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A importância de se fazer uma boa pesquisa documental
Por Alexandre Zarate Maciel | Coluna Prosa Real
Como todo trabalho jornalístico de qualidade, um livro-reportagem como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) precisa ter como um dos seus principais atributos uma pesquisa documental consistente. Muitas vezes essa etapa envolve dificuldades devido às condições de preservação de materiais de memória no Brasil. Mas, uma vez encontradas as fontes, mergulhar em documentos do passado, ao contrário do que pode parecer a princípio, costuma ser um trabalho prazeroso e que trará descobertas surpreendentes para a narrativa da biografia ou do relato jornalístico-histórico. Se o estudante formando está elaborando uma biografia, os documentos cruciais podem estar no baú ou nos arquivos dos seus entrevistados: certidões de nascimento, boletins escolares, recortes de jornais, preciosos diários, cartas, fotografias. Quando estava preparando a biografia de Paulo Coelho, intitulada “O Mago”, o jornalista e escritor Fernando Morais se deparou com uma situação curiosa envolvendo documentos íntimos. Já estava em estágio avançado das entrevistas, tinha uma linha condutora narrativa já traçada para a obra quando certo dia encontrou, ao ler o testamento do escritor de “O Alquimista”, uma recomendação de que os seus diários dos 15 aos 30 anos fossem destruídos após a sua morte. Fernando Morais pediu acesso aos diários ao seu biografado e Paulo Coelho disse que só os liberaria se o biógrafo descobrisse quem foi que o torturou durante o governo militar. Experiente pesquisador do período, Fernando Morais logo descobriu o nome do torturador e teve acesso a um manancial riquíssimo de revelações sobre o biografado em incontáveis páginas. Teve então que parar todo o trabalho e retomar as entrevistas com novo viés. Essa história demonstra bem como o esmiuçar de documentos por vezes secretos pode ser um caminho de verdadeiros furos de reportagem em uma biografia, mesmo para TCC. Além dos documentos pessoais, jornais do passado auxiliam muito na hora de reconstituir panos de fundo históricos, descortinando para o leitor o que estava ocorrendo em termos sociais, políticos e culturais no período em que o biografado viveu. Ou mesmo quando o livro-reportagem tem como tema central uma reconstituição jornalística-histórica, uma obra sobre a história de uma cidade do interior, por exemplo.
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Descoberta de personagens e entrevistas em profundidade
Um livro-reportagem de qualidade traz um número considerável de entrevistados. E a conversa com cada um deles precisa ser conduzida com calma, longamente, muitas vezes com mais de um encontro. Em primeiro lugar é preciso traçar uma lista inicial de entrevistados que vai nascer da leitura das fontes documentais, como jornais de época e obras que já trataram do tema que você está abordando no livro-reportagem. Ao marcar a entrevista com qualquer fonte, um bom método é solicitar que ela procure previamente nos seus arquivos todo e qualquer documento que vai ajudar a iluminar os relatos. Assim o próprio entrevistado, ao selecionar papéis do passado que tem a ver com o que vai contar na entrevista, já vai refrescar a sua memória antes da conversa com o jornalista-pesquisador. Outro bom método, claro, com distanciamento social em tempos de pandemia da Covid-19, é propor ao entrevistado um encontro em um local crucial do passado,
como uma escola que ele estudou, ou mesmo em um espaço público em que ocorreu um determinado fato histórico. Este também é um método poderoso para reavivar as memórias. Tudo o que o entrevistado disser deve ser ouvido com atenção, mas é tarefa do jornalista checar toda e qualquer informação oral que foi fornecida, pois a memória é traiçoeira, principalmente com datas. Não perca a oportunidade de perguntar a cada entrevistado quem são outras fontes cruciais que você não colocou na sua lista. Em caso de fatos polêmicos ou controversos, o que é muito comum ocorrer no processo de apuração para um livro-reportagem, vale a velha regra jornalística: voltar às fontes que discordam entre si, apoiar-se em documentos, e, no caso de um impasse insolúvel, deixar claro para o leitor que duas ou três versões do mesmo acontecimento subsistem na memória dos depoentes. Também é básico gravar as entrevistas, mas sempre se mantendo atento ao que a fonte fala e fazendo anotações pessoais a respeito de reações não-verbais, como expressões do rosto, exasperações, silêncios momentâneos. Dependendo do tema da entrevista, muitas vezes o entrevistado pode ser tomado de uma emoção incontrolável, respeite. Perguntas muito íntimas ou mais polêmicas devem ser guardadas para o final, já que o entrevistado pode se irritar e cortar a relação com o repórter. Absolutamente cada detalhe é muito revelador e os seus entrevistados são a base para a produção de um livro-reportagem como TCC.
Organização é determinante ao elaborar um livro-reportagem
No processo de elaboração de um livro-reportagem como TCC, ainda mais com os prazos mais curtos que o estudante conta em um curso de Jornalismo, organizar previamente todo o material coletado vai ajudar bastante na hora de partir para a escrita. O método desenvolvido e recomendado pelo jornalista e escritor Ruy Castro, biógrafo de Carmem Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é um dos mais interessantes neste sentido. Ele abre um arquivo do Word para cada ano de vida do seu biografado e tudo o que descobre ao longo do caminho em termos documentais e a partir de entrevistas orais o escritor vai jogando no período correspondente à vida do biografado. Por exemplo: ao encerrar uma entrevista com uma personalidade que conviveu longos anos com o seu biografado, esta pessoa com certeza terá tratado com detalhes sobre períodos de tempo diferentes. Transcreva imediatamente a entrevista e separe as falas do entrevistado em cada arquivo correspondente ao ano que ele se referiu. Assim, em determinado momento cada arquivo do Word específico vai estar bem recheado de informações documentais e orais sobre o tema central do livro-reportagem nos seus locais certos, sem confusão. No caso de um livro de reconstituição jornalístico-histórica, ou sobre um grupo social, uma comunidade, a divisão dos arquivos do Word pode ser, também, a partir da lógica que você estabeleceu previamente ao pensar no assunto de cada capítulo que vai compor a sua obra. Vai ser muito menos tortuoso começar a escrever um livro-reportagem depois da fase de pesquisa documental e entrevistas orais se o autor já for dividindo e organizando as suas descobertas em arquivos que seguem uma lógica específica.
Referências
LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: livro-reportagem como extensão do jornalismo. 4. Ed. São Paulo: Manole, 2009.
MACIEL, Alexandre Zarate. Narradores do contemporâneo: jornalistas escritores e o livro-reportagem no Brasil. Recife, 2018. Tese (Doutorado em Comunicação)-Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
VILAS BOAS, Sergio Luís. Biografismo: reflexões sobre a escrita da vida. São Paulo: Unesp, 2012.
Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz e doutor em Comunicação pela UFPE, Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, seus principais autores, títulos e a visão do leitor.