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por etapas de consolidação

Por Alexandre Zarate Maciel

Mercado editorial do livro-reportagem passou por etapas de consolidação

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Fonte: Amazon

Do pioneirismo de publicações como A Ilha - um repórter brasileiro no país de Fidel Castro, da editora Alfa-Omega, fundada em 1973, à consagração “mercadológica” de jornalistas escritores diversos, como Fernando Morais, Zuenir Ventura e, mais recentemente, Laurentino Gomes, delineia-se um percurso ascendente do livro-reportagem brasileiro até 2019, com decréscimo nas vendagens no período da pandemia da Covid-19 (2020 em diante), embora sempre à mercê das crises constantes do mercado editorial brasileiro. Desde o pioneiro Euclides da Cunha, com Os Sertões, passando pela tradição dos repórteres-cronistas brasileiros da primeira metade do século XX, como João do Rio, que publicou livros de sucesso, e por aqueles, como Edmar Morel, que produziram textos aprofundados nas décadas seguintes, vários jornalistas já observavam o livro como um objeto simbólico importante, a princípio publicando suas reportagens em forma de livros-coletânea. Esse processo antecede o fenômeno atual de contratação de jornalistas pelas editoras para produzir livros-reportagem exclusivos, como é procedimento comum, por exemplo, na Companhia das Letras ou na Record, inauguradoras dessa produção mais profissional, e que abriram outros leques de possibilidades expressivas. Mas é na década de 1970 que se localiza o marco inicial do que podemos considerar um mercado editorial profícuo para livros escritos por jornalistas. Fernando Mangarielo fundou a editora Alfa-Omega em 1973, ano em que o Brasil encerrava, sob a gestão do presidente-general Emílio Médici, um período marcado pelo crescimento econômico (o “milagre brasileiro”) e a fase mais dura da repressão política (os “anos de chumbo”). O livro-reportagem foi o principal produto da trajetória da editora, especialmente a partir de 1976, com a publicação de A Ilha - um repórter brasileiro no país de Fidel Castro, escrito por Fernando Morais, que vendeu 125 mil exemplares, um marco no mercado. O próprio Fernando Morais, em entrevista a Maciel (2018), diz ter se surpreendido com a repercussão de A Ilha: “Na noite de lançamento, o livro acabou; tinha três mil exemplares. Teve 30 edições na Alfa-Omega e depois foi para a Companhia das Letras”. A produção de Olga, do mesmo

autor, que venderia 265 mil exemplares só na Alfa-Omega, combinou alguns aspectos relevantes para a evolução do livro-reportagem no Brasil. Para a produção de Olga, a editora investiu não apenas na publicação, mas também na realização da reportagem. “Fiz um adiantamento para Fernando ir para a Europa. Ele tinha que fazer [a viagem], então fizemos uma antecipação da passagem para ele, só isso, nada mais”, informa Mangarielo em Maciel (2018). Trata-se de uma iniciativa modesta, mas que sinaliza o início de uma prática, ainda incipente àquela altura, de editoras assumirem os riscos financeiros sobre os livros-reportagem que lançam no mercado.

