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Luciana Gomes Ferreira

As Mídias, as Representações e a Realidade

Por Luciana Gomes Ferreira

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Os meios de comunicação são “instituições” que não podem ser ignoradas quando se trata de construções sociais. E, ao falarmos em construir a realidade, o jornalismo e, mais recente, as redes sociais têm papel importante nesse processo, pois desempenham a função de tornar público temas sobre os quais os atores sociais deliberam, decidindo questões políticas, econômicas, sociais etc.

Sabe-se que parte dessa realidade mediada e articulada pelas mídias é publicizada e interpretada pelo público num processo contínuo de enquadramentos (framing) do mundo, que se torna mais abrangente e distante à medida que se afasta das interações face a face, como é o caso das transmissões broadcast (Macquail, 2003) e das redes sociais.

Por isso, resgatamos, nas teorias da comunicação, as hipóteses do framing, que descortinam e elucidam a relação entre a informação, o público e as mídias, numa articulação importante entre as instâncias de emissão e recepção de informações. Esses processos, juntos, interferem na construção social da realidade, que se mostra distópica neste início de século XXI.

Segundo Serge Moscovici (2007), psicólogo social precursor da Teoria da Representação Social, as informações que circulam nos meios de comunicação entram para o mundo comum e cotidiano em que as pessoas habitam e discutem com amigos, colegas e familiares, conectadas em redes e retornando ao campo da comunicação num interminável sistema de representações sustentadas pelos próprios meios.

Certamente que as representações adquiridas por uma pessoa não se definem apenas pelos conteúdos das informações “selecionadas” pelo campo do Jornalismo, ou mesmo das redes sociais. A teoria defende que a base das representações sociais também é constituída por dois subsistemas cognitivos presentes nos indivíduos, denominados de sistema “central” e “periférico”. Esses subsistemas têm papel importante na reverberação, ou não, do que os meios de comunicação informam. Isso porque as relações que os sujeitos vão ter, ao longo da vida, com outras instituições e pessoas compõem a sua representação “final”.

Vamos destacar, neste artigo, a apropriação que o público faz das mensagens veiculadas pelas mídias, seja através dos enquadramentos jornalísticos ou das redes sociais, e centramos a análise a partir do ponto de vista da Teoria das Representações Sociais, que, segundo Moscovici (2007), é uma preparação para ação do sujeito no mundo, não somente à medida que guia o comportamento, mas, sobretudo, porque remodela e reconstitui os elementos do meio onde esse comportamento deve acontecer.

É através da representação social que se consegue dar sentido aos enquadramentos informativos, por exemplo, e integrá-los numa rede de relações ligada a seu objeto. Para entender melhor, são pontos de balizamento: fornecem uma perspectiva a partir da qual um indivíduo ou grupo observa e interpreta os acontecimentos, as situações, os enquadramentos das mídias e fornecem pontos de referência para uma pessoa se comunicar com outra, permitindo-lhe situar-se e situar seu mundo.

As mídias influenciam as representações sociais?

As mídias se tornaram imprescindíveis para a apropriação das representações sociais na contemporaneidade e, mesmo que façam suas próprias regras e práticas, dependem da sociedade para existir (MACQUAIL, 2003). Por essa relação de interdependência e importância na construção das sociedades, muitas têm sido as investigações sobre as informações produzidas e disseminadas nas diversas mídias. Os pesquisadores em comunicação já se debruçaram, por exemplo, sobre os temas “efeitos de media”, “agendamento” e “enquadramento” de forma bastante minuciosa e identificaram como essas comunicações afetam o público (SCHEUFELE, 1999). O intuito era saber como os públicos apreendem essas informações e a influência que elas deixam para as representações sociais.

Muitas dessas pesquisas tratam de como as informações são disponibilizadas pelas mídias através de diversos mecanismos de filtragem, e um deles muito usado no jornalismo é o enquadramento da notícia (“pesquisas de media framing”). Os enquadramentos são fragmentados e geralmente mostrados por tópicos e temas. O resultado é que se espera um acúmulo de informação por parte do público na forma de recortes, e que estes sejam empregados na tomada de decisões. Assim, algumas definições de framing enfatizam caminhos pelos quais esses “quadros” organizam matérias, informações e discursos, geralmente através de padrões de seleção, ênfase, interpretação e exclusão. Seguindo este parâmetro, Scheufele e Tewksbury (2007) afirmam que um efeito de framing ocorre quando o público presta substancial atenção a determinadas notícias, em detrimento de outras. É o caso, por exemplo, das polêmicas das vacinas no Brasil de 2020, criada artificialmente pelo governo Bolsonaro. Esse tema inunda, em determinado momento, as mídias e redes sociais, em detrimento de qualquer outra informação, seja ela importante ou não.

