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Gustavo de Souza Paschoim

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Rosangela Maluf

Rosangela Maluf

Gustavo de Souza Paschoim São Paulo/SP Uma contemplação à individualidade

Era mais um dia normal na vida de João Pedro. Ele acordou às 05h35 da manhã, como fazia todos os dias, e comeu pão com ovos mexidos. Em seguida, arrumou-se, despediu-se de seus pais e foi para a faculdade. João Pedro cursava Direito em uma das melhores universidades do estado, mas queria mesmo era ser ator. Ao fim de sua carga horária, na hora do almoço, ele voltava para casa. Era mais um dia normal na vida de Dora Miranda. Ela havia acordado bem cedo, no mesmo horário em que seu marido levantava, para deixar o almoço pronto para quando sua filha chegasse do colégio. Ele era mecânico; para contribuir na renda familiar ao fim do mês e garantir a matrícula da filha em uma escola particular, ela trabalhava como diarista doméstica. Uma vez que o marido ia de carro para o serviço, Dora Miranda tinha que usar o transporte público.

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Era mais um dia normal na vida de Paulo Rodrigo... Exceto que ele estava apreensivo: hoje, ele acabou dormindo demais e estava atrasado para o trabalho. Em sua mente, já era possível imaginar o seu chefe gritando com ele. “Se você não está interessado neste trabalho, há quem esteja!”, a voz de Lobato ecoava em sua cabeça. É certo que isso nunca havia acontecido antes com Paulo Rodrigo, e também é certo que o Sr. Lobato sempre foi muito atencioso e calmo com seus funcionários, mas sua ansiedade naquele momento não permitia pensamentos racionais. Ele estava angustiado; Paulo Rodrigo nunca gostou da falta de pontualidade em seu dia a dia. Era mais um dia normal na vida de Ana Clara, que era veterinária. Hoje era o seu dia de folga, então ela havia combinado com seus pais de ir almoçar na casa deles. Seus avós também estariam lá, e já fazia alguns meses que ela não os via. Rotinas únicas de pessoas completamente diferentes. A única coisa em comum entre eles, porém, era que, naquele momento, todos se encontravam no mesmo metrô.

Miguel, que também estava ali, contemplava a diversidade e complexidade humana no metrô. Olhava para João, olhava para Pedro, olhava para João Pedro e tentava adivinhar as ambições e sonhos daquele rapaz. Observava Dora,

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observava Miranda, observava Dora Miranda e compreendia o amor que aquela mulher carregava por sua filha. Miguel via Paulo, via também Rodrigo, via Paulo Rodrigo e a preocupação estampada em seu rosto, e a pressa amassada em sua camisa. Avistava Ana, avistava Clara, avistava Ana Clara e a alegria de reencontrar familiares queridos que não via há tempos.

Miguel, em uma viagem interna, contemplava cada pessoa que no metrô estava, e, ainda que não fizesse ideia nem do nome de nenhum deles, sabia do básico: que cada um possuía sua própria história e motivos únicos de estarem ali, completamente diferente dos dele, completamente diferente de tudo (mesmo não conhecendo nada sobre ninguém). Mas não tinha dúvida que, assim como ele, todos tinham pessoas que amavam e pessoas que os amavam também; paixões, motivações, sonhos que os moviam; individualidade. Miguel contemplava.

Ele estava tão dentro de si mesmo, tão dentro de seus pensamentos, que acabou não percebendo quando o metrô passou direto pela estação em que ele desceria. Na verdade, quase ninguém percebeu. Ao contrário do que se é esperado, já havia duas estações que o metrô não parava; esta era a terceira. As pessoas só começaram a perceber que havia algo de errado após passarem, sem parar, pela quinta estação e não terem sequer ouvido a voz que costumava anunciar para onde estavam indo. Uma misteriosa preocupação começava a acender em alguns.

Duas moças no vagão, que antes tocavam “Für Elise”, de Beethoven, no violino, começaram a tocar “Hallelujah”, de Leonard Cohen... Mas você não liga muito para a música agora, não é? A este ponto, um tumulto começou a se formar. Cochichos altos e desconfiados de pessoas que conversavam entre si soavam como uma espécie estranha de coral para o violino, enquanto o barulho do trem em movimento abafava todos os sons. Uma criança, que viajava com a sua mãe, começou a ficar assustada. O choro confuso e apavorado dessa foi o suficiente para despertar o choro de outras duas crianças que também estavam lá. O metrô havia passado pela sexta estação agora, e ainda não havia parado. O vazio silêncio do operador de trem apenas servia para deixar tudo ainda mais caótico. Afinal, ele sabia o que estava acontecendo?... Ele sabia o que estava fazendo?... Ninguém sabia. Algumas pessoas até tentaram, mas os botões de emergência não pareciam funcionar. Nos vagões, o desespero tomava conta de todos. “Quando é que isto vai parar?”, eles se perguntavam... Mas ninguém sabia. O metrô passou pela sétima estação sem parar. Estavam aproximando-se do terminal. A velocidade do metrô apenas aumentava, mas cada

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segundo parecia demorar uma eternidade. Em sua velocidade máxima, o metrô passou pela oitava estação, pela nona, sem parar, e os vagões estavam completamente mergulhados no caos. As violinistas já não tocavam mais; o que restava agora eram apenas ruídos indistinguíveis de sabe-se lá o quê. A décima estação, a décima primeira, o fim da linha..., e Aleluia! O inevitável aconteceu: o metrô colidiu com o fim do túnel, e o que normalmente seria o destino final do trem, uma estação cheia e movimentada, foi temporariamente declarado uma zona de calamidade pública. Ninguém daquele vagão sobreviveu...

Rotinas únicas de pessoas completamente diferentes. A única coisa em comum entre eles, porém, era que, naquele momento, todos estavam mortos.

Um descuido, um acidente que resultou na interrupção de, no mínimo, dezenas de histórias naquele dia; de dezenas de vidas de pessoas diferentes. Naquela tarde, João Pedro não voltou para a casa de seus pais após a faculdade; a filha e o marido de Dora Miranda nunca mais viram o sorriso de alegria da mãe — e esposa — quando esta voltava para casa; Paulo Rodrigo nunca mais foi ao trabalho após o ocorrido; e Ana Clara nunca mais viu seus avós... e nem seus pais. Miguel contemplava.

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