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Mas o que é mesmo pós-colonial?
Por Mônica de Lourdes Neves Santana
Existe um entendimento inicial encontrado nos dicionários que remete à ideia de pós como o que vem depois, que se segue ao posterior, que supera o colonial, relativo ao período que sucedeu o fim do regime colonial. Tudo bem, isso é verdade em termos cronológicos. O prefixo “pós” aponta para a permanência da problemática colonial em contextos que permitem tomá-la como referência (RIBEIRO, 2010). Desde já, adiantamos que não é nossa pretensão abarcar a totalidade dos seus significados, mas esboçar algumas ideias iniciais. Então vamos lá. Acontece que o pós-colonial que abordamos aqui é um discurso que, a princípio, realiza uma releitura da colonização com seus massacres, entre eles a violência imposta aos colonizados e à introjeção da visão de mundo do opressor como universal e natural, analisando as consequências. É no sentido de crítica ao colonialismo que manteremos nossa linha de diálogo. Ademais, não existe uma única teoria pós-colonial, pois ela é formada por uma série de estudos com contribuições em diversas áreas — a saber, ciências sociais, história, política, filosofia — com críticas às narrativas eurocêntricas. De fato, o termo revela-se como heterogêneo e de difícil delimitação (GUERRA, 2021). O pós-colonialismo se propõe a analisar como determinados lugares e pessoas são retratados como subalternos, em relação desigual e de fronteira aos que se acreditam superiores e desenvolvidos. Isso acontece em uma relação de poder entre Primeiro e Terceiro Mundo, conhecidos como Norte e Sul global (PEZZODIPANE, 2013). Na raiz desse pensamento, estão teóricos anticoloniais, como Frantz Fanon, Aimé Césaire, Albert Memmi, Édouard Glissant, Boaventura de Sousa Santos, Stuart Hall, Homi Bhabha, Gayatri Spivak, que, além da luta política e militar, trabalharam no discurso da diferença. Como justificaria o teórico e crítico literário Bhabha (2012), precisamos do pós-colonial para nos mostrar a experiência completa da descolonização. Para o autor:
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A crítica pós-colonial é testemunha das forças desiguais e irregulares de representação cultural envolvidas na competição pela autoridade política e social dentro da ordem do mundo moderno. As perspectivas pós-coloniais emergem do testemunho colonial dos países do Terceiro Mundo e dos discursos das ‘minorias dentro das divisões geopolíticas de Leste e Oeste, Norte-Sul’”. Elas intervêm naqueles discursos ideológicos da modernidade que tentam dar uma ‘normalidade’ hegemônica ao desenvolvimento irregular e às histórias diferenciadas de nações, raças, comunidades, povos. Elas formulam suas revisões críticas em torno de questões de diferença cultural, autoridade social e discriminação política a fim de revelar os momentos antagônicos e ambivalentes no interior das ‘racionalizações’ da modernidade. Para adaptar Jurgen Habermas ao nosso propósito, podemos também argumentar que o projeto pós-colonial, no nível teórico mais geral, procura explorar aquelas patologias sociais — ‘perda de sentido, condições de anomia’ — que já não simplesmente ‘se aglutinam à volta do antagonismo de classe, [mas sim] fragmentam-se em contingências históricas amplamente dispersas’ (BHABHA, 1998, p. 239).
