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A Internet e a Crise do jornalismo

Por Marya Edwarda Souza Lapenda

O desalento que acomete os calouros do curso de jornalismo, ou os que estão em vias de entrar no mercado de trabalho, é reflexo de um pensamento dominante de que, com o advento da internet e a força das redes sociais, o profissional de jornalismo não é mais tão necessário. Mas diversos autores vão na contramão desse raciocínio e partem em defesa do jornalismo profissional. O livro do sociólogo francês Dominique Wolton Informar não é Comunicar (2010) traz uma contribuição teórica valiosa para a defesa do jornalismo profissional e o seu papel na articulação comunicativa em um ambiente tumultuado de informações, como a internet. Portanto, em contraposição à ideia de que o jornalista perde a importância no ambiente virtual frente à autonomia e liberdade dos internautas, Wolton acredita que a responsabilidade do profissional de comunicação é ainda maior nesse novo cenário, diante da incomunicação vigente.

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Nesse ambiente em que as informações partem de todos os lados, sem os parâmetros éticos que as permitam funcionar como instrumentos da democracia, os intermediários das informações são essenciais. Esses intermediários, segundo Wolton, são os profissionais especializados, incluindo aqui os jornalistas, que atuam como comunicadores, mediadores do diálogo: “Refiro-me a profissões que exigem uma competência específica e a capacidade de organizar a convivência entre pontos de vista diferentes. Em suma, o sonho da democracia “direta”, uma sociedade “livre”, com o fim dos intermediários e a competência absoluta dos indivíduos, resvala rapidamente de uma ideia de emancipação para uma miragem favorável ao populismo” (Wolton, 2010, p. 64). Sendo assim, Wolton nos coloca diante do dilema da sociedade de redes que inclui a necessidade de ultrapassar a ideia de compartilhamento de informações desenfreadas e chegar a um estágio de negociação e coabitação, evidenciando o vínculo entre comunicação e democracia. Os jornalistas são profissionais essenciais nesse processo; cada vez mais necessários, portanto, numa sociedade cada vez mais conectada.

A realidade, contudo, aponta para uma tendência de desvalorização desses profissionais com o cenário de encolhimento das redações tradicionais. Entre as principais consequências desse processo, apontadas por Gandour (2020), estão: a redução da capacidade de checagem; a redução das horas para discussões, aprimoramento do método jornalístico, treinamento; ou a diminuição da produção de reportagens mais detalhadas e elaboradas. Com isso, o jornalismo perde em qualidade e em público. Porém, apesar dessa tendência, uma pesquisa do Pew Research Center de 2010 constatou que a maior parte do conteúdo que o público consome é colocada em circulação na internet pelas redações tradicionais. Isso deduz que o conteúdo construído por meio do método jornalístico tradicional ainda continua pautando a agenda pública comum e servindo de base para a reconstituição dos fatos.

Em tempos de fake news e desinformação em massa, torna-se, portanto, cada vez mais necessária a defesa do jornalismo, alicerçada num “método jornalístico, numa atitude jornalística e numa narrativa jornalística”, conforme aponta Gandour (2020). O autor acredita que os próprios profissionais devem se engajar nessa defesa, que passa pela formação acadêmica, entrelaçada a uma prática calcada nos códigos deontológicos formais. Assim, “é o método estruturado que dá corpo e trilho para que a atitude jornalística se transforme e resulte em algo de interesse público, e sobretudo palatável ao público. [...] penso que a comunidade jornalística tem subestimado o peso e o valor do saber fazer, o know how, o como fazer. [...] comparo com o mesmo comportamento observado em outras “tribos”, como os médicos ou os engenheiros, profissionais que celebram, cultivam e compartilham técnicas, ferramentas e aprendizados” (Gandour, 2020, p. 46).

A pandemia do novo coronavírus veio reforçar a importância do know how jornalístico que permitiu a continuação da divulgação dos dados sobre a contaminação da covid no Brasil. Através do consórcio formado pelos veículos G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL, foi possível burlar a falta de informação após o governo de Jair Bolsonaro limitar a divulgação dos dados pelo Ministério da Saúde em junho do ano passado. Além disso, conforme aponta matéria da Folha de S. Paulo, a audiência do telejornalismo brasileiro alavancou durante a pandemia. Devido não somente ao isolamento social, mas também à busca das pessoas por informações

exatas e qualificadas, fugindo da desinformação proliferada nos grupos de WhatsApp.

