as funções do Estado como corpo social, político, económico. O Estado é uma forma particular de metacapital (Bourdieu) que estabelece os termos de troca entre os vários tipos de capitais no seu seio. Esses capitais têm diferentes extensões: económicas, sociais, culturais, simbólicas. Mas emanam, em todos os casos, da relação pré-existente entre capital e trabalho, entre infra-estrutura e superestrutura para recorrer a uma terminologia marxiana. Perante isto, se o Estado, enquanto agente público, não dotar a sociedade de instituições para corrigir as desigualdades de partida, então a liberdade individual é uma mistificação e uma falsidade. Demitindo-se da introdução de me-

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canismos para corrigir a lotaria genética (o acaso de se nascer num agregado pobre ou num agregado rico, de ter ou não ter património herdado, etc), o Estado demite-se de promover, ainda que timidamente, a mobilidade social. Ora, esse desígnio de uma sociedade livre e desenvolvida faz-se com pilares fundamentais como a educação pública para todos e um sistema universal de saúde, independentemente das condições sociais de origem, mas também com uma legislação laboral que promova o mérito sem promover a injustiça, com a participação do Estado em áreas-chave da economia, com um sistema público de segurança social, com um sistema fiscal progressivo e redistributivo, com protecção social na saúde, na doença e no desemprego. Estas são algumas áreas em que os ortodoxos estão a remover «barreiras». Na realidade, essas estruturas são decisivas para uma sociedade capaz de permitir a realização individual e forjar classes médias robustas, que leguem melhores condições sociais do que aquelas que herdaram. Ferindo isso, os alicerces democráticos vão ruir mais cedo ou mais tarde, eventualmente não em regimes anti-democráticos à século XX, mas em novas expressões de anti-política. Porque estamos a tornar os cidadãos menos livres, mais dependentes, mais pobres, à mercê de sistemas públicos em óbvia retracção, legislação laboral arbitrária e profundamente desigual, menos protecção social: tudo medidas que perpetuam, quando não agravam, desigualdades sociais de partida. Depois de anos de aprofundamento das condições para uma sociedade mais desenvolvida, mais justa e sobretudo mais livre, este é o tempo da contra-reforma. O combate da esquerda é por isso no campo da política quotidiana e no campo das ideias em disputa, percebendo que igualdade é condição de democracia e que democracia é condição de civilização.

TIAGO BARBOSA RIBEIRO


J O A O PA U L O M E I R E L E S

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TODOS IGUAIS…ALGUNS NEM TANTO

O título parece ofensivo mas não é, apesar das semelhanças com um movimento racial – que também os temos em Portugal – que apregoava “todos iguais, alguns diferentes”, que nunca consegui perceber se a ideia seria identificar a pretensa superioridade de alguns sobre outros ou (o que é bem diferente!) proclamar que alguns seriam inferiores face aos demais (talvez ambas…vá-se lá saber). De qualquer forma, o conceito de igualdade por mais que pareça estranho, em virtude da sua vocação absoluta e perpétua, é um conceito indeterminado e indefinidamente dinâmico. Não me refiro às “clássicas” igualdades, tão antigas quanto deficitariamente atingidas, como sejam a igualdade do ideário revolucionário francês, a igualdade de género ou a igualdade entre os Povos ou Etnias tão permanente no discurso, texto e acção das Nações Unidas ou da sua Aliança de Civilizações. Não é possível ter uma igualdade igual, pois é precisamente isso que se pretende que não aconteça e daí imediatamente surge a distinção entre igualdade formal e material sendo que esta última impõe dois raciocínios: por um lado, não permite que se trate de forma igual o que não é igual e por outro, indo mais longe, obriga mesmo a que

se trate de forma diferente aquilo que é diferente. Surge assim a discriminação positiva neste jogo de “freios e contra-pesos” (a expressão não é feliz, mas ainda assim, prefiro utilizá-la a vergar à hegemonia do anglicanismo “checks and balances”. Só que rapidamente os opositores procuram encontrar nesta diferença de tratamento – quando ela aparece, procurando “nivelar” (outra vez uma tentativa menos conseguida de evitar a equivalente expressão estrangeira) – a incoerência de potenciar diferenciações, quando o seu escopo seria combatê-las. Pelo meio e para ajudar uma equação tão complicada, encontramos a própria resistência dos destinatários das medidas que talvez por terem uma consciência mais desperta, entendem que a sua dignidade não se compadece com qualquer regime mais favorável que possa ser concedido. O preconceito é tão antigo como o Homem…e sobrevive-lhe, já que a sua esperança média de vida é a eternidade. Reconhecendo isso, o caminho de equilibrar qualquer desigualdade terá que ser feito em oposição àqueles que lhe são adversos e apesar da oposição daqueles que se encontram na situação adversa que se quer extinguir

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POLÍTICA INTERNACIONAL

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HUGO TRINDADE

A IGUALDADE SALARIAL NA EUROPA

princípio da Igualdade não afirma que todos os homens são iguais no intelecto, na capacidade de trabalho ou na condição económica, mas sim, iguais no tratamento perante a Lei, devendo o aplicador desta levar em consideração de que méritos iguais devem ser tratados igualmente, mas situações desiguais devem ser tratadas desigualmente. Uma Igualdade de todos e para todos, perante a Lei, sem distinção de grau, classe ou poder económico, fornecendo o direito de todos ao acesso às funções públicas, abolindo-se os títulos e privilégios hereditários.

É triste, mas não é para todos. Só para as mulheres.

elevado o nível de qualificação. Esta desigualdade é particularmente acentuada na categoria de quadros superiores, na qual as mulheres auferem menos 28,2% do que os homens em termos de remuneração média de base e menos 28,9% em termos de ganho. As menores diferenças encontram-se na Eslovénia (4,4%), na Itália (5,5%) e em Malta (6,1%), ao passo que as maiores disparidades estão na Áustria (25,5%), na República Checa (25,5%) e na Alemanha(23,1%). Por incrível que pareça, a maior diferença salarial no que se refere a cargos executivos é na Alemanha onde, em 2009, só 3% das mulheres alemãs ocupavam esses cargos, contra, por exemplo, 38% na Noruega. Entre os 27 Estados-membros, apenas sete registaram aumentos da diferença salarial e os piores foram a Letónia (4,2%), Portugal (3,6%), a Roménia (3,5%) e a Bulgária (2,1%). Dos 15 países que registaram reduções da diferença salarial, os melhores foram a Lituânia (-7%), a Eslovénia (-4,1%), Malta (-2,5%) e o Reino Unido. De acordo com os dados da Eurofound, nos 10 novos Estados-membros e nos recém-chegados Roménia e Bulgária, a diferença salarial média entre os sexos é de 17,8%...3,4 pontos percentuais mais alta do que a média da União Europeia a 15. Acabar com as disparidades salariais entre homens e mulheres há muito que constitui uma prioridade para a UE. O compromisso da UE em acabar com as disparidades salariais data do Tratado de Roma, em 1957. Hoje, existe uma base legal para a ação da UE ao abrigo do Tratado de Lisboa, juntamente com o compromisso da Igualdade de Género incluída na Carta dos Direitos Fundamentais.

Portugal é, contudo, o 7º país onde a diferença salarial entre géneros é menor, registando 12,8%. Contudo, a desigualdade salarial entre mulheres e homens, em Portugal, é tanto maior quanto mais

No entanto é possível combater, realmente, esta desigualdade quando, no seio das principais instituições europeias, ela é visível e praticada?

É bonito mas não é para todos. Só para alguns. De acordo com os últimos dados publicados pela Comissão Europeia, 16,2% é a diferença salarial entre géneros, ou a diferença média entre a renumeração horária entre homens e mulheres na União Europeia. As mulheres na Europa trabalham 59 dias de graça e ganham, em média, 16,2% menos do que os homens. 59 dias é muito tempo. Em 59 dias é possível dar uma volta ao Mundo, visitar cada capital europeia, é possível ver todas as séries do “Family Guy”, é possível ver todos os filmes da saga “Star Wars” e, ainda sobra tempo para ir de férias de novo. Enfim, 59 dias são mesmo muito tempo. Equivale a 1429 horas. 1429 horas de pura injustiça social. As mulheres ao longo da vida ganham, em média, 17,5% menos do que os homens. Trabalham mais tempo e recebem menos.

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CIÊNCIA POLÍTICA

TIAGO JONAS

O

O ESTADO COMO UMA REALIDADE:

O PODER POLÍTICO E O DIREITO

Estado é a entidade legítima a manter a paz e a segurança jurídica. No entanto, para que tal se verifique, é necessário que o mesmo esteja capacitado da respetiva autoridade. Já escrevia Léon Duguit que os governantes só exercem a sua função na administração dos interesses públicos quando podem utilizar uma força material, um poder de constrangimento de facto e de Direito, que lhes transmite validade e eficácia. Resulta deste pensamento que o Estado é, antes e depois, uma entidade que se impõe pela força. Obviamente não se trata de uma "força bárbara", antes um poder coercivo subordinado ao Direito do Estado em causa. Não obstante esse facto, a sobrevivência do Estado não resulta apenas da força material supra referida, como também de uma obediência voluntária. Isto leva claramente à existência de uma relação estreita entre Poder Político e o Direito. Encontra-se, por um lado, um grupo de pessoas que pertencem a uma comunidade como sendo a consequência do exercício do poder político. E, por outro lado, um Estado onde um grupo de pessoas se unifica submetendo-se ao Direito, fruto de um imperativo de organização e estabilidade. Assim, surgindo como necessária a duração da vida coletiva, existe a necessidade de normas e regras que possam ser utilizadas como formas de conduta, sendo estas os mecanismos do Direito que são detidos e efetivados pelo Poder Político. Relativamente a esta relação encontra-se, por um lado, um poder político cuja titularidade, objetivo e exercício são juridicamente regulados; por outro lado, um poder político, baseado em órgãos especializados, criadores das regras de Direito dotadas de coercibilidade. Resulta do exposto, que o Estado é uma organização estável no tempo, que vincula simultaneamente governantes e governados, uma vez que é fundamental o consentimento, pelo menos passivo, dos destinatários do poder. Acresce a esta ideia, a importância da legitimidade no exercício do poder político, para que o Estado seja uma realidade com monopólio da força, partindo da aceitação dos governados. Só assim um Estado resiste. Jamais alguém viu o Estado. Quem poderia no entanto negar que ele é uma realidade? 1

1 Georges Burdeau, in O Estado

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DIREITO

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egundo o acórdão do Tribunal Constitucional, o artigo 29º do Orçamento do Estado para 2013 é considerado inconstitucional, por violar o princípio de igualdade entre trabalhadores do sector público e do sector privado. O TC argumenta que o Governo já deveria ter encontrado alternativas. O Tribunal Constitucional deixa bem claro que a recessão e o aumento do desemprego não podem servir como justificação para "a imposição de sacrifícios mais intensos aos trabalhadores que exercem funções públicas". Esses problemas, diz o TC, "terão de ser solucionados por medidas de política económica e financeira de caráter geral" e não punindo os trabalhadores do Estado, apesar de estes não serem tão afectados pela crise "no plano da empregabilidade". Ora, partindo da interpretação do TC, nosso guardião da Constituição e uma vez que o tema deste mês versa sobre a Igualdade, parece-me de todo pertinente fazer uma abordagem a este princípio, tantas vezes referido e umas outras tantas desrespeitado. O princípio da Igualdade vincula a Administração Pública à não discriminação, positiva ou negativa, dos cidadãos. O princípio da Igualdade tem um duplo conteúdo: a obrigação de dar tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais e a obrigação de dar tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes. Assim, o princípio da Igualdade desenvolve-se em duas vertentes: » A proibição da discriminação » A obrigação da diferenciação Ora, muito se tem escrito e falado no que a pensões/reformas diz respeito e, até foi suscitada a inconstitucionalidade da norma do OE 2013 que faz incidir descontos sobre as mesmas, proporcionalmente, incluindo uma sobretaxa de 3,5%, a partir de certos valores, algo que não vou agora discutir, até porque o

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HÉLDER PINTO BESSA

TC oportunamente sobre isso decidirá. Na verdade, existem pensões para as quais os trabalhadores (públicos ou privados) descontaram toda uma vida (36, 40 ou mais anos de trabalho), ou seja, as mesmas estão baseadas em contribuições efetivas, de índole legal e geral, que fundamentam receber tais pensões. Também é verdade que a fórmula de cálculo das pensões do Estado (CGA) é mais favorável que as do setor privado (CNP), o que já devia estar equiparado, mas não vou aqui abordar isso, por não me parecer relevante agora. O que quero salientar é que, desde 1976, foram criadas as chamadas “pensões de favor”, mediante leis que criaram autênticos privilégios e benefícios a certos cidadãos, só por estes terem desempenhado determinadas funções: ex-deputados (até há pouco tempo bastava terem 6 anos, depois subiram para 12), ex-governantes, autarcas, ex-gestores de empresas públicas, incluindo o Banco de Portuga, RTP, Caixa Geral de Depósitos, etc, boa parte dos quais pouco ou nada descontaram para as “chorudas” pensões que auferem. E podia até citar nomes, mas boa parte deles são políticos ou gestores conhecidos. Temos, pois, dois tipos de pensionistas: os que descontaram toda uma vida de trabalho e os que, só por terem desempenhado determinadas funções, durante pouco tempo, passaram a ter aquilo a que acima designei “por pensões de favor”. O problema é que boa parte destas são as daqueles que recebem “pensões milionárias”… Portanto, urge destrinçar as pensões, sendo certo que os privilégios ou benefícios não estão só nas pensões ou subvenções “políticas”… Por isso, desafio daqui o PR, a Presidente da AR, o PM, o Provedor de Justiça, a PGR, um décimo dos Deputados e as demais entidades listadas no artº 281º nº 2 da Constituição, a terem a coragem de suscitar a inconstitucionalidade das normas de dezenas de diplomas ou estatutos que instituiram privilégios ou benefícios injustificados, a bem da JUSTIÇA e da DIGNIDADE (deles e nossa, cidadãos contribuintes). Lembro um velho ditado: “ou há moralidade ou comem todos”. Por aqui me fico, por agora.


D I O G O V I E I R A D A S I LV A

CETERIS PARIBUS

Q

ualquer mercado, prestação de serviço, troca de um bem ou empréstimo é sustentado por um uma palavra que, de simples o nome, é complicada no efeito… Confiança! Assim, quando da ala mais à Esquerda do nosso panorama político ouvimos gritar “não pagamos a divida”, tal é uma irresponsabilidade! Mas quando ouvimos da ala mais à Direita dizer “pagamos em qualquer circunstância” tal é, também, uma irresponsabilidade. Ora vejamos… Se para o “Mercado” funcionar é obrigatório haver confiança, não tem lógica nenhuma ameaçar que vamos deixar de pagar e que os credores “vão ficar a ver navios”, como se costuma dizer! Por outro lado, o inverso não é saudável… O excesso de confiança faz com que os Mercados se iludam e cometam erros dramáticos que vão ter consequências muito pesadas na Economia. As bolhas especulativas não exemplo disso… Ou melhor… Esta crise, na totalidade, é exemplo disso! Por um lado se o excesso de instabilidade e melindre dos investidores é prejudicial, o contrário não é menos verdade! E o grave problema, atual, é que vivemos entre estes dois paradigmas do “8 ou 80”. E, mais grave do que termos estas duas linhas de ideologia politica, facilmente é verificar o contrassenso na ação. O exemplo crasso deste paradigma é este Governo… que, para além de ser um Governo sem estratégia, sem rumo e sem credibilidade… é um governo contraditório. Quando o Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho afirma “Portugal irá sempre cumprir com as suas obrigações acorda-

ECONOMIA NÃO PAGAMOS…

das” cria confiança no Mercado, numa altura em que existe um sentimento geral de que tal seria impossível. Mas quebra essa confiança quando corta de forma desmedida (e por mais que lhe custe admitir, de forma incondicional) o valor das reformas e pensões que as pessoas descontaram durante toda a vida (estas pessoas tornaram-se credoras do Estado Português para, no Futuro, receberem os seu dividendos, neste caso a reforma acordada)…tal atitude política vai criar, contraditoriamente, um clima de desconfiança que vai, obrigatoriamente, gerar um impacto muito negativo na Economia… pois vai atrasar as transações de bens e serviços! Este facto, para além de ser muito negativo para o processo de recuperação económica, é a constatação do contrassenso de quem nos governa. Acerca deste ultimo exemplo das reformas e pensões, gostava de deixar claro que considero que o atual sistema de aposentações não é sustentável… nesse aspeto o Governo tem razão. Mas, infelizmente, a única forma de o modificar de forma constitucional é a longo prazo. É fundamental que se defina, desde já, um valor máximo para reformas e pensões, até porque a insustentabilidade do sistema de aposentações advém, principalmente, das reformas e pensões douradas que existem, de forma surreal, em Portugal. Vou mais longe… acho que devemos definir um valor máximo e outro mínimo para as reformas e pensões em Portugal! É que se é imperioso criar confiança nos Mercados, tal só é possível com regras claras, justas e contínuas… E isso, meus caros e minhas caras, não se consegue de Orçamento de Estado para Orçamento de Estado, mas sim de Geração em Geração!

