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Mulheres na política em tempos de internet: avanços e entraves
Luciana Ferreira
Ointeresse por esse tema surgiu a partir de indagações sobre o porquê do avanço tão tímido das mulheres na participação política, já que a internet tem proporcionado o acesso à informação de forma mais ampla. Esta é uma breve análise que busca as causas do atraso das mulheres na participação político-partidária, indagando se a internet ajudou a abrir este espaço para elas, ou não; e onde estariam os entraves.
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A internet ao ser projetada, teve como um dos objetivos o aprimoramento da comunicação que possibilitasse, entre outras funções, trabalhar em rede e de forma simultânea. Múltiplos usos se anunciaram para esta tecnologia, e um deles foi a promessa de aumentar a participação política em geral. Mas o otimismo não durou muito. Ao se reduzir promessas não cumpridas do surgimento da internet até os dias de hoje, é possível antecipar que não houve um incremento substancial de entrada do gênero feminino na política partidária, apesar das mulheres, no quesito acesso a serviços de governo eletrônico, se colocarem em situação de igualdade com os homens quando se elimina as diferenças sociais e econômicas. Apesar deste bom indicador, é inevitável a pergunta ainda não respondida: apesar de estarmos na democracia eletrônica, por que não se expande a participação das mulheres na política partidária?
Uma pesquisa empírica realizada em 2004 na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, concluiu que existem algumas diferenças leves de gênero no que diz respeito à participação política na internet, em geral relacionadas a alguns detalhes específicos como nível de escolaridade, classificação social e diferenças econômicas. Mas quando se coloca ambos os sexos em situação de igualdade, principalmente no nível educacional, é possível verificar que o status social é o elemento que modela o acesso as informações políticas na net e a forma como ambos, homens e mulheres, se engajam em diálogos políticos.
Ora, se o engajamento em diálogos políticos depende do status social, então não é preciso se ocupar da questão de gênero, quando se trata de participação política? Não! Como vivemos em tempos complexos, também são complexas as correlações entre os fatos, e importante clarificar posições para transformar a realidade. Segundo dados do Comitê Gestor de Internet no Brasil de 2007, o perfil de usuários de serviços de governo eletrônico é de 50% para homens e mulheres. Embora esse dado aparentemente não defina mudança no comportamento político, deixa pistas sobre a boa relação das mulheres com os mecanismos das tecnologias digitais que podem favorecer a uma maior participação política.
Esta conquista instrumental é importante devido ao pouco envolvimento das mulheres em se ocupar da política no Brasil, constatado através de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, nas eleições de 2020, para o executivo de prefeituras e legislativo de Vereadores, mostrou que, na questão gênero, é o masculino que ainda domina largamente o cenário político de cargos eletivos. Segundo dados gerais do TSE, nestas eleições para prefeituras e câmaras de vereadores 66,4% dos candidatos eleitos foram homens contra apenas 33,6% de mulheres. (Fonte: TSE, 2020)
Esta desproporção tem raízes históricas. As brasileiras apesar de já conquistarem o direito ao voto e a possibilidade de candidatar-se a cargos políticos desde 1932, com o primeiro Código Eleitoral registrando mudanças para a representação proporcional, para o voto universal e direto, o direito de voto concedido às mulheres era facultativo e seletivo. Mesmo que a partir desse período tenha se observado algumas eleitoras, raras eram as candidatas na época e ainda mais raras as que se elegiam, pois, restrições legais permaneciam nas cláusulas eleitorais, aliando-se ao ranço secular da exclusão da cidadania política feminina.
Porém em 1982, com a distensão política, a criação de novos partidos e a efervescência dos movimentos de mulheres
agregadas aos partidos de oposição, houve aumento significativo de candidaturas femininas aos cargos parlamentares, prevalecendo a demanda maior para as Assembleias Legislativas. Mas apesar desta distensão política, com uma nova Constituinte após um período de ditadura militar, as mulheres ainda permaneceram com percentuais baixos nos espaços legislativos, forçando novas regras para o aumento desses números.
Com tais evidências, percebe-se que a despeito do acesso e uso equilibrado das tecnologias de comunicação e informação no quesito gênero, é evidente a não convergência entre a apropriação da internet e a realidade político-partidária das mulheres. Nas eleições de 2020, apenas uma mulher foi eleita para as capitais brasileiras, na cidade de Palmas, Tocantins. No total, se elegeram 651 prefeitas (12,1%), contra 4.750 prefeitos (87,9%) pelo país (TSE, 2020), o que mostra que a representatividade feminina no executivo continua baixa.
