LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Joedyr Bellas São Gonçalo/RJ
A Pensão Já estavam juntos há uns dez anos, ou onze, ela sempre se lembrava da data, ele nunca se lembrava. Às vezes, ela brincava com ele, fazia um bolo e uma caipirinha, sentavam na varanda, ficavam olhando ao longe. A lua cheia, vagalumes e, como não quer nada, perguntava ao marido o que eles estavam comemorando. Quase sempre ele cortava com um não enche o saco, mas nesse dia em especial ele não estava pensando no trabalho nem na Judite, a moça do cafezinho da repartição pública onde ele batia ponto, diariamente, nem nas contas que acumulavam. Dava nó nas tripas para se safar na vida. Ele parou de se distrair com os pirilampos, olhou pra ela e disse provavelmente
comemoravam
algo
importante,
muito
que
importante,
demasiadamente importante, sem dizer naturalmente o que era. Ela pensou em insistir, em continuar com a brincadeira, mas desistiu porque conhecia o humor do marido. Capaz de um beijo, capaz de um safanão, capaz de pagar uma noite no motel com direito à champanhe, ordinária, mas champanhe, o que valia era a intenção, brindavam e fingiam que estavam em Paris. O faz de conta. A mulher se derretia toda, fazia cafuné e massagem no pé dele, quando ele chegava estressado do trabalho, após o banho, e isso ocorria quase sempre. Ela trabalhava, tinha a batalha dela, mas era Deus no céu e o marido na terra. A mãe dela de vez em quando avisava, de vez em quando abria o caderninho das frases prontas e ia falando, dividindo a boca com o prato de mingau e as palavras. Homem é tudo igual, aposto que ele nem sabe o dia que vocês juntaram os trapos. Não, não sabia.
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