Revista Morashá

Page 1

ANO

xXI

edição

85

set 2014


ANO XXI - Setembro 2014 - nยบ 85 CAPA TIK (estojo para guardar a Torรก) em madeira revestida de prata, com RIMONIM (enfeites no feitio de romรฃs) Paris, circa 1860


Carta ao leitor O Povo Judeu sempre se une diante de grandes desafios.

Os últimos meses foram tempos difíceis, tanto para os judeus que vivem em Israel como para os da Diáspora. Em Israel, nosso povo luta contra grupos fundamentalistas que declaram publicamente que visam a aniquilar o Estado de Israel e exterminar todo o Povo Judeu. Fora de Israel, os judeus enfrentam o ressurgimento do antissemitismo ostensivo e violento. Não há mais como negar que antissionismo é uma forma disfarçada de antissemitismo. O atual conflito entre Israel e as organizações terroristas que controlam Gaza se iniciou com o sequestro e assassinato de três jovens judeus, seguido pelo lançamento de milhares de mísseis contra as principais cidades israelenses. O Estado Judeu viu-se obrigado a iniciar uma operação militar para garantir a segurança de seus cidadãos. Ao longo do conflito, Israel tem polarizado a atenção mundial. Muitas pessoas apoiaram a operação militar israelense, pois estão cientes de que Israel tem não apenas o direito, mas a obrigação de defender seus cidadãos contra chuvas de mísseis lançados de Gaza contra a população civil israelense. Em Gaza, mesquitas, hospitais e escolas são utilizados para esconder foguetes e lançá-los contra as cidades israelenses.

Entretanto, são inúmeras as acusações divulgadas pela mídia de que Israel não se importa com a morte de civis. Mas, qualquer pessoa familiarizada com a história do povo judeu sabe quão profundamente os judeus respeitam a vida humana. A verdade é que, em toda a história militar, nenhum exército envolvido em conflito armado tomou tanto cuidado para proteger a vida de civis quanto Israel o faz, diariamente, chegando mesmo a pôr em risco a vida de seus próprios soldados. Não há outra nação que lamente mais a perda de vidas humanas, israelenses ou palestinas, do que Israel. Como bem o disse o Nobel da Paz, Elie Wiesel, “Os pais palestinos, assim como os israelenses, almejam um futuro promissor para seus filhos. E ambos deveriam estar unidos pela paz”. Nos últimos meses, presenciamos a eclosão do antissemitismo, principalmente na Europa, mas o Povo Judeu viu que pode contar com o apoio de bons amigos ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Muitos jornalistas defendem o direito e a obrigação de Israel de se defender.

As cartas de leitores enviadas aos principais jornais do país revelam que o povo brasileiro também compreende a situação de Israel. Somos muitos gratos a todos aqueles que estão ao nosso lado durante esta época difícil. É importante ressaltar que, durante o conflito em Gaza, muitos países árabes, que costumam condenar Israel de antemão, mantiveram-se em silêncio. Vários deles, que nem sequer reconhecem a existência do Estado de Israel, culparam os grupos que controlam Gaza pelo conflito. Essa mudança de postura política é resultado das atrocidades que ocorrem, atualmente, no Oriente Médio. Os líderes árabes moderados finalmente se conscientizaram de que o terrorismo e o fundamentalismo representam uma ameaça não apenas a Israel e ao Ocidente, mas também ao mundo árabe. Os dirigentes da maioria dos países árabes sabem, ainda que não o admitam publicamente, que Israel luta contra organizações que ameaçam não apenas o Estado Judeu e o Oriente Médio, mas o mundo todo. Nós, judeus que vivemos fora de Israel – junto com nossos amigos e aliados – defenderemos Israel contra as mentiras criadas e disseminadas por antissemitas. Ao mesmo tempo, o Estado de Israel continuará a defender os judeus da Diáspora na luta contra o ódio, a intolerância e o antissemitismo. O ex-Primeiro-Ministro da Espanha, José Maria Aznar, declarou: “Se Israel tombar, todos nós tombaremos”. Israel não tombará. E o restante do mundo também não. Cedo ou tarde, a verdade prevalecerá sobre a mentira, a luz sobre a escuridão, a paz sobre a violência e a vida sobre a morte. Aproximam-se os dias sagrados de Rosh Hashaná, em que D’us decide o futuro de todas as Suas criaturas. Que neste novo ano judaico, D’us abençoe o Estado de Israel, os judeus da Diáspora e o mundo todo com uma paz que seja verdadeira e duradoura.

SHANÁ TOVÁ UMETUCÁ!


NOSSAS FESTAS

Rosh Hashaná: Dia de Novos Começos A Haftará lida no primeiro dia de Rosh Hashaná conta a história de Hanna. Trata-se da história de uma mulher estéril, que se tornou um dos modelos históricos do fervor da oração. Em resposta à sua súplica, do fundo do coração, D’us a fez mãe de Shmuel, o maior dos Juízes, um profeta comparado a Moshé e Aaron.

s

hmuel se tornou o líder da nação durante um de seus períodos mais difíceis e ele a trouxe de volta à sua glória anterior. De sua casa em Ramah, ele viajou por toda a Terra de Israel, ensinando, julgando e inspirando. Além disso, foi o profeta que ungiu os primeiros dois reis do Povo Judeu – Shaul e David.

durante uma visita a Shiló, Hanna foi ao Tabernáculo para abrir seu coração a D’us. Eli, o Cohen Gadol, estava sentado no umbral da porta, de onde a observava. “Ela estava profundamente amargurada”, contanos o Livro de Samuel (Shmuel, 1:10), “e ela orou ao Eterno, chorando muito”. Hanna chorava porque, como ensinam nossos Sábios, os portões das lágrimas nunca se O Livro de Shmuel se inicia com a fecham (Talmud, Berachot 32b). história de Hanna, mulher de Elkaná. E ela faz um voto: “Eterno, Senhor Ela era uma mulher que desejava um dos Exércitos! Se olhares para a aflição da Tua serva, Te lembrares filho mais do que tudo no mundo. Mas, há dez anos ela tentava, em vão, de mim e não Te esqueceres da Tua serva, e deres à Tua serva um engravidar. O Tanach nos conta que descendente, eu o darei ao Eterno Elkaná e sua família costumavam por todos os dias da sua vida...” fazer peregrinações a Shiló, onde havia um Tabernáculo, um Mishkan – (ibid 1:11). Hanna prometeu que se o predecessor do Templo Sagrado de fosse abençoada com um filho, ela o Jerusalém. O líder da nação, à época, dedicaria exclusivamente a D’us. Os Sábios nos dizem que Hanna que oficiava nesse Santuário, era pediu por um filho que fosse notável Eli, o Cohen Gadol, um dos maiores juízes, sucessor de Sansão. Certa vez, por sua sabedoria e piedade. 6

Eli, o Cohen Gadol, observava Hanna enquanto ela orava. Somente seus lábios se moviam, mas sua voz não se fazia ouvir. Eli, então, pensa que ela estivesse bêbada. Ele fica perplexo com sua conduta – Hanna era uma das mulheres mais justas à época – e ele se volta aos Urim v’Tumim buscando uma resposta. Urim v’Tumim eram 12 pedras preciosas afixadas no peitoral usado pelo Cohen Gadol, nas quais estavam gravados os nomes das tribos. De acordo com o Zohar, os Urim v’Tumim eram os Nomes de D’us de 42 e de 72 letras, colocados nas dobras do peitoral, que faziam com que as letras gravadas nas pedras se acendessem sequencialmente, de modo a emitir uma resposta a uma pergunta feita pelo Sumo Sacerdote. Eli consultou os Urim v’Tumim e quatro letras se acendem: Shin, Resh, Kaf, Hei. Eli supôs que as


REVISTA MORASHÁ i 85

letras soletrassem a palavra Shikorá – bêbada. Mas, na realidade, as letras deveriam ter-se alinhado para soletrar a palavra KeSará – como Sara. As pedras Urim v’Tumim indicaram a Eli que a mulher que estava diante do Tabernáculo era como a Matriarca Sara, que, como Hanna, era estéril e orou pedindo um filho. As quatro letras significavam também Kesherá – ela é digna. O Gaon de Vilna explica que o erro de Eli em ler os Urim V ’Tumim indicava que a Divina Providência o havia destituído de Inspiração Divina naquele momento. Eli disse a Hanna, “Durante quanto tempo você ficará bêbada? Remova esse vinho de seu corpo!” Hanna protesta dizendo que não estava bêbada. “Não bebi vinho nem bebida alguma forte, e derramei minha alma perante o Eterno. Não julgue que Sua serva seja uma mulher vulgar – pois foi movida por muito sofrimento e raiva que falei até agora”.

