LiteraLivre Vl. 5 - nº 27– mai/jun. de 2021
Maria Pia Monda Belo Horizonte/MG
Te ligo mais tarde Muito do que eu disse não fazia sentido algum. Espalhei frases, como se fossem azulejos desemparelhados, mas suficientemente simétricos, para que, colocados um após o outro, decorassem aquela ponte de silêncio que separava as suas mãos, apertadas e atentas em torno do volante, dos meus braços, dobrados em ângulo agudo sobre o meu abdômen obtuso, mas não muito confuso pelo desejo que eu ainda não sabia de sentir. Comecei a conversar assim que entrei no carro ou talvez antes, quando ele tirou o paletó do porta-malas e disse estar com frio. — É mesmo? Eu não estou com frio repliquei e, quem sabe, talvez foi um erro, porque, se eu tivesse mentido, dizendo que eu também sentia frio, teria lhe dado uma desculpa para se aproximar. Estava tão distraída que me esqueci até de verificar e memorizar, como havia prometido a mim mesma, a placa do carro dele. Se eu tivesse feito, não teria um ataque cardíaco, ainda hoje, toda vez que vejo um Golf cinza passar na rua, esperando que seja o dele. Enquanto isso, eu continuava conversando.
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Aquele desperdício de palavras servia para que eu não ouvisse o que eu estava sentindo. Ele, por sua vez, permanecia empoleirado em uma indecifrável indiferença. A única forma de me mostrar um mínimo de interesse consistia em um pequeno movimento da sobrancelha direita, a única que eu, sentada ao lado dele, podia ver, acompanhado de um leve vinco no canto da boca, uma careta fraca demais para eu considerá-la um sorriso. Por toda parte, um chiar de faróis e um trânsito animado esquentavam as faixas de asfalto das ruas que se cruzavam, uma quadra após a outra, de um bairro a outro; pedaços de cidade que desfilavam, em uma sequência indistinta, até que, de repente, reconheci um. — Você está me levando para casa? perguntei a ele. — Sim. Não te incomoda, não é? — Não. Quer dizer, não sei. Talvez seria melhor se você me deixasse um pouco mais distante. Ele concordou balançando a cabeça. Passamos pela minha casa. No primeiro cruzamento, ele virou à esquerda, continuou por cem metros e parou.