Já Entmann (1993) define framing como um processo de seleção de alguns elementos da realidade percebida, em seguida reunidos para se criar uma narrativa que destaca certas conexões entre esses elementos, de forma a promover uma interpretação particular. O framing molda e transforma as interpretações e preferências do público introduzindo ou incrementando a relevância ou a aparente importância de certas ideias já presentes no público (GOFFMAN, 1974). No caso das vacinas, por sua relevância histórica para as questões sanitárias de um país, esse tema já tem, no público, valores e ideias conjugadas e desencadeia a representação social baseada nos enquadramentos atuais a partir das informações disponíveis ao público. Mas, mesmo que a ideia de enquadramento seja atrativa, não é tão fácil de se entender como atua enquanto processo de efeito.

As formas como os jornalistas enquadram uma notícia e como o público as enquadram podem não coincidir, isso porque existem quatro processos de framing inter-relacionados que envolvem os atores. Um diz respeito à construção e ao uso dos enquadramentos midiáticos por quem trabalha nas organizações jornalísticas e que lidam constantemente com fontes, valores-notícias e ângulos noticiosos no reportar dos acontecimentos.

Num segundo processo, existe a transmissão de informações apresentadas para o público por meio de “quadros”, que comunicam superficialmente, por exemplo, o que seja vacina. Em terceiro, existe a aceitação de certos enquadramentos por parte do público, oriundos de redes sociais, com consequências para suas atitudes, seus pontos de vista e seu comportamento; a exemplo da negação da eficácia da vacina e seu suposto poder contaminante. O quarto processo se dá onde as percepções das mídias e as respostas do público podem reforçar as tendências, positivas ou negativas, e levar à transmissão repetitiva do mesmo tipo de conteúdo (MCQUAIL, 2003).

Ora, mas o que determina a preferência do público por um enquadramento em detrimento de outro? O típico estudo de efeitos de framing é um experimento que emprega um desenho em que os indivíduos são escolhidos aleatoriamente para receber uma de duas ou mais alternativas de representação de um problema. Vejamos a pesquisa de James Druckman (2001), da Universidade de Minnesota, que estudou pessoas expostas a dois enquadramentos noticiosos sobre a Ku Klux Klan. Um enquadramento era para tratar da aceitação dos pesquisados (estudantes universitários) de que a Ku Klux Klan realizasse comícios em praça pública, a partir da premissa de que eles têm o direito ao livre discurso, e o outro enquadramento abordava se tal ato não afetaria a segurança pública. A questão central tratada na pesquisa foi entender se, para os inquiridos, a aceitação de que o grupo realize comício em praça pública é uma questão de liberdade de expressão ou uma ameaça à segurança pública, e a comparação relevante se há diferença de opinião dos indivíduos nas duas questões (DRUCKMAN, 2001).

Como resultado, ficou claro que o público foi “manipulado” a ser favorável ao que o pesquisador chamou de framing da elite, pois os pesquisados “aceitaram” os enquadramentos dados pela opinião expressa pelas elites acerca do tema. Uma segunda constatação da pesquisa demonstrou que os efeitos dos quadros midiáticos, por seu turno, são limitados, pois, segundo Druckman (2001), os resultados indicaram que os pesquisados primeiro “delegaram credibilidade” à elite para que esta pudesse guiá-los na escolha da tomada de decisão sobre as questões postas no caso da Ku Klux Kan.

Então, se o tema vacina pode ser representado através dos meios de comunicação em vários enquadramentos, sendo um deles o movimento antivacina, é necessário um trabalho mais elaborado para desenvolver a credibilidade das vacinas e, assim, poder estabelecer uma representação positiva para a questão. O fato é que os seres humanos se relacionam dupla¬mente com o mundo: pela experiência dire¬ta dos acontecimentos, ou seja, pela observação da realidade, e, simultaneamente, pela sua representação (SOARES, 2007).

O interessante é que nem sempre os modelos de representações impostos pelas mídias são as mesmas representações do público. Stuart Hall (2006) descreve três possibilidades de recepção que se alinham ao conjunto de atitudes e crenças dos indivíduos sobre assuntos veiculados pelas mídias: resistir, aceitar ou negociar conteúdos e significados. Assim, ao partilhar o mundo com os outros, as representações servem de apoio para a sua compreensão, administração ou enfrentamento.

Luciana Gomes Ferreira é Doutora em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Artes e Letras da Universidade da Beira Interior (Portugal).

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