Eli, que erroneamente atribuíra a Hanna uma conduta imprópria – profanar o Tabernáculo com sua embriaguez – além de acalmá-la, a abençoa. “Vai-te em paz”, diz-lhe. “O D’us de Israel te concederá o pedido que lhe fizeste” (ibid 1:17). O Livro de Samuel nos conta que “Assim a mulher seguiu seu caminho, e comeu, e não mais era triste o seu semblante”. O Maharal de Praga explica que o rosto de uma pessoa é a janela de sua alma: Quando Hanna estava tão amargurada com sua esterilidade, sua infelicidade se refletia em sua face; mas quando recebeu a bênção do maior homem de sua geração, o brilho em sua face fazia transparecer seu júbilo. Pouco depois a bênção é cumprida. “Elkaná conheceu a Hanna, sua mulher, e o Eterno se lembrou dela. E aconteceu, com a passagem do período de dias em que Hanna 7

concebera, que ela deu à luz um filho. Ela o chamou de Shmuel, e assim disse: ‘Eu o pedi ao Eterno’ ”. Conta o Midrash que Ele a atendeu por causa da fé e confiança de Hanna em D’us (Bereshit Rabah 56:2). Nossos Sábios nos ensinam que as bênçãos são difíceis de se cumprir se a pessoa não tem fé n’Aquele que é a Fonte de todas as bênçãos. Segundo nossos Sábios, D’us “lembrou-Se” de Hanna e ela concebeu em Rosh Hashaná, que é chamado de Yom HaZikaron, o Dia da Recordação. E ensinam que o mesmo ocorreu com Sara, nossa primeira Matriarca – mãe de Yitzhak, nosso segundo Patriarca – que concebeu em Rosh Hashaná. Esses nascimentos, que mudaram o curso da História Judaica, são frequentemente mencionados na liturgia desse dia. Como dissemos acima, a história de Hanna é lida SETEMBRO 2014


NOSSAS FESTAS

como Haftará do primeiro dia de Rosh Hashaná.

O legado de Hanna ao Povo Judeu Hanna trouxe ao mundo não apenas Shmuel, mas também outros filhos. Além de ter-nos dado um dos maiores profetas e juízes, Hanna se tornou o paradigma da prece sincera. Algumas das leis da oração do Shemonê Esrê (a Amidá) derivam das rezas que ela murmurou no Tabernáculo, em Shiló: que se deve orar em silêncio e que as palavras devem ser enunciadas, mas não em voz alta ao ponto de serem ouvidas pelos demais. O Livro de Shmuel registra a Canção de Reza de gratidão de Hanna, que ela compôs após dar à luz a Shmuel.

Sua canção é considerada uma das dez maiores canções proféticas da História. Trata-se de uma série de profecias acerca de futuros milagres de salvação. O tema central é a constatação de que o triunfo e a derrota, riqueza e pobreza, grandeza e degradação, não são condições permanentes, pois as boas ações e a oração podem produzir mudanças na condição humana. Esse é um dos temas fundamentais de Rosh Hashaná. A Canção de Hanna inclui uma prece por seu filho Shmuel: “Eterno, que os que lutam contra ele sejam destroçados. Que os Céus caiam sobre eles. Possa o Eterno julgar até os confins da terra; possa Ele atribuir poder a Seu rei e causar orgulho àqueles que Ele ungiu” (ibid 2:10).

Shmuel ungiu Saul e David – os primeiros reis de Israel – e Hanna orou por seu sucesso. Mas, mais do que uma prece por Shmuel e os reis a quem ele diretamente elevou à grandeza, a Canção de Hanna é uma oração pela Nação Judaica: segundo a Targum Yonatan, ela rezou por todos os judeus ao longo da história, e pelo Mashiach, que é chamado de “ungido por Shmuel” porque ele descenderá do Rei David, a quem Shmuel ungiu (Yalkut Shimoni). Assim, Hanna, mulher estéril que durante muitos anos chorou e pediu por um filho, tornou-se não apenas a mãe de Shmuel – um de nossos maiores profetas e aquele que ungiu nosso maior rei, David, que é um antepassado do Mashiach – mas a mãe de todo o Povo Judeu, para todas as gerações. Não é mera coincidência o fato de que, como nossa Matriarca Sara, estéril, Hanna também concebeu em Rosh Hashaná – a início do Ano Judaico –, dia no qual os judeus de todo o mundo proclamam nas sinagogas a soberania de D’us e se dedicam a Seu serviço, assim como Hanna prometeu que seu primogênito o faria.

Rosh Hashaná: a oportunidade de um novo começo

shmuel é dedicado por hanna, no templo. frank w. w. topham, final séc. 19. mary evans picture gallery, londres

8

Rosh Hashaná, literalmente, a “cabeça do ano”, é o início de um novo ano. É a oportunidade de cada pessoa de começar sua vida de novo. Certamente, a cada dia – ou mesmo, a qualquer momento em nossa vida – podemos optar por tomar diferentes caminhos na vida – melhorar o que é preciso – mas Rosh Hashaná é o momento mais auspicioso do ano para fazê-lo. Trata-se de um novo começo. Um novo ano representa novas possibilidades.


REVISTA MORASHÁ i 85

Muitos de nós se acostumam com o mundo e com a vida do jeito que está. Muitos são pessimistas sobre o futuro do mundo, especialmente à vista dos recentes eventos. Muitos indivíduos e mesmo nações se veem presa de círculos viciosos, e às vezes parece não haver saída. Rosh Hashaná nos ensina que nada na vida é predeterminado – e que o futuro pode ser radicalmente diferente do presente. A história de Hanna nos faz lembrar que é possível não apenas uma mulher estéril conceber, mas dar à luz um profeta. A história de Hanna trata de uma completa reversão do futuro. De fato, não foram apenas nossa primeira Matriarca, Sara, e Hanna que foram lembradas por D’us em Rosh Hashaná. Yossef, filho de Yaacov, também foi lembrado em Rosh Hashaná. Depois de passar 12 anos em uma prisão egípcia, depois de ser acusado de um crime que não tinha cometido, Yossef foi libertado em Rosh Hashaná. Naquele

dia, além de ganhar a liberdade, ele foi elevado da prisão à autoridade suprema. Como relatam as porções finais do Livro de Gênesis, Yossef, após interpretar corretamente os sonhos do Faraó, foi nomeado Vice Rei do Egito. Consideremos, então: na manhã de Rosh Hashaná daquele ano, ele acordara em uma prisão egípcia; naquela noite ele adormeceu como o líder de facto da superpotência da época... A Torá não visa a ser um livro de História Judaica Antiga. É o modelo para a vida de qualquer judeu: suas histórias se aplicam a qualquer judeu. A Torá nos conta a história de Sara, Hanna e de Yossef, porque estas se aplicam a todos nós – em Rosh Hashaná, D’us se lembrou deles e Ele também se lembra de todos nós, Seus filhos. Por meio da oração, do arrependimento – corrigindo nossos erros e fazendo um empenho para melhorar – da tzedaká e da prática de boas ações – atos de santidade e bondade – cada um de nós pode mudar o curso de sua vida. Cada um 9

de nós pode ser elevado da tristeza à alegria, do fracasso ao sucesso, da carência à riqueza – material e espiritualmente. O conceito de destino é estranho ao Judaísmo: em qualquer momento de nossa vida, mas especialmente em Rosh Hashaná, podemos mudar nosso destino. Ao recitarmos as preces neste Rosh Hashaná, ao ouvirmos a Haftará no primeiro dia da festividade, relatando-nos a história de Hanna, levemos a sério as lições por ela transmitidas. Explicamos acima – e isso merece ser repetido – que Hanna concebeu porque tinha fé na bênção de Eli de que o D’us de Israel concederia seu pedido. Nós, também, devemos ter fé – de que se fizermos um esforço honesto, D’us nos abençoará e concederá todos os pedidos de nossos corações. BIBLIOGRAFIA

Nevi’im Rishonim - The Prophets - The Book of Shmuel. Edição Rabino Nosson Scherman - The Artscroll Series. Mesorah Publications, Ltda. SETEMBRO 2014


NOSSAS FESTAS

Algumas leis relacionadas com Yom Kipur Neste ano, Yom Kipur se inicia no dia 3 DE OUTUBRO, sexta-feira, às 17:46h, e termina na noite do dia 4 DE OUTUBRO, ÀS 18:40H. .