Modelo editorial de contrato exclusivo marcou virada no livro-reportagem

“Acho que, de fato, no fim dos anos 1980, surge uma maneira de fazer não ficção no Brasil que se firma. Não vejo, de lá até aqui, nenhum declínio”. A afirmação é de Otávio Marques da Costa, publisher e editor de não ficção da Companhia das Letras, editora fundada em 1986 e que, justamente a partir desse período, desempenharia um papel importante na consolidação do gênero. “Eu acho que Fernando Morais e Ruy Castro foram os primeiros para grandes projetos de não ficção”, prossegue o editor, em entrevista a Maciel (2018). “Eles fecharam contratos em fase de proposta, tanto o Fernando quanto o Ruy. Chatô, por exemplo já foi aqui (...). O Chega de Saudade saiu aqui em 1990, acho que foi contratado em 1988”. Otávio Costa esclarece que os contratos estabelecidos com Fernando Morais e Ruy Castro nasceram “antes de haver sequer uma linha escrita”, o que se assemelha ao modelo editorial norte-americano, como explicou na entrevista (MACIEL, 2018): “Passou a ser uma relação em que a editora assume o risco também do negócio, que envolve anos de pesquisa, de financiamento. Claro, a partir da ideia você pode estimar um sucesso ou não, mas o resultado final é um pouco incerto”. Além da recorrência temática, constata-se uma participação crescente do livro-reportagem no mercado livreiro nacional, na medida em que há um progressivo aumento, a cada década, no número de títulos com dez ou mais entradas mensais nas listas de obras mais vendidas. Segundo pesquisa de Catalão (2010), essa trajetória se inicia na segunda metade da década de 1980, quando apenas dois trabalhos conseguiram esse feito (Olga e 1968); na de 1990, seis (Rota 66, Chatô, Mauá, A Viagem do Descobrimento, Náufragos, Traficantes e Degredados e Capitães do Brasil), e, antes da metade da seguinte, outros cinco (A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, As Vidas de Chico Xavier, Abusado e Brasil: uma História).

Mercado editorial marcado pela pandemia e pela crise econômica

No entanto, todo esse cenário descrito ocorre em meio a crises econômicas agudas do mercado editorial brasileiro. Uma pesquisa do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) aponta que, ano a após ano, entre 2014 e 2018, esse setor registrou desempenho negativo. Entre os principais fatores, destaca-se a crise das grandes varejistas, como as livrarias Cultura e Saraiva; os sucessivos calotes às grandes editoras; a política agressiva de “promoções” de empresas como a Amazon (que representou 84% do faturamento recente das editoras) e mesmo a ausência do surgimento de algum best-seller de desempenho considerável. Mas, se 2019, curiosamente, marcou uma impressão de virada, com um crescimento de 6,1%, 2020, o ano do surgimento da pandemia da Covid-19, abalou novamente as estruturas, com um encolhimento de 8,8% em termos nominais e 13% em termos reais. Vale destacar também, que inovações, como o e-book não tiveram grande projeção não só no Brasil (4% após oito anos de sua implementação no país), mas também na Europa (10%), com nota de exceção para os Estados Unidos (25%). Um olhar sobre a lista dos livros mais vendidos da Nielsen-Publishnews referente a janeiro de 2022, mostra, também, que o livro-reportagem brasileiro deixou de aparecer em quantidade expressiva nessas listas, de 2019 para cá. Mesmo assim, em segundo lugar, entre os livros de não ficção mais vendidos, consta o primeiro volume da biografia do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, chamada de Lula - Volume 1, de Fernando Morais. Cercados de livros de autoajuda, destacam-se também duas obras recentes de Laurentino Gomes: Escravidão

- Volume 1 e 2, respectivamente em 15º e 12º lugares. Porém, uma simples consulta aos catálogos das principais editoras indica que algumas obras conseguem sobreviver editorialmente por anos, perpetuadas em várias edições, como A Ilha, Rota 66, 1968: o Ano que Não Terminou, entre outras. Outra nota de destaque recente é a participação maior de mulheres jornalistas (Thaís Oyama, Patrícia Campos Mello, Karla Monteiro, Adriana Negreiros, Josélia Aguiar) na elaboração de livros-reportagem e biografias, em um cenário antes predominantemente masculino.

Referências

CATALÃO, A. H. C. Jornalismo best-seller: o livro-reportagem no Brasil contemporâneo. 251 f. Tese (Doutorado em Linguística e Língua Portuguesa) - Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Araraquara - SP, 2010.

MACIEL, A. Z. Narradores do contemporâneo: jornalistas escritores e o livro-reportagem no Brasil. 2018. 209 f. Tese (Comunicação) - Centro de Artes e Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife.

Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, e doutor em Comunicação pela UFPE, Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, seus principais autores, títulos e a visão do leitor.

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