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Reinaldo Fernandes
Reinaldo Fernandes Brumadinho/MG
Galã de Hollywood
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Hoje tive que ir a uma agência bancária. Detesto banco, detesto passar naquelas portas giratórias que nunca querem deixar eu entrar, detesto fila. Detesto esperar. E detesto aquelas atendentes loiras, lindas, bem-vestidas, maquiadas e supersimpáticas. De cara, Janaína Jaqueline dos P. Silva (vi seu nome no crachá impecável) se revelou: – Boa tarde, Rei!, com aquele sorriso branco de propaganda de creme dental na TV.
“Rei” como assim? Era uma intimidade sem limites (“como o cartão Bradesco”, me diria ela mais tarde), intimidade sem limites para quem conversara uma única vez comigo. E pelo telefone! Naquele dia em que me ligou para tentar me convencer de que seu banco era minha melhor opção, que me isentaria de taxa de manutenção da conta, daria tantos dias no cheque especial sem pagamento de juros, blá, blá, blá.
Posso contar nos dedos quem me chama de “Rei”: Natalina, amiga desde a infância; Gabriel, meu filho (um gozador de 12 anos, só para imitar meu irmão Shakespeare me chamando assim); minhas irmãs menos uma delas - e irmãos - menos um deles; o Padre Renê (que não sei por que já que não tenho lá muita intimidade com ele); e alguns colegas do trabalho, amigos mais íntimos. E Jana, aquela loira linda que se apresentou assim. – Boa tarde!, repetiu, ao perceber que eu estava “viajando” –enquanto pensava nas pessoas que me tratavam pelas iniciais de meu nome. – Boa tarde! Vim para abrir a conta. – Eu estava esperando o senhor, disse lentamente, ao mesmo tempo em que mordia levemente o lábio inferior, dando continuidade ao seu jogo de sedução.
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Durante todo o atendimento, esbanjou simpatia.
Quanto mais demorava a conclusão da abertura de minha conta, por lentidão do sistema do computador, por inúmeros comandos que ela tinha que dar, pelas informações que ela me pedia e tinha que digitar (endereço, identidade, CPF, nome do cônjuge, nome dos filhos, escolaridade, endereço comercial, nome e telefone de uma pessoa que pudesse servir de referência, e-mail, telefone celular e operadora, telefone residencial, profissão da esposa, a quanto tempo eu trabalhava na empresa, se isso, se aquilo...), quanto mais demorava mais ela falava comigo.
Perguntou pela família, qual disciplina eu lecionava na escola, a idade das crianças. Ao ver o livro que eu levava comigo, perguntou se eu gostava de ler, o que eu estava lendo (era um Dostoiévski), se já tinha lido outras obras dele (não tinha mas queria ler “Crime e Castigo”). Me falou de taxa Selic, de juros bancários, que bancos eram todos iguais mesmo os públicos como a Caixa e falou até de filosofia quando citei Nietzsche: “Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.” “Quero ler ‘Elogio da Loucura’ do Erasmo de Roterdã”, disse.
No momento em que elogiava minha cidade, que era muito bonita, aconchegante, tranquila etc, olhou a tela do computador e anunciou: – Terminamos! Vou imprimir o contrato para o senhor assinar.
O que levou mais bons dez minutos.
Quando me ergui da cadeira para sair do banco, ela abriu novamente aquele sorriso, correu a mão direita pelos cabelos, jogando-os para trás e deu a facada final, o tiro de misericórdia: “Só mais uma coisa: você disse que seu filho se parece com um galã de Hollywood. Acho que ele puxou ao pai: você também é muito bonito.”
Não bastasse a desfaçatez de substituir o pronome de tratamento formal pelo “você”, ainda falava uma mentira deslavada: de pouco mais de metro e meio de altura, cabelos pixaim, embora cortados curtos, pele escura, nariz nada adunco, eu estava mais para Grande Otelo do que para Brad Pitt.
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Saí do banco pensando no que não se faz para ter um cliente. Cheguei em casa, rindo da simpatia e das mentiras da gerente.
Depois disso, quase não fui à agência, fazia tudo pelo celular. Fui, que eu me lembre, em janeiro de 2018, mais de três anos depois da abertura da conta, para avalizar um empréstimo de um amigo. Não vi a gerente, acho que já não ocupava mais o cargo.
Encontrei Janaína anos depois, por acaso, num shopping center de Belo Horizonte. Quando me viu, sorriu –aquele mesmo sorriso de anos atrás: – Senhor Reimundo... Cândido Lopes! Como você está?
Estava boquiaberto! Admirado por ela se lembrar de mim e até de meu nome completo. Sorri também, perguntei como ela estava, se ainda estava no banco (“noutra agência”), se tinha lido Roterdã. Ela lembrou-se de minha filha, perguntou se ela tinha concluído o curso de jornalismo, sobre meu filho “galã de Hollywood”, se eu tinha terminado “Os irmãos Karamazov” e até dos meus alunos, se ainda estavam me dando muito trabalho.
Depois de uns cinco minutos de bate papo, ela mandou um abraço para minha esposa, desejou “um feliz natal”, estendeu sua mão e apertei.
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