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Joedyr Bellas
Joedyr Bellas
São Gonçalo/RJ
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A Pensão
Já estavam juntos há uns dez anos, ou onze, ela sempre se lembrava da data, ele nunca se lembrava. Às vezes, ela brincava com ele, fazia um bolo e uma caipirinha, sentavam na varanda, ficavam olhando ao longe. A lua cheia, vagalumes e, como não quer nada, perguntava ao marido o que eles estavam comemorando. Quase sempre ele cortava com um não enche o saco, mas nesse dia em especial ele não estava pensando no trabalho nem na Judite, a moça do cafezinho da repartição pública onde ele batia ponto, diariamente, nem nas contas que acumulavam. Dava nó nas tripas para se safar na vida. Ele parou de se distrair com os pirilampos, olhou pra ela e disse que provavelmente comemoravam algo importante, muito importante, demasiadamente importante, sem dizer naturalmente o que era. Ela pensou em insistir, em continuar com a brincadeira, mas desistiu porque conhecia o humor do marido. Capaz de um beijo, capaz de um safanão, capaz de pagar uma noite no motel com direito à champanhe, ordinária, mas champanhe, o que valia era a intenção, brindavam e fingiam que estavam em Paris. O faz de conta. A mulher se derretia toda, fazia cafuné e massagem no pé dele, quando ele chegava estressado do trabalho, após o banho, e isso ocorria quase sempre. Ela trabalhava, tinha a batalha dela, mas era Deus no céu e o marido na terra. A mãe dela de vez em quando avisava, de vez em quando abria o caderninho das frases prontas e ia falando, dividindo a boca com o prato de mingau e as palavras. Homem é tudo igual, aposto que ele nem sabe o dia que vocês juntaram os trapos. Não, não sabia.
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Mas isso não fazia a menor diferença. Um dia ela cismou e disse que queria casar com ele, já estavam juntos um bom tempo e não tinha o porquê de não casarem. Além do mais, estava preocupada com a situação dele no trabalho, que sempre juravam aumento, e nada, ainda, tinha a coisa da justiça, de uma bolada pra sair, uns atrasados, mas é justiça, sabe como é, né? Ele sabia, mas fingia que não sabia, disfarçava, falava que um dia o município pagava a ele o que deviam, e até havia o sonho de ser escritor. Que sonho? Uns escritos, umas revistas, umas colaborações aqui e acolá. Mas ela pensava na pensão que ela, morrendo, não queria deixar pro governo, justo que seu companheiro de longos onze anos recebesse o salário dela se ela viesse falecer e ele não ficasse à míngua. Que isso, mulher, não fala besteira. Vira essa boca pra lá, você não vai morrer é nunca. E, tem mais, eu vou morrer primeiro, sou mais velho, tenho umas ziquiziras. As ziquiziras do futuro marido em cartório eram uma hemorroida, umas próteses dentárias e uma dor aqui e outra acolá, coisa dos anos acumulados. O tempo passou, como o tempo gosta de passar. Como ela queria, eles casaram no cartório, com direito a testemunhas, convidados, poucos, mas convidados, os mais chegados, com direito a almoço em churrascaria e tudo mais. Ele se mostrando contrariado, mas feliz. O tempo passou mais um tanto. Judite foi crescendo na mente e na vida do marido, o marido fazia planos, a esposa não sabia de Judite nem dos planos do marido e de Judite, e o tempo foi passando devagarinho, pacientemente, a esposa morreu de causa desconhecida e ele, um dia nem quisera a pensão. Judite ria de se escangalhar.