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Ariane de Medeiros Pereira
Ariane de Medeiros Pereira Caicó/RN
O amor nasce e morre em uma oiticica
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O Brasil em toda a sua diversidade e abundância de recortes espaciais e temporais esconde mistérios que somente os seus praticantes sabem desvendar. As paisagens são cenários de grande arroubos e ações efetivas de vivências em meio a pastos, serras, veredas, estradas e asfalto recortados por pequenas cidades e grandes metrópoles. Cada um destes recantos esconde um singular de práticas do cotidiano.
Encontramo-nos em meio à paisagem sertaneja, na qual impera um cotidiano onde o homem vive em intimidade com a natureza, considerando que, a primeira muitas vezes, se impõe a presença humana por meio da seca e de uma vegetação desnuda de folhas e alimentos. O homem, por seu turno, utiliza de suas técnicas para continuar a vivência naquelas paisagens sertanejas. Mas, sem sempre o sertão coloca obstáculos a vida do homem.
Deparamo-nos, com o início do século XIX, nas paisagens sertanejas do Rio Grande do Norte, na qual os fazendeiros haviam se instalados naquelas plagas e passavam a ditar as normas do sertão. De terras havia conquistado inúmeras, desde os seus elementares pedidos ao rei português, passando por instrumentalização em fazer os casamentos de seus familiares para enaltecer o seu patrimônio. Nesse cenário sertanejo, encontramos a família Almeida sendo reconhecida por seu poder proveniente de terras, gados, bens de ouro, de bens de prata e bens de latão. A família era numerosa, em torno, ao todo, de vinte pessoas. Muito cedo os homens começavam a desbravar os sertões de modo a produzir a riqueza da família e as mulheres aprenderem os ofícios de casa para bem se preparar para cuidar de seus filhos e maridos.
A vida naquelas terras, distante do litoral, transcorria sem altercação sendo o senhor Almeida dono e amo de seus bens e de sua família. Jamais, ninguém usou a desafiar o poder daquele fazendeiro que ditava as regras nas suas terras e extrapolava seu poder para além das portarias de sua fazenda. Era reconhecido na cidade, e por seus companheiros fazendeiros que acatavam as sugestões do hábil e atuante dono de terras.
Francisco Almeida se dedicava a cuidar de suas terras com esmero e sabendo de uma nova cultura surgida nas paisagens sertanejas resolveu investir na eminente promessa de lucro em sua região. De imediato, procurou cultivar o algodão e com ele vislumbrar obter mais lucro. Percebeu que necessitava de mais braços para o trabalho, pois a lida com o gado e a
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cultura de subsistência já ocupava seus trabalhadores e escravos.
Resolveu empregar uma parte de seu capital na compra de escravos provenientes do Pernambuco para potencializar o trato com o cultivo, apanha e venda do algodão que logo começou a dar seus primeiros furtos. Não demorou a chegar à nova escravaria na fazenda, em sua maioria homens que já haviam nascido em terras brasileiras. O fazendeiro continuava satisfeito com sua visão de progresso e de desenvolvimento.
A fazenda prosperava e tudo caminhava sem altercação. O fazendeiro demonstrava sua soberania para os demais fazendeiros e era visto, por estes últimos, como o senhor mais bem sucedido da região. O que Francisco Almeida não suspeitava era dos encontros amorosos entre sua filha Catarina Almeida e um escravo de nome Alberto que havia chegado à fazenda na compra do Pernambuco.
Todos os dias, Catarina encontrava uma maneira de fugir de sua casa e se encontrar com o cativo. O amor desenrolava-se embaixo de uma grande oiticica, árvore nativa das paisagens dos sertões do Rio Grande do Norte. Embalada nos braços do amante e coberta pelas grandes galhas e folhas da oiticica Catarina sentia-se que a vida surgia e se desenvolvia. Nada poderia separá-la daquela magia. Entretanto, buscava em seu íntimo como revelar o seu amor para sua família. A mocinha passava dias a fio e continua a não encontrar uma saída.
O senhor Francisco não era um amo carrasco com sua escravaria, no entanto, muito menos, adepto de aproximação entre sua família e os cativos. De modo que, Catarina suspeitava que o pai não aceitaria, nunca, seu romance, tendo em vista, seu poder e respeito que os outros fazendeiros tinham por sua família. Não rara às vezes, Francisco já havia mencionado que pretendia casar Catarina com o filho de seu compadre. O que deixava a moça ainda mais assustada com a ameaça real de um futuro casamento do qual não era com seu amor.
Em um dos encontros entre Alberto e Catarina a jovem resolve contar ao amante os planos de seu pai. Alberto pareceu ficar apático com a notícia que Catarina havia te contado. Agora em desespero Catarina somente pensava em fugir com seu amor. Revelou os seus planos a Alberto, mas aquele continuava a demorar em sua fala. A moça então interrogou: O que você acha de nossa situação?
Foi quando o cativo resolveu se pronunciar e afirmar que: eles poderiam continuar com aquelas situação, sem a necessidade de fugir. Catarina se surpreendeu, mas não conseguia entender os motivos da tranquilidade do amado. As semanas foram se passando e os amantes continuavam com o seu amor, contudo parecia que Alberto já não tinha o mesmo interesse por Catarina. Esta, por sua vez, não conseguia perceber que o amado já não a queria como nos meses anteriores.
Catarina continuava a pensar em uma maneira de falar com sua família sobre o seu caso amoroso. Entretanto, em um dia de sol forte em que o solo sertanejo parecia que ia rachar, o pai de Catarina, na hora do almoço, começou a
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falar: hoje o negro Alberto me veio comunicar que vai casar. Catarina não podia crê na calmaria de seu pai, aquele parecia satisfeito com a notícia do casório. A moça inocente não demorou a hesitar: papai o senhor vai aceitar?
Francisco Almeida com toda sua expressão de serenidade voltou a falar: claro, atualmente, o casamento de escravos já se tornou comum. É até um meio para que eles evitem planejar uma fuga. Catarina continuava em estado de total surpresa e maior impressão viria quando o pai continuou: Alberto e Amásia já mantêm um relacionamento de anos e agora decidiram se casar, considerando que serão pais. Catarina mudou de cor, quase não podia acreditar naquelas palavras. As lágrimas caíram de seus olhos com um riacho em dia de chuva. O pai indagou o motivo e a jovem apenas disse quase sem fala: emoção.
Ao fim do almoço, Catarina não demorou a sair pela fazenda em busca de Alberto. Ao encontrá-lo perguntou sobre a novidade que o pai havia informado. Ele sem pestanejar não tardou a falar: as coisas são como são. Eu nunca pretendi me casar com você, apenas queria uma aventura com uma sinhazinha que jamais poderia me denunciar, mas casar: somente com minha Amásia. Catarina em um ato de fúria e de desengano resolveu se vingar. Atirou-se em direção de Alberto que se livrou da fúria da jovem inocente. O que aquela não sabia era que logo a frente estava um penhasco, e como sem salvação Catarina de lá foi arremessada.
Ao correr, Alberto ainda viu Catarina caindo de cima dos serrotes e batendo com seu corpo por cima de uma frondosa oiticica até a chegada ao solo. O cativo resolveu descer e ver como estava a sua antiga amante, mas apenas a encontrou sem vida. E como por um trágico acidente, o escravo contou ao senhor Francisco que sua filha estava morta e havia encontrado abaixo do penhasco. O que ninguém nunca saberia era que naquela terrível queda duas vidas foram ceifadas: Catarina e de seu filho que a mesma esperava daqueles dias de amor embalados pelo vento árduo e quente do sertão que encontrava repouso na oiticica do amor.