C

ostuma-se fazer caparot – abate de um galo, para um homem, e de uma galinha, para uma mulher, no dia 9 de Tishrei de madrugada, 3 de outubro, por um shochet qualificado. Também é possível cumprir este costume com dinheiro, doando-o para tzedacá. É proibido jejuar no dia que precede Yom Kipur, mesmo se este jejum por Taanit Halom. É, ao contrário, uma mitzvá fazer uma refeição adicional. A refeição que antecede o jejum deve ter pão e pratos de fácil digestão e ser concluída 20 minutos antes do pôr-do-sol. Bebidas alcoólicas são proibidas. As mulheres devem acender as velas antes de ir à sinagoga, dizendo a bênção “Lehadlik Ner Shel Shel Shabat Veshel Yom HaKipurim”. Se a mulher quiser locomover-se de automóvel ou usar o elevador antes do início de Yom Kipur, deverá, antes de acender as velas, fazer uma ressalva dizendo que não está

recebendo Yom Kipur com o ato de acendimento das velas. É, porém, necessário antecipar o recebimento de Yom Kipur para antes do pôr-do-sol. É costume os pais abençoarem os filhos, pedindo que estes sejam selados no Livro da Vida e que, em seus corações, permaneça sempre o amor a D’us. Convém também ir à sinagoga antes do pôrdo-sol, para poder participar do Kol Nidrei, a “anulação dos votos”.

Restrições durante Yom Kipur Yom Kipur é o Shabat dos Shabatot e, portanto, todo trabalho profano deve cessar e todas as leis do Shabat devem ser respeitadas. Assim como no Shabat, é proibido carregar sobre si qualquer objeto durante Yom Kipur. Além de observar as leis do Shabat, em Yom Kipur outras cinco restrições são acrescidas: “Não comer, não beber, não trabalhar, não se lavar e nem massagear a 10

pele (perfumes, cremes etc.), não calçar couro, não ter relações conjugais”. O jejum diz respeito tanto aos homens quanto às mulheres, mesmo grávidas ou amamentando. Só em caso de doença ou onde haja algum perigo à vida, o jejum pode ser suspenso (consulte seu rabino). As crianças de 9 a 10 anos podem jejuar algumas horas, e, a partir dos 11 anos, conforme avaliação dos pais, podem jejuar o dia todo. Mas o jejum tornase obrigatório aos 12 anos, para meninas, e aos 13, para meninos. O uso de sapato, sandálias ou tênis de couro é proibido tanto para homens como para mulheres. As crianças também devem ser orientadas neste sentido. Ao término de Yom Kipur, a Havdalá deve ser feita sem bessamim, e a Bênção da Luz deve ser feita sobre uma vela que permaneceu acesa desde o dia anterior.


nossas festas

As Quatro Espécies de Sucot e o que nos ensinam Um dos principais mandamentos da festa de Sucot diz respeito às Quatro Espécies: Lulav, Etrog, Hadáss e Aravá. Cumprimos esse mandamento porque a Torá assim nos ordena. O fato de entendermos a razão para o seu cumprimento – e por que devemos reunir e segurar essas quatro espécies – tem importância secundária. A importância primária é a percepção de que fazê-lo é cumprir a Vontade de D’us.

n

o entanto, a Torá nos estimula a descobrir o significado de seus mandamentos. A raiz da palavra Torá é Hora’á – ensinamento. Cada passagem, lei e mandamento da Torá oferece ensinamentos atemporais e universais. O mandamento das Quatro Espécies de Sucot é um dos mais enigmáticos no Judaísmo. No entanto, transmite muitas lições, especialmente à luz dos ensinamentos do Midrash sobre o simbolismo de cada uma das espécies. Segundo o Midrash, o Lulav – a folhagem fechada da palmeira, que é a mais alta das quatro espécies – simboliza o estudioso da Torá: o judeu que passa a maior parte de seu tempo estudando os livros sagrados. Essas pessoas geralmente levam uma vida isolada: passam a maior parte de

seu tempo na sinagoga, na ieshivá e nas escolas – estudando e ensinando Judaísmo. Como a maior parte de seu tempo, energia e recursos são dedicados a estudar e a ensinar a Torá, eles muito dificilmente deixarão sua Torre de Marfim para realizar um grande número de boas ações. Pouquíssimos dentre eles têm os recursos financeiros para promover grandes atos de benemerência. Muito raramente o rabino de uma sinagoga é quem a mantém financeiramente. É muito raro que um grande erudito em Torá tenha os meios de fundar e financiar escolas e ieshivás, de doar grandes somas a hospitais e refeitórios públicos. Muitos desses eruditos nem passam muito tempo rezando: sua missão na vida é absorver o máximo possível da Torá – a Vontade e a Sabedoria Divina – para depois transmitir o que aprenderam por meio de palestras, livros e aulas. 11

Vale ressaltar que nem todos os judeus personificados pelo Lulav são iguais: um pode ser um grande Sábio e Cabalista, enquanto outro pode ser um professor. Mas, essencialmente, todos eles estão engajados na mesma atividade: por meio de seu estudo, servem de canal para trazer à Terra a Sabedoria Divina, ajudando, assim, a difundi-la entre outros. O Hadáss – ramo da árvore de murta – é outro elemento das Quatro Espécies. De certa forma, é a contraparte do Lulav: um possui o que falta ao outro. O Hadáss representa o judeu que não tem tanta inclinação intelectual ou que simplesmente é muito ocupado para passar horas a fio estudando a Torá. Personifica os judeus que são homens de ação: líderes comunitários, jornalistas, empresários, profissionais, filantropos e ativistas. É raro encontrarmos pessoas desse tipo que tenham tempo SETEMBRO 2014


NOSSAS FESTAS

de passar muitas horas estudando a Torá. Eles são muito ocupados trabalhando ou realizando boas ações para poderem passar dias e noite estudando o Talmud ou mergulhando nos segredos da Cabalá. O Hadáss é o judeu que se ocupa ajudando os demais. Ele pode ser um médico que salva vidas, um cientista que pesquisa a cura das doenças, o soldado que ajuda a proteger os cidadãos de Israel ou o empresário que fornece produtos ou serviços que melhoram nosso mundo. A maioria dos judeus se enquadra nessa categoria. Não importa se a pessoa faz um pequeno donativo mensal para os necessitados ou doa e subsidia sinagogas, escolas e hospitais – se é membro do governo de Israel ou líder de um clube judaico local. O que importa é que a pessoa doa seu tempo ou seus recursos em benefício de outros seres humanos. O Etrog – a cidra amarela, outra das Quatro Espécies – representa o judeu que é um erudito em Torá e um homem de grandes feitos. Tais pessoas são muito raras, mas existem. O Rabi Yehudah HaNassi, conhecido no Talmud como Rebi, foi o maior erudito de sua geração. Foi quem transcreveu a Mishná, resumo da Torá Oral. Ele também era o homem mais rico de Israel e amigo íntimo do imperador romano, à época, Marco Aurélio Antonino. Rebi passava seus dias estudando e ensinando a Torá – e ao transcrever a Mishná, garantiu que a Torá Oral nunca se perdesse. Ao mesmo tempo, Rebi usou sua fortuna e influência para melhorar a vida do Povo Judeu, cujos membros viviam na Terra de Israel sob ocupação romana. Rabi Yehudah HaNassi foi um homem singular na História Judaica, mas houve e há algumas pessoas extraordinárias que foram abençoadas

com os poderes intelectuais e espirituais de se tornarem eruditos em Torá e com os recursos financeiros para realizar grandes atos de benemerência. A Torá chama o Etrog de um belo fruto, e pode-se compreender por que: a pessoa que é tanto um estudioso quanto um líder comunitário é uma bela pessoa, completa. A quarta espécie é o Aravá – um ramo folhoso do salgueiro. Representa o judeu que não é um estudioso nem tampouco um líder ou benfeitor – alguém que não tem riqueza espiritual nem material. Enquanto as três outras espécies representam judeus que possuem e doam algo de si – sabedoria, riqueza ou influência – o Aravá representa aquele que não dispõe desses atributos e, portanto, necessita recebê-los de terceiros. Aparentemente, o Aravá é o oposto do Etrog. À primeira vista, ninguém ia querer ser um Aravá e todos gostariam de ser um Etrog. No entanto, na falta do Aravá, o mandamento das Quatro Espécies não pode ser cumprido. Essa espécie não pode ser substituída por nenhuma das outras. Podemos possuir os Etroguim mais belos e um lindo campo de Lulavim e de Hadassim de onde escolher, mas se faltar o Aravá, não podemos cumprir o mandamento da Torá. Deve-se notar, também, que a bênção feita sobre as Quatro Espécies menciona não o Etrog, mas o Lulav: termina com as palavras “al netilat Lulav”, e não “al netilat Etrog”. Em vista do que dissemos acima, seria de esperar que o Aravá fosse desnecessário para o cumprimento do mandamento e que a bênção fosse feita sobre o Etrog, que representa o judeu em sua totalidade. 12

