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David Ehrlich

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Roberto Schima

Roberto Schima

David Ehrlich Curitiba/PR

O Mesmo

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Havia bastante gente no parque. Com a bola de basquete embaixo do braço, Cruz olhava para o celular enquanto digitava uma mensagem carinhosa. Ao lado dele, sua irmã fazia careta, mas o jovem pouco se importou. Estava surpreso que tinha conseguido manter conversa por tanto tempo com a menina que conheceu no aplicativo de relacionamento, e amanhã seria o grande dia em que eles se conheceriam pessoalmente. Mas não hoje. Hoje era outro grande dia. Reconheceu Jedi à distância: apesar do parque cheio, não era difícil reconhecer um poste de mais de 2 metros de altura. Vendo-o de perto, porém, começou a se perguntar se aquele realmente era o mesmo Jedi com quem vinha jogando basquete há tanto tempo: estava extremamente pálido, e o jovem, que já era naturalmente magro, estava quase só osso. Se ele estava assim agora, Cruz não queria nem imaginar o estado no qual ele saiu do hospital após todo aquele tempo entubado na UTI.

- Vai mesmo jogar? – Perguntou Cruz.

- Nunca arreguei um jogo na minha vida, vou arregar agora? –Respondeu Jedi, com um leve tom ofendido na voz.

Cruz encolheu os ombros e entregou a bola para sua irmã. Ela não desgrudava os olhos de Jedi. Cruz conseguia entender: jamais contaria para ela, mas a tinha ouvido chorar sozinha no banheiro quando veio a notícia de que Jedi fora internado.

Os três se posicionaram no centro da quadra, e a irmã jogou a bola, começando a partida. Cruz pegou a bola, porém manteve-se afastado de Jedi, demorando-se para correr até a cesta. Queria ver se seu rival continuava o mesmo. Vinte e uma vezes eles se confrontaram naquela quadra. E vinte e uma vezes Jedi venceu. Não que Cruz fosse um mal jogador: ele foi o líder do time da sua escola, e agora na faculdade estava representando muito bem a atlética do seu curso. Mas Jedi era de outro nível. Poderia estar jogando profissionalmente. Se ele não jogava porque não queria ou porque não aparecia oportunidade, Cruz não sabia. Talvez sua irmã soubesse. Mas de uma forma ou de outra, Jedi era o único jogador de basquete que Cruz nunca havia conseguido vencer.

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Isso, porém, foi antes da quarentena. Antes de Jedi ficar doente e quase morrer. Jovem, histórico de atleta, fora do grupo de risco, nada disso importou. Até agora Cruz não havia criado coragem de perguntar como havia sido: qualquer resposta, com certeza, seria pior do que ele gostaria de imaginar. Enquanto divagava, Jedi avançou e conseguiu roubar-lhe a bola. Alguns passos largos e estava fazendo uma cesta. Com um pedaço de giz, a irmã de Cruz começou a marcar pontos no bloco de concreto sobre o qual estava sentada.

O jogo recomeçou, e agora Cruz não se deixou distrair: correu, se esquivou, arremessou a bola e... Cesta! Comemorou com um soco no ar, mas uma única cesta não significava nada: sempre fazia cestas ao jogar contra Jedi, e ao final Jedi sempre ganhava. Notou, porém, que este estava jogando diferente. Jedi era muito rápido e dava passos bem mais largos que Cruz, saltando como uma gazela de um lado ao outro da quadra. Agora, porém, ele não estava se movimentando tanto. Limitava seus movimentos, e após algumas cestas Cruz percebeu que Jedi estava ofegante bem antes do normal. Mas o que Jedi perdeu em agilidade e condicionamento durante a quarentena, agora compensava com movimentos extremamente calculados. Cruz podia quase ver as engrenagens em sua cabeça funcionando, avaliando como ter o máximo de eficiência com o mínimo de movimentos possíveis. Se antes ele sempre corria atrás de Cruz com esperança de roubar a bola, agora Jedi o deixava fazer a cesta quando percebia que não conseguiria evitar isso.

O jogo agora estava mais equilibrado do que antes da quarentena... Mas não mais fácil. Pelos riscos de giz no bloco de concreto, via-se que Jedi ainda mantinha uma pequena vantagem de dois pontos. O corpo de Cruz estava inteiramente coberto de suor, e com o tempo esfriando antes do por do sol aproximava-se a hora de terminar com a partida. Cruz resolveu arriscar: ao invés de avançar em direção à cesta, correu na direção oposta e, do outro lado da quadra, atirou a bola, acertando o alvo.

- Três pontos! – Cruz gritou, vitorioso.

- Que três pontos?! – Jedi gritou de volta, indignado – Você pisou fora da quadra, que eu vi! Foi falta isso aí!

- Pisei dentro! Oh, mana, pisei dentro ou fora?!

- Hã... – A irmã de Cruz estava em dúvida – Daqui não deu pra ver. - Exatamente! Pô, Cruz, a gente não tinha combinado de não fazer três pontos desse canto, que ela não consegue ver direito sentada ali?! - Afe, isso foi lá no primeiro jogo! A gente nunca mais falou nisso!

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- Porque a gente nunca mais conseguiu fazer três pontos dali! Qual é, Cruz, tava vindo aqui escondido durante a quarentena pra treinar e não me contou?!

Dizendo isso, Jedi avançou contra Cruz, caindo em cima dele para dar-lhe um soco. Cruz revidou. Não podia haver um jogo de basquete entre eles sem que em algum momento partissem para a porrada um contra o outro. E foi nesse momento que Cruz percebeu uma coisa: - Caraca, maluco, você estava se poupando o jogo inteiro só pra me bater?!

Jedi não disse nada, mas o olhar dele foi toda a resposta. - Ah, eu te mato, seu desgraçado! – E rolaram pela quadra, esganando e puxando os cabelos um do outro. E então riram. Começaram a rir ao mesmo tempo. Até a irmã de Cruz riu. Jedi podia ter passado por tudo que passou, mas continuava o mesmo.

- Muito bem, vamos acabar com isso! – Gritou a irmã de Cruz após todo mundo se acalmar – Quem fizer cesta agora ganha o jogo! Estão prontos?! Cruz e Jedi se levantaram e ficaram a postos no centro da quadra. Sorriam um para o outro, com fogo nos olhos.

- Vai! – A irmã de Cruz soltou a

bola.

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