Tendo vivenciado a experiência colonial e sua brutalidade, que impôs submissão, obediência, desumanização, opressão, perda de identidade, diáspora, Bhabha apresenta um discurso de quem sabe o que diz e o que passou. Sendo assim, tornou-se um dos porta-vozes da situação. Estudiosos como ele se dedicam a rever o contexto e as condições em que certos setores da humanidade se encontravam excluídos para a compreensão dos fatos políticos, étnicos, sociais e culturais em países colonizados pela Europa (BONNICI, 2005, p. 9). Em O local da cultura (1998), Bhabha problematiza sobre a construção e a desconstrução da identidade do outro e como ele é apresentado de forma degenerada. Digamos que o pós-colonialismo seja uma narrativa que faz oposição ao eurocentrismo, que se baseia na ideia de que os países da Europa Ocidental seriam culturalmente mais evoluídos e mais civilizados e que deveriam, dessa forma, administrar as periferias, justificando que as margens são inexperientes e precisariam de controle para o processo civilizatório, natu-
ralizando a dominação do homem. Acreditamos que, nesse momento, o discurso de Césaire cabe bem para descrever a colonização:
O que é, em princípio, a colonização? Reconhecer que ela não é evangelização, nem empreitada filantrópica, nem vontade de fazer retroceder as fronteiras da ignorância, da enfermidade, da tirania, nem a expansão de Deus, nem a extensão do direito; admitir, de uma vez por todas, sem titubear, por receio das consequências, que, na colonização, o gesto decisivo é o do aventureiro e o do pirata, o do mercador e o do armador, o do caçador de ouro e o do comerciante, o do apetite e o da força, com a maléfica sombra projetada por trás por uma forma de civilização que, em um momento de sua história, se sente obrigada, endogenamente, a estender a concorrência de suas economias antagônicas à escala mundial (CÉSAIRE, 2010, p. 17).
O pós-colonial atua em novas epistemologias, valorizando os saberes e as vozes dos países periféricos quer sejam da África, da Ásia ou da América Latina. O seu principal objeto de investigação é a literatura escrita durante e após a ocupação colonial, e como a sociedade é representada nela, analisando os efeitos políticos, sociais e identitários que os países colonizados sofreram. [...] a Europa Ocidental e os Estados Unidos arquitetaram a conquista política, econômica e cultural da África, Ásia, Oceania e América Latina. Repartiram o mundo entre si e organizaram poderosos impérios coloniais, que só tinham em comum o desenvolvimento da acumulação capitalista (BRUIT, 1987, p. 5). Trata-se de trabalhar a questão da independência, da democracia, do reconhecimento dos direitos dos subalternos e, principalmente, da luta por identidade. Essa questão assume importância para os povos colonizados quando questionam um lugar que não seja o de sujeito dominado e discriminado pelo Ocidente, que se coloca no papel de protagonista da história. Nesse caso, é preciso um novo olhar, com uma nova e corrigida representação (SANTOS, 1999). Finalmente, o pós-colonial oferece teorias para refletirmos e repensarmos o marco problematizador: o período colonial e uma reorganização de conceitos e perspectivas representando uma ruptura epistemológica. Pelo andar da carruagem, parece que a complexidade da modernidade não significou o fim da era colonial, e o pós-colonial precisa ser reformulado porque existe uma nova onda de dominação que nos ronda.
Referências
BHABHA, Homi. O pós-colonial e o pós-moderno. A questão da agência. In: O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG. 1998.
BHABHA, Homi. O local da cultura. Trad.: Myriam Ávila Lourenço de Lima Reis, Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.
BONNICI, Thomas. Conceitos-chave da teoria pós-colonial. Maringá: Eduem, 2005.
BRUIT, Héctor Hernan. O imperialismo. 2. Ed. São Paulo: Atual, 1987.
RIBEIRO, António Sousa. Pensamento pós-colonial. JANUS. Anuário de relações exteriores. 2010.
SANTOS, Boaventura Sousa. Pela mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1999.
CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Blumenau: Letras Contemporâneas, 2010. pp. 7-85.
GUERRA, Luiz Antonio. Pós-colonialismo. Disponível em: https://www.infoescola.com/ historia/pos-colonialismo/.
PEZZODIPANE, Rosane Vieira. Pós-colonial: a ruptura com a história única. Revista Simbiótica - Universidade Federal do Espírito Santo - Núcleo de Estudos e Pesquisas Indiciárias, n. 3. 2013.
Mônica de Lourdes Neves Santana é Doutora em Relações Internacionais e Professora da Universidade Estadual da Paraíba. Atualmente, faz pós-doutorado em Ciência Política com o Professor Marcos Costa Lima na Universidade Federal de Pernambuco.