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Bahia e Minas: como transformar crise das cheias em oportunidade

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Editorial

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Antonio Jucá

Fonte: Agência Brasil

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As mudanças climáticas estão aí, especialmente atingindo os mais vulneráveis, que residem em áreas de risco. Eles sabem do perigo, mas não têm opção e não são poucos. Em 1972, como estudante de arquitetura, realizei minha primeira pesquisa sobre os morros de Casa Amarela, no Recife, e de Olinda. Depois, em 1987, como arquiteto, fundei um grupo de arquitetura e urbanismo no Centro Josué de Castro, no Recife, quando, além de prestar serviços a prefeituras, voltei à pesquisa sobre os morros da Região Metropolitana, no entorno do Recife. Isso foi feito não apenas levantando os problemas, mas também estudando as soluções técnicas para os mesmos. Nessa época, estive em um encontro de países da América do Sul em que muitos grupos de arquitetos urbanistas “de pés descalços” expuseram várias técnicas de urbanização de bairros carentes. No Brasil, essas técnicas eram raramente utilizadas. Aqui, houve o Triângulo de Peixinhos e o Projeto João de Barros que se destacaram como alternativas que foram efetivadas e efetivas. Contudo, como tudo mais exige continuidade e manutenção, o Triângulo de Peixinhos virou uma lástima. Fiz uma visita ao local há poucos anos e percebi que, com o aumento das marés, as condições de todos os bairros às margens do Beberibe se tornaram muito tristes. Seria preciso criar um dique em boa parte da extensão do rio e, possivelmente, manter a drenagem do subsolo, como se faz na Holanda, bombeando água de volta ao rio. Nesse país europeu, alguns moinhos antigos ainda realizam essa função. Como diriam os ingleses - está funcionando, deixa, é só manter. Ainda assim, observe-se, um critério nas licitações desses estados é a relação qualidade/custo.

Estudei a industrialização da construção, a construção informal de moradias, o saneamento básico nas suas quatro vertentes, a urbanização sustentável; conquistei todos os títulos, sempre com uma perspectiva ao final aplicada, e fiz algumas contribuições, mas nada efetivamente mudou substancialmente em cinquenta anos. Em cinquenta quilômetros de favelas percorridas em boa parte do Brasil, as tendências da urbanização são as mesmas. Como diria Joaquim Nabuco - a mentalidade escravocrata irá demorar para ser ultrapassada. Quanto à reparação da escravidão, penso eu que é o povo que terá que tomar as rédeas de seu destino, e nosso desenvolvimento se dará com a prosperidade deste.

Deixando de lado os lamentos, já temos profissionais de urbanização de favelas e precisamos de mais gente, mais alternativas, pois teremos grande necessidade de resolver os problemas que serão gerados pelas mudanças climáticas em áreas de risco (que precisam ser mapeadas, inclusive considerando eventos extremos e passíveis de intervenções).

Em resumo, as atuações consistem em criar residências permanentes próxi-

mas, o que pode significar a reconstrução programada de áreas inteiras, para a qual a construção de moradias provisórias pode ser necessária. Outra solução é a remoção acordada para loteamentos urbanizados. Em todos os casos, o controle urbano deverá ser efetivo.

Relembrando: muitos projetos na linha alternativa, ditos como pilotos, perderam seus pilotos políticos e não tiveram continuidade ou manutenção, portanto terão que se tornar política de estado. Não vejo muito propósito, aqui, para tratar da crise das enchentes recentes, a qualificando-as ou quantificando-as. O que vi foi o resultado: destruição e desabrigo.

Sem rodeios, imaginei a criação imediata de: 1. Loteamentos para abrigos provisórios; 2. Tais abrigos provisórios poderiam ser até tendas dentro de lotes, onde, posteriormente, poderiam ser construídas habitações permanentes; 3. Deveriam ser destinados alguns lotes para serviços comuns, de imediato, para a distribuição de alimentos, água e prevenção à pandemia, além de, possivelmente, um local para refeitório coletivo; 4. Subsequentemente, para a distribuição de água, tanques de plástico poderiam ser estrategicamente erguidos nesses lotes comuns para a distribuição por mangueiras; caminhões-pipa os abasteceriam, e, logo que possível, cada tenda teria um ponto d’água; 5. O esgotamento sanitário se daria também por dutos plásticos compatíveis, dirigidos a fossas e sumidouros coletivos (tanques plásticos adaptados) colocados em lotes comunitários; 6. A rede elétrica poderia também ter várias soluções com melhorias no tempo, iniciando-se com pouca carga, com o cuidado de informar o que poderia se utilizar em cada abrigo; 7. As comunidades organizadas deveriam participar, de algum modo, das instalações, e a triagem dos beneficiados deve ser rápida, legítima e pouco burocrática (listagem coletiva de reconhecimento).

Temos o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), criado para efetivar o direito à terra rural. Será necessário um Instituto Nacional de Urbanização e Reforma Urbana, institucionalizando o direito à terra urbana e à cidade, que poderia ser um órgão de capacitação de quadros locais. Considero que, com isso, as prefeituras teriam a chance de iniciar um processo de ordenamento urbano e habitacional, com a prevenção de novos desastres socioambientais em áreas de risco. Seria necessário coragem e vontade política para uma campanha de sensibilização e coordenação de interesses para a disponibilização de áreas adequadas a loteamentos do tipo, com propósito preventivo. Os projetos e a execução dos loteamentos deveriam ser realizados de forma bastante rápida, simplificando exigências e procedimentos burocráticos, todavia considerando as disposições legais para futura regularização formal.

Referências

World Cities Report 2020: the value of sustainable urbanization. Disp.: www.unhabitat.org Cities and Climate Change: global report on human settlements 2011. Disp.: www. unhabitat.org

Antonio Jucá é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais.

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