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PSICOLOGIA

B R U N O S I LV A

(DES)IGUALDADES…

“Liberté, Egalité, Fraternité!" (“Liberdade, Igualdade, Fraternidade!”), palavras de ordem clamadas por milhares de manifestantes durante a afamada revolução francesa que servem, hoje em dia, como Lema do povo gaulês, refletindo uma luta das massas para que se implantassem e defendessem direitos que hoje temos como garantidos, como o direito a ser livre e o direito a ser tratado de forma igualitária e justa. De facto, há muitos anos que vimos clamando por “Igualdade”, seja ela igualdade entre géneros, igualdade entre raças, igualdade entre cidadãos com mais ou menos possibilidades económicas, igualdade entre pessoas com diferentes orientações sexuais. Com o advento do século XX, novas medidas foram tomadas, a uma escala global, que visaram garantir o exercício pleno do direito que assiste cada pessoa, independentemente das suas crenças, condições físicas ou psicológicas e posições que ocupam na vida a ser tratadas com respeito, a ser tratadas de forma igualitária e justa; Falo concretamente sobre tratados e cartas de direitos, de decretos lei e outros documentos afim que visam promover a Igualdade e punir todas e quaisquer tentativas de agir contrariamente a esta que levaram a que, necessariamente, o paradigma tenha mudado. Vivemos, nos dias que correm, numa Sociedade mais justa, numa Sociedade em que homens e mulheres usufruem dos mesmos direitos, enquanto seres humanos; do direito à vida, do direito à sua opinião, do direito a serem felizes e a construírem os seus próprios caminhos. Então, se assim é, porque continuam a existir campanhas contra a violência de género, contra a violência sexual, ou outras e movimentos que pretendem pôr fim a atrocidades tais que marcam a vida de inúmeros indivíduos que são, todos os dias, agredidos com base na (sua) diferença? Infelizmente isto acontece porque não conseguimos, ainda, atingir o verdadeiro patamar da Igualdade. Porque, bem lá no fundo, através de pequenos gestos, continuamos a agir de acordo com preconceitos e ideias estereotipadas que vamos colocando na nossa bagagem (de forma muitas vezes inconsciente), que depois acabam por vir ao de cima em situações muito específicas. Pequenos gestos que vamos repetindo, muitas vezes sem dar conta, outras tantas irrefletidos e quase imediatos, sendo que o mais grave de tudo isto é que continuamos a “vender” a ideia de que tudo está bem, que somos os cidadãos mais justos e igualitários à face da Terra. Nada nos incomoda, “desde que não me chateiem”… Pois, acontece que viver em Sociedade implica que aceitemos as pessoas pelo que são, com

as suas diferenças, pois não são as suas diferenças que nos dão o direito de as tratarmos de forma desigual. E dizer que aceitamos os outros pelo que são, desde que “não me chateiem” não é ser justo e igualitário, é veicular a mensagem de que queremos negar uma realidade que existe e que é bem presente, é veicular a mensagem de que existem pessoas diferentes de nós que queremos tratar de forma desigual e injusta, só porque fogem ao padrão estabelecido. Refiro-me, em particular, a uma tendência relativamente perigosa, de que lhe dou conta. Se atualmente passamos a mensagem de que é errado tratar os outros de forma inferior ou desigual dadas as suas diferenças e agimos de acordo com essa “lei social”, a verdade é que nos gestos aparentemente insignificantes e inofensivos continuamos a dar espaço a que os preconceitos que afastam as pessoas e que acalentam as desigualdades que encontramos existam e se perpetuem ao longo do tempo. Se hoje em dia já é errado dizer que “o lugar da mulher é na cozinha” e quem o disser será, muito possivelmente, “trucidado” por todas as pessoas que o rodeiam, com olhares carregados, a verdade é que continuamos a ter anúncios televisivos sobre produtos de cozinha onde vemos mulheres na cozinha a servir refeições à restante família que espera na mesa. Dizemos, também muitas vezes, que “homens e mulheres são livres de viverem a sua vida como querem”, mas quantas vezes já não ouvimos dizer, a respeito de uma mulher que escolhe vestir um determinado conjunto de roupa que alguém acha “provocatório”, comentários ofensivos que pretendem ferir a intenção da pessoa que as veste? (“Olha para aquela vestida desta forma, é uma desavergonhada…”) Em que ponto ficamos, então? Somos ou não defensores de uma realidade mais justa? Gostaria que todas as pessoas fizessem o esforço de compreender que os gestos, por vezes, valem muito mais do que as palavras. Ainda acredito numa Sociedade, de facto, mais igualitária. Acredito, também, que urge fazer mais do que simplesmente atuar à superfície, para que se obtenham resultados concretos. Todos nós podemos ser agentes da mudança. Basta que realmente o queiramos e admitamos as nossas limitações, para logo as conquistar e caminhar, enfim, no sentido de uma Sociedade mais justa e igualitária; uma que o seja, verdadeiramente, tanto à superfície como no seu âmago.

’ Psicólogo

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RICARDO SOUSA FONSECA

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omos todos diferentes! Diferimos uns dos outros em diversos aspetos desde os físicos, aos psicológicos, passando pelos contextos culturais, socioeconómicos, entre outros. São estas diferenças que fazem com que sejamos únicos! Com tantas diferenças como podemos falar de igualdade, se sempre aprendemos que são duas situações antagonistas? Poder-se-ia falar da igualdade de direitos e deveres relacionados com os valores, com a moral e a ética, havendo muito para ser dito e escrito, mas irei abordar a igualdade de um outro prisma, tendo em conta o seguinte aspeto: as leis são iguais para todos, mas cada um interpreta-as e respeita-as à sua maneira. Que se fale então de igualdade emocional! A igualdade emocional relaciona-se com os sentimentos e as emoções, que mesmo sendo expressos de forma diferente por cada indivíduo, baseiam-se nos padrões universais do lado emotivo do nosso ser. Todos amamos, odiamos, sonhamos, sofremos, rimos, choramos, podendo estes exemplos estenderem-se por um rol de categorizações. É este lado tão individual e exclusivo que se deve valorizar quando olhamos para quem nos rodeia e com quem nos relacionamos de uma forma ora íntima ora social. Todos sentimos as mesmas emoções, mudando apenas a forma como as expressamos o que se torna no nosso cartão-de-visita e nos torna então diferentes. Porque olhamos então unicamente para a forma como as pesso-

FILOSOFIA DE VIDA A IGUALDADE NA DIFERENÇA! as se comportam, para as suas atitudes e não fazemos o exercício mental de reconhecer que estão a experienciar, naqueles momentos, as mesmas emoções que existem em nós? Porque não valorizamos a similaridade das capacidades de sonhar, acreditar, lutar, conquistar de cada pessoa, só por terem propósitos diferentes? Essas capacidades existem em cada um de nós, o que difere é o potencial de cada indivíduo.

É tempo de parar, refletir sobre a forma como nos olhamos e comparamos com os Outros! Ao questionar o nosso sentir, tendo em conta a igualdade emocional que nos torna similar ao Outro, transformamo-nos em agentes de mudança de mentalidades, de transformação e enaltecimento da igualdade na diferença. Nessa reflexão devemos questionar se o que nos une ou afasta das outras pessoas é a sua forma de ser ou se é por se manifestarem de um modo distinto do nosso. Precisamos indagar se o que procuramos nas outras pessoas é a diferença, como ferramenta de categorização e rotulação ou a igualdade no que diz respeito à universalidade dos sentimentos, das emoções e dos afetos. Somos todos iguais tendo como alicerce a nossa base emocional! Diferenciamo-nos pela constante necessidade de encontrar pontos divergentes que sirvam de complemento ao nosso ser, omitindo que existe certamente igualdade na diferença.

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SEXUALIDADES, AFECTOS MÁSCARAS

MANUEL DAMAS

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uando pensamos em Igualdade, especificamente de Género, abordamos conceitos, pre conceitos, poderes, estereótipos, tabus, que a Sociedade, a Cultura e a Família vêm inculcando, principalmente na Escola, em termos de desigualdade e de discriminação. Acima de tudo falamos das Sexualidades e da sua contextualização, na medida em que devem ser entendidas como um conjunto de crenças, comportamentos, relações e identidades, socialmente construídas e historicamente modeladas, até porque os comportamentos sexuais não são, habitualmente, resultado de uma evolução natural, tendo sido construídos no interior de relações de poder e disseminados em termos sociais e culturais. Estas questões, acima de tudo advém, das conceções pré-formatadas e dos comportamentos estereotipados em torno das masculinidades e das feminilidades, assim como das relações de poder entre si construídas. Falamos, ainda, do binómio Estatuto/Papel, em termos sociais, culturais e profissionais no que aos géneros se refere. Até porque não podemos esquecer que tudo o que transcende uma suposta normalidade social, gera, só por si, conflito intra e interpessoal e, como tal, propicia à(s) Violência(s), de toda a ordem. Principalmente neste contexto a Escola, enquanto espaço social global de formação dos atores, tem um papel primordial e inalienável a cumprir, que vai muito para além da informação, passando pela formação e pela construção, principalmente em Cidadania, no sentido global. Sabemos/assumimos, hoje, que quando falamos de Cidadania é incontornável abordar a Igualdade de Género. Assim sendo, a Escola não pode eximir-se da responsabilidade fundamental que lhe cabe na discussão e desconstrução de temas como as desigualdades de género e as diversidades sexuais que a Modernidade, especialmente através de veículos incontroláveis como os media e, atualmente cada vez em maior grau, a internet e os seus advenientes, as redes sociais, colocaram, inegavelmente, na agenda da equidade. Quando se fala em Igualdade de Género vem ao de cima, indelevelmente, a questão da Violência de Género que passa, muito, pelas questões da violência doméstica, especificamente contra a

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Mulher, ainda que vá sendo altura de trazer à discussão, também, as questões da Violência Doméstica exercida sobre o Homem. E neste contexto também não podem ser esquecidas a violência, direta ou indireta, sobre os descendentes. Deve, ainda, ser questionado, com sentido de responsabilidade, porque é que tantas e tantas vítimas de violência doméstica não são detetáveis, ainda hoje. Principalmente porque não apresentam queixa e, como tal, deixam de ter visibilidade e perdem valor estatístico, o que traz à tona o facto de, muito provavelmente, os dados estatísticos existentes em Portugal mais não serem do que a ponta de um iceberg que poderá vir a ser de incomensurável vastidão. Acresce, ainda, que estes fenómenos de agressão quase nunca são isolados, revelando, na maioria das vezes, fenómeno de reincidência, o que agrava a questão. Até porque, quando falamos em violência, é mandatório equacionarmos as suas diversas formas, nomeadamente a física e a psicológica, ainda que outras sub formas devam ser referidas, como a económica, também referenciada como patrimonial, a sexual e a social. Até mesmo a laboral não pode ser esquecida, principalmente quando o índice de PME’s, nomeadamente de cariz familiar é, em Portugal, uma realidade vigente e estatisticamente significativa. É indispensável refletir, também, o porquê de muitas das queixas não serem levadas até ao fim, assim como deve ser refletido o alto índice de aceitação, por parte das vítimas, do regresso a casa dos agressores. Ainda neste contexto não devem ser esquecidos os altos índices de contaminação pelo HIV/SIDA e todas as outras DST’s, sendo maioritariamente seus contaminantes os cônjuges, com os quais co-habitam. Como tal urge trazer para a Escola todas estas questões. Mas quando falamos das questões de género e seus satélites, em termos de Educação Sexual, assim como de prevenção dos comportamentos violentos, é de referenciar que a montante da vivência em conjugalidade, se equaciona, a questão ainda pouco visível, da violência no namoro. Mas é fundamental chamar à colação as questões da formação,


inicial e continuada, dos agentes educativos, que deve extravasar os docentes, agregando, também, os auxiliares educativos que, muitas vezes, estão em situação de maior proximidade com os discentes e, como tal, devem estar sensibilizados, preparados e formados para diagnosticar e gerir os mais leves indícios que fluem, infelizmente com a maior naturalidade, nos mais diversos momentos e cenários. Até porque os próprios discursos, certezas e convicções dos educadores não estão isentos de problematizações. É fundamental comprometer os educadores com a mudança, através de formação especializada, inclusive com as diferentes linguagens que constituem os currícula escolares os quais constroem, ajudam a manter ou re-definem posições sociais de género e de sexualidade. A equacionar, também, de forma refletida e consequente, o desenvolvimento de projetos estruturados, enquadrados e escalonados no sentido da aplicabilidade a crianças, adolescentes e jovens. Um dos pontos fundamentais na educação das crianças, adolescentes e jovens é problematizar e desconstruir o sexismo, a heteronormatividade e outros tipos de preconceito, os quais, começando dentro de casa, são reforçados, muitas vezes, na própria Escola. Dessa forma, as atividades lúdicas que a Escola proporciona, as atividades pedagógicas que empreende, os espaços que disponibiliza, os discursos apresentados, os gestos, os comentários, os olhares de repreensão, ou não, lançados perante os mais diversos cenários e nos mais diversificados contextos, estão repletos de representações a respeito daquilo que é entendido, nem sempre da forma mais correta, como o mais adequado. Portanto, discutir de que forma se constroem as relações de gênero e como se vão constituindo, ao longo da vida, as identidades sexuais torna-se crucial, também, ao longo de todo o processo formativo. Além de todas as questões acima enunciadas, devem ser trazidas para o debate questões como a construção da homofobia e da misoginia, na composição de uma masculinidade que se pretende hegemônica desde a mais tenra idade, a história do corpo, a idealização do amor/paixão romântico, a história do casamento e novas formas de conjugalidade, a maternidade como aprisionamento, a paternidade, a erotização, cada vez mais pre-

coce dos corpos infantis e o abuso sexual de crianças e jovens, como prática social contemporânea, muitas vezes em contextos incestuosos . Esta atitude, em contexto escolar, tem que ser pro ativa no sentido de mais do que detetar, atuar em termos de prevenção. Até porque a Escola desempenha um papel importante na construção das identidades de gênero e das identidades sexuais, pois, sendo parte de uma Sociedade que, só por si discrimina, também ela, Escola, produz e reproduz “per si” e no seu seio, desigualdades de gênero, raça, etnia, bem como se constitui num espaço, urge admiti-lo, de discriminação e de violência. Neste momento será preciso não esquecer que a Escola, tendo como um dos seus principais objetivos ampliar os conhecimentos dos seus atores sociais (alunos, professores e funcionários) deve ser um espaço de produção de saber, mas também de questionamento e aprofundamento de todo o tipo de questões, vertentes tão queridas a nomes desta Aldeia Global, como o foram Pestalozzi, Fröebel, Montessori e Freire, apenas para citar alguns. Nesse sentido, qualquer tema que circule no espaço escolar é passível de problematização. Os efeitos dessa desconstrução minuciosa, contínua e quase impercetível das identidades de género e das identidades sexuais podem constituir pequenas peças de um puzzle com enorme reprodutividade. Assim sendo não será atitude adequada equacionar projetos desgarrados, mas sem continuidade e sem produtividade, por mais originais e inovadores que sejam mas pensar, de forma integrada, global e estruturante, em construir uma ideia para Portugal no que à Igualdade de Género se refere, não esquecendo, nunca, a enorme validade da prevenção. Tudo isto seria possível, em Portugal, até mesmo em tempo de Crise bastando, para o efeito que, a nível da Governação, houvesse uma ideia concertada, um plano estruturado e, acima de tudo, vontade para agir no que à Igualdade de Género concerne. Seria imprescindível que, a nível do Governo Português, a responsável máxima pela pasta, leia-se Secretária de Estado da Igualdade, soubesse/quisesse ser mais de Estado e menos Secretária.