Sistema político não favorece as mulheres
O sistema democrático representativo se legitima pelo consenso de eleições livres e do sufrágio universal, sendo os atores principais os partidos políticos, os cidadãos e cidadãs que participam, seja com o direito de se elegerem ou elegerem outros para um determinado cargo político em um período específico.
Nesses sistemas políticos os partidos são a principal forma de entrada para processo de recrutamento de candidaturas. Eles são regidos por regras internas (estatutos), e constroem relações entre os órgãos decisórios e os seus filiados, os procedimentos eleitorais e o processo de seleção de candidatos. Esse processo decisório é complexo, visto que, de certa forma, todos os participantes representam algum papel no momento do recrutamento, variando quanto ao grau de institucionalização e de centralização, com regras formais e informais e decisões centralizadas ou localizadas.
O problema do sistema quando se trata da questão de gênero é que se os líderes partidários são simpáticos à necessidade de promover a igualdade de gênero, por exemplo, se desejam atrair mais mulheres candidatas, eles têm considerável poder para fazê-lo ou não. Através da “patronagem”, podem melhorar a posição das mulheres nas listas partidárias ou lugares em bons distritos.
No entanto, ao contrário, se eles não desejam essa promoção da mulher, então podem bloquear as oportunidades. Quando a decisão sobre quais candidatos entram na lista partidária é da chefia nacional ou executiva, que tem autoridade constitucional para isso, se diz que o recrutamento é centralizado.
Segundo Alvares (2005) a montagem das listas partidárias e o perfil dos selecionados constatam a predominância de homens na disputa, porém as mulheres têm apresentado crescimento percentual significativo ao dos parceiros na procura de cargos parlamentares. Obviamente o peso da tradição sexista encarecendo o capital político seleciona os competidores entre aqueles que acumulam capital social na base familiar, no ativismo político, já começando na fase estudantil, ou em profissões que favoreçam uma significativa trajetória política aos que aspiram competir. Sem esse perfil que direciona ao mercado do expertise político, a maioria das mulheres não se “enquadram” na seleção para cargos políticos.
No entanto, isso não quer dizer que elas não atuem no âmbito da política, pois sua presença sempre foi significativa nos movimentos sociais, nos centros comunitários, nas associações de bairro, na posição de educadoras e formadoras de opinião, ou seja, em outras formas de ação política. O problema é que a motivação para a competição eleitoral e o interesse pela política ainda são empecilhos para resultados mais equilibrados na competição eleitoral entre os gêneros. Felizmente, a explosão da presença da mulher em todos os âmbitos da sociedade tem impactado as organizações e instituições, e na ambiência informática e política não é diferente.
Mudanças em curso
O espaço da política e do debate têm
sido tradicionalmente ocupado pelo gênero masculino. Às mulheres foi reservado o domínio do privado, do doméstico. Essa representação de papéis, porém, tem se deslocado na estrutura social contemporânea, principalmente a partir de meados do século XX, quando as mulheres começaram a questionar seu lugar de subordinação a partir de movimentos sociais feministas que permitiram avanços significativos em direção à emancipação.
A internet tem a capacidade inédita de amplificar a voz de movimentos que se propõe a mudanças sociais políticas nas questões de gênero. É um canal de comunicação inovador e passível de flexibilidade, muito mais aderente as causas consideradas sem voz nas mídias de massa para explorar questões de gênero relevantes à participação feminina na política partidária. Pode ser que tais dificuldades se encontrem no âmbito da construção do próprio capital social e político que precisa ser construído, ou reconstruído pelas próprias mulheres para as mulheres, e a partir daí a participação do gênero feminino na política possa corresponder ao percentual equivalente entre homens e mulheres de número de acessos à rede.
Referências
ÁLVARES, Maria Luzia M. Mulheres Brasi-
leiras em Tempo de Competição Eleito-
ral: Seleção de Candidaturas e Degraus de Acesso aos Cargos Parlamentares, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 51, no 4, 2008, pp. 895 a 939.
Luciana Ferreira é Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade da Bira Interior e Pesquisadora associada ao LabCom.UBI.PT.