Por que, então, é o Aravá uma das Quatro Espécies e por que é necessário para o cumprimento da mitzvá? E, ainda, por que a bênção menciona o Lulav e não o Etrog? As respostas a essas perguntas nos ensinam importantes lições sobre o judaísmo e sobre como nos devemos relacionar com outros judeus.

O estudo da Torá e a prática de seus mandamentos O judaísmo é, basicamente, dividido em duas ramificações: o estudo da Torá e a prática de seus mandamentos. Apesar de o estudo da Torá ser, por si só, um mandamento, ele se destaca dos demais porque envolve especialmente a mente, enquanto os demais envolvem o corpo. Quando alguém estuda os comentários da Torá, como os de Rashi, ou o Talmud, ou estuda uma obra do misticismo judaico, é necessário fazer grande empenho intelectual para entender bem o que se está estudando. Mandamentos tais como colocar os Tefilin, acender as velas do Shabat ou dar dinheiro a alguém necessitado não requerem muito esforço mental. O Judaísmo sempre deu imenso valor ao estudo e à educação. Como escreveu Maimônides, alguém que ensina a Torá a crianças não pode interromper o que faz mesmo se for convocado para construir o Terceiro Templo Sagrado de Jerusalém. Não há nada mais importante do que a educação das crianças. Analogamente, o Talmud compara aquele que estuda a Torá com o Cohen Gadol, o Sumo Sacerdote, quando entrava no Kodesh HaKodashim em Yom Kipur. Há inúmeras razões para o Judaísmo dar tanta importância ao estudo da


REVISTA MORASHÁ i 85

sinagoga portuguesa de amsterdã durante hoshaná rabá, gravura de bernard picart, 1725

Torá. Uma dessas razões é que sem o conhecimento não pode haver ações adequadas. Isso é óbvio, não apenas em questões de fé e moral, mas mesmo em assuntos seculares: para ser médico, é necessário estudar Medicina; para ser engenheiro, é necessário estudar Engenharia. A prática da Medicina ou Engenharia sem o conhecimento necessário pode ter consequências catastróficas. Da mesma forma, para cumprir propriamente os mandamentos da Torá – para saber o que D’us espera de nós, tanto em relação a Ele quanto em relação aos seres humanos – precisamos estudá-los. No entanto, há uma enorme diferença entre o estudo da Torá e o dos assuntos seculares. Quando se estuda Contabilidade na faculdade, é por um propósito prático. O estudo da Torá, por outro lado, não precisa necessariamente ser

prático. Estudamos certos assuntos da Torá que não têm valor prático algum. E o fazemos porque, como ensinam nossos Sábios e místicos, a Torá não é apenas uma obra de autoria Divina ou um livro de leis e ensinamentos morais: é a própria Vontade e Sabedoria de D’us. E como D’us é indivisível, Ele e sua Vontade e Sabedoria são unos. Portanto, sempre que assimilamos algo da Torá, estamos, por assim dizer, apreendendo algo do Próprio D’us. Como o descreve o Ba’al HaTanya: quando compreendemos um tema da Torá, nossa mente se torna interligada com D’us: a mente humana abraça e é abraçada pela Mente Divina. Essa fusão entre a Mente Divina Infinita e a finita mente humana ocorre apenas por meio do estudo da Torá. Ademais, a mente é a maior faculdade do homem. Como bem o sabemos, a mente é o sistema central 13

do organismo: não conseguimos sequer mover um dedo ou dar um suspiro sem nossa mente. Não surpreende que os Cabalistas ensinem que a mente é a sede da alma humana. Mediante o estudo da Torá, ligamos nossa faculdade mais preciosa a D’us: fundimos nossa alma com Sua Raiz e Essência. Pode-se argumentar que a Filosofia também é um tema essencialmente intelectual e carente de espírito prático, que trata de assuntos profundos. Contudo, a diferença entre o estudo de Filosofia e de Torá é que o primeiro é a sabedoria humana – se origina na mente humana – ao passo que a Torá é a Sabedoria Divina. Não podemos comparar a sabedoria do homem com a de D’us. Fazê-lo sequer é blasfemar – é simplesmente tolice. À luz do que explicamos acima, podemos entender por que a SETEMBRO 2014


NOSSAS FESTAS

sucot, 1894-95. obra de leopold pilchouski. jewish museum, nova york

bênção feita antes de cumprir o mandamento das Quatro Espécies menciona o Lulav. O estudo da Torá é a base do Judaísmo e o meio pelo qual o homem realiza a maior união possível entre sua alma e D’us. Um de nossos Sábios que personificou o Lulav foi Rabi Shimon Bar Yochai. Ele foi um mestre tanto das dimensões exotéricas (ou reveladas) quanto das esotéricas (ou obscuras) da Torá. Ele é um dos pilares da Lei Judaica – praticamente todos os capítulos do Talmud fazem menção ao seu nome – e ele também foi o autor do Zohar, o “Livro do Esplendor”, obra fundamental da Cabalá. Rabi Shimon cumpriu muitos mandamentos da Torá, obviamente, mas sua principal atividade na vida era estudá-la e ensiná-la. Em virtude de sua dedicação ímpar ao estudo da Torá, em especial às suas dimensões místicas, ele revolucionou o Judaísmo e trouxe muita luz ao mundo – para judeus e não judeus.

Como a Torá é a Luz Divina, quanto mais a pessoa a estudar e ensinar, mais estará ajudando a iluminar o mundo. De fato, a Torá é a fonte de energia do mundo. Os místicos ensinam que se o estudo da Torá fosse completamente suspenso por um segundo sequer, o mundo deixaria de existir. Se, em algum momento, nenhum judeu estudasse a Torá, os Céus e a Terra deixariam de existir. Os Sábios da Torá – os verdadeiros eruditos em Torá, não os oportunistas e charlatões, que a utilizam por motivos políticos e financeiros – sustentam o mundo. Isso significa, então, que D´us quer que todos os Filhos de Israel sejam o tipo de judeu personificado pelo Lulav? Considerando a suprema importância do estudo da Torá, deveríamos, então, almejar ser como Rabi Shimon Bar Yochai? Não, e não apenas pela razão óbvia – porque nem todos têm a inclinação intelectual, a capacidade e o desejo de passar os dias estudando e 14

transmitindo os ensinamentos da Torá –, mas porque, como ensina o Midrash: “D’us criou o mundo para que Ele possa ter uma morada aqui embaixo”. A simples explanação dessa enigmática declaração é que D’us deseja que o homem – todos os seres humanos, não apenas o Povo Judeu – aperfeiçoe o mundo. D’us não criou o homem para que este passasse seus dias buscando prazer e entretenimento – “comer, beber e farrear” – mas, Ele tampouco quer que a maioria dos seres humanos passe toda a sua vida orando e estudando a Torá: Ele já tem miríades e miríades de anjos no Céu que o fazem. D’us criou o homem – uma criatura que é uma mistura dos Céus e da Terra – para se aperfeiçoar e aperfeiçoar o mundo. E a maneira de o fazer é realizando a Vontade de D’us – cumprindo os mandamentos da Torá. Há dois tipos gerais de mandamentos na Torá – entre o homem e seu Criador, e entre o homem e os outros seres humanos. Mandamentos como colocar Tefilin, comer Matzá em Pessach e segurar as Quatro Espécies em Sucot fazem parte da primeira categoria. Os outros, como honrar pai e mãe, professores e idosos; ajudar os necessitados – financeira, psicológica e emocionalmente; e realizar atos de bondade e justiça são exemplos do outro tipo de mandamentos. O Hadáss simboliza os judeus que se ocupam cumprindo o propósito Divino ao criar o mundo. Cada vez que uma pessoa cumpre um mandamento, ela traz uma nova luz ao mundo. Cada vez que um judeu cumpre corretamente o mandamento dos Tefilin, ele atrai a Shechiná – a Presença Divina – tornando-se, portanto, um canal para bênçãos Divinas e abundância para nosso