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HISTÓRIAPOEIRAS & ERAS

I

gualdade é um termo bastante debatido e bastante mutável ao longo de toda a nossa História, o que parece razoável, se entendermos que é um factor social, que evolui com a Sociedade, tomando os seus contornos, moldando-se por ela, transformando-se com o tempo e seguindo o seu caminho, paralelo com outros conceitos sociais. É inegável o papel da Revolução Francesa na construção de um novo e, de certa forma, actual conceito de igualdade, atingindo a expressão máxima e matizando-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, resultado dos crimes da Segunda Guerra Mundial. No entanto, aquela que é considerada um dos principais eventos da História da Humanidade, a Revolução Francesa, caracteriza-se como um período de sublevações sociais e políticas radicais, sendo responsável por diversas mudanças, consequência de uma série de crises atravessadas pela França e pela necessidade crescente e fervorosa de uma mudança. Atravessando uma crise económica exacerbada por guerras anteriores, a população francesa começou por ficar cada vez mais frustrada com a inaptidão do monarca, Luís XVI, e com a decadência crescente da Aristocracia. Acompanhado dos ideiais Iluministas que germinavam, este ressentimento alimentou sentimentos radicalistas, lançando a revolução em Maio de 1789 com a convocação dos Estados-Gerais . Ao escolher

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E U G É N I O G I E S TA

a via revolucionária, a França não executa de uma só vez a refundição total, tratando-se, ao invés, de uma sucessão de revoluções individualizadas, distinguindo-se quatro fases: • Numa primeira fase, há, digamos, uma crise pré-revolucionária, opondo ao poder real a resistência dos privilegiados. É caracterizada pela rebelião contra o absolutismo e os seus agentes locais. • A segunda fase representa o momento mais decisivo da revolução, aquele em que se opera a transferência da soberania, que passa da mão do rei para a representação da nação – a Assembleia Constituinte. Toda a obra da Assembleia (administrativa, social e financeira) revela o cunho liberalista. Embora limitando os poderes do rei, não deixa de conservar no novo regime o princípio do monarca. • A jornada popular de 10 de Agosto de 1792 marca a terceira fase, onde se derruba a Monarquia, executa-se o rei e onde se proclama a República. O terror é um aspecto desta revolução. Estabelece-se um governo concentrado, autoritário, que em nada fica atrás do Absolutismo da Monarquia. • À margem surge uma revolução autónoma, a quarta fase, a revolta dos camponeses, que querem a emancipação completa da terra e a supressão do Feudalismo. A revolução realiza-se por sucessivos saltos, cujas fases são separadas por rupturas da legalidade e que se resumem, por um lado, através das revoltas populares e, por outro, através dos golpes de Estado. A incerteza do abastecimento, aliada à psicologia das multidões revolucionárias, suscita nervosismo e irritação, conduzindo ao sentimento de insegurança. O medo, em todas as suas formas, afecta todas as classes e todos os partidos políticos, contando estes últimos com o medo para desencorajarem ou isolarem os revolucionários e estes


empregam o terror contra os seus adversários. Para além deste, também a guerra, as lutas religiosas e as intrigas da Corte contribuíram para o instalar de um certo clima que operava a nível psicológico imprimindo na revolução um andamento irregular. Importante é mencionar acontecimentos de suma importância que marcaram as várias etapas revolucionárias. O primeiro ano, 1789, viu membros do Terceiro Estado a proclamar o juramento do jogo da pela, a tomada da Bastilha, a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e a marcha sobre Versalhes. Os anos seguintes foram marcados essencialmente pelos conflitos entre as assembleias liberais e pela intenção dos apoiantes da Monarquia em impedirem grandes reformas. No ano de 1792 uma República foi instaurada e o rei, Luís XVI executado, bem como a sua rainha, Maria Antonieta. A agitação popular radicalizou a revolução de forma significativa, culminando na ascensão de Robespierre e dos Jacobinos. Foi imposta uma Ditadura durante o afamado reino de Terror, de 1793 a 1794, levando à morte um surpreendentemente número de franceses, entre os 16 000 e os 40 000. Foi nesta altura que se popularizou o uso da guilhotina, tornando-se um símbolo da revolução e, hoje em dia, da França. Após a queda dos Jacobinos e da execução de Robespierre, o Directório assume o controlo do Estado francês desde 1795 até 1799. Nesse ano, que marca a tradicional conclusão da Revolução, Napoleão Bonaparte depõe o Directório num golpe de Estado e estabelece o Consulado. Este primeiro estado pós-revolução, o primeiro Império, emergiu em 1804 e difundiu os novos princípios revolucionários pela Europa, nas guerras napoleónicas, onde Portugal foi invadido três

vezes. Este primeiro Império caiu em 1815, quando a oposição de Napoleão consegue restaurar os Bourbons no trono, estando, no entanto, sujeitos a uma Monarquia Constitucional. No seio deste curto mas importante período nasce o mote que hoje em dia faz parte da identidade francesa – “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, uma forma de uniformizar a nação francesa e acabar com as hierarquias medievais e modernas onde todos os homens eram iguais e estavam sujeitos à mesma lei. O importante daqui é o nascimento (ou renascimento) da noção de Igualdade. Aqui abriram-se as portas para uma evolução gradual, com alguns recuos mas muitos avanços, que foi incorporada na sociedade contemporânea. É certo que muitos foram aqueles que deturparam os termos, que os confundiram e que os adulteraram a seu bel prazer. Porém, como se a História se tratasse de uma Entidade, uma deusa Olimpiana que beneficia mas que também pune, não foram estas deturpações que afastaram o Homem do caminho mais correcto. Foi, sim, a vontade e o pensamento de que o Mundo é feito daqueles que nele habitam, foi a acção de personalidades e entidades que acreditaram que era possível, foi a noção de igualdade nos seus termos mais puros que prevaleceu. Afinal, “todos diferentes, todos iguais” não se aplica apenas a questões raciais. Aplica-se a questões humanas!

1 Os Estados Gerais eram uma assembleia legislativa, composta por súbditos franceses representativos das três classes sociais, semelhante às Cortes portuguesas. 2 Vulgarmente, e erroneamente, conhecido como a classe do “Povo”.

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ID’ENTIDADES GRANDE ENTREVISTA Júlia Azevedo, 49 anos, é natural do Porto. A Matemática fez (e faz) parte da sua vida, razão pela qual escolheu ensinar as novas gerações neste domínio. Professora por vocação e sindicalista por opção, é presidente da direcção do SIPE - Sindicato Independente de Professores e Educadores. Numa tarde chuvosa de Outono, ficamos a conhecer a Mulher, que se assume polivalente, através de uma conversa onde se fala das questões fundamentais do Ensino, da Educação e da Igualdade em Portugal... Entrevista: Marco António Ribeiro Assistente de Produção Bruno Silva Fotografia: Diogo Vieira da Silva

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MARCO ANTÓNIO RIBEIRO

JÚLIA

AZEVEDO À DIREITA OU À ESQUERDA, HÁ UMA SATURAÇÃO ENORME DAS POLÍTICAS EDUCATIVAS DEVIDO AO ALCANCE QUE ELAS TÊM TIDO

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Marco António Ribeiro (MAR): Há quanto tempo desempenha funções no SIPE? Júlia Azevedo (JA): Há precisamente dez anos. No último congresso tivemos como tema, precisamente, os dez anos de sindicalismo independente. MAR: Como é que descobriu esta veia sindicalista e como se dá a sua ligação ao SIPE? JA: Este gosto e esta ideia surgiram da vontade de oito mulheres do Porto, que se juntaram e resolveram criar um sindicato. Isto porque, todas, em conjunto, pensámos que conseguiríamos fazer um projecto diferente, mais ambicioso e que estivesse mais próximo das pessoas...

sempre gostei muito da profissão, ou seja, à medida que, cada vez mais aulas dava, mais gosto tinha pela profissão. Apaixonei-me muito pela profissão e pelas pessoas. Este gosto engloba as crianças, as colegas, os professores, os funcionários. Enfim, esta união conjunta é que me faz estar apaixonada pela Educação, pelo Ensino. MAR: Na edição deste mês da ID' - Identidade falamos de Igualdade. Sente uma responsabilidade acrescida pelo facto de ser mulher e assumir uma posição de direcção num organismo que tem o peso que o SIPE tem?

MAR: Há aqui uma ligação clara ao Ensino… É uma área que é muito grata para si. Porquê?

JA: Profissionalmente não sinto. Agora pessoalmente sim… Torna-se difícil, muito difícil, gerir em simultâneo as solicitações profissionais em conjunto com as pessoais. Como sou mãe de três filhos, desdobro-me e sacrifico-me muito para não prejudicar nenhum dos lados e ser o melhor possível que consigo, em tudo.

JA: Em primeiro lugar sou professora (risos)! Sou professora com muito gosto,

MAR: Acredita que por exemplo, focando-nos agora no Ensino, existem ainda desi-

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gualdades no acesso ao Ensino por parte de Homens e de Mulheres? JA: No acesso ao Ensino não acredito que existam desigualdades. Há profissões maioritariamente preenchidas pelo sexo feminino, como por exemplo, a Educação de Infância, e também o Primeiro Ciclo... Mas se formos ver, até numa estatística que já fizémos, 80% dos nossos associados são do sexo feminino, portanto, se aqui houvesse alguma desigualdade, seria precisamente no que toca ao sexo masculino. Isto porque têm menos acesso à profissão... Ou melhor, escolhem menos esta profissão. MAR: Enquanto dirigente, sentiu alguma vez que a sua autoridade foi colocada em causa pelo facto de ser mulher? JA: Não, até hoje não senti. Pelo contrário, senti até um forte respeito de todas as partes, incluindo dos membros dos vários Governos com quem o SIPE tem contactado. Mas não só, também os colegas embora, claro, exija sempre uma posição quase que de alerta,


uma posição mais firme. MAR: Os meios político e sindical têm características muito específicas… Frequentemente, assistimos a jogos de poder. Sente que este meio respeita as mulheres? JA: Sim. O meio sindical respeita as mulheres, não tenho a menor dúvida. Todos os colegas com os quais tenho contactado respeitam muito as mulheres e os homens entre si. MAR: E por outro lado? JA: O meio político também. Não posso dizer que tenha visto alguma diferença de tratamento, pelo facto de ser mulher ou homem. Noto diferença de tratamento, sim, mas pelo facto do sindicato não ser político. Aí sim, já noto uma grande diferença. Ou seja, os sindicatos independentes são mais prejudicados em relação aos sindicatos que são politizados. MAR: Há pouco, falávamos que há mais mulheres sindicalizadas no SIPE… A que se deverá essa particularidade? JA: Deve-se ao facto de as mulheres agora

seguirem mais a vida académica, serem em maior número nas Universidades. Juntando isto à tradição de que ensinar é uma profissão feminina... É uma tendência que se tem mantido. São mais as mulheres Matemáticas, Físicas, são mais as mulheres que tiram Português, Filosofia e portanto há mais mulheres professoras também. Repare, as crianças de três, quatro, cinco anos são tratadas por Educadoras. Depois, temos os seis, sete, oito e nove anos, o Primeiro Ciclo, onde é também maioritariamente o sexo feminino que domina a Docência. Onde verificamos uma maior incidência do sexo masculino, embora em menor quantidade, é nos Segundo e Terceiro Ciclos. MAR: Não deixa de ser anacrónico que uma mulher, que culturalmente desempenha um papel matriarcal, tenha mais tempo para educar outrem? Embora a tendência seja ascendente, porque continuamos a ter menos homens a assegurar o papel docente? JA: É mais fácil perguntar onde é que andam os homens (risos)! Olhe, eles não são juízes, não são médicos, eles não são professores?… Ou seja, são, claro que são (risos), mas em muito menor

quantidade, não é? E mesmo as profissões ditas masculinas, as Engenharias, por exemplo, estão já a ser preenchidas totalmente por mulheres e, por vezes, perguntamos: «Onde é que os homens trabalham? Quais são as suas profissões?». É realmente uma pergunta interessante, até era giro fazer um estudo estatístico sobre isto... Onde é que eles pairam (risos)? Agora... A razão é que o acesso à Faculdade é difícil e as mulheres são mais estudiosas também. Ou seja, conseguem lá chegar mais facilmente, entram mais facilmente nas Faculdades... É um primeiro ponto. Em segundo lugar, também considero que está provado que as mulheres são mais pragmáticas e têm mais capacidade de se dividir entre tarefas. Conseguem lidar melhor com as tarefas domésticas e profissionais. Por seu lado, os homens são muito bons, mas apenas num só sentido, numa só profissão. Também temos que ter em conta a mudança dos tempos, na medida em que os homens já ajudam mais em casa, já retribuem mais as tarefas, já ajudam com os filhos, etc... MAR: Então há aqui uma quebra de estereótipos, verdade? Temos homens que começam a ser mais polivalentes... Que já

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conseguem fazer duas coisas ao mesmo tempo não é? O defeito que nos apontam… E mulheres que já conseguem estar mais centradas numa só situação. JA: Exacto (risos)! MAR: De que forma é que Professores e Educadores podem contribuir para a quebra destes estereótipos sociais, de género? JA: Considero que a nossa crise financeira está a conduzir-nos à igualdade entre os géneros. Isto porque a mulher vê-se obrigada a trabalhar e o homem também. No caso concreto dos Professores, em que as mulheres estão empregadas, vinculadas ao Ministério da Educação e os maridos são Engenheiros, Arquitectos, Informáticos e caíram no desemprego. Portanto, neste momento é comum assistirmos ao caso da mulher Professora ter que sustentar a família, ou seja, desde os estudos dos filhos à própria alimentação, controlando tudo sozinha. Isto faz com que o homem tenha que se virar, obrigatoriamente, para outro papel... O de ajudar em casa e de facilitar a tarefas domésticas. A crise e a própria evolução dos tempos estão a levar a que se mudem as mentalidades nesse aspecto, por um lado. Por outro lado, as mulheres atingiram a libertação e não se sujeitam a determinadas coisas às quais antigamente se sujeitavam. MAR: Centremo-nos agora na questão das disciplinas que entretanto foram sendo introduzidas no nosso sistema de ensino… Temos disciplinas como Área de Projecto, Formação Cívica, Área de Integração… Mas o que verificamos são casos de alunos que vêm estes tempos lectivos preenchidos com, por exemplo, a realização de trabalhos de casa, não tirando partido, precisamente, da expectável formação cívica. De que forma estas disciplinas poderiam contribuir, mais activamente, para uma elucidação dos jovens relativamente às questões da igualdade? Estará, ou não, a ser cumprido o papel que estas disciplinas deveriam assumir? JA: Essas disciplinas já praticamente não existem, sequer. Portanto, o que aconteceu foi que o Ministério da Educação fez um ter-

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rível corte em determinadas áreas, como por exemplo Formação Cívica, que é mesmo imprescindível para a nossa Sociedade! Fê-lo por uma questão puramente economicista, financeira, para poupar dinheiro. Portanto, este Ministério privilegia o Português e a Matemática. Tudo o resto são disciplinas consideradas menores, desde as Plásticas à Formação Cívica. Essas disciplinas seriam, evidentemente, fundamentais para elucidar, tirar dúvidas, quebrar mentalidades. Seriam mesmo muito, muito importantes. MAR: Os pais das gerações mais recentes têm pouco tempo disponível para estar com os filhos. As escolas, como é do conhecimento geral, não estão a saber dar resposta aos "tempos mortos" que esses alunos têm...

Muitos deles não têm para onde ir no terminus, a não ser que paguem um serviço de ocupação. Como encara esta situação? JA: As crianças já passam demasiado tempo dentro das escolas, essa é que é a realidade. Mesmo com os tempos lectivos comuns, já passam muito tempo dentro das escolas e a vida é muito mais do que estar dentro duma sala de aulas a aprender... Ou seja, mesmo com a Formação Cívica ou com a Expressão Plástica, considero que faz muita falta às crianças a vida familiar, o carinho, o afecto, os avós, o desporto! A natação, o futebol, o brincar! O brincar, pura e simplesmente... E é isso que as nossas crianças agora, não têm. Portanto, acho que cabe ao Ministério da Educação, uma vez que obriga as famílias a terem que trabalhar tanto e a estarem tão fora, tão ausentes da família, das suas crianças. Compete, sim, ao Ministério proporcionar uma Escola de qualidade para todos, mas que em simultâneo proporcione actividades diferentes do Português e da Matemática.

