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Palavras

Por Abdias Vilar de Carvalho

Todos os linguistas dão importância à palavra e ao discurso. Cito a linguista brasileira e professora da UNICAMP, Eni Orlandi, autora de vários livros sob títulos diversos, entre eles Análise de Discurso. Logo no início desse livro, encontro: “Na análise de discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e de sua história” (ORLANDI, p.13). Distingo aí as palavras trabalho social e história. Além de envolver o contexto social e histórico, nela também vejo o conceito de formação econômico – social, que qualifica cada sociedade real.

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Creio que se observamos a mídia televisionada e escrita dos principais jornais nacionais e estrangeiros em relação à desigualdade social revelada, para alguns brasileiros, pela Covid-19, veremos uma série de palavras que denotam uma circunstância social.

Para fins didáticos, dividirei esse pequeno artigo em dois grandes blocos. O primeiro diz respeito à desigualdade social tratada pela Covid, e no segundo grande bloco falo do comportamento social do presidente da República.

No que tange à desigualdade social, aparecem referências à baixa sociedade brasileira sob as consequências da pandemia. São palavras que justificam uma circunstância social e não apenas temporária. Nelas surgem Famílias, Invisíveis e Negros. As famílias receberam, graças aos deputados e senadores, 600,00 reais no ano passado e neste ano, cuja quantia não dá para adquirir a alimentação necessária, desde que só o gás de cozinha, do qual depende a grande maioria, custa quase R$90,00. Mas os discursos pronunciados tratam da moradia – favelas, palafitas, pau a pique – na qual falta a mínima condição higiênica: água potável. E dada a grande densidade populacional, morando tudo juntos - pais, filhos, avós ou outro parente - tais moradias são consideradas precárias. A questão aqui é permanente não apenas resultado da Covid, mas essa agrava ainda mais o quadro social. Basta olharmos os vídeos e demais imagens que os nossos olhos se enchem dessa cruel realidade nacional. Invisível ou invisíveis só o ministro Paulo Guedes e o presidente da República não os viram. Estão eles aí nos sinais de trânsito, perambulando pelas ruas e praias das cidades brasileiras. Formam o grande contingente populacional que inclui os desempregados, se não forem eles mesmos a sofrer esse grande sacrifício.

Negros que aqui estão focalizados em dupla referência, isto é, atingidos pela Covid e por uma condição estrutural. Segundo o IBGE, no Censo de 2010, já que o de 2020 não foi realizado, veremos que sob a rubrica de negros temos 14.051.642 milhões, pardos são 82.277.333 milhões. Juntando os dois, somam um total de 96.828.975 indivíduos. Graças à ação diversa do Movimento Negro muitos pardos, que estão na categoria de pardos, se consideram agora negros. Nesse total, há mais mulheres negras e pardas do que homens. Sabemos por depoimentos que há mães que foram abandonadas pelos maridos e mães solteiras. Essa é a triste realidade do país. O aspecto estrutural é determinado por além da Covid-19. Os negros são discriminados pela instituição policial, que faz parte da estrutura estatal de cada Estado da federação. De acordo com o site, conectas.org/causas/violência-institucional, homens negros são maioria nos presídios, mas também alvo preferencial das ações abusivas das polícias”. No que diz respeito ao aspecto estrutural, que não tem nada a haver com a Covid, “O combate às drogas promove a ocupação violenta das favelas, impõe um quotidiano de guerra a milhares de famílias e cobra a vida de muitos jovens” e acrescento, como se viu no caso de jacarezinho, no qual a polícia assassinou mais de 28 pessoas. No bairro, existe uma população de mais de 37 mil famílias e é dominada pelas milícias. Fica esse bairro, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Esse luto e a dor das famílias não podem ser quantificáveis. Por que os jovens aderem às milícias? Eis a questão que está na cabeça de todo mundo. Porque há uma ausência completa do Estado, inexistem políticas públicas dirigidas aos jovens e às suas famílias, ou se quisermos, à população em geral.

