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Opinião | Marcos Costa Lima

JORNALISMO E CIDADANIA | 12 Opinião

Quando a Natureza Responde Por Marcos Costa Lima

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Há muito que venho escrevendo para Jornalismo e Cidadania sobre o que tem sido disseminado como emergência climática. A maior parte dos governos têm feito ouvido de mercador sobre o gravíssimo problema. Os alertas dos especialistas relacionados às Conferência das Partes (COP), reunião dos quase 200 países que fazem parte da Convenção Base da ONU sobre a Mudança Climática, os estudos científicos —liderados pelo IPCC, o grupo de especialistas que assessora as Nações Unidas— e os diferentes órgãos internacionais ligados à ONU alertam que os países não estão de maneira nenhuma encaminhados para cumprir as metas de Paris.

Pois bem, a COP 25, realizada em dezembro 2019 em Madrid, teve como principal objetivo a reiteração do Acordo de Paris: que o aumento da temperatura média do planeta não supere os dois graus centígrados em relação aos níveis pré-industriais, e na medida do possível que não ultrapasse 1,5. Esse é o limite estabelecido pela ciência para evitar os efeitos mais catastróficos de um aquecimento que já não pode ser revertido.

Com a irrupção dramática do Coronavírus – COVID-19 na China, em dezembro de 2019, com foco na cidade de Wuhan, temos uma nova emergência, que agrava o quadro anterior.

Este breve artigo tem dois pontos centrais: o primeiro, é articular o surgimento do Coronavírus com a crise ambiental; e o segundo é evidenciar que a crise está ligada à forma com que o sistema capitalista vem acelerando suas tendências perversas: privilégio da financeirização; da oligopolização da economia global por corporações multinacionais; estados capturados pelo grande capital; política e processos eleitorais definidos pelo grande capital; aumento da desigualdade econômica; destruição acelerada do meio ambiente, entre outros fatores. Aqui, destacaremos o fato de a crise repercutir de forma dramática sobre os mais pobres e os trabalhadores.

Antropoceno e Capitaloceno

As doenças transmitidas de animais para seres humanos estão em ascensão e pioram a medida que habitats selvagens são destruídos pela atividade humana. Cientistas sugerem que habitats degradados podem incitar e diversificar doenças, já que os patógenos se espalham facilmente para rebanhos e seres humanos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) relata que um animal é a provável fonte de transmissão do coronavírus de 2019 (COVID-19), que infectou milhares de pessoas em todo o mundo e pressiona a economia global.

Para um dos estudiosos da crise ambiental, o historiador e sociólogo Jason W. Moore (1), coordenador do grupo de pesquisa sobre ecología-mundo do Centro Fernand Braudel e do Departamento de Sociologia da Universidad de Binghamton, vivemos hoje em uma encruzilhada na história de nossa espécie - e na vida planetária. O que virá a seguir é uma grande interrogação. Mas o que já podemos presenciar, não está parecendo algo bom. A teoria e a pesquisa ambientalista nos dizem, hoje, dos graves problemas: alterações climáticas de grande magnitude, acidificação dos oceanos, destruição das florestas, acúmulo industrial de lixo tóxico, seja na terra ou no mar, secas frequentes e severas, inundações, agricultura à base de pesticidas, que incidem no aumento do câncer; aumento do nível dos oceanos, degelo no Ártico e Antártico, incendios de forte destruição, entre outras calamidades. E embora o senso coletivo de “consequências ambientais” (2) nunca tenha sido tão grande, as medidas estruturais para manter uma globosfera equilibrada não tem acontecido.

O termo Antropoceno, foi batizado no ano 2000 pelo químico e premio Nobel holandês Paul Crutzen, a saber, que a biosfera e o tempo geológico têm sido transformados pela atividade humana. Portanto, vivemos em um novo conceito de tempo geológico, que inclui a humanidade como uma força geológica maior, hoje um fator decisivo.

Jason Moore, embora considere o conceito de Antropoceno relevante, discorda dele em muitos aspectos, ao colocar excesiva força e crença na Ciência e na Tecnologia. Qualquer grande problema humanitário seria resolvido pelos cientistas. Moore diz que este conceito reduz o mosaico da atividade humana a uma dimensão abstrata, uma Humanidade homogênea, que silencia as desigualdades, a mercantilização, o imperialismo, o patriarcado, e muito mais do problema da relação humanidade-natureza, porque, cartesianamente, separa homem e natureza. Moore chama esta natureza humana e não humana, trabalhadores, florestas, rios, minérios, ar, de CHEAP NATURE (3). Assim,

a história do capitalismo é uma relação de capital, poder e predação. Não é por nada que a ativista política canadense Naomi Klein (4) afirmou: “Esqueça tudo o que você pensa que sabe sobre o aquecimento global. A verdade realmente inconveniente é que não se trata de carbono, mas de capitalismo”.