MAR: E o Ministério tem sabido proporcionar essa igualdade no acesso às actividades? JA: Não, claro que não! Cada vez mais... Agora até vemos uma diminuição muito grande das Expressões. Por exemplo, das chamadas AEC’s (Actividades Extra-Curriculares). Mais uma vez voltamos ao início, por uma questão economicista. Neste momento o que o Ministério pretende e que está a fazer é colocar trinta alunos dentro de uma sala pequena, onde eles estarão a ouvir um professor... Pura e simplesmente, cada vez mais, estamos a regredir ao passado em relação à Educação e ao Ensino. MAR: Voltamos à actividade sindical. Assistimos, através dos media, a manifestações alusivas a diversas temáticas na área da Educação. A questão do aumento ou redução da carga horária dos professores, a odisseia das colocações, a redução dos vencimentos... Alterações sociais que, como tem sido notório, os sindicatos contesta veementemente. Por outro lado, em relação às questões da igualdade, parecem assumir um carácter de somenos importância. Será por não serem questões de primeira linha ou existem, de facto, outros valores que se elevam neste momento? JA: Se falarmos no Sindicalismo de Educação, as questões de igualdade não se colocam. Precisamente por aquilo que falamos: É uma área maioritariamente feminina, portanto, os sindicalistas não têm necessidade de chamar esse ponto. MAR: Porque é que, sendo uma profissão maioritariamente feminina, existem tantos directores masculinos, de Escola? JA: Penso que se prende com o facto de a mulher poder estar assim mais liberta para chegar a casa mais cedo, tratar dos filhos e da casa... Tradicionalmente a mulher está mais direccionada e não se preocupa tanto com cargos de gestão, enquanto que o homem tem mais liberdade e se preocupa mais em alcançar esses cargos. MAR: Ou teremos aí uma percepção de que o Homem é que foi feito para mandar e a Mulher para educar?


JA: Talvez numa perspectiva histórica e primitiva, muito primitiva! Ou pré-histórica, mesmo(risos)! Eu acho que talvez, não é? Cada um foca-se naquilo que mais interesse tem... Embora também assistamos, cada vez mais, a mulheres nas direcções de Escola… Mulheres nos cargos de gestão intermédia, portanto, elas já os atingem com a maior das facilidades. Penso que, com o tempo, a curto prazo também chegarão aos cargos políticos, porque esta é também uma área maioritariamente masculina. Lá está, são raras... Continuam a ser muito menos as mulheres do que os homens, não é? E eu penso que mais ano, menos ano, elas atingirão também esse patamar.

a questão do aborto. Seria muito mais económico fazermos uma prevenção do aborto, do que no fim financiarmos o aborto nos hospitais públicos. Mas o Ministério preocupa-se somente em poupar dinheiro já, aqui e agora! E portanto, a Educação Sexual, que implicaria gastos a priori, está praticamente extinta! Não há resposta nas escolas e por isso é que nós temos a quantidade de gravidezes de adolescentes que temos... MAR: Essa é uma bandeira que faz parte das vossas preocupações enquanto sindicato na área da Educação?

MAR: Onde pára, afinal, a Educação Sexual?

JA: Sim. Temos realizado seminários, concedido entrevistas e reunido com os vários grupos parlamentares, porque esta é uma aposta que deve ser feita em qualquer país moderno.

JA: A Educação Sexual fugiu (risos)... Ora não há dinheiro para nada, não há dinheiro para a prevenção, sequer, área onde o Ministério da Educação, numa lógica pragmática, deveria investir. Pouparíamos mais dinheiro se fizéssemos uma prevenção, mais do que esperar que as coisas aconteçam para depois pagarmos por elas, como por exemplo,

MAR: Muito recentemente tivemos eleições autárquicas que reflectiram uma mudança de postura dos cidadãos, no que concerne à administração local. Muitos históricos afastaram-se ao fim de vários anos no poder. Uns por imposição legal, outros por terem sido ultrapassados por novos players, como foi o caso do independente Rui Moreira, na Cida-

de do Porto. Na sua opinião, enquanto dirigente sindical, que panorama se avizinha nas próximas eleições legislativas? JA: Acredito que as pessoas estão cansadas da Política. Portanto, à Direita ou à Esquerda, há uma saturação enorme das políticas educativas devido ao alcance que elas têm tido. Isto é, o prejuízo que elas têm dado aos cidadãos. Cada vez mais, as pessoas apostam nas pessoas. E o que é que isto quer dizer? As pessoas apostam em movimentos independentes. Nós, SIPE, pelo facto de sermos independentes, temos tido um crescente aumento de associados que se revê na nossa postura. Lutamos consoante o que achamos correcto e não consoante o interesse político. Isso reflectiu-se nas autárquicas. Aqui, no Porto, vimos uma grande adesão ao movimento independente... E porquê? Porque as pessoas pensam que o independente não está preso a ninguém, portanto, fará aquilo que achará mais correcto. MAR: Mas do pensar ao concretizar... JA: A ver vamos (risos)!

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Quartas, Ă s 21:30h Participe: perguntas@samascaras.tv

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ARQUITECTURA

A

Arquitetura assume uma importância extrema nas vivências urbanas e no quotidiano dos cidadãos. É inegável o seu contributo para a melhoria do espaço construído e consequente aumento da qualidade de vida dos portugueses, para a afirmação da identidade cultural de uma dada região, para uma maior competitividade económico-social, mas também para uma Sociedade mais justa e imparcial, devendo ser este o objetivo primordial de uma Arquitetura “pública”. Esta última questão tem assumido, nos últimos tempos, uma importância crescente, dado o clima de incerteza que paira no ar, numa das conjunturas mais severas de que há memória em Portugal. O direito à Arquitetura é um direito a que todos os portugueses deveriam ter acesso. Hoje, como nunca antes, os arquitetos, fruto da sua ampla presença na sociedade portuguesa, devem assumir as rédeas da vida social e política, lutar pelos direitos que lhes assistem, continuar a transcender as imposições do presente, para que a Arquitetura continue viva nas gerações futuras. E isto, mais uma vez, porque a Arquitetura deverá ser um bem de todos e para todos, ultrapassando todo o tipo de desigualdades que possam existir entre cada sector da Sociedade. Todos os seres humanos nasceram livres, com as mesmas condições de dignidade e com os mesmos direitos. Mas que direitos estarão subjacentes ao domínio da Arquitetura? O foco da Arquitetura deve prever e estar centrado, a meu ver, no conjunto de todos os direitos que assegurem as chamadas pré-condições necessárias para que cada indivíduo tenha a possibilidade de desenvolver as suas potencialidades. Deste, fazem parte, entre outros, o direito a ter uma forma de viver e habitar adequada às necessidades individuais de cada pessoa, enquanto ser singular, o direito à Educação, o direito ao Trabalho, o direito ao descanso, ao lazer e o direito a participar na vida sociocultural e política de uma comunidade, direitos estes, mencionados nos artigos 23º a 27º da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para além destes, o direito à qualidade de vida adequada é também definido como o bem-estar geral das pessoas e, dentro deste, incluem-se a alimentação, o vestuário, os cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, bem como o direito à assistência social em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência, em circunstâncias fora do seu controlo. Como obrigação, a Arquitetura deve facilitar todas as plataformas de acessibilidade, com enfoque especial para os grupos mais

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P E D R O C A RVA L H O

ARQUITETURA PARA TODOS desfavorecidos e vulneráveis, como as mulheres, as pessoas com deficiência, as minorias, as pessoas em condições de pobreza, os sem-abrigo, os refugiados, os emigrantes e os nómadas. Por outro lado, a Arquitetura deve igualmente melhorar as condições das instalações e infraestruturas indicadas para estes grupos, a fim de fortalecer os padrões mínimos dos direitos individuais básicos. Esta é a responsabilidade mais previsível da Arquitetura - o desenvolvimento das condições de Habitação, Educação, Saúde, Trabalho, Economia e da vida política, social e cultural da Sociedade. Objetivamente, isto prevê a produção de espaços e edifícios mais acessíveis e adequados, inclusivos, centrados nas pessoas, pacíficos, seguros, saudáveis, sustentáveis e mais respeitosos para com as necessidades e capacidades humanas, sua privacidade e diferentes tipos e estilos de vida. Uma Arquitetura igualitária é um compromisso de honra com a qualidade. É uma Arquitetura “pública”, que vincula o Estado, as Regiões, as Autarquias em prol do ambiente construído, da regeneração urbana (tão atual, nos dias de hoje), da sustentabilidade energética, da estabilidade ambiental, da participação social. Será sempre uma política pública de Arquitetura que interessará a todos. No nosso País, a importância da qualidade do quadro de vida e da paisagem para o desenvolvimento suportado e harmonioso do território e dos cidadãos é reconhecida, desde logo, na Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976. No seu artigo 66.º, sob a epígrafe «Ambiente e qualidade de vida», a CRP estabelece que «[t]odos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender», devendo o Estado, através de organismos indicados e com o envolvimento e a participação dos cidadãos, nomeadamente, «[o]rdenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento socioeconómico e a valorização da paisagem» e «[c]riar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico». O Futuro passa por nós, hoje e agora, na definição de um novo sentido para aquilo que deve ser feito, não da profissão, mas dos deveres e direitos (responsabilidades) a que nos propusermos perante a Sociedade portuguesa. É urgente implementar uma atitude reivindicativa para o bem-estar geral da população. A crise não pode ser o pretexto para tudo.


BIOGRAFIAS

DIOGO DE CAMPOS

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s portugueses foram chamados, há dias, a eleger os seus representantes a nível local. Ora, como este número da ID’ é dedicado à Igualdade decidi abordar a questão do Direito ao Voto e falar-vos sobre a primeira mulher que votou no nosso País, mesmo que tenha travado alguns combates com a Justiça. Chamava-se Carolina Beatriz Ângelo e nasceu na Guarda em Abril de 1878. A nível académico frequentou o Liceu Nacional da Guarda até ingressar nas Escolas Politécnica e Médico-Cirúrgica em Lisboa, onde se formou em Medicina em 1902. Foi a primeira médica portuguesa a operar no Hospital de São José, tornando-se especialista em Ginecologia.

CAROLINA BEATRIZ ÂNGELO

A PRIMEIRA MULHER QUE VOTOU EM PORTUGAL res ao voto ficou como exemplo de que a persistência por causas nobres acaba sempre por ser valorizada, mesmo que tarde. Mulher de convicções, faleceu a 3 de Outubro de 1911, com apenas 33 anos de idade, deixando um enorme legado na luta pela Igualdade e na causa Feminista. Fica a certeza que quando se “corre” por causas só esmorece quem quer.

Defensora acérrima do Direito ao Voto feminino, filiou-se na Liga Republicana das Mulheres e foi fundadora e líder da Associação de Propaganda Feminista – fundada por dissidentes da LRP e que tinha como objectivo principal levar a cabo uma intensa campanha de propaganda do voto feminino, realizando conferências e escrevendo artigos nos jornais nacionais. Em Maio de 1911 realizaram-se eleições para a Assembleia Constituinte e Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar no País, invocando, em Tribunal, que poderia e deveria ser considerada como Chefe de Família por ser viúva. Conseguiu votar, mas a lei eleitoral foi alterada em 1912, com a especificação de que apenas os Chefes de Família do sexo masculino poderiam exercer o Direito de Voto. Em 1931 e com grandes restrições, é que foi atribuído a algumas mulheres o Direito ao Voto. Note-se que apenas podiam votar as mulheres que tivessem cursos de nível Secundário ou Superior, enquanto os homens para votar apenas precisavam de saber ler e escrever. Só em 1974, depois do 25 de Abril, é que foram abolidas todas as restrições à capacidade eleitoral tendo por base o género ou condição social.

Republicana e feminista, fez parte de movimentos a favor da Paz, da República e da Maçonaria. Célebre por defender o direito das mulheCAROLINA BEATRIZ ÂNGELO ’ História

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DESPORTO

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e procurávamos Igualdade, então o Desporto é sem dúvida um fenómeno onde ela não existe. Melhor, existe, se falarmos de regras iguais para todos, mas depois, no que concerne a performances e exigências, nada há de igual no Desporto. Contribuem para esta situação, no mínimo, 3 grandes fatores: 1- Género dos atletas 2- O tipo de competição e seu mediatismo 3- O poder financeiro 1- Sabemos bem das diferenças entre Homem e Mulher no que diz respeito às capacidades meramente físicas, também as há. Mas também sabemos das diferenças a outros níveis…mas fiquemos pelas vertentes anatómica e fisiológica. São estas que diferenciam as performances entre ambos os géneros. Deixo, a título de exemplo, alguns números para que seja mais real e visível essa diferença. Na natação pura e no estilo livre, o record masculino para os 100m pertence a Cesar Filho, do Brasil, alcançado nos mundiais de Roma em 2009 e é de 46’’.91. Na mesma competição, a alemã Britta Steffen alcançou também aqui o máximo mundial para a mesma distância e estilo. Percorreu a distância em 52´´.07.

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A N T Ó N I O M A R T I N S S I LV A

CORPO EM MOVIMENTO Na maratona, o etiope Patrick Makau obteve, em Berlim em 2011, o melhor registo mundial que é, desde então, de 2h 03’38´´. Paula Radcliff, britânica, conseguiu na sua terra natal, em Londres, em 2003, a melhor marca de sempre para a prova feminina, que é de 2h 15’25´´. Como facilmente se pode observar por estes dois exemplos, Igualdade é algo distante no que ao género diz respeito e em provas desportivas onde participam os melhores atletas mundiais das respetivas modalidades. 2- Dependendo do tipo de competição, a desigualdade pode ser maior ou menor. Nos Jogos olímpicos quase todas as modalidades têm competição masculina e feminina, salvaguardando muito raras exceções. Neste caso, a vantagem até é feminina com a ginástica rítmica e com a natação sincronizada, pois nenhuma pertence ao programa masculino. O rugby esteve arredado das olimpíadas mas vai regressar no Rio em 2016. Até aqui desconheço se em ambos os géneros, mas parece-me difícil porque entre as mulheres é uma modalidade com pouca expressão. Os desportos motorizados são um quase exclusivo masculino. Não há nenhum piloto feminino na Formula 1, embora já tenha havido no passado, assim


como no Mundial de Rallies, onde nos últimos anos apenas homens competem. Já na vertente todo terreno há várias mulheres a desafiar os homens e muitas delas com ótimas prestações. No motociclismo de velocidade e no motocross só homens disputam os respetivos mundiais. Nestes desportos, onde a componente física não é assim tao determinante, não se entende porque não há igualdade de oportunidades. Quanto mais mediatizada é a competição, maiores são as ambições individuais e das próprias nações em obter vitórias. O número de habitantes de cada país, o seu potencial em infraestruturas, a competência dos seus treinadores e atletas, agudizam as diferenças de oportunidades de treino e de superação. Um timorense dificilmente irá ganhar alguma prova a um norte-americano, por todas as desigualdades e diferenças de qualidade que atrás apontei. 3 – Um pouco em continuidade com o ponto anterior, o poder financeiro pode arruinar sonhos e ambições desportivas de equipas e atletas em nome individual. Começando por todo o investimento que fazem, pela organização que têm, pelas infraestruturas que possuem e pelo número de atletas que podem selecionar, o que aumenta o nível e a qualidade dos mesmos.