REVISTA MORASHÁ i 85

mundo físico. Quando um judeu doa de si – de sua riqueza, de seu tempo, de seus talentos – para ajudar os demais, ele está transformando o mundo em um lugar melhor e mais Divino – uma morada adequada para seu Criador. De certa forma, o Hadáss é superior ao Lulav. Este aperfeiçoa aqueles a quem consegue ensinar; o Hadáss aperfeiçoa o mundo como um todo. O primeiro tipo de judeu melhora o mundo espiritualmente, ao passo que o segundo, o melhora fisicamente. Precisamos dos dois, é claro, e é por isso que, como dissemos acima, o Judaísmo é dividido em duas vertentes principais: o estudo da Torá e o cumprimento de seus mandamentos. Uma complementa a outra. O mundo precisa de grandes mentes, mas também necessita de grandes corações. Necessita de Sábios, eruditos, místicos e professores, mas também necessita de filantropos e líderes, médicos e cientistas. O homem necessita de alimento espiritual, que é o estudo da Torá, mas necessita, também, do alimento físico, que se torna mais abundante à medida que mais e mais pessoas se incumbem de melhorar o mundo.

natureza morta, com objetos do cultojudaico. Issachar ryback. óleo e colagem sobre tela. museu de israel, jerusalém.

À vista do que explicamos acima, deveria ser claro por que o Lulav e o Hadáss se auto-superam em vários aspectos. Mas não seria o Etrog superior a ambos? Se este simboliza as virtudes tanto do Lulav quanto do Hadáss, não deveria naturalmente ser a opção preferencial? Em outras palavras, na presença do Etrog, para que se necessita do Lulav e do Hadáss?

história – um ser humano não pode ser um extraordinário erudito em Torá e um homem de grandes atos benemerentes. Exceto homens como Moshé Rabenu e Rabi Yehudah HaNassi, um judeu não pode ser o maior dos Sábios e um grande líder de sua geração. A maioria das pessoas tem que fazer escolhas na vida: não se pode ser o Rabino Chefe e ao mesmo tempo Primeiro Ministro de Israel.

A resposta é que exceto para homens como o Rabi Yehudah HaNassi – e tais homens foram extremamente raros em toda a

Somos limitados pelo tempo e espaço e energia: se a pessoa opta por dedicar todo o seu tempo e energia ao estudo e ensino da Torá, ela não 15

A maior lição do mandamento das Quatro Espécies: que a força do Povo Judeu – física e espiritual – depende de nossa união. Cada um de nós, judeus, é absolutamente necessário para nosso povo SETEMBRO 2014


NOSSAS FESTAS

terá condições de se dedicar a outras coisas com o mesmo afinco. Poderá herdar uma fortuna, ganhar a loteria ou mesmo investir em uma empresa e se tornar multimilionária – e, com sua riqueza, contribuir para tornar o mundo um lugar melhor. Mas se ela passa todo o seu tempo na sinagoga ou na ieshivá, não terá condições de sair pelo mundo para melhorá-lo. Por outro lado, aquele que segue uma carreira profissional pode ser abençoado em seu estudo da Torá – pode adquirir muito conhecimento em relativamente pouco tempo – mas é pouquíssimo provável que se torne um grande especialista na Halachá ou um místico. O Etrog é a mais bela das Quatro Espécies porque nada lhe falta. Simboliza o equilíbrio da vida: sabedoria e boas ações; conhecimento que leva à ação. Mas o Etrog não é tão especializado quanto o Lulav e o Hadáss, e, portanto, não é necessariamente superior às demais espécies. O tipo de judeu simbolizado pelo Etrog pode conhecer menos da Torá que o judeu personificado pelo Lulav e pode realizar um menor número de boas ações do que a pessoa personificada pelo Hadáss.

reuníssemos nove dentre os maiores Sábios de todos os tempos, não bastaria para formar um Minyan. Na ausência de um Minyan, a Torá não pode ser lida em público e as orações do Kadish, Barechu e Kedushá não podem ser recitadas. Por outro lado, se 10 dos judeus mais simples e incultos jamais vistos se reunissem, estes sim, poderiam constituir um Minyan. O que 10 judeus simples – o que 10 Aravot – conseguem fazer – 9 Etroguim – 9 Moshé Rabenus – não conseguem. Sem o Aravá, o mandamento das Quatro Espécies não pode ser cumprido. De modo similar, se qualquer segmento do Povo Judeu fosse excluído, nós nos tornaríamos um organismo deficiente. Há outra lição fundamental que nos ensina o Aravá: o bitul – autoanulação. O Talmud ensina que nada desagrada mais a D’us do que a arrogância. Nossos Sábios dizem que o Todo Poderoso pode mesmo suportar um pecador, mas não uma

pessoa arrogante. A arrogância é a antítese da Divindade: uma pessoa que é cheia de si não deixa espaço para os demais – nem mesmo para D’us. E como D’us preenche toda a Terra, a pessoa arrogante ocupa espaços que não lhe pertencem. O Judaísmo enfatiza que o conceito de bitul é uma marca de santidade, ao passo que a arrogância é um símbolo de idolatria e profanação. Como atesta a Torá, Moshé, o maior dos profetas – o homem mais realizado de todos os tempos, o único que falou com D’us face a face – também foi o mais humilde que jamais viveu. Chama atenção o fato de que na Torá, Moshé não é chamado de o maior dos eruditos nem de o melhor dos líderes, mas do homem mais humilde que já existiu. Ele, o maior de todos os homens – o Etrog supremo – considerava-se um Aravá. Um judeu que é um Aravá não está mais distante de D’us do que quem é um Etrog, Lulav ou Hadáss. Na verdade, sua humildade abre espaço para que a Luz Divina brilhe dentro dele. Como ele não é orgulhoso de seus conhecimentos nem de seus feitos, ele não é arrogante, o que seria a antítese da santidade.

E o Aravá? Aparentemente, é inferior às outras três espécies. Podemos até perguntar-nos por que é uma das Quatro Espécies. No entanto, não apenas é necessário para o cumprimento desse mandamento, mas, de certa maneira, é superior às demais três espécies, pois nos ensina que um judeu não necessita estudar a Torá nem mesmo praticar os mandamentos para ser um judeu.

O Talmud ensina que Rabi Yehudah HaNassi, Rebi, que, como dissemos acima, exemplificou o Etrog, era a personificação da humildade. Para se tornar um verdadeiro Etrog, como ele, a pessoa primeiro tem que se considerar um Aravá.

