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Maria Pia Monda
Maria Pia Monda Belo Horizonte/MG
O canivete suíço
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É um som de desordem infeliz aquilo gerado pelo metal do canivete suíço, batendo contra as chaves de casa. A saída está lá, no enorme bolso da jaqueta, no fundo, onde ela empurra os dedos e onde também há um isqueiro, que um dia acendeu cem cigarros e agora é apenas um invólucro de plástico inútil e vazio. De vida divina procura traços, mas entre os dedos têm morte que nunca dará, mas que quer segurar, porque a lâmina se abre e um fio de sangue molha o forro, formando uma mancha vermelha, pequena, talvez invisível. Pouco importa. A cidade é uma baleia que engole seus espaços e as pessoas são iscas vivas, cada uma movendo-se nos meandros da sua própria realidade indigesta. Portanto, ninguém está olhando para ela e a indiferença tem o aroma de um patético nada que suja o seu corpo, igualmente invólucro, mas não de plástico, porém de carne e muitos ossos, alinhados e, em alguns casos, agudos contra a pele que mal impede a dissimulação de um estado aleio, longe, diferente. O corte queima e, por um momento, a sensação é a do ar fresco que atinge o rosto quando a janela de uma sala, por muito tempo fechada, abre-se. Ademais, as facas abrem como as chaves, mas, para que tudo possa sair, o corte deve ser profundo, cirúrgico, deve ter um efeito patológico, ser a reverberação externa de uma punição interna, não admissível e, com certeza, não tolerável de outra forma. Ela aperta os dedos e segura a lâmina. O sangue aquece, mas é um calor úmido que gradualmente escapa, substituído por um arrepio de alívio e medo juntos, porque ela não quer — sabe que não quer — mais um erro para se culpar e, então, se ferir e, ainda, amaldiçoar o
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impulso, não plenamente lúcido, mas infelizmente brilhante, de procurar dentro de si, e nunca em outro lugar, refúgio e expiação, comiseração e orgulho. Ela aperta de novo, agora com a palma da mão, e a emoção é tão forte quanto seria forte o choque se ela pudesse realmente ver a linha do amor que se rompe e se torna uma linha de ódio, rancor e raiva, mas por aí não há mais que a escuridão, uma névoa espessa, e a emoção se redimensiona para um sopro normal, não de ar, mas de veneno, sublimado em partículas de vidanãovida. Deprimida, abandona o aperto e a saída é uma entrada para o inferno onde, se houver ou poder existir uma via, deve ser entendida apenas num sentido: abandonar-se, sem querer-se de volta.