O poderio de alguns clubes inviabiliza uma competição igual, quando uns dispõem dos melhores atletas do mundo e outros clubes têm de se munir de outras formas e métodos para ultrapassarem essa fraqueza. Todos sabemos as disparatadas somas que são pagas a alguns intervenientes em alguns desportos e logo por aqui vemos que a Igualdade não se aplica, de todo. Apesar de todas estas diferenças, sejam elas de género, de competição ou de poderio financeiro, a beleza do Desporto está muitas vezes nisto mesmo, quando o pequeno bate o grande, quando o mais humilde envergonha o imperial. A natureza humana, a sua capacidade de superação, a mentalidade forte e vencedora, existem para contrariar todas as adversidades e não serão os milhões de uns que deixarão outros sem tentar tudo para obter o mesmo fim – a Vitória. É desta incerteza e acreditando que todos cumprem as regras, que continua a ser estimulante e emocionante acompanhar qualquer desporto que seja e, em qualquer competição, a incerteza estará sempre presente. Se ser o mais rico, mais poderoso implicasse ganhar sempre, então não havia necessidade de competir! Felizmente não é assim…. ’ Mestre em Desporto de Alto Rendimento

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DANÇA TEMÁTICAS DA/NA DANÇA

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TELEGRAMA DO DIREITO À DIFERENÇA

corpo afina-se stop. Significar a imagem do corpo, mostrar a sua vulnerabilidade. Stop. Não ser reconhecido como um profissional que rasga as entranhas com suor e prazer para nunca falhar, stop. Ser diferente de qualquer outro artista, ser bailarino e acabar a carreira aos 40 com costas tortas e pés deformados. Stop, stop. Ser da responsabilidade dos governos financiar um desenvolvimento profissional, dos artistas profissionais, assim como sustentar a reconversão de certas categorias de artistas, tais como os profissionais da dança (Congrès Mondial sur 1'application de la Recommandation relative a la condition de l’Artiste organizado e realizado na sua sede pela UNESCO, em cooperação com o Ministère Francais de la Culture, a Commission National Francaise pour l'UNESCO; artigo 32) e ser tudo uma enorme falácia. Stop, stop, stop. Valor que se resume normalmente a um reconhecimento por prémios, condecorações presidenciais ou a papeis de meros acompanhantes ao estrangeiro de presidentes e ministros. Stop, stop. Cultura entregue a curiosos das artes que olham directamente para os seus centros corpóreos mas que devido à arte da coloração das almas com a cor certa, tudo esterilizam. Stop, stop, stop, stop, stop. Arte efémera em que o seu saber e mestria não é defendido, nem regulamentado; em que não existe um curso de formação para professores, nem é necessário ter um diploma para

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LUÍZ ANTUNES

ensinar, nem para abrir escolas de dança, a todos é permitido fazê-lo; sendo o resultado alunos com talento, recebendo lições de “professores” nem sempre qualificados. Stop, stop. Espectáculos apresentados a tempo, a custo de muito queijo derretido sobre cereais transformados em fios longos e cozidos “al dente”, com pagamentos pagos às prestações e em tempo de anacrusa. Stop, stop. Tempo de valorização dos medíocres. Stop, stop. Institutos que subsidiam os AI’s, AI’s dos amigos esfaimados. Stop, Stop, Stop. Arte das elites e para as elites e com as elites (económico-sociais ou pseudo-intelectuais), mas levada a cena pelos míseros silenciosos e sub nutridos seres dançantes. Stop, stop, stop. Tempo de ouvir os violinos de Chopin assim como ver o casamento de Odette no Lago dos Cisnes em tempo de Natal. Stop, stop. A cultura a quem de direito, aos humanistas, aos artistas, aos conhecedores do que são as dificuldades e de como se obtêm as glórias. Programar corpos que dançam e que não são conceitos complexos do nada. A cultura não é uma moda, nem estandarte de guerra, são as nossas raízes, é a nossa história individual tornada colectiva, traduzida actualmente numa brincadeira de mimadas crianças crescidas. Esta é a revolução cultural prometida na cultural revolução dos cravos? Então Senhoras profissionais do prazer ao poder, pois os filhos já lá estão. Stop, stop, stop. Parece que é tempo de arrumar as trouxas e zarpar. Stop. Stop. Stop.


MÚSICA

RUI SOUSA

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A MEIO TOM: O OUVIDO NÃO EXCLUI NINGUÉM

ntes de o leitor iniciar este mesmo artigo, faça-me um favor: vá ao Youtube e escreva “Same Love”, do artista Macklemore. Eu espero um pouco enquanto ouve a letra… Ora bem… Sim, é hip-hop mas esse artista em específico defende, ao longo de um álbum inteiro (e diversas campanhas), o direito à igualdade, ao casamento homossexual e condena a exclusão de pessoas apenas pela forma ou marcas que vestem. Considero o campo musical aquele que menos estigmas tem quanto à orientação sexual ou modo de vida. É só ver a quantidade de estilos musicais que existem e sem haver um único problema dentro destes mesmos. É verdade que as letras dos rappers podem ser um pouco mais ofensivas para com uma etnia ou um género mas, no fundo, trata-se apenas de marketing e de manter uma imagem para se conseguir manter as vendas no alto (já em tempos houve uma grande controvérsia envolvendo Elton John e Eminem, quando ambos iam atuar numa entrega de prémios e, ao mesmo tempo, Eminem tinha lançado um álbum cujo conteúdo seria ofensivo para a comunidade homossexual; mais tarde provou-se que se tratava de um alter-ego de Eminem, Slim Shady e que o músico era muito mais sério do que tinha mostrado ser no álbum). Continuando dentro do tema do campo musical, não há razões para alguém se “esconder” neste mesmo e a prova disso são o conteúdo das letras das músicas ou mesmo os artistas que fazem parte das bandas. Desde Scissor Sisters (o vocalista, por exemplo, é homossexual) até Lady Gaga (grande defensora da igualdade de género), passando por William Belli (cantor drag queen que juntamente com outros dois artistas decidiu lançar algumas músicas de paródia, mas sempre expondo a confiança que tinham na forma como se apresentavam em público; caso o leitor esteja interessado, basta escrever no Youtube “Boy is a Bottom”) e por Jeffree Star (um artista sem preconceitos e desafiando o público com a sua imagem). Exclusão social no campo musical? Nunca na vida. Há gostos para tudo, sem dúvida, e sempre alguém disposto a mostrar a um amigo, vizinho ou conhecido, uma banda ou artista novo. O fantástico da música é que é algo que se ouve e não algo que se vê. Isso permite excluir todo o tipo de estereótipos que possam existir para com o artista e podemos apreciar uma voz e uma melodia. Talvez toda a nossa vida devesse ser feita à volta da audição e finalmente resolveríamos os preconceitos que ainda hoje, em pleno século XXI, existem. Talvez se se mostrasse a um homofóbico que, na verdade, está a apreciar uma música feita por um homossexual, o ódio e o nojo simplesmente desaparecessem. Talvez…

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TEATRO DE TEATRO SE FALA

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um local inóspito, quase desértico, um encontro. - O que faz o senhor aqui? Olho para si já faz tempo. - Viajo nele, menina!... Bela profissão... ah ah ah... A mim tiraram-me tudo. Família, tudo. Mas não me tiraram o principal. Também não podiam!... ah ah ah... A alma! ah ah ah... Fugi à guerra, sabe, perdi tudo. Mas tenho-me a mim. Eu sou o mundo! Sou tudo! Julgam que sou infeliz!... ah ah ah... Sou livre! Divirto-me à grande! Canto, danço, salto, grito, faço o que me dá na gana... e sonho! Sou livre! Sabe, não tenho amarras! Os outros pensam que os dias para mim são todos iguais... ah ah ah... não sabem NADA! Pensam que sabem!... Sabe, eu vivo no futuro! E a menina? - Eu estou no presente. - Não, não, a menina está no futuro, comigo, senão não estava aqui. - O futuro é o presente. O tempo não existe. - Mas há futuros que se cruzam, são simultâneos e os presentes também e os passados também. - Eu nunca vi ninguém como o senhor. - Já caminhei muito por esse mundo fora. Vi muita coisa boa e muito lixo. Você é diferente. Eu vejo coisas que os outros não vêem. Chamam-me doido. Deixá-los. Não me importo. Não sabem o que eu vejo e o que sinto. Pensam que somos todos iguais e os que mostram que não são, passam a ser doidos... ah ah ah... E vejo luz nos seus olhos e o seu coração é branco, menina. Eu vejo! Você é diferente, menina. - Sou como tantos outros. Com algumas diferenças, claro! - Pois... ah ah ah... (silêncio) Que beleza se todos olhássemos para o que sai das mãos, para o que elas dão e o que recebem. As mãos ajudam a sermos deuses. Criam! E não estão preocupadas com democracias... ah ah ah... Elas SÃO. Estão sempre em serviço e cumprem tudo muito direitinho. Não discutem entre elas, não tugem nem mugem, cumprem! Já viu, menina? Quem é que repara na trabalheira que as mãos têm o dia todo? Perfeitas serviçais. Ah, mas também são marionetas! Bonecos... Sabe, menina, às vezes sento-me a sonhar com os olhos abertos. É como se tivesse adormecido. Às vezes acordo e adormeço logo a seguir... Sonho com gente limpa. Sabe, a Humanidade tem de voltar a ser humana. Deixou de pensar, não tem tempo. Está sempre apressada, precisa de ganhar dinheiro,

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ROSA SOARES

«DE IGUAL PARA IGUAL? de trabalhar... ah ah ah... Trabalhar! Pois. Deixou de se amar, é o que é! Passa a vida adormecida, pensando em dormir, descansar, para começar a guerra, a luta, no dia seguinte... Quem é que diz o que é permitido e o que é proibido? Ah? Com que direito se interfere na vida de alguém? Com que direito se medem permissões e se enquadram negações? - Cada um tem a sua vida para viver! Mas o senhor fala de um jeito! - O que nos rodeia é uma montra de joias postas à nossa frente. Quem é que olha direito? Quem é que VÊ? Pois... Desprezo absoluto por tudo aquilo que querem ignorar. - Viver sem obrigações, não é? - E sem deveres. Nesse passar dos séculos a olhar para os outros, esqueceram-se de olhar para si mesmos! Os deveres a si mesmos. E chegamos ao fim duma civilização neste caos. Tudo igual, tudo apressado, tudo muito ocupado com moralidades e justiças. Esquecidos da justiça a si próprios, vão tropeçando e nem tempo têm para sarar as esfoladelas dos joelhos. - O senhor não é uma pessoa qualquer. Senti isso logo de início. E o senhor tem instrução académica! Traços finos, um olhar limpo e sereno. Sábio. - Só sei que não sou igual a ninguém. Sou um ser humano, como todos os pensantes falantes. É a única igualdade. O resto, é ficção científica, menina!... ah ah ah... - Nenhuma mão é igual à outra. - Nem um grão de areia igual a outro. Nem nenhuma folha da árvore mais frondosa igual a outra... O nosso Mundo é uma mistificação. Uma peça de teatro, representada por alguns, em prejuízo de todos... ah ah ah... Governos de fantasia. Mundo fantástico... Sou um viajante, com encontros especiais no caminho que trilho. Este foi um deles, menina... Sabe, menina, eu fecho os olhos e sonho acordado. Posso dizer que sou artista. Crio o que quero sentir. Viajo no espaço... Sou livre!... Faça isso, menina! Viaje! E seja feliz. - Diga-me só uma coisa, antes de me ir. Acredita em almas gémeas? - Acredito em ligações fortes, que fazem do 1 um número inteiro. Multiplicável “ad infinitum”. Acredito em Deus. - Como é que o senhor se chama? - Liberdade.»


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TELEVISÃO

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formato “Late Night” não é, nos dias que correm, único nos EUA, mas a sua popularidade cresceu e manteve-se em terras do Tio Sam. Um meio algo restrito, onde em mais de 60 anos de história, a lista de apresentadores é reduzida, sendo inferior a uma dezena se falarmos dos que têm ou tiveram sucesso ao longo destes anos. Isto também, porque a dança de cadeiras é algo muito comum. É também um meio de homens, onde a apresentação no feminino tardou e ainda se mantém minoritária, em quantidade claro. Este tipo de “talk show” é, por norma, transmitido no período seguinte ao “prime-time” e pode ir desde as 23h00 até às 1h30. Tendo sempre como base o entretenimento, com muito humor, torna o final do dia agradável e leva os espectadores a abstraírem-se de um dia nem sempre fácil. Talvez um dos segredos do sucesso deste tipo de programação… O formato não mudou muito desde os anos 50. Começando com um monólogo, onde o apresentador fala dos acontecimentos do dia, sempre com muitas piadas e trocadilhos, segue-se uma segunda parte de interacção com a plateia e espectadores, com sketches ou leitura de cartas e emails passando, depois, por uma ou duas entrevistas a actores, políticos, músicos, desportistas ou personalidades conhecidas, terminando com um momento musical ao vivo. No cenário as semelhanças mantêm-se, com o apresentador sentado atrás de uma secretária no centro do estúdio e com dois sofás de lado, para acolher os convidados. Em muitos casos, vemos também uma banda para preencher o vazio das transições, entradas e saídas de intervalo, entrada de convidados em estúdio e outros momentos musicais. Não

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ANTÓNIO CASTRO

LATE NIGHT – PARTE I podemos deixar de falar do “sidekick”, um co apresentador, que tem como objectivo ser a âncora do programa e do apresentador, dando a deixa para muitas das piadas, fazendo as perguntas no tempo certo, dando uma gargalhada para puxar o mesmo ao público, o que não é um trabalho fácil. Não sendo bem feito acaba por ter um efeito contraproducente. É também essencial uma cumplicidade nítida entre os dois. Em alguns casos esse papel recai sobre o maestro da banda. Em Portugal tivemos e temos excelentes comunicadores com diferentes “talk shows”, mas o típico formato que acabei de descrever foi, na minha opinião, Herman José quem trouxe para as nossas televisões. Há, no entanto, uma diferença. Em Portugal, começámos um programa transmitido ao sábado ou domingo por volta das 22h. Temos, hoje em dia, o “5 para a meia-noite”, que já se aproxima mais do horário e também nos dias em que é transmitido. Mas nos EUA vão para o ar, actualmente, dezenas de programas com este formato, diariamente, nas principais TVs generalistas NBC, CBS, ABC e FOX, assim como em diversos canais de cabo. Para já irei apenas falar da NBC, a cadeia que iniciou este formato e que, ainda hoje, lidera no segmento. Não foi fácil cativar audiências num horário tardio, para um país onde o dia começa cedo, sendo poucos os que ficavam acordados para ver programas de “late night” que a NBC ousou começar a exibir nos anos 50. As coisas começaram a mudar com a chegada de Johnny Carson. Ele é, por muitos considerado a origem do sucesso… não sendo o primeiro, foi quem trouxe a popularidade ao formato. Os 30 anos em que esteve ao leme do “Tonight Show” desde 1962 a 1992 mudaram os hábitos de muitos americanos. 10 anos após a sua morte e 20


após ter deixado o programa, ainda é consensual que não surgiu quem merecesse a comparação com Johnny Carson. Jay Leno e David Letterman, são os nomes que mais se aproximam. Foram, aliás, os protagonistas de uma das maiores polémicas no mundo do “Late Night”, quando, em 1992, se debateram pela sucessão de Carson. Nessa altura a NBC, líder de audiências no segmento “late night”, tinha dois programas diários de sucesso o “Tonight Show” de Carson (23h30-0h30) e o “Late Night” com Letterman (0h30-1h30). Quando Carson anunciou a sua retirada, todos achavam que o processo natural seria Letterman assumir o “Tonight Show” e uma cara nova substituir Letterman no “Late Night”. Carson defendia abertamente esse desfecho, sendo conhecido o apreço que tinha por Letterman e este considerava Carson um mentor. Mas havia outros nomes em cima da mesa. Em 1982, quando completou 20 anos à frente do “Tonight Show”, Carson era, indiscutivelmente, o mais visto, sendo considerado o rei do “Late Night”. O sucesso com audiências era tanto que se deu ao luxo de apresentar apenas 3 a 4 episódios por semana, deixando o comando dos restantes dias a cargo de apresentadores convidados. Jay Leno era um deles, um comediante que dava cartas nos circuitos de “stand up” e que tinha boas audiências nos dias em que era apresentador convidado. Foi mesmo Leno quem acabou por ser escolhido pelos executivos da NBC, para substituir Carson em 1992, em detrimento de Letterman. As semanas que antecederam o anúncio oficial, foram intensas, com jogos de bastidores e negociações que não vieram a público até mais tarde. Tal facto chegou a dar origem a um livro escrito pelo jornalista Bill Carter – “The

Late Shift” – adaptado, mais tarde, para filme com o mesmo nome. O livro descreve toda a polémica e explica a surpreendente escolha de Leno, quando todos, incluindo Carson, esperavam que Letterman fosse o natural sucessor. No filme, vêm a público, conversas, reuniões e argumentos que o comum dos espectadores desconhecia. Foram revelados nomes que, de outra forma, continuariam conhecidos apenas nos meios mais fechados. O mais surpreendente foi o de Helen Kushnick, interpretado fenomenalmente por Kathy Bates (que recebeu vários prémios, incluindo o Globo de Ouro, com este papel). Kushnick era agente de Leno, tendo sido ela quem o descobriu, nos clubes de “stand up” e levou até ao topo da carreira. No filme, Kushnick, é descrita com uma negociadora de bastidores, de pulso forte, quase sem olhar a meios, tendo sido devido a ela que os executivos da NBC optaram por Leno. Este episódio é considerado, por muitos, um marco no mundo do “Late Night”, passando a existir, assim, o antes e o depois de 1992. Mesmo tendo saído derrotado, Letterman, não deixou de sonhar com a cadeira do “Tonight Show”, havendo quem diga que foi Carson, que o convenceu a seguir em frente e a aceitar a proposta da CBS. Letterman assim o fez mas a relação entre Leno e Letterman nunca mais foi a mesma. As águas acalmaram durante os anos seguintes, mas outro episódio semelhante ao de 1992, aconteceu em 2009. Mais uma vez envolvendo a sucessão no “Tonight Show” e tendo Jay Leno como um dos protagonistas.

