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A Conciliação
Abdias Vilar de Carvalho
Construí essa hipótese, baseada no conceito de conciliação. Conciliação nacional que tem sua predominância na sociedade brasileira. Vejo assim essa sociedade na atualidade. Como pode o povo brasileiro aceitar e praticar essa conciliação nacional?
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Para o povo em geral, a questão teórica pouco importa, por isso faz a diferença entre ser de direita e ser de extrema direita como se houvesse rigorosamente na prática e em âmbito teórico uma diferença substancial. Ser de direita ou de extrema direita, para mim, é a mesma coisa. O que os diferencia, segundo meu pensamento, é apenas graus, que se manifesta no comportamento político.
Ser de direita exige um certo tipo de comportamento contrário que se refere aos excluídos na sociedade, ao papel do Estado na economia e à democracia como regime político e como valor e prática social.
A intelectualidade e os jornalistas são quase unânimes em atribuir essa conciliação em termos de que tanto faz ser de direita ou ser de esquerda, ou como diria uma aluna minha “dança-se conforme a música”. A linguagem mais usada que remete ao tempo do primeiro império é: “Era voz corrente que nada parecia mais com um liberal do que um conservador” (Conferir Emília Viotti da Costa e Nelson Saldanha: História das ideias políticas no Brasil). Enganam-se eles? No momento, há toda uma ideologia que demarca cada partido. É só ler os programas de cada partido de esquerda. Uns dão mais ênfase na questão ambiental, outros seguem a tendência da social democracia, mas todos eles vivem uma crise de identidade e de legitimidade, expressa na frase “eles não nos representam” dita por várias classes sociais. Essa crise é generalizada e acontece em todos os países - é necessário ver o caso dos EUA e da França. Difícil é, no entanto, se pensar a direita no Brasil de hoje. Muitos artigos fazem referência ao bolsonarismo, como dizem os franceses “et pour cause”. Três exemplos são bem marcantes: a) a transição política entre o regime militar e a verdadeira democracia foi feita dentro desse espírito, sem que houvesse um pacto com o povo ou seus representantes. A eleição indireta pelo Colégio eleitoral, montado pelo regime militar, terminou sendo aceita pela nação como um mal menor e por isso teve sua aceitação; b) a ideia de uma chapa Lula/Alckmin pode ser uma jogada política, uma excelente estratégia eleitoral, mas ao nível do conceito, que funda esse artigo, é bem revelador da conciliação. Um terceiro exemplo, vivido nos dias atuais, pode ser encontrado na CPI da COVID, como assim ficou denominada. Ela espelhou em alto grau esse comportamento conciliador. A composição em si mesma, aos olhos de muitos, sempre foi bem vista, pois reunia vários partidos de direita indo até a esquerda. Mostra, no entanto, que, para combater Bolsonaro e “camarilha”, acaba ser necessária a reunião de todas, ou quase todas, tendências ideológicas. Até um governista pousava de independente, para se revelar, no final da CPI e quando se aprovava o relatório final, um fervoroso governista.
Os partidos de direita, principalmente aqueles que estão com o governo federal, tentam viabilizar esse governo através da militarização da política e de um golpe militar. A militarização entendo no sentido genérico do termo e pela presença de militares na administração pública. Contrariando a Constituição, até um general da ativa foi nomeado ministro da Saúde e após sua saída do cargo, desempenha atualmente função importante na casa Civil, reduto da direita: Secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos, nomeado por Jair Messias Bolsonaro, sob o argumento de que é o comandante supremo das Forças Armadas. E tal permanência de um general da ativa conta com o apoio dos atuais dirigentes das Forças Armadas.
O inciso II do art.142 da Constituição é suficientemente claro: “o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea “c”, será transferido para a reserva, nos termos da lei”. O referido inciso menciona: “é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso X. Insuflado por alguns civis, mas o desfecho final e cruel é dos militares: o golpe de Estado ou militar. Nascido com a Proclamação da República, redunda em uma ameaça subjetiva e prática. Não adianta os militares negarem tal intenção, que ninguém acredita. O problema reside na herança histórica. Não aliviam o comportamento dos militares e dos grupos bolsonaristas, pois aqueles não entregarão facilmente os cargos que
preenchem na Administração, e estes, a se acreditar na internet, preferem tumultuar as próximas eleições e inviabilizar o novo governo, saído das urnas. Segundo uma filósofa e professora aposentada da UFPE, os militares não entregarão de “mão beijada” os cargos que exercem no Governo Federal. Preocupa tal perspectiva, bem como o comportamento do governo, que terá quase três meses para inviabilizar a nova administração pública.
O último golpe militar foi em 31 de março de 1964, derrubando um governo eleito democraticamente, e instalou uma ferrenha ditadura que durou 21 anos. O Brasil vive hoje uma democracia, sob estilos políticos mais variados e sob ameaça constante do governo Bolsonaro. A maioria dos brasileiros veem uma insatisfação qualquer das Forças Armadas que redunde em novo golpe de Estado. Bolsonaro e adeptos bem que planejaram um golpe no dia da Independência do Brasil. Houve reações contrárias imediatas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, para ficar nesses exemplos. Seguindo os passos de Gramsci, pode-se afirmar que a instalação do regime militar foi uma revolução passiva negativa ou regressiva.
Alguns autores e jornalista irão ver no STF o Poder Moderador, outros enxergam no STF a judicialização da política. Não é afeita à Constituição de 1988 tais poderes. Se existe a judicialização é por consequência dos políticos e dos partidos.
Sobre os partidos de direita, é notório que o Centrão, como é assim chamado, o grupo de partidos de direita que dão sustentáculo ao atual presidente da República, defende arduamente o Poder Moderador. Sublinhei apenas aqueles que dão apoio ao presidente, mas os partidos de direita no Centrão são conhecidos por sua infidelidade.
Seguindo o que consta nesse artigo, convém explicar o Poder Moderador Moderno ou Contemporâneo exercido pelas Forças Armadas. Se introduzi um adjetivo no final é para diferenciá-lo do existente no reinado. A Constituição de 1988 é taxativa contra tal Poder. Só entende como Poderes da República: o Poder Executivo, o Congresso Nacional e o STF.
A Emenda 23 de 1999 ao art.91 consta que terá assento no Conselho de Defesa Nacional o Ministro de Estado da Defesa. Os demais artigos constitucionais referem-se à hierarquia e a disciplina. “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Nem sempre os militares conseguem diferenciar disciplina da subalternidade.
Abdias Vilar de Carvalho possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (1970) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (2002). Foi professor de Sociologia da Universidade Federal de Sergipe, da Universidade de Brasília e da USP/ESALQ. E também ocupou os cargos de Secretário de Coordenação Institucional do MIRAD, superintendente do INCRA-SP e do INCRA-PE e Coordenador Geral do PRORURAL-PE.