Para o capitalismo, a Natureza é “barata” em um duplo sentido: torna os elementos da natureza “baratos” no preço; e também para barateá-los, degradá-los ou torná-los inferiores em um sentido ético-político. Mas se esquecem que, como tem afirmado Kate Jones, chefe do deptº de ecologia e biodiversidade do University College London, cada vez mais, essas doenças zoonóticas estão ligadas às mudanças ambientais e ao comportamento humano. A intrusão em florestas intocadas, motivada pela extração de madeira, a mineração, a construção de estradas em lugares remotos, a rápida urbanização e o crescimento populacional estão aproximando o ser humano de espécies animais antes distantes.

Os ecossistemas naturais desempenham um papel crucial na sustentação e alimentação da vida, incluindo a de nossa espécie, mas também um papel fundamental na regulação da transmissão e disseminação de doenças infecciosas. A destruição de habitats e de biodiversidade causada pelo homem rompe o equilíbrio ecológico, capaz de conter os microrganismos responsáveis por algumas doenças e criar condições favoráveis à sua propagação (5).

O espectro injusto das desigualdades socioeconômicas

Estas desigualdades têm se ampliado e acelerado devido ao neoliberalismo. As estatísticas estão aí para evidenciar (6). Do lado da política, os governos têm em geral, privilegiado os ricos e muito ricos e, como diz o filosofo Bruno Latour: “Se política foi esvaziada de sua substância, é porque ela combina a queixa inarticulada dos deixados de fora, com uma representação na cúpula tão concentrada que as duas parecem estar sem qualquer medida de equivalência, sem qualquer medida comum. É o que nós poderíamos chamar de déficit de representação” (7).

No Brasil, o quadro trabalhista é marcado pela alta taxa de informalidade, quando 40% do total de empregados estão nesta categoria. Em 2019 e no início de 2020, eram mais de 38 milhões de pessoas trabalhando sem registro. Ao mesmo tempo, o trabalho de boa parte dos trabalhadores informais por conta própria depende de circulação pelas ruas e consequente exposição a um possível contágio. Isso porque uma parcela considerável desses serviços não pode ser prestado remotamente. A queda na demanda, a ausência de uma jornada de trabalho fixa e a necessidade de trabalhar mais para conseguir atingir metas individuais de rendimento podem aumentar a jornada de trabalho e elevar o risco de a pessoa ser contagiada com o vírus.

A diretora executiva da Oxfam no Brasil, Katia Maia (8), afirma que metade da população brasileira vive com uma renda média de cerca de R$ 400,00, além de viver em condições precárias de moradia, saneamento básico, esgoto e água tratada. Estes fatores agravam a situação com a chegada da covid-19, segundo ela “uma bomba relógio para milhões de pessoas”.

Essas pessoas também não têm amparos legais que garantam uma estabilidade em sua renda. Isso significa que, se a pessoa ficar doente, ela ficará sem trabalhar e sem fonte de renda (9).

A grande questão que se coloca hoje é: - Como proteger a humanidade da barbárie, seja dos estragos de um sistema econômico injusto, seja de um sistema climático numa tendência de desestabilização profunda? São questões inadiáveis. Esta pandemia pode ser o começo de um amplo processo de mudança, capaz de criar uma outra dimensão do viver, que proteja os mais frágeis, que altere as formas destrutivas do viver. Ainda é tempo.

NOTAS:

1 Moore, Jason W. Anthropocene or Capitalocene? Nature, History, and the Crisis of Capitalism, Edited by Jason W. Moore, Oakland: Kairos: PM PRESS.

3 Costa Lima, Marcos (2020), Revista Jornalismo e Cidadania nº 34

4 Natureza barata

5 Naomi Klein i(2014), This Changes Everything. Capitalism vs. the Climate. Toronto: Alfred A Knopf.

6 Coronavírus, o WWF: a destruição de ecossistemas é uma ameaça à nossa saúde”. IHU,16,março 2020.

7 The Credit Suisse Global Wealth Report 2017. https://www.credit-suisse.com/about-us-news/ en/articles/news-and-expertise/global-wealthreport-2017-201711.html acessado em 22/03/2020

8 Bruno Latour, 2017, Où Aterrir? Comment s’orienter en politique,p.120

9 Desigualdades deixam o Brasil mais vulnerável a epidemias como a do coronavírus. https://www. ecodebate.com.br/2020/03/20/desigualdadesdeixam-o-brasil-mais-vulneravel-a-epidemiascomo-a-do-coronavirus/ acesso em 23/03/2020.

Marcos Costa Lima é professor do Programa de PósGraduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

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