Um tema para a segunda parte desta crónica.

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LAZER

T

FRANCISCO VILHENA

E NUM VELHO CASARIO . . O RESTAURANTE COMETA

em um ar tosco e os acessos…bem, parecem verdadeiros labirintos, entre as ruas estreitas e os inúmeros degraus de pedra ... Mas a curiosidade falou mais alto e, entre amigos, experimentei o restaurante Cometa, uma espécie de tasca requintada, de cozinha portuguesa, com a influência de viagens pelo mundo. Não é nada fácil lá chegar, acreditem e, mesmo com o auxílio do GPS, sentimos que estamos a invadir acessos pedonais, com as nossas quatro rodas ... Ainda assim, mesmo que em total sobressalto, a viagem aconteceu. No meio do velho casario granítico, (característico da zona alta de Miragaia), numa mistura única, de tons acinzentados, um espaço claramente acolhedor... Um anfitrião de marco histórico, que apesar do ar frágil, reforço, é muito convidativo. Um lugar carregado de histórias, recordações, vivências e experiências e sentimos isso, em cada fenda, em cada rasgo de parede ou em cada traço antigo do mobiliário.

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Acima de tudo, sentimos personalidade! Com um serviço simpático, este agradável restaurante mima-nos com uma ementa bastante imaginativa e preços igualmente simpáticos (uma média de 25,00 eur). Maravilhosas iguarias (deliciosas) e, fiéis a todo o espaço em si, (apresentadas em louça igualmente tosca, com um ar evidenciadamente tradicional, a relembrar os pratos de casa dos nossos avós). E se a moda, para alguns, são os espaços mais povoados, ver e ser visto, é algo que não podemos esperar dali. Eu ainda acredito e cada vez mais, que a elegância dos espaços está nos marcos históricos, na privacidade e serenidade de uma refeição, sozinho ou entre amigos, (como foi o caso). Sem rodeios, reforço, este é o espaço ideal para estar ‘in’ no lado mais típico da cidade real, perto da muralha Fernandina e logo abaixo do Largo de S. João Novo. Até Já, Restaurante Cometa ♥


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TURISMO

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a base da desigualdade, temos o preconceito. A desigualdade existe, porque é o próprio ser humano a fazer com que ela exista. Para algumas pessoas há o dito “normal”, porque a Sociedade induziu a isso, como se alguma vez tivesse sido criado um modelo padrão. Nada poderia estar mais errado! Embora haja pessoas que procurem, ao máximo, serem diferentes, de forma a poderem-se destacar e com essa visibilidade tentar obter benefícios, os seres humanos são, de igual modo, todos diferentes, todos iguais. Na forma de pensar, na forma de agir, nos gostos…todos nós diferimos uns dos outros nos mais variados aspetos. No entanto, somos iguais porque todos temos um Passado, um Presente, um Futuro. Somos iguais porque partilhamos um Mundo, porque vivemos numa Sociedade. Em qualquer sítio do globo observamos que, independentemente da Cultura, uma Sociedade não pode funcionar sem regras e, uma dessas regras é, certamente, o respeito pelo outro. Durante milhares de anos, o Mundo não soube o que era igualdade entre seres humanos. Por diversas partes do mundo prevaleciam aqueles que pertenciam às maiorias, fossem elas religiosas, aqueles com mais poder económico ou aqueles que, por possuírem alguma

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E LV I O B E T T E N C O U R T

(DES) IGUALDADE HUMANA característica física, automaticamente faziam parte de um grupo. Por outro lado, tínhamos outras pessoas que eram discriminadas pela Sociedade porque, simplesmente, eram diferentes. O simples facto de, por exemplo, terem uma cor diferente fazia com que essas pessoas fossem escravizadas, não tendo qualquer direito. Os tempos mudaram e, com eles, mudaram também as mentalidades, as formas de ver e viver numa Sociedade. Foram muitas as batalhas que levaram a sucessivas mudanças. Hoje são bem visíveis os resultados dessas mudanças, os rostos que tornaram possível um mundo mais justo. Não posso deixar de mencionar nomes de grandes figuras internacionais como Martin L. King, Nelson Mandela, entre outros que conseguiram que fosse possível a Igualdade entre raças. O grande desenvolvimento nas plataformas da comunicação e a própria globalização foram e continuam a ser fundamentais para promover a Igualdade entre os seres humanos. Ainda assim, existe uma enorme desigualdade. Infelizmente, em pleno século XXI, há imensos casos onde essa desigualdade é bem visível. Nos países em que as mulheres nem podem conduzir, naqueles onde o simples ato de votar é negado, por exemplo. É certo que estes casos acontecem em países pobres, mui-


to pouco desenvolvidos, com uma democracia inexistente. Onde predominam as regras da religião, muitas vezes manipuladas, para que certos organismos consigam controlar a Sociedade local. No entanto a desigualdade é visível também nos países ricos e desenvolvidos. Então vejamos, porque é que em alguns países uma mulher tem um vencimento menor do que um homem que ocupe o mesmo cargo? Porque é que são poucos os países onde os cidadãos do mesmo sexo têm acesso ao casamento? Ou em alguns casos onde é possível a realização de um casamento homossexual, com os mesmos direitos que tem um outro casamento heterossexual, mas com a diferença de que o casal homossexual não pode adotar uma criança.

É de salientar o trabalho extraordinário que tem sido desenvolvido pelas Organizações mundiais, (Organizações Governamentais ou Não Governamentais (ONG)) de forma a promover a Igualdade. São estas organizações que falam pelo povo e que, sem elas, certos objetivos / desejos da Sociedade não teriam sido alcançados, tornando-a desigual. Independentemente do género, raça ou orientação sexual, todos formamos uma Sociedade saudável, se existir o respeito pela diferença.

Como estes exemplos acima mencionados existem muitos outros, no entanto a mudança é feita de forma gradual. Aos poucos, os cidadãos começam assim a ter mais direitos que lhes garantem uma melhor qualidade de vida, uma vida mais justa. Para contribuir temos a globalização, a era de Internet, a rapidez com que transmitimos uma informação, que continua a fazer mudar o Mundo.

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TECNOLOGIAS

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H U G O VA Z

A INTERNET E A (DES)IGUALDADE NO ACESSO À INFORMAÇÃO

É amplamente reconhecido que a internet, com forte presença na vida dos cidadãos dos países ditos de primeiro mundo, tem um enorme potencial de crescimento. Ela possibilita o acesso a um volume de informação sem precedentes na história da Humanidade, de forma rápida, fácil e cómoda, servindo de base a novas formas de comunicação e de expressão, que contribuem para o desenvolvimento tecnológico, democrático e para o diálogo. Com o crescente aumento da informação disponível no ciberespaço, crescem também os limites impostos por diversos atores, cada um com os seus objetivos e valores. Em complemento à caraterística transfronteiriça que a internet apresenta, alargadora de horizontes e catalisadora do nosso desenvolvimento enquanto Sociedade, há tantos fatores a formatarem o nível de acesso à informação e tão diversas interpretações de políticas que têm impacto na liberdade de expressão, que o grande desafio dos utilizadores da internet hoje em dia é explorar a internet em todo o seu potencial sem comprometer quaisquer liberdades civis, incluindo o direito à liberdade de expressão, o direito à educação e o direito à privacidade. Diversos movimentos defensores da liberdade de informação surgiram como resposta a iniciativas de censura, vigilância e monitorização, patrocinadas por entidades governamentais. Um desses movimentos, é o da associação Repórteres Sem Fronteiras, uma prestigiada organização não governamental, sem fins lucrativos, sediada em Paris, França, com estatuto de consultora das Nações Unidas. Esta associação elabora um índice anual de liberdade de imprensa, o "World Press Freedom Index", no qual a organização classifica os países quanto à liberdade de imprensa e acesso à infor-

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mação e onde a censura praticada na internet merece, naturalmente,grande destaque. Nesta lista destacam-se, principalmente e pelas piores razões, os países do sul da Ásia. A Coreia do Norte, a Eritreia e o Turquemenistão, países onde o acesso à internet é considerado um luxo, ocupam as primeiras posições na lista negra. A estratégia utilizada pelo governo para limitar o acesso à informação passa pela prática de preços elevadíssimos nos tarifários de serviços de internet, que são disponibilizados por um único operador nacional, detido pelo Estado e pelo bloqueio de diversos sítios da internet, entre os quais os detidos por associações de defesa dos direitos humanos e por agências noticiosas. Todas as contas de e-mail baseadas em serviços como o Gmail, o Outlook e o Yahoo são fortemente monitorizadas e quaisquer tentativas de evadir o sistema de controlo implementado podem acarretar graves consequências. Na mesma lista é possível encontrar também a Síria, a Somália, o Irão, o Vietname e Cuba, na sua maioria países onde o Estado criou agências com o objetivo específico de vigiar e controlar a divulgação de informação, às quais os prestadores de serviços de internet estão legalmente obrigados a relatar, periodicamente, a forma como os seus clientes utilizam a internet. É de salientar, também, que qualquer internauta que expresse uma opinião que seja considerada atentatória à união nacional é rapidamente detido. No entanto, o exemplo mais marcante é o caso da China, país onde o sistema de controlo e censura da internet atinge proporções verdadeiramente avassaladoras. O sistema em causa filtra o conteúdo bloqueando o acesso a determinados endereços de IP, examinando e bloque-


ando seletivamente determinadas palavras chave ou endereços web à escala nacional, através da instalação de filtros especialmente concebidos para o efeito, não só nos pontos de presença regionais das empresas prestadoras de serviços de internet, mas também em grandes empresas e organizações. Geralmente, a filtragem é feita de forma a que o utilizador final não se aperceba de que o seu acesso à informação está a ser limitado. No outro extremo da mesma lista, sem surpresas, os países do norte da Europa como a Finlândia, a Holanda e a Noruega ocupam lugar de destaque na condição de países onde a liberdade de expressão e acesso à informação que se fazem sentir é maior. Já Portugal, classificado como satisfatório pelo mesmo índice, ocupa o 28º lugar na lista dos países onde existe liberdade de expressão, atrás de países como Cabo Verde, Chipre ou Namíbia.

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DONATIVOS Numa altura em que os pedidos de auxílio e colaboração aumentam de todos os lados a CASA tenta responder a todos mas as contrapartidas diretas que recebe são, na maioria das vezes, pouco consistentes. Se todos os amigos e associados da CASA contribuírem, por mais simbólico que seja o valor, conseguiremos prosseguir o nosso trabalho. Mais do que nunca precisamos de todos os amigos que, desde sempre, fizeram da CASA a sua casa!

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FRANCIS KINDER

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” Quem lê o Artigo 5º da Constituição Brasileira não tem ideia do que acontece no mundo real. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a América Latina é a região com maior desigualdade de renda do planeta. E o Brasil se destaca (negativamente): somos o 4º país mais desigual da região. Ainda que a desigualdade tenha se reduzido nas últimas duas décadas, o Brasil ainda está longe de ser um país igualitário. A educação pública primária e secundária são precárias, o que dificulta o acesso destes jovens às melhores instituições de ensino superior. Em 2013, 78,4% dos ingressantes na melhor universidade do Brasil e da América Latina, a USP, eram brancos. Apenas 2,4% são pretos. Nas três carreiras mais concorridas (Medicina, Engenharia Civil e Publicidade e Propaganda), não houve sequer um integrante auto-declarado preto. De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 47,7% da população brasileira é branca. Estatísticas como essa corroboram para iniciativas públicas como a política de cotas nas universidades públicas para afro-descendentes, visando reduzir a desigualdade racial ainda reinante no Brasil – herança de nossos tempos coloniais. Outra iniciativa governamental para reduzir a desigualdade social é o Bolsa Família, que completa 10 anos em 2013. Segundo o jornal O Globo, O Bolsa Família atende atualmente 13,8 milhões de famílias ou 50 milhões de pessoas, com previsão de gasto de R$ 24,9 bilhões neste ano. O valor médio dos repasses é de R$ 149,70 (aproximadamente 50 euros). Ainda que não seja suficiente para mudar a vida de um

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quarto da população brasileira, o benefício dá mais dignidade a pessoas que nem a isso tinham direito anteriormente. Estas mudanças não garantem melhor qualidade de vida a longo prazo para os mais de 200 milhões de brasileiros, mas cria a possibilidade de mudança e dá esperança àqueles que jamais sonhavam com uma vida melhor. O caminho para o desenvolvimento apenas começou a ser trilhado, e o respeito e a cooperação são instrumentos prioritários para que o Brasil continue nos trilhos para ser um país menos desigual. Um país mais igualitário incrementará a qualidade de vida de todos: ricos e pobres, pretos e brancos, homo ou heterossexuais. Pois como a canção d’O Rappa diz, “Paz sem voz não é paz: é medo”. “A minha alma tá armada e apontada Para a cara do sossego! Pois paz sem,paz sem voz, Não é paz é medo. As vezes eu falo com a vida, As vezes é ela quem diz: 'Qual a paz que eu não quero conservar Pra tentar ser feliz? As grades do condomínio São prá trazer proteção Mas também trazem a dúvida Se é você quem tá nessa prisão.” Importante mencionar que valorizar as diferenças – sejam elas regionais, sociais ou raciais – é parte integrante deste processo. Não precisamos negar nossas diferenças, mas valorizá-las e crescer com elas. Respeito é primordial em um país que busca o verdadeiro desenvolvimento – e isso premeia a redução da desigualdade econômica com a valorização das diferenças individuais. E assim, continuaremos a crescer, juntos.


