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Marione Cristina Richter

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Roberto Schima

Roberto Schima

Marione Cristina Richter Venâncio Aires/RS

Santo Moisés

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O ano era 1954. Em uma casa no interior de uma cidade pequena, uma nova seita havia se criado. Do lado de fora daquela casa era possível ouvir os cânticos e as rezas, e em frente à casa, encontrava-se o prefeito, o delegado e um soldado. Lá dentro com as paredes repletas de imagens de santos e sobre uma mesa o livro de São Cipriano, o “Pai Tonho” fazias suas rezas de cura, motivo este que levava dezenas de fiéis de várias partes excursionarem até aquele retirado lugarejo. Tudo começou uns oito anos antes, quando Antônio, homem devoto, católico, agricultor próspero e influente, pai de 12 filhos, tinha entre eles uma filha com epilepsia. Antônio fez de tudo para encontrar a cura para a enfermidade de sua filha. Além de levála a vários médicos, também recorria às orações do padre, até que um dia, levando-a à capital para buscar novos tratamentos, também buscou um centro espírita, pois àquela altura já acreditava que sua filha estava possuída por alguma entidade maligna. No centro espírita, o médium lhe fez uma revelação, a de que ele era um espírito de luz e havia sido escolhido para receber o espírito do Santo Moisés. Sua filha acabou falecendo, e depois de tudo, Antônio não era mais o mesmo homem. Deixou de ir às missas aos domingos, buscou informações e textos sobre exorcismo, conseguiu um livro de São Cipriano e assim surgiu a seita de “Pai Tonho”, o espírito de Santo Moisés. Com sua influência conquistou primeiramente a vizinhança, que compareciam religiosamente em sua casa, na nova seita, ao ponto de se tornarem fanáticos, e foi quando ele começou com as “curas”. Quando sua seita já contava com uma centena de fiéis, padre Bento foi visitá-lo para persuadi-lo a voltar para a igreja. Ignorado por Antônio, ele retornou outro dia com mais dois sacerdotes e acabaram agredidos e expulsos da casa. Depois daquilo o padre os condenou publicamente, considerando a seita como anticristã. Por oito anos o “Novo Moisés” não foi molestado, e neste tempo seus fiéis saíam em excursões pelas fazendas das redondezas na tentativa de atrair novos adeptos, mas quando recebiam a negativa, passaram a usar de violência contra os proprietários. Passaram também a queimar os livretos publicados pelo padre. Intimidados com esta violência, alguns agricultores foram buscar

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ajuda na cidade e falaram com padre Bento. Já era noite, o delegado e o prefeito jantavam juntos no clube da cidade quando o padre entrou. — Boa noite senhores! — Bênção padre, veio jantar também? — Hoje não, o meu assunto é urgente. Senhor prefeito, o senhor já deve ter ouvido falar da seita de “Pai Tonho”. — E quem não ouviu falar destes doidos. — Pois bem. Alguns dos fiéis, moradores das proximidades vieram me procurar para reclamar da violência que estão sofrendo nas mãos daqueles fanáticos. - E o que quer que eu faça? — Considerando que a maioria dos seus eleitores são fiéis de minha paróquia, espero que o senhor e o delegado deem um fim àquela insanidade. Com a intimação, o delegado marcou para o dia seguinte uma ida até a casa de Antônio. Já era tarde quando o prefeito acompanhado do delegado e um soldado seguiram em um jipe até a casa. Chegando lá, ficaram impressionados com o som que vinha lá de dentro. Haviam mais de 40 pessoas na casa, entre adultos e crianças rezando e cantando em torno de uma das filhas de Antônio que estava em transe, se dizendo possuída pelo Santo Moisés. O delegado entrou e interrompeu aquela cena. — Aqui é o delegado, venho em paz e a pedido de padre Bento para falar com o senhor Antônio. Antônio, revoltado, respondeu: — Não queremos nada com os senhores, que são enviados de Satanás. Voltem e não nos incomodem mais. O delegado ainda tentou explicar sua ida até ali, quando a jovem em transe, com um pesado crucifixo na mão, gritava: — Antônio, não te esqueça que cristo morreu por ti numa cruz, e que tu deves também morrer por ele. Vá buscar o teu revólver e dá um tiro na cara desse delegado! Enquanto Antônio ia buscar sua arma, a jovem se avançou sobre o delegado, acertando-o no rosto com o crucifixo. Neste tempo chegou Antônio e passou a disparar em direção dos outros que acompanhavam o delegado, enquanto este, com o rosto sangrando se abrigou atrás de uma árvore e escutou seis disparos vindos da casa. O delegado deu dois tiros para cima para mostrar que também estava armado, e quando saiu de trás da árvore, percebeu que Antônio se aproximava com a arma na mão, que mirou em sua direção e disparou novamente mais seis tiros, atingindo três no delegado, que mesmo caído conseguiu disparar dois tiros na direção de Antônio, acertando um tiro no braço e outro no pé quando este havia caído.

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Enquanto que o prefeito e o soldado corriam, após ter acabado a munição, fugindo na direção do jipe, vários fanáticos, munidos de foices, enxadas, facões, pedras e pau, correram para fora e alcançaram o delegado, que mesmo ferido tentava fugir na mesma direção do prefeito, e o espancaram. Dado como morto foi jogado num mato, onde mais tarde e com dificuldade foi resgatado e levado para o hospital da cidade. Um contingente de dez policiais militares, vindos da cidade vizinha acompanhados do delegado de lá, foram enviados para o interior, onde cercaram a casa, pois os fanáticos se entrincheiraram nela, enquanto que moradores da região ameaçavam de botar fogo na casa para expulsá-los de lá.

Ainda era possível ouvi-los rezando quando foram intimados a saírem da casa, e em troca responderam: — O Jesus e o Santo Moisés estão conosco, o demônio com vocês. Só sairemos daqui mortos! Nisso, de dentro da casa veio um disparo na direção do delegado, mas não o atingiu, e de resposta a polícia militar metralhou o telhado da casa. Após, o delegado investiu contra a casa e prendeu todo mundo. Lá dentro, ajoelhados e entoando preces, 38 adeptos comprimiam-se num quarto. Vários encontravam-se feridos a bala do tiroteio da noite anterior, entre eles, dois menores e Antônio. Todos foram levados de ônibus para a cidade. Os feridos para o hospital, o restante para a delegacia prestar depoimentos para abertura de inquérito. No fim da história, o delegado sobreviveu, mas quase perdeu os dedos da mão esquerda com um golpe de facão, justo a mão que ele usava para atirar. O prefeito foi reeleito e o padre continuou no mesmo lugar. O que aconteceu com “Pai Tonho”? Boa pergunta. Esta história foi baseada em fatos reais, porém os nomes foram alterados. Uma história a tanto tempo silenciada pela população, mas que foi desenterrada pela internet. O que se sabe é que a família de “Antônio” continua na propriedade e ninguém tem queixa deles, e o novo culto acabou, o delegado foi transferido para Porto Alegre, a família do prefeito entrou para a política e por vários mandatos, mesmo que intercalados, governaram a cidade e o padre ganhou um busto e o nome de uma escola em sua homenagem.

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