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Cristiane Ventre
Cristiane Ventre São Paulo/SP
Saudades daqueles tempos
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A mesa era grande, de madeira maciça. Havia lugar para oito pessoas, mas em dias de festa buscávamos mais cadeiras no cômodo dos fundos, onde ficava a máquina de lavar roupas. Empurrávamos um tanto a mesa para abrir espaço para mais um lugar próximo a janela. E perto da janela sentava minha avó. Que criatura mais simpática era minha avó! Não havia quem não gostasse dela! E como eram gostosos os bombons de licor que ela fazia questão de trazer para cada um de nós. Faltavam cadeiras, enfim, para acomodar toda a família. Mas o sentimento de estarmos compartilhando bons momentos no dia de Natal, era gratificante. A toalha florida, com tema festivo, o som dos talheres nos pratos, vozes empolgadas conversando a mesa, as horas passavam alegres. Ou nem víamos talvez o tempo passar! Quando os momentos são bons, nem vemos realmente a hora passar! Naquele tempo, meu pai ficava na cabeceira da mesa. Era presença marcante. Tinha mãos fortes e grandes, desgastadas pelo trabalho árduo de uma vida inteira. Mãos engenhosas que sabiam consertar e criar objetos. E ele era um inventor! Quantas coisas foram criadas por ele dentro daquela casa! Apesar de sua aparência forte, seus olhos tinham doçura e pareciam sorrir. Ele era generoso e sabia receber as pessoas em casa. As comidas tinham o sabor da festividade do Natal. Minha mãe fazia a lasanha, a carne assada com batatas, encomendava-se o peru. Minha irmã trazia o salpicão. A mesa ficava cheia, a casa animada. Sempre havia alguém que pedisse o cafezinho após o almoço. E lá eu ia preparar o café: três xícaras de água para três colheres cheias de pó de café. Usávamos o coador de pano. Preparava-se doce com goiabas brancas, que eram colhidas no quintal. Que perfumado era aquele doce! A conversa continuava à tarde no quintal ou na sala. E havia o momento de bater uma fotografia. Eu tomava a frente para tirar as fotos. Quando o dia terminava, nossos familiares iam embora sempre levando um pratinho e boas lembranças. E assim foram muitos anos. Temos os álbuns de fotos guardados, que confirmam nossos semblantes alegres. As fotos são documentos
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históricos, registram e eternizam o que vivemos para sempre. Mas nada dura para sempre. Nem os momentos tristes, nem os alegres. Um dia, as coisas mudam e às vezes mudam tão rápido, que chega a assustar. Em dois ou três anos nada ficou mais em seu lugar. As cadeiras vazias deixadas por quem partiu trazem muitas lembranças, que ficam marcadas na memória e no coração. Doces momentos vividos em família, recordações nas fotografias, um passado que parece não tão distante. No quintal, o som da furadeira e do martelo usados por meu pai, agora, dão lugar ao silêncio. Os ponteiros do relógio de pulso pararam no mesmo dia em que sumiram as batidas de seu coração. Na casa tudo permanece igual: os azulejos desenhados, a mesa de madeira lustrosa, os quadros nas paredes, o automóvel na garagem. Mas aqueles momentos, hoje, podem estar apenas na memória afetiva. As novas gerações ouvem as histórias de família e trazem novas roupagens aos nossos dias. E como são importantes as crianças e os jovens nas famílias. Vivemos, depois, por eles. O que ficou em nós é o legado das pessoas importantes que marcaram as nossas vidas: seus bons exemplos, suas virtudes, o carinho. As perdas fazem parte da vida. Não fomos criados para estar longe das pessoas amadas. É um aprendizado contínuo. As novas festas de fim de ano virão. Sentiremos a falta daqueles que se foram. A saudade se faz presente às vezes. Mas agradecer por tudo o que se viveu, e desfrutarmos, agora, da presença de nossos familiares e amigos, é uma forma de declararmos esperança e fé em dias melhores. Vou pensar no que cada um deixou de melhor: a simpatia da minha avó, que sabia conviver com todos e tinha tanta sabedoria de vida. Na perseverança do meu pai, na sua generosidade, no seu amor incondicional pela família. E assim vamos caminhar no tempo –trazendo a saudade, as lembranças, sabendo viver o momento presente também, e tentando ser melhor um pouco a cada dia. O passado não voltará, mas vou usar o que foi para fazer um novo amanhã.