Pesquisa realizada pelo DataFolha entre 18 a 20 de março de 2020, por telefone, com 1.558 entrevistados, revela que o público ainda confia primordialmente nas informações divulgadas pelas emissoras de TV (61%) e nos jornais impressos (56%). Sites de notícias foram apontados como mais confiáveis por 38% do público, enquanto apenas 12% diz confiar nas informações que vêem pelo WhatsApp ou Facebook. O jornal O Globo atingiu o pico histórico de audiência, alcançando a marca de 235 milhões de acessos aos seus conteúdos noticiosos pela internet somente no mês de março (até o dia 28). Essa tendência vem de encontro à tendência de descredibilização da grande mídia por parte, também, do presidente da República. Só em 2020, segundo dados da Federação Nacional de Jornais (Fenaj), foram 428 casos de violência contra os jornalistas profissionais, incluindo 175 ataques proferidos pelo presidente. Desse número, 145 casos foram de descredibilização da imprensa.

O jornalismo já possui uma histórica de desprestígio e desvalorização, que soma mais de cento e cinquenta anos de luta pelo reconhecimento do estatuto profissional, conforme aponta Traquina (2005). O processo de profissionalização começou somente com a criação das associações, clubes e sindicatos de jornalistas, na segunda metade do século XIX. Outro fator foi o surgimento dos primeiros cursos universitários, que ajudou a elevar a atividade à categoria de profissão devido à preparação e ao conjunto de técnicas normatizadas e exigidas para o exercício. Os códigos deontológicos também contribuíram para a construção de toda uma constelação de mitos, valores, símbolos e representações que constituem a cultura profissional, o ethos jornalístico.

“O código deontológico não define apenas normas para os membros da comunidade, mas esboça também todo um ethos para os membros composto por conceitos básicos como o universalismo (todos os clientes são tratados sem discriminação), o distanciamento (nenhum interesse próprio influencia as ações do jornalista), um princípio de equidistância em relação aos diversos agentes sociais (designado como imparcialidade ou objetividade do profissional) e o ideal de serviço à comunidade” (Traquina, 2005, p. 120).

Apesar das críticas que podem ser feitas a esses aspectos da ideologia profissional, a sua constituição é importante para que haja parâmetros e regras na divulgação de informações, capazes de prezar pelo interesse público. A legitimidade jornalística é, portanto, o grande desafio para os profissionais da comunicação contemporânea. Muitas vezes, é questionada pelo público que não se sente representado pelo tipo de jornalismo que está sendo oferecido. Devemos lembrar que o jornalismo é um serviço público que, mesmo através das empresas privadas, deve atender aos interesses públicos, o que na prática nem sempre ocorre. Por outro lado, o processo de descredibilização da grande imprensa parte cada vez mais de grupos radicais que querem minar a busca pela verdade e pelo diálogo em prol de pós-verdades e realidades imaginárias.

Referências

Audiência de telejornalismo explode durante crise do novo coronavírus. Folha de S. Paulo, 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ ilustrada/2020/03/audiencia-de-telejornalismo-explode-durante-crise-do-novo-coronavirus.shtml>, Acesso em 20 de junho de 2021.

WOLTON, Dominique. Informar não é comunicar. Porto Alegre: Sulina, 2010.

GANDOUR, Ricardo. Jornalismo em retração, poder em expansão: a segunda morte da opinião pública. São Paulo: Sumus, 2020.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. 2. ed. Floranópolis: Insular, 2005.

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/03/audiencia-de-telejornalismo-explode-durante-crise-do-novo-coronavirus.shtml

https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/08/veiculos-de-comunicacao-formam-parceria-para-dar-transparencia-a-dados-de-covid-19.ghtml

https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/01/26/ano-de-2020-tem-recorde-de-ataques-a-liberdade-de-imprensa-desde-inicio-da-serie-na-decada-de-1990-diz-fenaj.ghtml

https://www.sindjorce.org.br/datafolha-jornalismo-e-a-fonte-mais-confiavel-sobre-a-covid-19/

Marya Edwarda Lapenda é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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