As Quatro Espécies e a Unidade Judaica

O Aravá transmite um conceito fundamental no Judaísmo: que o judeu não é definido pelo que ele sabe ou faz, mas pelo que é. Esse conceito tem ramificações práticas sobre a Lei Judaica. Por exemplo, se

O mandamento das Quatro Espécies é uma lição de unidade judaica. O Povo Judeu não pode estar 16


REVISTA MORASHÁ i 85

completo na ausência de qualquer judeu – mesmo se for um daqueles que são vistos pelos outros como Aravot. Precisamos de irmãos nossos que sejam Lulavim, Hadassim, Etroguim e Aravot. Todo judeu tem sua missão na Terra – tanto em relação a D’us quanto em relação aos demais homens e ao mundo, em geral. Não é coincidência que o mandamento das Quatro Espécies se aplique apenas durante os sete dias da festa de Sucot, conhecida como a “época de nosso júbilo”. Isso porque a unidade judaica leva à paz e à força, que por sua vez leva ao júbilo genuíno, enquanto que a divisão e o desentendimento entre judeus levam a conflitos, fraqueza e derrota. Há uma passagem no Talmud que discute de que forma o mandamento das Quatro Espécies é uma expressão da necessidade da unidade judaica. O Talmud ensina (Menachot, 27a), acerca das Quatro Espécies: duas delas (Etrog e Lulav) dão frutos e

duas delas (Hadáss e Aravá) não dão frutos. As que dão frutos necessitam das que não dão e as que não dão frutos necessitam daquelas que os dão… E, assim também, quando o Povo Judeu suplica a D’us, somente é atendido se estiver unido em um único grupo, como está escrito: “É Ele quem constrói suas câmaras superiores nos Céus e fundou Seu arco na Terra” (Amos 9:6). Rashi, o comentarista clássico da Torá, explica esse verso bíblico: “Somente quando Seu grupo (o Povo Judeu) está unido, eles são encontrados sobre a Terra”: ou seja, apenas quando os judeus estão unidos, há base para que seus pedidos sejam aceitos nos Céus. Rashi vai mais longe: Em tempo de necessidade, é declarado um jejum comunitário e a eficácia do jejum depende da participação unida de toda a comunidade judaica – tanto os justos quanto os não justos – assim como o mandamento das Quatro Espécies requer o produto 17

das árvores frutíferas quanto das infrutíferas. Essa é talvez a maior lição do mandamento das Quatro Espécies: que a força do Povo Judeu – física e espiritual – depende de nossa união. Cada um de nós, judeus, é absolutamente necessário para nosso povo. Quer nos consideremos como um Lulav, um Hadáss, um Etrog ou um Aravá, somos indispensáveis para a Nação Judaica. Cabe, portanto, a cada judeu fortalecer seus vínculos de amor com outros judeus, em Israel e na Diáspora, para que as súplicas de nosso povo por paz, segurança e sucesso possam ser aceitas nos Céus. BIBLIOGRAFIA

Rabi Menachem Mendel Schneerson Likutei Sichot Rabi Shneur Zalman m’Liadi - Likutei Amarim (Tanya) Talmud Bavli (Menachot) SETEMBRO 2014


HISTÓRIA

OPERAÇÃO SECRETA POR zevi ghivelder

Num domingo de intenso verão, dia 1º de julho de 1945, o jovem americano Rudolf G. Sonnenborn, 47 anos, providenciou a colocação de vinte cadeiras na sala de estar de sua espetacular cobertura, na Rua 57 Leste de Nova York, e que fossem preparados sanduíches e sucos para as visitas que receberia naquela manhã.

d

judeus: organizações sionistas, líderes religiosos, grupos de jovens, líderes comunitários e filantropos conhecidos por suas fortunas e passíveis de futuras generosidades.

O primeiro a chegar foi David Ben Gurion, então com 59 anos de idade, colarinho branco aberto sobre as abas do paletó, a cabeça já coberta por revoltos cabelos brancos. Somente o anfitrião sabia sua origem, ninguém mais. Ben Gurion se encontrava há cerca de um mês nos Estados Unidos, onde se dedicava dia e noite a reuniões com incontáveis

A comunidade judaica americana já tomara conhecimento do Holocausto e se mostrava disposta a estender toda ajuda possível aos sobreviventes refugiados, inclusive fazendo pressão junto à Casa Branca para a concessão de vistos. Sonnenborn fez uma breve apresentação daquele homem que lhes falaria, vindo da remota Palestina. As pessoas presentes estavam a par do que havia acontecido naquela parte do mundo, tinham conhecimento da Declaração Balfour (documento britânico de 1917 que admitia a existência de um lar nacional na Palestina para os judeus), sabiam que milhares de judeus ali haviam estabelecido colônias agrícolas coletivas, os kibutzim, mas suas prioridades

escendente de uma abastada família judaica de origem alemã, radicada em Baltimore, ele atuava como diretor-executivo de uma empresa multimilionária do ramo do petróleo e servira como aviador da marinha americana durante a 1ª Guerra Mundial. Os convidados para o dito encontro haviam sido convocados através de telegramas enviados para diversas cidades dos Estados Unidos e do Canadá. Seus destinatários eram conhecidos milionários judeus.

18

estavam focadas nas questões da comunidade judaica americana ainda submetida a surtos de antissemitismo e, só em segundo lugar, no problema dos refugiados. Ben Gurion começou fazendo referência justamente aos seis milhões de judeus assassinados pelo nazismo. Os principais centros judaicos do leste europeu, disse ele, haviam sido dizimados e os refugiados não tinham para onde ir, não havia países dispostos a abrigálos e as portas da Palestina estavam trancadas por força do White Paper (documento que banira a imigração para a Palestina) emitido pelos mandatários britânicos. Portanto, acentuou Ben Gurion, só um lugar no planeta poderia absorver aqueles despojados: a então Palestina, a Terra Santa, a Terra de Sion, Eretz Israel. Prosseguiu: “Vou lhes ser sincero. Lá somos 600 mil judeus contra mais de um milhão de árabes. Só poderemos ter um Estado judaico se viermos a ser a maioria.


REVISTA MORASHÁ i 85

Navio da Haganá, com sobreviventes do Holocausto a bordo, no porto de Haifa. 1947

Não vou entrar no mérito do sionismo como doutrina ou como movimento nacional. Preciso da ajuda de vocês para termos o nosso país e para acolhermos nossos irmãos. Quando os ingleses terminarem seu mandato, haverá um vácuo na Palestina, um vácuo que nós precisaremos preencher. Sei que seremos atacados pelos árabes e teremos que lutar. Para isso contaremos com a Haganá, o exército clandestino que estamos formando. Tenho muitas dúvidas sobre tudo, mas também tenho uma certeza: sem a participação de vocês, nada será alcançado”.

certamente havia sensibilizado suas mentes e corações, acrescido de um rigoroso compromisso de confidencialidade. Anos mais tarde, Sonnenborn anotou em seu diário: “Naquele dia memorável nós fomos convocados para nos tornarmos o braço americano de uma organização

Alguns dos presentes fizeram perguntas a Ben Gurion, que as respondeu com absoluta clareza, mas a reunião terminou de forma quase sombria. Ninguém foi instado a declarar qual seria a sua contribuição em dinheiro, mas o relato do emissário da Palestina 19

clandestina chamada Haganá. Não sabíamos quando nem como seríamos chamados, mas sabíamos que tínhamos que estar a postos”. Um jovem judeu chamado Philip Alpert obtivera sua graduação em Berkeley e ganhava alguns trocados trabalhando no departamento de engenharia mecânica daquela universidade. Em busca de uma situação melhor, foi para Nova York onde passou a morar na casa de um tio. Vasculhava os classificados dos jornais e encontrava oportunidades de emprego em Connecticut e Nova Jersey, mas preferia permanecer em Manhattan. Um dia, encontrou-se por acaso com um amigo que, como ele, havia pertencido anos antes a um grupo de jovens sionistas. Disse o amigo: “Phil, há um trabalho que pode te interessar. É no ramo da engenharia e tem alguma coisa a ver com a Palestina. É só o que eu sei para te informar”. Marcaram um SETEMBRO 2014


HISTÓRIA

segunda-feira”. Slavin foi categórico: “Nada disso. Você começa amanhã”. Slavin alugou um apartamento com cinco quartos no número 512 da rua 112 Oeste, perto da Universidade de Colúmbia.

encontro para o dia seguinte num apartamento perto da Grand Central Station. Quando bateram numa porta do 12o andar, esta foi aberta por um sujeito de aparência eslávica, com cara amarrada, quarenta e poucos anos. Era Chaim Slavin, nascido na Rússia, que chegara à então Palestina em 1924. Ali se formou em engenharia elétrica e obteve emprego como responsável pela estação geradora de energia de Tel Aviv. Foi atraído pela Haganá e encarregado por Ben Gurion para implantar uma oficina de produção de armas que serviriam para abastecer a Haganá, trabalhando sem levantar suspeitas dos ingleses. Habilidoso, transformou sucatas e peças metálicas numa linha de produção com potencial industrial. Logo após o término da 2ª Guerra Mundial, foi mandado para os Estados Unidos com a missão de adquirir maquinário destinado a fins bélicos: armamentos e munições restantes do conflito na Europa e no Pacífico, além de se dedicar à fabricação de armas por iniciativa própria. Slavin não falava uma só palavra de inglês e, com a ajuda do amigo de Alpert, revelou que antes

