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Carli R. Bortolanza (Borto

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Rosangela Maluf

Rosangela Maluf

Carli R. Bortolanza (Borto) Guatambu/SC (Planeta Terra)

A morte anda a galope

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Não é certo que digam isso ou aquilo referente que: “à morte vem a galope”, às vezes ela é lenta, mas de uma lentidão que parece eterna. Quando se sente dor, muita dor, o tempo não é contado em dias, ou horas, nem em minutos, pois cada segundo faz a diferença nos ranger os dentes, nos tremer dos ossos, como se a carne quisesse se desgrudar. Essa é a dor que sinto. Muito semelhante à época que assávamos “costelão” de gado, lá pelos pampas gaúchos, que depois de 12 horas em fogo brando, os ossos eram retirados das costelas, branquinhos, como se nunca tivessem tido contato com a carne.

Sei que não estou sendo assado, mas sei também como a carne reage ao querer puxar os ossos. Sinto e dói; e essas dores já estou quase que acostumando; embora não sei quanto tempo cá estou inerte, sentindo o peso de estar vivo, mas sei que vários dias se passaram, pois até a lua que antes mal era vista, agora brilha cheia, exuberante no céu estrelado. Até parece um holofote a iluminar a minha dor, mas não a morte, pois está, sei que ainda vai demorar e muito. A dor que separa a carne dos ossos, é apenas uma das tantas que me torturam a vida e não me deixam morrer. Os vermes que me mordem a carne, fazendo verdadeiros desfiladeiros de trilhas/cavernas em meus músculos, só não são mais doloridos do que o óleo que, com a luz do sol, fazem borbulhar a pele, como quem pururuca o torresmo na frigideira. O grito não sai, pois o sinto que aperta meu pescoço me impede de mexer, e quase não há espaço para tossir, embora o faça quando me engasgo com a saliva, que não consegue descer e que quando desce, parece rasgar toda a traqueia como uma lâmina áspera e pontiaguda. Só

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um filete de ar resta para dar aos pulmões um pouco de oxigênio, o pouco que é o suficiente para infelizmente me manter vivo. Já até tentei me afogar na própria saliva, mas involuntariamente os músculos reagem a tossir só para não me deixar morrer e permanecer nessa agonia que parece não ter fim. Sei que fui um bom padre, bom até demais para as minhas juvenis fiéis, mostrando na prática o pecado da carne, para que quando elas crescessem, soubessem o que é o pecado, todavia, sempre rezava vários cânticos para me absorver e para absolvê-las. (alguém iria ser o primeiro delas igualmente, e porque não eu? O fazia de forma educativa!). Não acho que fiz pecado algum para ser castigado de forma tão cruel, e os que fiz, rezei para pagá-los, estaria absolvido dos pecados; mas nada pode ser pior que ficar imóvel preso às ferragens do carro capotado, apodrecendo em vida no meio da mata virgem. Poderia dizer que foi o destino ou que Deus me puniu, mas não! Porque ouvi vozes ao meu redor, tão logo o carro parou de girar morro abaixo. Podiam ter me socorrido, talvez não naquele momento, mas terem buscado ajuda, mas não o fizeram, me deixaram morrer à própria sorte. Sorte essa que não tenho, pois as dores são imensas, as vezes desmaio por não aguentá-las, às vezes quase sempre. Hoje não vai chover, há uma chance maior de eu morrer, pois sem comer se vive, mas sem água não. Quando a chuva vem, cada gota de água que cai na pele, é como uma alfinetada com ferro quente. Já chorei mais de dor pela chuva do que por qualquer outra dor que eu sinto. O tempo vai passando lentamente, a boca seca, o suor salgado mata a sede ao escorregar na testa para os lábios, e aos poucos sei que a própria água do meu corpo está se esgotando, assim como minhas forças de impedir a invasão das formigas, que cedo ou tarde vou se alimentar de meus restos, mas espero estar morto até lá. -Espere, ouço vozes! Escuto o barulho de passos vindo em minha direção, mesmo com os caracóis que invadiram minhas orelhas.

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O barulho cessa, tão logo as abelhas voam a começar construir seus ninhos em minhas narinas, um “pito” já pronto, é só entrar e ocupar o espaço aberto pelos vermes. Não sei se é sorte ou azar, mas as abelhas são sem ferrão e fazem cócegas ao entrarem, parece irônico chorar de cócegas em meio a tanta dor. Mais uma fase lunar, mais dias se passam, mais uma desgraça de vida que não me deixa morrer embora haja muita vida em mim e a cada dia mais. Os caramujos se amontoaram em família, os vermes estão na segunda geração com suas asas prontas a voar e lançar novos ovos, as abelhas polinizando com seu mel meu cérebro entrando literalmente pelas minhas narinas. O cinto afrouxouse do pescoço, ou foi o pescoço que se livrou do aperto. Os pés as frieiras criaram uma crosta, a pele enrijecida, ergue-se a desgrudar na carne, assim como os ossos, por onde os poucos músculos já nem se prendem mais. Os carrapatos se adonaram das costas, as pulgas e piolhos dos cabelos. Os olhos não fitam mais, virou um opaco depois que os pássaros o bicaram todo. Penso em gritar mas sei que é em vão, e nesse estado que estou, não quero mais ser encontrado, curado, quero é morrer e parar de sofrer.

https://maldohorror.com.br/

www.carlibortolanza.com.br (em breve)

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