No que concerne ao segundo grande bloco, as palavras que mais aparecem são Falta de uma orientação geral do Poder Executivo maior e Negativista. Em resumo, essas palavras se dirigem ao presidente Jair Messias Bolsonaro. Poder-se-ia desdobrar a palavra “falta” em muitos campos, mas, ela pode ser sintetizada na recusa do presidente à adoção de medidas restritivas temporárias das atividades econômicas, com sérios e evidentes riscos à vida humana, enquanto se nega o fechamento das fronteiras, ou faz tardia e seletivamente, decisão que é da competência exclusiva do poder central. Tanto os senadores da CPI da COVID-19, exceto o grupo de choque governista, quanto a maioria da po-

pulação brasileira, cobram do governo federal como um todo uma ação. O meio ambiente só faz se agravar ainda mais com a pandemia. O meio ambiente está para a Covid como o espírito está para o corpo. A outra palavra é negativista. Com isso se inclui a negação à vacina, especialmente àqueles insumos vindos da China. “Vachina“ disse o senhor presidente e ainda que ninguém, prestem atenção, ninguém tem “interesse”. As filas em busca da vacina é um desmentido cabal e constitui, na prática, uma desobediência civil. É por isso que as pesquisas mostram uma queda acentuada na avalição presidencial, chegando a menos de 23%. Sem dúvida alguma, temos um incontestável desrespeito aos direitos da pessoa humana, segundo o artigo 5, inciso 3º da Constituição Federal e a resolução nº 217 A III, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro 1948.

Sobre as mortes, que hoje já ultrapassam mais de 500 mil, Jair Bolsonaro disse: “e daí”? “Não sou coveiro”. Essa insensibilidade com os mortos não tem qualificação. Só mesmo saindo da boca de Bolsonaro.

Se o Ministério da Saúde, na gestão de Pazuello, não obedecesse às ordens do presidente e respondesse aos ofícios da Pfizer e do Butantã, teríamos começado a vacinar bem antes, no ano de 2020. Apenas para lembrar as palavras arrogantes: “não abro mão de minha autoridade”, mandando cancelar todos os contratos com o Butantã. E mais tarde em uma visita a Pazuello, que se recuperava da covid-19, esse ministro exprimiu sorrindo: “pessoal é simples assim, um manda e outro obedece”. Na CPI, o ex-ministro expressou que se tratava de um jargão da internet. Mentiu tanto que vai ser reconvocado. Pazuello e Bolsonaro se merecem.

Se o governo federal em lugar de espalhar mentiras contra o STF, que numa decisão revelou que a Constituição Federal prevê a ação coordenada das três esferas governamentais, ou seja, do poder Executivo central, dos governadores e dos prefeitos, e tivesse agido de forma coordenada, o governo federal não seria acusado de falta de ação e objeto da indignação dos brasileiros.

O próprio presidente não tomou publicamente a vacina. Presidentes e primeiros ministros vieram à público e tomaram, entre eles Joe Biden, Boris Johnson e Benjamin Netanyahu, além da rainha da Inglaterra, mostrados pela TV mundial.

Tudo isso mostra que Bolsonaro tratou a Covid como uma “gripezinha” necessitando de remédios.

A OMS divulgou, mundo afora, que a cloroquina não tem eficácia contra a Covid, os bolsonaristas a defendem. Muitos brasileiros a repudiam.

Estejamos atentos que Paulo Guedes e Bolsonaro divulgarão, em campanha nacional, em 2022, ano eleitoral, os recursos financeiros dados aos Estados e municípios para tratarem da Covid. E que no próximo ano aumentarão, em muito, a contribuição federal às famílias pobres. As famílias pobres, especialmente do Nordeste, têm contas a pagar e a alimentação que lhes falta hoje, virá no ano vindouro ou quem sabe até ainda nesse ano, a depender da 3ª onda, não de pessoas compadecidas com a miséria, que assola o nosso país, mas do governo federal.

Abdias Vilar de Carvalho é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAM).

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