Rudolf G. Sonnenborn

de mais nada precisava comprar tubos de ferro e aço com os quais pretendia manufaturar morteiros. Ao término da explanação, o jovem de Berkeley perguntou: “Isto é proibido pela lei americana?” Slavin foi fiel à verdade. Respondeu que a legislação dos Estados Unidos, no tocante ao excedente de armamentos, era complexa, contraditória e imprevisível em função dos rumos da política externa do país. Assim, a atividade seria ao mesmo tempo legal e ilegal. Alpert hesitou alguns minutos e disse: “Tudo bem. Posso começar na

A primeira tarefa de ambos consistia em elaborar em papel vegetal os projetos dos quais se valeriam após a aquisição dos materiais necessários. Usando o codinome Auerbach, Slavin mandava telegramas semanais para a Agência Judaica informando sobre o desenvolvimento dos trabalhos. Alpert contava com fornecedores no Bronx que lhe vendiam cartuchos com munições. Mas, decorrido algum tempo, seu trabalho ficou mais fácil. O governo americano criou um departamento chamado Administração de Bens de Guerra, encarregado de vender em leilão, somente para empresas legalmente estabelecidas, algumas de suas fábricas de materiais bélicos e outros suprimentos militares. Alpert e Slavin fizeram uma lista de todas as empresas que participariam dos leilões e quais delas poderiam estar interessadas em revender os itens que tivessem arrematado e que lhes pudessem ser úteis. Nessa tarefa, Alpert e Slavin percorreram os Estados Unidos de costa a costa, de alto a baixo, fazendo compras a preços muito mais acessíveis do que os de mercado. De posse de materiais portáteis e dos projetos bem desenhados e finalizados, eles cruzaram a fronteira para o Canadá, de onde conseguiram despachar tudo para a Palestina antes do prazo previsto. O casal Ruby e Fannie Barnett havia comprado em 1944, num leilão federal de falência, um hotel situado no número 14 da Rua 60 Leste. Deram um dinheiro vivo

Membros do primeiro curso de pilotos da Haganá. 1938

20


REVISTA MORASHÁ i 85

como entrada e assumiram uma hipoteca no valor de 800 mil dólares, importância salgada para aquela época. Ele já tinha trabalhado como advogado e contador e ela era uma loura bonita já engajada em atividades sionistas. Durante a guerra, quando Chaim Weizmann foi a Nova York, Fannie trabalhou como sua secretária. Assim que o prédio foi reformado, o Hotel 14 passou a abrigar hóspedes ilustres como residentes permanentes. No subsolo do hotel ficava a boate Copacabana, a mais concorrida de Nova York, frequentada pela alta sociedade de Nova York e celebridades como o famoso jornalista Walter Winchell. Parte dos espetáculos ali apresentados contava com dois astros: Groucho Marx e Carmen Miranda. Ao piano, quem comandava o show era o comediante Jimmy Durante. Certa ocasião, o hotel recebeu um hóspede chamado Reuven Zaslani, que, por sua discrição e mutismo chamou a atenção de Ruby. Ele perguntou à mulher se ela sabia de quem se tratava. Fannie respondeu: “Sei que veio da Palestina e parece que foi espião infiltrado nos países árabes”. Num domingo à tarde, Ruby viu o misterioso hóspede se encontrar na porta do hotel com David Ben Gurion, que estava justamente vindo da reunião no apartamento de Sonnenborn. Perguntou à mulher se aquela ligação com palestinos não lhes traria problemas e ela informou que, em breve, acolheriam um dos mais importantes líderes da Agência Judaica, sediada em Jerusalém. Tratava-se de Jacob Dostrovsky, cuja família havia imigrado para a então Palestina depois do pogrom (massacre) perpetrado pelos russos em Odessa, em 1905. Depois de servir na Brigada Judaica durante a

Combatentes da Haganá. Dezembro, 1947

guerra, ele havia estudado engenharia na Bélgica e regressado a Tel Aviv, em 1926, quando se filiou à Haganá e passou a chefiar as atividades da organização na cidade de Haifa. Em 1939 foi nomeado chefe do estado maior da Haganá, posto que manteve durante sete anos, até ser enviado para os Estados Unidos com a missão de adquirir armamentos. No quarto que ocupou no Hotel 14, Dostrovsky se manteve fiel à disciplina militar a que estava acostumado. Colou na parede um grande mapa dos Estados Unidos, pontilhado por pinos de cores diferentes: uma cor para reuniões e encontros reservados, outra para personalidades, outra para planos e

outra para resultados. Oficialmente, dedicava-se à arrecadação de fundos e mantinha um escritório na sede da Agência Judaica em Nova York. Fannie atuava como sua secretária. Ele passava quase todo o tempo ditando cartas, que, de forma gentil, porém insistente, pediam às pessoas que honrassem as contribuições prometidas. As respostas eram desalentadoras e isto apenas contribuía para que ele dobrasse a quantidade de cartas. Ao mesmo tempo, criou uma série de empresas fantasmas, todas destinadas ao transporte de refugiados, desafiando o bloqueio imposto pelos britânicos que, depois da guerra, só haviam permitido a entrada de 100 mil judeus na Palestina. Os nomes das companhias eram, entre outros, curiosos: Caribbean Atlantic Steamship e Pine Tree Industries. Dostrovsky e Slavin se reuniam regularmente no Hotel 14. Passavam em revista a situação dos armamentos e tomavam providências no sentido de adquirir dezenas de diferentes materiais necessários para a Haganá e para os pioneiros da

21

SETEMBRO 2014


HISTÓRIA

reposição fosse feita. Como se não bastasse, os ingleses desfecharam o chamado Sábado Negro, no qual prenderam todos os líderes da Agência Judaica.

Combatentes da Haganá treinam no vale de Yizreel. Março,1948

Terra Santa. Um de seus principais achados na América foi um jovem engenheiro eletrônico chamado Dan Fiderblum, 21 anos de idade, morador de Yonkers, perto de Nova York. Como era muito moço para servir durante a guerra, fizera um curso ministrado na Universidade de Nova York pelo Corpo de Sinaleiros do exército americano. A pedido de Dostrovsky, o rapaz convocou um grupo de jovens judeus talentosos, alguns veteranos do Corpo de Sinaleiros, familiarizados com as mais modernas inovações eletrônicas. Sua missão era fabricar o maior número possível de rádios portáteis que serviriam para a comunicação entre os kibutzim e os centros da Agência Judaica na então Palestina, operando numa frequência que não pudesse ser detectada pelos ingleses. Tudo funcionou a contento e foi enviado para Jerusalém. Finda essa tarefa, dias depois Ruby Barnett e Jacob Dostrovsky dirigiram-se ao Hotel McAlpin, no centro de Manhattan. Junto à porta de um dos salões, um pequeno dístico

informava: almoço em homenagem a Rudolf. G. Sonnenborn. Desde a reunião em seu apartamento, Sonnenborn enfatizava com seus amigos e amigos dos amigos a grave situação em curso na então Palestina. Os mandatários britânicos haviam descoberto e confiscado em esconderijos da Haganá mais de 600 rifles, pistolas, morteiros e metralhadoras. Era urgente que uma

coronel david “mickey” marcus

22

Ben Gurion escapou porque se encontrava em Paris. O grupo reunido em torno da mesa intitulouse Instituto Sonnenborn. Acertaram que eles se reuniriam ao meio-dia de todas as quintas-feiras, no mesmo hotel. Sonnenborn acentuou de forma dramática que, doravante, tudo deveria ser guardado no mais absoluto segredo porque o FBI começava a se aproximar de seus passos. A prioridade seria a aquisição de navios de quaisquer calados para transportar armas e refugiados a par de uma miríade de produtos que sempre seriam úteis para a Haganá. Na reunião do dia 16 de outubro de 1946, ficou combinado que, a cada quinta-feira, a soma arrecadada deveria atingir a soma de 100 mil dólares, de modo a poderem contar com 1 milhão de dólares no fim do ano. Sonnenborn insistia em dizer que eles não eram uma organização formal, não havia comitês, nem comissões, nem pessoas privilegiadas e muito menos papéis timbrados. Entretanto, o Instituto havia se transformado numa verdadeira e operosa instituição. O último almoço do qual Dostrovsky participou, foi na primavera de 1947. Tinha recebido ordens para regressar a Jerusalém e reassumir seu posto na Haganá. O Instituto Sonnenborn buscava ajudas, sem cessar, em todos os cantos do país. Assim entraram em contato com o coronel David “Mickey” Marcus, graduado de West Point, que servira no quartelgeneral de Eisenhower em Londres, durante a guerra. Ele se voluntariou para atuar como conselheiro da Haganá e chegou à então Palestina


