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Juliana Moroni

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Rosangela Maluf

Rosangela Maluf

Juliana Moroni Ibaté/SP

A Carta

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Com os pés calejados de caminhar à sua procura, encontrei abrigo num sobrado escuro, abandonado pelos antigos donos, serviu-me de moradia por 7 noites e 7 dias. As portas de madeira escurecidas pelo tempo, abandonadas às traças, me faziam recordar as minhas desgraças, situações de infortúnios, declínios. Dias e noites naquele sobrado, dominado pelo silêncio, impregnado de histórias que retumbavam na minha memória. Nos degraus das escadas que levavam ao andar superior haviam duas iniciais de nomes riscados no assoalho de madeira, por incrível coincidência, eram as mesmas letras dos nossos nomes, escritos na noite derradeira. Na última noite, antes de continuar a seguir seus rastros, ouvi passos, vinham do andar abaixo. Hesitei em descer as escadas, podia ser que minha percepção estivesse errada. Em estado de alerta, desci lentamente, degrau por degrau e encontrei uma carta, colocada por baixo da porta, de modo não acidental. A carta, endereçada à antiga moradora, datava de agosto de 2011, por ora, fez-me espectadora

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de uma história da qual eu também era a protagonista. Do meu ponto de vista, estava desconfiada, mas a intuição me impelia a abri-la. Hesitei, visto que a data estava errada. A curiosidade me consumiu por alguns minutos, já que o nome da destinatária era igual ao meu,

mas não havendo para quem entregar a carta, o interesse venceu. Lá estava uma pequena mensagem que dizia: Aqui, na rua da Lamentação, eu ainda espero o teu perdão! Joguei a carta no chão, assustada com tamanha coincidência, minhas mãos tremiam, intuitivamente, eu sabia que a mensagem era para mim, tim-tim por tim-tim. Dobrei a carta e coloquei no bolso, arrumei as minhas coisas e decidi ir embora, depois de um trabalho dispendioso, aparentemente sem sucesso, a tristeza consumia o meu regresso, em todo o seu desgosto. No meio do caminho encontrei uma senhora com traços faciais semelhantes aos meus, indicou-me um ponto de ônibus, para a surpresa dos meus olhos ateus. Quando desembarquei na cidade, já era madrugada, olhei a data no celular pela última vez. Precisava me certificar que estava no ano de 2010. Peguei um táxi e fui para casa, dormi e acordei renovada, porém, triste por não ter encontrado o motivo de toda a minha jornada.

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Todas as noites nas arestas do meu pensamento, eu espiava os seus sonhos, em silêncio. Quando um ano se passou, tive que me mudar da casa onde eu morava, o acaso me levou para a cidade onde te conheci, o mesmo lugar, onde ainda havia um sobrado para alugar. O antigo morador havia pintado com cores claras, e a estrutura estava toda restaurada. A vivacidade que transbordava daquele sobrado me fazia recordar os dias em que eu fora feliz ao seu lado. Mudei-me para lá. Meses se passaram e em uma certa viagem, eu voltei a te encontrar, você estava linda e irradiava alegria, porém, havia um certo pesar em sua fisionomia. Conversamos e você me disse estar arrependida, olhou nos meus olhos e disse que queria voltar. Hesitei firmemente, não havia te perdoado, mas amando-te loucamente, decidi te aceitar. Meses se passaram e, certa vez, você teve que viajar, disse que demoraria quase dois meses para retornar, até que numa manhã de setembro, uma carta com remetente não identificado me foi entregue pelo correio. Sentei no sofá com estranhamento e com uma curiosidade angustiante, ansiosamente comecei a abri-la, visto que me lembrei que era a mesma carta que eu já havia lido. Corri para o quarto, abri a gaveta do armário, a carta havia sumido. Surpresa com o fato, olhei para os lados, atordoada,

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à procura de uma explicação, para a justaposição do tempo. A carta trazia a mesma mensagem que dizia: Aqui, na rua da Lamentação, eu ainda espero o teu perdão! Horas se passaram, um policial bateu à minha porta, a tristeza adentrava meu peito, vinda lá de fora, sincronicamente acontecia um acidente envolvendo dois carros. Meus olhos encheram de lágrimas, rasgando meu rosto, a jorrar. Intuitivamente eu sabia que você não iria mais voltar.

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