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F I L I P E M O R E I R A D A S I LV A

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conceito de Igualdade tem servido para abarcar diversas situações ao longo dos tempos. Serviu para a emancipação das mulheres que enfrenta(va)m uma Sociedade predominantemente machista, para considerar todos os cidadãos como iguais perante a lei e portanto com os mesmos deveres, direitos e oportunidades. Nos últimos anos, porém, apesar de enormes passos dados no sentido de conquistar Igualdade, também temos assistido a passos dados em sentido contrário. Continuamos a viver numa Sociedade onde os comportamentos machistas ainda não se encontram erradicados, onde nem todos os cidadãos são considerados como iguais, inclusivé perante a lei e em questões que se prendem com direitos e deveres. Senão vejamos: Se por um lado, em 2005 em Espanha se aprovou a lei 13/2005 que legalizou o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo, só se dissipou de todo a névoa que adveio de um recurso a esta lei interposto pelo Partido Popular, sete anos depois quando, em Novembro de 2012, o Tribunal Constitucional ditou um veredicto favorável a este tipo de união (8 votos a favor vs 3 contra). Ainda assim, uma iniciativa legislativa popular promovida pelo Forum Espanhol da Família e subscrita por mais de 1,5 milhões de assinaturas, tentou fazer com que o matrimónio consistisse exclusivamente da união de um homem e uma mulher, tendo, porém, sido rejeitada pelo Congresso dos Deputados. Em Portugal este passo foi dado à boa maneira portuguesa: Tirado “a ferros” e de maneira “estabalhoada”, não respeitando um dos princípios da Constituição da República que impede que uma lei imponha qualquer tipo de descriminação a determinado grupo de cidadãos. Ora, ao vedar a adopção a casais homoparentais, está a impor a dita descriminação. É uma “leizinha” à portuguesa!... “Toma lá um rebuçadinho... mas olha que está meio podre!... “ Valeu-nos ao menos a vergonhosa declaração de Sua Excelência o Presidente da República (trato-o com a devida vénia, não vá pensar que o insulto e decretar-me em busca e captura) dizendo que promulgava a lei sem estar de acordo com ela... (só não explicou porquê, mas a capacidade de oratória nunca foi o forte de S. Exa.) De qualquer maneira, Espanha continua sem ser o El Do-

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¿ IGUALDAD ? NO SÉ YO.. rado da Igualdade. Uma das coisas que me chocam é ver nos meios de comunicação social a contabilidade das vítimas mortais do que chama “Violência Machista” ou “Violência de Género”. Não podia estar em maior desacordo com a terminologia. E porque não “Violência Doméstica” e dessa maneira englobar todas as categorias deste tipo de agressões? Foi criada uma linha de apoio às mulheres maltratadas que, além de gratuita, não vem reflectida na factura detalhada do telefone para evitar que “os” agressores vejam que foram realizadas. Então e os homens vítimas de violência, independentemente da sua orientação sexual? Ligam para quem? Foram criadas “casas de acolhida” para mulheres maltratadas, por si só um feito notável e meritório de admiração. E para homens maltratados? Para quando? No que respeita, ainda, à suposta Igualdade dos cidadãos perante a lei... Será verdade, sempre que não sejam presidentes das organizações patronais e se declarem insolventes, fechem empresas multitudinárias, deixem os empregados na rua e sem receberem as indeminizações a que tinham direito... e mais tarde se descubra que afinal há contas em “offshores” na Suíça com dezenas de milhões de Euros... Será verdade desde que não se trate de familiares directos de Sua Majestade... que se há alguém que não tem a desculpa de “assinou mas não sabia o que era”... por ser analfabeta, (tadinha) essa não poderia nunca ser Sua Alteza Real a Infanta Cristina. ...e, casos como estes, há-os por estas bandas “aos magotes”. “Igualdade” tem sido ainda o pretexto para se “arranjarem” uns Ministérios e umas Secretarias de Estado, dependendo do gosto do Governo de turno, cujo funcionamento e objectivo nem nunca estiveram claros, nem nunca produziram resultados visíveis, a meu ver. Será afinal verdade que aquilo de liberté, égalité, fraternité começa mesmo só para além dos Pirinéus?… Muito há, ainda, por fazer nesta nossa Península Ibérica!


MARÍLIA LOPES

ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO – MODA E NA MODA Uma sociedade que dá importância à vida. Abandonar animais é crime. Abandonar ou maltratar animais é crime. Deixar de cuidar das necessidades ou da doença do animal também é considerado como maus-tratos. Caso viole a lei, a multa pode chegar até aos ¥500.000 (aproximadamente 5 mil euros).

O tema da nossa querida ID’ deste mês é Igualdade mas, desta vez, decidi fugir um bocadinho ao tema, ou não… e falar dos amigos de quatro patas. Desde que cá cheguei sempre me perguntei como é que conseguiam controlar o não abandono dos animais. Nas ruas apenas se vêem gatos e mesmo estes são tratados e alimentados pelos residentes de forma terna e responsável. Ao vaguear pelos centros comerciais comecei a perceber que as lojas de roupa para cães abundavam. Para além da roupa há também uma grande escolha em jóias, carrinhos para os passear, muito idênticos aos tradicionais carrinhos de bebé, manicura e todos os outros tratamentos de beleza para os amigos de quatro patas. Até nas catástrofes eles não são esquecidos. No caso de terremoto, por exemplo, o kit de emergência deve conter também alimentação para o animal de estimação, recipiente para tomar água, saquinhos plásticos para recolher as fezes. Se ficar perdido, o cãozinho terá a coleira para identificação do dono. Este Kit pode ser encontrado, já pronto, nas lojas de animais.

Este mundo fantástico e desconhecido rapidamente começou a ficar mais “escuro” e depois de passar este encanto comecei a achar tudo isto uma forma estranha e anti – natura de tratar os animais. Quando passeamos um cão fazemo-lo porque este precisa de fazer exercício, mas se o passeamos dentro de um carrinho perde todo o sentido a não ser que passear o cão seja “fashion” ou outro qualquer motivo que nada tem a ver com o bem-estar do “bicho”. Estar num restaurante e na mesa ao lado estar um cão a comer à mesa também não me cai muito bem… e eu adoro animais! Tão grave como maltratar um animal é impedi-lo de ser o que ele é na sua essência. Ter um animal é mais do que ter um brinquedo caro e “da moda” (comprar um cão aqui não fica por menos de mil euros) e é aqui que começa o lado negro deste tratamento exagerado. Como a moda dura pouco, muitos animais acabam sacrificados por eutanásia, paga pelos seus próprios donos, ou abandonados nos canis municipais onde, três dias, depois morrem em câmaras de gás. Não há dó, nem piedade… já não quer, cresceu e ficou feio, afinal já não está na moda, cresceu mais do que devia e os vestidinhos bonitos já não servem… câmara de gás! O cão, por estes lados, não passa de um acessório de moda…claro que há pessoas que os adoram e os tratam como estes merecem, mas sem dúvida que o lado que os vê como moda é infelizmente maior. ’ Lic. Educação Física

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PA U L A M A C H A D O

F

DE BOGOTÁ COM DESTINO A SYDNEY.

oi à procura de uma mudança de ares que a Tatiana encontrou, sem querer, a maior e mais difícil mudança de vida. E foi num ambiente muito descontraído de um café na mão e sentadas no chão, que ela decidiu partilhar a história.

Chegou da Colômbia há cerca de 1 ano e decidiu que era aqui que queria viver. “Está fora de questão voltar. Não posso usar as roupas que quero, não posso cortar o cabelo como quero... a sociedade colombiana sufocava-­me”. A súbita vontade de experimentar a Austrália, juntar-­ se ao irmão, já a viver cá há alguns anos e sair de um esmagamento emocional atroz fez com que iniciasse o processo para a obtenção do visto.

A Austrália é conhecida como sendo o país que pertence a todos, mas que na realidade só está ao alcance de alguns. Só depois de muita papelada, burocracia e investimento financeiro é que se torna possível entrar aqui e viver legalmente. Para cidadãos de determinados países basta uma aplicação on line, efetuar o pagamento e está feito. Para outros, dependendo de diversos fatores de risco do país de origem, há uma série de etapas que têm de ser cumpridas. Uma delas é o Exame Médico para que o visto seja aprovado e o Governo Australiano sempre foi extremamente zeloso relativamente a esta questão.

Faltava pouco mais de 1 mês para o embarque, quando nesse exame médico lhe descobriram um nódulo na barriga. Ela confessou-­me que lhe andava a doer há algum tempo e que notava um inchaço, “às vezes desaparecia e já não doía nada” mas que nem morta se iria queixar ao médico, “eu queria... eu tinha que estar perfeita se queria embarcar para a Australia”. Depois de alguns exames descobriram uma massa de 15 centímetros no útero. Cancro. Caiu-­lhe o mundo aos pés e, com isso, os sonhos e em alguns momentos a própria vontade de viver. “E agora o que é que eu faço?” Fez-­se forte quando menos forças tinha, não podia e não queria partilhar e admitir o quanto medo tinha...

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de morrer. “A vida é tão frágil e tão curta” disse-­me ela perdida em pensamentos. “Se não tivesse decidido vir para a Austrália e ter que fazer exames médicos, podia ter sido tarde demais...” Passou a ser chamada pelos médicos como “a menina da Austrália”. O caso era urgente e pouco depois fez a operação de remoção do nódulo. 20 dias depois voltou ao bloco para verificar se “estava limpa”. Para a emigração seguiu um documento a dizer “nódulo benigno retirado”. O mais importante era a aprovação do visto.

A Tatiana tomou a decisão de embarcar nesta aventura quando sentiu que ser lésbica, advogada e viver na Colômbia, a esconder a verdade ou a tentar disfarçá-­la, seriam três coisas impossíveis de conciliar. “Eu sou advogada, sei e sempre soube mentir muito bem, sempre, mas já não conseguia disfarçar mais quem eu era, nunca na vida podia admiti-­lo... matavam-­me.” Continua a dizer que aqui ela pode respirar finalmente, aqui é livre e consegue ser feliz e que adquiriu o direito à Igualdade “eles cá não lhes interessa como és ou o que és, mas o que sabes fazer”. Contar à família foi outro filme. “Quando disse ao meu irmão que era lésbica, não sabia como é que ele iria reagir, tendo em conta que sempre foi contra estas coisas e é colombiano... no final disse-­‐me que estava feliz por poder falar de gajas comigo. Eu fiquei tão aliviada. E quanto à minha mãe... ela já sabia, elas sabem sempre, não sei como”.

Tem agora, de 3 em 3 meses, de fazer exames de rotina e morre de medo que apareça novamente algum outro nódulo, “não quero voltar a ser operada... foram dores horríveis, prefiro ficar assim”. Acrescenta, para dizer que a sua perceção do mundo mudou drasticamente., “Vou literalmente aproveitar cada momento e na Austrália, na verdade, não fazes a mínima ideia do que vai ser da tua vida amanhã, ou sequer se vais estar aqui para a ver.” No final, ela pediu-­me para rematar o texto a dizer que estava “disponível”, se é que me entendem. “Novas amizades nunca fizeram mal a ninguém” disse-­me ela, no meio de uma gargalhada.


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D E L M A R M A I A G O N Ç A LV E S

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AINDA A PROPÓSITO DA IGUALDADE,

oje mais do que nunca, acredito que se o homem olhar bem para dentro de si, adquire a consciência da sua magnífica solidão, que o isola, mas não separa do resto da existência. O modo de pensar ocidental tem sido massivamente impregnado e até perversamente estruturado pela lógica do terceiro excluído. Dito de outra forma, por palavras mais concretas, pela lógica da disjunção e da exclusão. Nesse caso, quer dizer, ou se é verdadeiro ou se é falso, ou se é branco ou se é preto, ou se é mau ou se é bom, ou se é mulher ou se é homem, ou se é doutor ou não se é. Ser ou não ser, estigmatiza-nos sempre e eternamente o poeta britânico Shakespeare. Estigma de gerações, repisando a marca disjuntiva do filósofo Aristóteles. Acontece, porém que a vida não funciona nem deve funcionar segundo a lógica da exclusão. Nem a vida, nem nós os mais simples cidadãos do mundo. Como dizia o pedagogo brasileiro Paulo Freire, “Quem inaugura a negação dos homens não são os que tiveram a sua humanidade negada, mas os que a negaram, negando também a sua.” O pensamento humano, encontra-se profundamente enquistado e enlameado por ideias etnocêntricas que impedem que algo original e belo nasça livre e limpidamente. Desde sempre acreditei e me empenhei na luta pela dignificação da raça humana. Nesse sentido, acredito firmemente que lutar contra o racismo e a xenofobia é um dever e uma obrigação de todos nós. Ao fazê-lo, acredito estarmos a lutar pela igualdade na diferença. A igualdade sendo um factor de paz social, será alcançada pela via da justiça, através do diálogo civilizado, sem

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preconceitos nem ideias estereotipadas, na compreensão e respeito mútuos independentemente das diferenças. E acreditem que sendo eu um militante activista anti-racista, nunca ninguém me pagou para sê-lo, pois nunca faria disso uma condição. Entristece-me no entanto, verificar que enquanto andamos nós empenhados e de forma apaixonada e convicta a cantar aos quatro ventos que ninguém deve ser discriminado em função da cor da pele, pela Europa e pelo mundo e contra o racismo, sendo certo que este ainda não foi erradicado, outros há infelizmente, que regressados aos seus países de origem (Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, etc.) promovem e defendem o racismo e a xenofobia na sociedade. Depois, há o eterno discurso de vitimização quase patológico, o complexo de inferioridade e o complexo de superioridade que fazem o resto. Lamentavelmente, toda a luta até hoje desenvolvida, todo o trabalho meticuloso realizado, todas as vitórias e progressos alcançados caem por terra, quando nos deparamos com estas situações de racismo invertido. Ou acreditamos no que defendemos ou calemo-nos para sempre! Nada de hipocrisia e incoerência. Como diz um sábio provérbio africano “Amar quem não nos ama é como remover os arbustos para fazer cair a chuva.” A coexistência harmoniosa pressupõe uma relação entre seres. Diferentes ou não. Uma relação que é concomitante com o aparecimento dos seres, harmoniosa ou não. Mais ou menos próxima, mais ou menos equilibrada, acrescida que sempre foi de uma fértil adjectivação, a


DO ANTI-RACISMO E DO RACISMO EMPACOTADO: coexistência está ligada aos seres e, embora fortemente dependente das razões dos mesmos enquanto animados e racionais, existe apesar de e para além delas. Cabe-lhes harmonizá-las no sentido da sua própria harmonia. Podem pois criticar-se o passado (que existiu), os rumos que a história tomou, a incapacidade ou teimosia que levaram e levam os homens a persistir em erros desde sempre reconhecidos. De qualquer forma temos de aceitar que foi essa história comum que nos foi legada e que nos faz agora caminhar irresistivelmente juntos. Só aceitando, sem compromissos os erros dos seres humanos, é possível escapar à lamentação estéril dum passado sem remissão e entrever com propriedade os caminhos, difíceis e inexplorados, duma interdependência cultural activa. A promoção de um desenvolvimento harmonioso solidário e coerente no respeito dos agora parceiros e outros diferentes nele envolvidos. Não devemos cruzar os braços fatalisticamente diante desta “miséria”, esvaziando desta maneira nossa responsabilidade naquele discurso cínico, conformista, mentiroso e mórbido que fala da impossibilidade da mudança porque a realidade é mesmo assim. Vamos pois deixar em aberto um desafio ao esforço de ir ao encontro da autenticidade, da coragem e do inconformismo, para que então o grande embate recriador do mundo aconteça. Há mais de dois mil anos, Lúcio Séneca terá dito que nenhum vento será favorável a quem não saiba a que porto se dirige. Será. Mas o caminho da fraternidade e da luta facilmente fará que o vento nos ajude.

“Um Homem, nunca é um indivíduo; seria preferível nomeálo universal singular.” JEAN-PAUL SARTRE

“A vida renovada volta sempre a esse frágil vaso tantas e tantas vezes esvaziado.” RABINDRANATH TAGORE

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FILIPE DE BARROS

I

gualdade…para nós o que é Igualdade? Será que a Igualdade é universal? Será que para mim a noção de Igualdade é a mesma do que para a restante comunidade deste País? Será que nós ao impormos a nossa Igualdade não estamos a interferir nos valores sociais e etnológicos de um povo? Ora, por cá o conceito Igualdade é análogo ao nosso. Mas, não querendo entrar em “politiquices”, apenas quero falar do que é observável e que me põe a pensar no sentido lato do conceito “Igualdade”. Por cá, as pessoas aparentemente são iguais, uma vez que não evidenciam desvios ou incongruências sob um determinado ponto de vista, entre dois ou mais elementos, quando comparados. Para nós, europeus, admito, que este conceito de Igualdade é estranho, mas será que deveremos “impor” a nossa noção sobre “Igualdade”? Contudo, se assim o entendermos será que não estaremos, nós próprios a violar o mesmo? Eis uma questão que nem eu próprio me atrevo a dar resposta.

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Contudo e atendendo ao verdadeiro sentido da Igualdade, sinto-me feliz, aqui, por saber que, trabalhando com estes professores, estou a contribuir para que haja, de certo modo, uma igualdade… há informação e formação científica da sua área específica, há uma igualdade de oportunidades para todos os docentes e têm igualmente a oportunidade de opinarem, dar a sua contribuição sobre todo o trabalho desenvolvido afim de o melhorarem, aperfeiçoá-lo e, até, adequá-lo à sua realidade. Em relação à restante comunidade, basta parar, olhar à volta e reparar que são felizes, nomeadamente as crianças que, descalças, andam pelas ruas, praias e por todo o lado brincam com aquilo que que têm, que fazem e, o mais importante, dão o verdadeiro valor aquilo que têm. Quando chove é um extravasar de alegria que contagia tudo e todos. Isto sim, é um sentido de liberdade, liberdade esta que contagia tudo e todos, liberdade esta que, por vezes, me faz refletir sobre o que realmente é a liberdade...


