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Editorial
Por Heitor Rocha
As tenebrosas transações, que foram reveladas recentemente ao país nos casos de corrupção nas negociações das vacinas indiana e chinesa, não podem deixar de ser consideradas uma consequência lógica da estratégia da imunização de rebanho, com o incremento de centenas de milhares de mortes devido à sabotagem na aquisição de imunizantes desde agosto de 2020. Também não podem, obviamente, ser desvinculadas da decisão de abrir à iniciativa privada a possibilidade de comprar vacinas, sob a justificativa de um suposto espírito filantrópico de empresários que investiriam dinheiro na compra de imunizantes que seriam doados ao Ministério da Saúde, quando na verdade se estava escancarando as portas dos recursos públicos destinados ao combate à pandemia para a rapina de uma verdadeira quadrilha.
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Neste cenário, fica evidente que a retórica pretensamente ideológica de “negacionismo” do governo federal na sistemática sabotagem às recomendações científicas de prevenção à contaminação pelo Covid 19, com as medidas de distanciamento social, uso de máscara e vacinação, tinha o claro objetivo de encobrir a ambição de se apoderar corruptamente de dinheiro público que deveria ser aplicado na compra de imunizantes. Assim, o compromisso do presidente Bolsonaro sempre foi restrito ao âmbito dos negócios particulares/ privados de mercado e não aos princípios constitucionais republicanos a que deveria estar restrito o exercício de sua representação política, especialmente numa época de pandemia.
Neste momento em que o país se vê diante do imenso mar de lama em que se chafurda, de forma generalizada e sistemática, o governo federal, fazendo “passar a boiada” das negociatas para contrariar o interesse público e o bem comum, consideramos importante, para vislumbrar uma alternativa melhor para o Brasil, a Revista Jornalismo e Cidadania comemorar o centenário de Paulo Freire com a publicação de dois artigos. Um de Luiz Costa Lima, que relata a sua convivência com Paulo Freire, chamando atenção para a dimensão maior da importância de sua obra, além da sua proposta educativa conscientizadora e do método de alfabetização, que pode ser vislumbrada pelo tamanho da ira que o educador pernambucano suscita nos conservadores e reacionários que pretendem perpetuar as desigualdades sociais; e o segundo de Alfredo Vizeu, que destaca a relevante contribuição de Paulo Freire para enriquecimento da compreensão de mundo dos jornalistas e de aperfeiçoamento do rigor do método de investigação jornalístico na construção da notícia.
Portanto, a Revista Jornalismo e Cidadania homenageia com estes artigos o significado de Paulo Freire para o mundo e especialmente para o Brasil. Ao lado de brasileiros ilustres como Darcy Ribeiro, Anízio Teixeira, Celso Furtado e outros, Paulo Freire contribuiu com o memorável esforço de desenvolvimento em moldes nacionalistas ensejado pelas reformas de base (verdadeiramente reformas e não as restaurações conservadoras que vêm sendo defendidas atualmente) do governo João Goulart. Esforço desenvolvimentista este que foi interrompido pelo Golpe de 64, cuja conspiração instaurou por 21 anos um regime entreguista em relação aos interesses das multinacionais e concentrador da riqueza em benefício das elites nacionais. Toda essa conspiração que foi repetida no Golpe de 2016, por uma tropa de canalhas que também seguiu o ideário dos economistas liberais para favorecer a concentração do capital, entregar à iniciativa privada os setores mais lucrativos das empresas estatais - continuando a privataria de Fernando Henrique Cardoso - pois tanto o dandi aristocrático do PSDB quanto o brutamontes miliciano, apesar da diferença na etiqueta assumida, são empregados leais do bezerro de ouro do mercado -, e precarizar a qualidade de vida da população brasileira, através de medidas como o arrocho salarial, o esvaziamento da previdência social, desmanche da legislação trabalhista, entre outras perversidades perpetradas contra a sociedade. É preciso frisar que, ao contrário do que diz a cantilena liberal tentando demonizar o funcionalismo púbico, a denúncia da corrupção da quadrilha para compra superfacturada de vacinas só poderia ter sido feita por um funcionário público de carreira, servidor concursado do Ministério da Saúde, e não por um funcionário comissionado por indicação política.
Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de PósGraduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.