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Opinião | Marília Gabriela Silva Rêgo

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Editorial

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JORNALISMO E CIDADANIA | 14 Opinião

Concentração midiática e o esgotamento da comunicação democrática Por Marília Gabriela Silva Rêgo

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O setor de comunicação brasileiro tem demonstrado percorrer muitos descaminhos, inclusive que vão em direção contrária à Constituição democrática de 1988, principalmente porque o Capítulo V, dedicado à C omunicação, é o menos regulamentado, ou seja, aquele que menos recebeu legislação infraconstitucional. A regulamentação não representa um mecanismo de censura, como frequentemente tem sido associada. Regulamentar significa determinar regras de funcionamento para o ser viço público que é a comunicação, rompendo com a dominação constante da mídia privada e democratizando, assim, todo o setor. Presenciando, então, uma verdadeira escassez legislativa neste campo, essa lacuna deixa bastante à vontade as grandes empresas que controlam a radiodifusão no país, permitindo que elas continuem construindo verdadeiros impérios midiáticos. Pensando na importância de debater esse tema, a Organização Repórteres S em Fronteiras (Alemanha), em parceria com o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação (2017), realizou a Pesquisa de Monitoramento da Propriedade da Mídia (Media Ownership Monitor/MOM, na sigla em inglês). O estudo trouxe um panorama de concentração da mídia no Brasil, com destaque para as principais empresas do país. O grupo Globo, por exemplo, principal empresa de comunicação e líder do mercado da Tv aberta, pertencente à família Marinho, é dona de veículos impressos (Jornal O Globo, Extra, Valor Econômico, Revista Época, etc.), T V, portais (G1, Globo Esporte, GShow, Globosat etc.), rádios (Globo, CBN), além da Editora Globo e da Gravadora S om Livre. O Grupo Record, cujo proprietário é o Pastor Edir Macedo, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, não fica atrás. Além da T V, possui o portal R7, o jornal C orreio do Povo, a Record News, R ádio Record, além de afiliadas.

A família Abravanel/ Grupo Silvio Santos possui além da T V SBT, T V Studios e T V Alphavile, negócios nos segmentos de cosméticos (Jequiti), hotelaria (Hotel Jequitimar) e imobiliário (Sisan Empreendimentos Imobiliários). C ompletando o quarteto hegemônico, o Grupo Bandeirantes (Band), da família Saad, tem entre seus empreendimentos, além da T V Band, a Band News, Band FM, R ádio Bandeirantes, R ádio Band News, Portal Band em parceria com o Portal UOL do Grupo Folha. Só estes quatro principais grupos de mídia já demonstram uma característica dessa concentração: estão nas mãos de famílias, concretizando o que vamos chamar de “R adiodifusão hereditária” (semelhante ao processo das Capitanias Hereditárias no Período Colonial). As concessões públicas de rádio e T V tem funcionado como um sistema patrimonialista de sucessão por consanguinidade em que a herança é passada de pai para filho, de geração em geração.

Essa prática de oligopolização das mídias é chamada de propriedade cruzada e acontece não somente no âmbito nacional, como também nos estados e municípios. Ou seja, uma mesma empresa controla diferentes veículos (T Vs, rádio, portais, impressos) sem nenhuma regulamentação. Essa prática está em desacordo com o parágrafo 5º, artigo 220, onde consta que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio” (BRASIL, 1988). Outro instrumento legal que limita a concentração foi criado antes mesmo da C onstituição, há mais de 50 anos, é o Decreto-Lei 236/1967, que, no seu Art. 12, parágrafo 2º, determina um limite para uma mesma empresa de televisão de até 10 outorgas no território nacional e duas outorgas em cada estado. No caso das concessões de rádio, o limite é de até quatro rádios locais em ondas médias e seis em frequência modulada para um mesmo proprietário (INTERVOZES, 2017).

Há outra transgressão grave: a presença de políticos como proprietários de mídia, o chamado coronelismo eletrônico (LIMA,

2011), quando parlamentares estão envolvidos direta ou indiretamente com emissoras e ainda participam do processo de renovação de outorgas. No Congresso Nacional, por exemplo, 32 deputados federais e 8 senadores (2015-2019) são proprietários de emissoras de rádio e T V (INTERVOZES, 2017). A Record novamente é um exemplo contundente pois os mesmos que controlam a IURD estão associados ao Partido Republicano Brasileiro (PRB). Outro exemplo, as Organizações Arnon de Mello, donos da Tv Gazeta Alagoas (afiliada da Rede Globo) pertence ao ex-presidente e atual senador Fernando C ollor de Mello. Esses casos vão contra o Art. 54 da S eção V da C onstituição Federal de 1988, que estabelece que deputados e senadores são proibidos de “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionaria de ser viço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” (BRASIL, 1988)

A concentração da propriedade ainda coloca em risco o art. 223 que determina o sistema de complementariedade entre os sistemas privado, público e estatal. C omo ter esse modelo se há a clara hegemonia de um só setor, o privado? Isso dificulta a execução de um sistema de comunicação democrático uma vez que não proporciona a pluralidade de vozes dispostas na sociedade. Os indicadores de risco à pluralidade de mídia (INTERVOZES, 2017) apontam ainda que o Brasil, além da propriedade privada e do controle político da mídia, apresenta uma elevada concentração da audiência e pouca transparência na concessão e regulação da propriedade de mídia. Apesar de o Brasil ser um país com uma diversidade regional, os quatro principais grupos de mídia (Globo, SBT, Record e Band) ultrapassam 70% de audiência na T V, veículo de maior consumo no país. Na mídia impressa, também há um alto grau de risco em 50% de audiência concentrada nos grupos Globo, Folha, RBS e Sada. Na mídia online, G1, UOL, R7 e IG dominam com 58,75% de audiência (INTERVOZES, 2017).

A concentração da mídia, portanto, sufoca as deliberações democráticas porque: i) vai contra aos princípios de nossa Constituição; ii) prejudica o processo de participação dos cidadãos e, consequentemente, a soberania popular, uma vez que o poder mi- diático está quase sempre nas mãos de um mesmo grupo, que, assim, é perpetuado; e iii) é contrário ao princípio da diversidade e do pluralismo na sociedade. Não existe uma solução simples para todo o problema envolvido no sistema midiático brasileiro, mas a regulamentação, sem sombra de dúvidas, é um passo necessário, aliado ao fortalecimento dos meios de comunicação alternativos e públicos. Esta não é uma sentença contra o sistema privado, mas a defesa de que este seja fiscalizado e regulamentado, e não mais hegemônico.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Decreto-Lei Nº 236, de 28 de fevereiro de 1967. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Decreto-Lei/Del0236.htm>. Acesso em 24 de fevereiro de 2020. _______. Constituição Federal de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 24 de fevereiro de 2020. INTERVOZES. Marco Regulatório do Sistema de Mídia Brasileiro.2017. Disponível em: < http:// brazil.mom-rsf.org/br/ >. Acessado em 09 de maio de 2018. LIMA, Venício. Regulação das Comunicações: História, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011. – (Coleção comunicação).

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