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Maria Pia Monda

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Roberto Schima

Roberto Schima

Maria Pia Monda Belo Horizonte/MG

Te ligo mais tarde

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Muito do que eu disse não fazia sentido algum. Espalhei frases, como se fossem azulejos desemparelhados, mas suficientemente simétricos, para que, colocados um após o outro, decorassem aquela ponte de silêncio que separava as suas mãos, apertadas e atentas em torno do volante, dos meus braços, dobrados em ângulo agudo sobre o meu abdômen obtuso, mas não muito confuso pelo desejo que eu ainda não sabia de sentir. Comecei a conversar assim que entrei no carro ou talvez antes, quando ele tirou o paletó do porta-malas e disse estar com frio. — É mesmo? Eu não estou com frio repliquei e, quem sabe, talvez foi um erro, porque, se eu tivesse mentido, dizendo que eu também sentia frio, teria lhe dado uma desculpa para se aproximar. Estava tão distraída que me esqueci até de verificar e memorizar, como havia prometido a mim mesma, a placa do carro dele. Se eu tivesse feito, não teria um ataque cardíaco, ainda hoje, toda vez que vejo um Golf cinza passar na rua, esperando que seja o dele. Enquanto isso, eu continuava conversando. Aquele desperdício de palavras servia para que eu não ouvisse o que eu estava sentindo. Ele, por sua vez, permanecia empoleirado em uma indecifrável indiferença. A única forma de me mostrar um mínimo de interesse consistia em um pequeno movimento da sobrancelha direita, a única que eu, sentada ao lado dele, podia ver, acompanhado de um leve vinco no canto da boca, uma careta fraca demais para eu considerá-la um sorriso. Por toda parte, um chiar de faróis e um trânsito animado esquentavam as faixas de asfalto das ruas que se cruzavam, uma quadra após a outra, de um bairro a outro; pedaços de cidade que desfilavam, em uma sequência indistinta, até que, de repente, reconheci um. — Você está me levando para casa? perguntei a ele. — Sim. Não te incomoda, não é? — Não. Quer dizer, não sei. Talvez seria melhor se você me deixasse um pouco mais distante. Ele concordou balançando a cabeça. Passamos pela minha casa. No primeiro cruzamento, ele virou à esquerda, continuou por cem metros e parou.

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— Aqui está bom? — Está perfeito. Enquanto eu saía do carro, ele também abriu a porta. Nós nos encontramos frente a frente, indecisos sobre o que fazer. Estiquei meus braços, pronta para receber o abraço dele, mas, quando ficarmos perto o bastante, seus lábios, em uma corrida ousada, vieram tocar minha boca. E foi aí que aconteceu. Uma força que tirava toda a minha força deixou meus lábios fracos e semiabertos. Esquecendo tudo - meu nome, minha história, minha vida - e não tendo mais consciência do certo e do errado, me dei conta que naquele momento eu só queria misturar minha respiração com a dele. Ele não me beijou. Um momento antes de acontecer, durante aquele "quase" conotado de eterno, ele se afastou. — Te ligo mais tarde. — Ok – respondi, ainda atordoada com o que (não) havia acontecido. Ainda espasmada pela maneira com que eu queria que acontecesse. Sussurramos, simultaneamente, um olá rápido. Virei as costas e comecei a correr para casa. Encontrar a estrada não foi tão fácil como perdê-la, embora meus pés, movendo-se rapidamente, me conduzissem sem abrandar, para onde devia voltar. Entrei, fechei a porta e esperei. O telefone tocou. Onde a boca dele me roçou, minha pele começou a queimar.

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