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CRISTIANO PIRES

“Sveiki!” (É assim que dizemos “Olá” em Letão):

Escrevo-vos a partir de Riga, capital da Letónia. Estou aqui há precisamente um ano e meio e quero aproveitar esta oportunidade para vos falar sobre a minha experiência neste país. A Letónia é um país pequeno do Báltico situado entre a Estónia, Lituânia, Bielorrússia e Rússia. A língua oficial é o Letão e o país tem 2 milhões de habitantes aproximadamente. A população divide-se essencialmente entre Russos e Letões. Tendo dado a conhecer um pouco melhor o país onde habito, passo diretamente ao tema sobre o qual nos debruçamos este mês na revista “ID’-Identidade”, a “Igualdade”. Na Letónia tudo se estranha, por isso facilmente acabei por concluir que a “Igualdade” acaba por ser um fenómeno social de fraca representatividade. A Mulher, ainda socialmente associada à lide doméstica, tem a seu cargo manter-se sempre bela (deve, por norma, ir ao cabeleireiro duas vezes por semana, andar sempre bem vestida, etc... Não é por acaso que acredito que as Letãs são das mulheres mais bonitas do Mundo), enquanto o Homem deverá corresponder a um perfil de virilidade e força e (supostamente) cuidar financeiramente da sua família. Para pessoas de outros países, curiosamente, os Letões são bons anfitriões e quase toda a gente fala Inglês, apesar de não gostarem da ideia de “misturar raças” e tão pouco gostarem que numerosos grupos de outras nações se mudem para lá. Receiam sempre que a sua raça, tradições e cultura se misturem com as das outras nações. Os Russos, por outro lado, são racistas, xenófobos e discriminam facilmente, fenómeno que acabo por estranhar visto que, geograficamente e culturalmente falando eles também são estrangeiros e segundo a própria lógica xenófoba que defendem “eles não pertencem aqui”… De facto, encontro muitas incoerências nesta lógica de discriminação que defendem!

As desigualdades na Letónia também se fazem sentir em relação à Comunidade LGBT, estando muito presente a discriminação e a vergonha associadas a estes fenómenos. De facto, é muito comum verificar-se que discotecas LGBT ou outros locais “Gay-friendly” são frequentados por vários “pais de família”, que acabam por viver uma vida dupla, quando anoitece. De forma geral o povo Letão evita falar na temática, com base na assunção de que se não se falar sobre a mesma, ela deixa de existir; ignora-se, tão simplesmente! Numa das primeiras Marcha do Orgulho Gay – Gay Pride, um grupo de pessoas houve que organizou uma manifestação “Anti-Pride” no mesmo dia da Marcha, chegando mesmo a atirar sacos com dejetos humanos para os participantes da parada. Um horror, definitivamente! Apesar de vos dar conta de que a Letónia não é um país tolerante no que às temáticas LGBT concerne, confesso-vos que já me foram dirigidos mais comentários maldosos em Portugal do que na Letónia… Acredito que isto acontece porque aqui, para todos os efeitos, as pessoas não se intrometem na vida pessoal alheia, a menos que seja em comunidade. Resta-me contudo referir que na esfera profissional tudo se processa de forma diferente… Com o passar do tempo, os letões vão-se abrindo e expondo os seus sentimentos, o que eventualmente leva à criação de relações de amizade fiéis para a vida, sendo então nessa situação que se abrem as portas para a aceitação de qualquer diferença e aí sim, sente-se a maturidade profissional que permite a Igualdade, não só a nível pessoal como também a nível laboral (igualdade na distribuição das tarefas de trabalho). Descreveria a Letónia como sendo, em suma, um lindo país, com gente bonita, edifícios magníficos, uma cultura bem interessante e muito tradicional, com um gosto bem agridoce. A Letónia remete-nos para um mundo cheio de vida dentro de nós.

Atta! (É assim que dizemos “Até à próxima”, em Letão!)

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FRASES COM’TEXTO

Só com Portugal, as coisas não estão bem. Têm surgido incompreensões ao nível da cúpula e o clima político atual, reinante nessa relação, não aconselha à construção da parceria estratégica antes anunciada

Não me vou embora, vou ser Vereador da Câmara Municipal do Porto MANUEL PIZARRO, CANDIDATO PELO PS À CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

Queria agradecer-vos, por terem esperado tanto tempo. Eu queria ouvir a declaração do Sr. Dr. Manuel Pizarro, a quem queria agradecer aqui pela sua declaração RUI MOREIRA, PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

Falta agora ao Estado fazer a sua parte: descentralizar o que deve ser descentralizado. ANTÓNIO COSTA, PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA

Uma criança oriunda de uma família disfuncional procura proximidade com outros e pode perder-se, fazendo com que a outra pessoa também se envolva JOZEF MICHALIK, ARCEBISPO DA POLÓNIA

Não existe mãe solteira, existe mãe PAPA FRANCISCO I

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FRASES COM’TEXTO

JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS, CHEFE DE ESTADO DE ANGOLA


A derrota é minha, exclusivamente minha. Não é do meu partido, nem do primeiro-ministro, nem do Governo, nem dos meus apoiantes LUÍS FILIPE MENEZES, CANDIDATO PELO PSD À CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO

O PSD (…) registou um dos seus piores resultados, ao nível daqueles no final dos anos 80 e início dos anos 90 PEDRO PASSOS COELHO, PRIMEIRO-MINISTO E LÍDER DO PSD

A pior coisa que nos poderia acontecer era um segundo resgate

RICARDO SALGADO, PRESIDENTE DO BES

É este nada, zero, inútil, traidor, autocentrado, calculista, contraditório, que é formalmente, Presidente da República ISABEL MOREIRA, DEPUTADA DO PS

Este Governo não tem rei nem roque, nem sabe o que quer, nem sabe para onde vai MÁRIO SOARES, EX PRESIDENTE DA REPÚBLICA

A manchete do jornal [Correio da Manhã] é totalmente falsa. Se há queixa, é minha contra a Bárbara que foi apresentada no DIAP [Departamento de Investigação e Acção Penal], após o momento em que, para minha surpresa, me vi impedido de entrar em minha casa e ver os meus filhos A manchete do jornal [Correio da Manhã] é totalmente falsa. Se há queixa, é minha contra a Bárbara que foi apresentada no DIAP [Departamento de Investigação e Acção Penal], após o momento em que, para minha surpresa, me vi impedido de entrar em minha casa e ver os meus filhos MANUEL MARIA CARRILHO, EX MINISTRO DA CULTURA

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DESCØNSTRUIR

Estamos no século XXI, no ano 2013. Defendemos, de forma ativa, os direitos de todos os cidadãos, incluindo, nesse “pack” de direitos, a Igualdade de Género. Sabemos que os melhores exemplos devem “vir de cima” e que os políticos, enquanto representantes da população, deveriam assumir responsabilidade suprema nestes processos de instauração de igualdade de género plena… Vejamos as Eleições Autárquicas de 2013… Após o escrutínio eleitoral, das 308 Câmaras Municipais portuguesas, apenas 23 passam a ser presididas por Mulheres (12 pelo PS, 6 pela CDU, 2 pelo PSD, 1 em coligação PSD-CDS/PP e 1 Independente), correspondendo a 7,46%. Urge perguntar… onde está a Lei da Paridade, aprovada há 7 anos, que prevê uma representação mínima de 33,3% por sexo?

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ARPAS

BARÃO DE LA PALISSE

“Oz armes, citóiseins!Oz armes!!”, gritava a rotunda criatura, sentada no leito e esbracejando, tentando, com as papudas mãos, esmurrar os moinhos que, hipoteticamente, cirandavam à sua volta! “Oz armes, citóiseins! Oz armes!”, gesticulava, furibundo, agredindo o ar. Esta luta inglória contra os fantasmas foi, subitamente, interrompida por uma voz feminina, calma mas enérgica, que o corrigiu, num tom cansado e monocórdico… “Aux armes, citoyens! Aux armes”, fazendo-o interromper a luta insana. Parou, dolente, ainda com os braços gorduchos em riste, refletiu por segundos, atónito e replicou… “Foi isso que eu disse…Oz armes, citóiseins! Oz armes!” “Esquece”, ouviu, de forma enérgica, em resposta.”Esquece!”, repetiu a voz, de forma automática, uma vez mais, evidenciando o cansaço de décadas. “Nunca tiveste jeito para línguas!”, rematou a mulher, com um sorriso desmaiado. “Línguas? Eu?”, trovejou, em resposta, a rubicunda criatura, aumentando o tom de voz, já quase estridente. “Eu parlo franciú na perfeiçon! Eu parlo angliú, aussi!”, replicou, de novo com o dedinho papudo em riste! “Je parle, Marius! Je parle!”, ouviu, em resposta. “ Français, Marius, Français! Et on dit anglais et non angliu!”, corrigiu a mulher, cada vez mais impaciente, tornando mais evidente o seu ascendente sobre o homem que continuava sentado no leito. “Não! Nunca tiveste jeito para línguas!”, rematou, à guisa de conclusão! “Línguas?!”, estacou a gorducha criatura, parecendo tentar organizar o raciocínio.”Língua… sim!”, acabou por concordar.”Gosto de língua de vaca, estufada, com ervilhas. Mas não ponhas cenoura, que me cai mal. A cenoura faz-me azia…Não ponhas cenoura!”, ordenou, de modo autoritário. “Não é dessa língua que estou a falar, Marius!”, interrompeu a mulher, novamente, acompanhando a impaciência com um gesto automático, mas elegante, tentando organizar a farta cabeleira branca. “Esquece, Marius!”, já sem paciência.”Levanta-te e vai-te vestir. Já é tarde!”, completou. “Horas?!”, gritou a rubicunda criatura. “Horas?! Que horas são?”, interrogou, olhando para o relógio.

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“É tarde!”, concluiu. “É tarde!”. “É tão tarde!”, gritou, levantando-se do leito, novamente furioso. “É tão tarde! A culpa é tua!”, acusou, gesticulando furibundo. “Chama o meu Chefe da Casa Civil!”, comandou.“Chama o meu Chefe da Casa Militar! Chama o meu Chefe de Gabinete!” “É tarde! É tarde!”, gritava, gesticulando pelo quarto, de novo furibundo, quase febril, tentando que as pernas roliças conseguissem acompanhar a fúria. Se o cenário não fosse grotesco, lembraria o Coelho Branco, da “Alice no País das Maravilhas”, de Charles Dodgson. “É tarde! É tarde!”, bramava, não se apercebendo que a velocidade dos movimentos cedia, impreterivelmente, ao poder impositivo das artroses e a gestualidade estava condicionada pela pré senilidade. “Chama…”ia ordenar, de novo, quando foi, uma vez mais, interrompido pela voz, não a da Casa dos Segredos, mas a da mulher, sua eterna companheira e protectora… “Marius!...Tu já não tens Chefe da Casa Civil, Marius! Tu já não tens Chefe da Casa Militar, Marius! Tu já não tens Chefe de Gabinete, Marius! Acorda, homem!”, ordenou, ainda que com uma leve tonalidade de súplica na voz. “Já não tenho?” interrogou-se a velha personagem. “Quem os roubou? Fugiram?! Cobardes!!! A culpa é do Ianus! Maldito!”, gesticulou de novo, furibundo. “Foi o Cabacus? Foi? Diz-me!” interrogou alucinado! “Maldito! Vou ter que nomear novos! Nenhum fascista desses me pára!” “Não Marius. Acalma-te! Ninguém te roubou nada…Tu já não és Presidente, Marius…Perdeste o direito a ter staff” acrescentou, diminuindo o tom, na expectativa da reacção. “Já não sou Presidente?” clamou, de novo, em tom de alvoroço. “Já não sou, como ??? Como não sou? Foi um Golpe de Estado? Foram os Americanos? Foram os Russos? Porque é que eu não fui informado? Fui demitido? Eu??????...A mim ninguém me demite! Ninguém me demite, estás a ouvir?”, gritou, já completamente descontrolado. “Ninguém me demite! Eu sou Marius Solaris! Eu sou o Pai da De-


mocracia desta porcaria de País!”, vociferou, enraivecido, esbracejando, totalmente descontrolado, com as bochechas vermelhas de raiva, os olhos coléricos, congestionados, quase babando… “Eu sou o Presidente! Eu sou, sempre, o Presidente!” rematou, hirto de cólera. “Calma, Marius, calma” pediu a mulher, abraçando-o, parecendo crescer em estatura, envolvendo-o e cobrindo-o, com maternal sentido de proteção, uma vez mais, como sempre fizera, ao longo de toda a vida em conjunto. “Tu já não és Presidente…Calma. Não foi nenhum Golpe de Estado. Não foi nenhuma Revolução. Foi o tempo. Tu já não tens 50 anos, Marius. Tu tens 80 anos... O tempo passa…Calma. Bebe este copo de sumo. Vais ver que ficas mais calmo.”, aconselhou, estendendo-lhe um copo de sumo, alaranjado. “Não. Não quero.”, choramingou a criatura, alquebrada pelo peso da realidade. “Já não sou Presidente…”, soluçou, enquanto bebericava o sumo de laranja, no qual estava diluído o tranquilizante. “Já não sou Presidente…” dizia, em solilóquio, com a voz a ficar progressivamente mais tranquila. “Já não sou Presidente!”, concluiu. “Então o que é que eu sou?”, replicou, tentando recuperar alguma firmeza na voz e algum controlo, perante a situação, que considerava nova. “És Presidente da Fundação Marius Solaris. Foi a forma que arranjámos, com o Sampaius, o teu substituto, de ficares com um Gabinete e um espaço teu”! “Afinal, eu sou Presidente!”, replicou a criatura, recuperando alguma atitude no tronco. “Ótimo!”, acrescentou, reconquistando alguma energia. “Sou Presidente!”, repetiu, triunfante, para si próprio. “Vou convocar uma conferência de imprensa!”, concluiu. “Quem não é ouvisto, não é visto!” rematou, majestático, endireitando o tronco, parecendo renascer. “Ouvido, Marius, ouvido”, corrigiu a mulher. “Ouvido?”, bradou, novamente irritado. “Não há nada de mal com o meu ouvido! Já te disse! Não uso o maldito aparelho da Sonotonis!”, esbracejou, uma vez mais. “Eu sei que foi patro-

cínio da campanha, mas não uso. Estás a ouvir? Não uso. Não estou surdo!” “Não é isso, Marius. Diz-se ouvido e não ouvisto. Quem não é ouvido, não é visto…” “Foi isso que eu disse!” gritou, mais impaciente! “Vou convocar uma conferência de imprensa!” “Oh homem”, interrompeu a mulher, “O que vais fazer? Já ameaçaste que o povo se ia revoltar…não resultou! Já inventaste a ameaça de um atentado…não resultou! O que vais inventar agora?” “Vou dizer que são assassinos!” gritou, gesticulando alucinadamente. “Vou dizer que são violadores! Vou dizer que são pedófilos!” concluiu a personagem, sorrindo maldosamente, rematou, triunfante e sem limites na maldade. “Não, Marius. Não! Isso não!”, ameaçou a mulher. “Isso não!” “Vou dizer que são assassinos!” “Não Marius. Isso não podes dizer!”, replicou a voz feminina impondo, calma mas energicamente, o seu poder. A obesa criatura, pálida cópia do passado remoto, enquanto andava de um lado para o outro no quarto, argumentava…”Vou dizer…vou dizer…” “Já sei!”, gritou, estacando e batendo histericamente com a mãozinha papuda na coxa flácida. “Já sei!”, repetiu, triunfante. “Vou dizer que são delinquentes! É isso! Delinquentes! Isso mesmo! Delinquentes!”, concluiu, eufórico, exibindo um sorriso perverso. De repente parou, sentindo-se, subitamente, cansado. Resultado da medicação, alquebrado, deixou-se cair pesadamente no sofá, espojado, fazendo, com a posição, que as pernas roliças sobressaíssem, abertas, abandonadas em suspensão, escapando da camisa de noite amarelada de gasta pelo tempo, com os pezinhos brancos, também rotundos, suspensos no ar, num balançar automático e febril, espreitando o dedo grande do pé esquerdo, pelo buraco na meia… “Delinquentes…”, sussurrou, enquanto adormecia, apagado no sofá, surrados pelo tempo, ambos, mas ostentando, ainda e sempre, um sorriso de maldade no rosto envelhecido e gasto.

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