REVISTA MORASHÁ i 85

em março de 1948. Jerusalém estava bloqueada pelos árabes e o grande feito de Marcus foi comandar a abertura de uma estrada alternativa que recebeu o nome de Burma Road, referência a uma complicada estrada construída pelos ingleses na Birmânia. Ben Gurion destacou-o para um dos comandos da Haganá. Certa noite, em junho, nas cercanias da Jerusalém já desbloqueada, Marcus foi abordado à distância por um sentinela que a ele se dirigiu em hebraico. Como não soubesse responder, o rapaz tomou-o por inimigo e deu-lhe um tiro mortal. O corpo de David Marcus foi transportado para ser sepultado em West Point. Em sua guarda de honra se encontrava um jovem representante da Haganá chamado Moshe Dayan. No verão de 1947, o Instituto entrou em contato com Nahum Bernstein, um dos mais respeitados advogados de Manhattan. Durante a guerra ele havia atuado na OSS, o serviço de inteligência americano que antecedeu a CIA. Ele compareceu a um dos almoços das quintas-feiras e fez amizade instantânea com Sonnenborn, que lhe disse: “Precisamos de uma pessoa como você para uma tarefa que ninguém é capaz de executar nos Estados Unidos”. Essa tarefa consistia em criar uma espécie de escola que ensinasse sistemas de códigos e a difícil habilidade para elaborar e decifrar mensagens criptografadas. Bernstein encontrou obstáculos para encontrar judeus especialistas naquelas matérias. Acabou entrando em contato com um antigo colega da OSS, Geoffrey Mort-Smith, cristão evangélico que se dizia descendente de índios. Era um gênio na criptografia e também

na matemática, jogos de bridge e de xadrez, além de um profundo conhecedor da obra de Bach. Ele concordou de imediato em ser o professor dos professores na escola de Bernstein, que já contava com 60 alunos. Estes foram incumbidos de uma missão especial: elaborar um código à prova de ser decifrado que servisse para a comunicação entre o Instituto e a Haganá, na então Palestina. Decorridas algumas semanas, o novo código começou a funcionar com perfeição e totalmente blindado. No dia 25 de outubro de 1947, faltando pouco mais de um mês para a votação sobre a partilha da Palestina nas Nações Unidas, realizou-se no Hotel Waldorf Astoria mais um almoço em homenagem a Rudolf G. Sonnenborn. Estavam presentes 55 convidados vindos de diversos estados americanos. O anfitrião tomou a palavra e fez um relato referente às difíceis atividades dos representantes da Agência Judaica na sede da ONU, então localizada em Lake Success, perto de Nova York, no sentido de conseguir dois terços dos votos da

yehuda arazi

Assembleia Geral para a aprovação da partilha. Em seguida, apresentou um convidado especial, que vestia uma farda do exército inglês e falava com um impecável e sofisticado sotaque de Cambridge. Era o major Audrey Ebban, mais tarde mundialmente conhecido como Abba Ebban. Este focou seu breve discurso num ponto fundamental: se a partilha não fosse aprovada, não haveria um Estado Judeu. Informou que os

Membro da Haganá lendo as notícias no transmissor ilegal. 10 de abril de 1948

23

SETEMBRO 2014


HISTÓRIA

Estados Unidos e a União Soviética se mostravam a favor da partilha, mas era preciso conquistar os votos de pelo menos 23 países. Portanto, os presentes, donos e diretores de empresas multinacionais, deveriam estender seus contatos mundo afora para obter o engajamento dos governos aos quais tinham acesso. Àquela altura, hospedou-se no Hotel 14 mais um jovem palestino chamado Yehuda Arazi. Seguindo instruções diretas de Ben Gurion, a ele competiria a tarefa de adquirir determinados tipos de armamentos que até então eram indispensáveis e faltavam à Haganá. No decorrer de sua missão secreta, Arazi usou vários nomes: Joseph Tenembaum, José de la Paz, rabino Leflowitz, Dr. Scwartz, Dr. Oppenheim e Albert Miller. Seu êxito foi notável nessa tarefa, sobretudo no suborno de capitães de navios mercantes de inúmeras nacionalidades, que transportavam os armamentos para a então Palestina. Tudo ficou ainda mais complicado quando os Estados Unidos, após a aprovação da partilha, declararam um embargo para as exportações para a Palestina, cientes de que as

armas eram embaladas sob diferentes disfarces. Mesmo assim, Arazi não desistiu e foi dando voltas por cima. Em seguida, registrou-se um novo hóspede no Hotel 14, chamado Teddy Kollek, nascido em Budapeste, criado em Viena, e um dos pioneiros fundadores do kibutz Ein Guev, às margens do Mar da Galileia. Teddy já possuía vasta experiência em tratativas internacionais e, inclusive, negociara diretamente com Eichmann, durante a guerra, a libertação de mais de 1.000 judeus húngaros. Ele tinha uma vocação inata para fazer amigos e

Reuven Zaslani “Shiloah”

24

seduzir as pessoas, além de ser um incomparável coletor de doações. Coube-lhe também o encargo de ampliar os contatos da clandestina Haganá na América Latina. No Brasil, seu representante era um judeu de origem polonesa-alemã chamado Menashe Shepitsky, de quem fui amigo. Certa madrugada, Teddy precisava mandar um envelope com alguns milhares de dólares para o capitão de um navio de bandeira panamenha ancorado em Nova York. Olhando pela janela de seu quarto, percebeu um carro estacionado perto do hotel que, com certeza, era do FBI e seguiria qualquer pessoa que saísse do hotel àquela hora. Desceu, então, até a boate Copacabana e pediu a um jovem cantor que ali se apresentava, seu conhecido, e pediulhe que levasse o envelope até seu destino. O rapaz aquiesceu e, após o fechamento da boate, dirigiu-se sem ser seguido ao cais do porto e entregou a encomenda. Ele se chamava Frank Sinatra. Um dos mais valiosos colaboradores da Haganá em Nova York foi um judeu chamado Adolf Schimmer, fisgado por Teddy Kollek. Al, como era chamado, 30 anos, servira em bombardeiros durante a guerra como piloto e engenheiro de vôo, e depois como comandante nas linhas aéreas TWA. Depois da partilha, Arazi foi ao seu encontro e deu-lhe uma vultosa quantia em dinheiro para a aquisição de aviões de quaisquer espécies. O novo país não poderia sobreviver sem uma força aérea, por mais limitada que fosse. Na fábrica da empresa Lockheed, localizada na Califórnia, Al descobriu quinze aviões do tipo Constellation, todos paralisados no solo como excedentes de guerra e necessitando alguns reparos de peças e manutenções. Como fachada, criou uma empresa chamada Schwimmer Aviation e


REVISTA MORASHÁ i 85

outra, meses mais tarde, a Service Airways. O primeiro avião que comprou foi um DC-3 e depois quatro aeronaves Curtiss-46. Finalmente, depois de incontáveis idas e vindas, conseguiu adquirir quatro Constellations e, com a ajuda de amigos veteranos de guerra, pilotos e mecânicos, voou todos eles até a então Palestina sem apresentar os necessários planos de voos às autoridades. Enquanto isso, sob o beneplácito da ex-União Soviética que queria ver as potências ocidentais fora do Oriente Médio, o Estado de Israel comprou na Checoslováquia tudo que precisava em matéria de armamentos. Agora, sim, o novo país teria condições militares para enfrentar os invasores árabes. Com a estabilização de Israel, Rudolf G. Sonnenborn deu por encerrada sua missão na Haganá e passou a presidir a representação dos Bônus de Israel nos Estados Unidos. Aposentou-se de suas atividades comerciais e morreu em junho de 1986. O misterioso Reuven Zaslani hebraizou seu nome para Reuven Shiloah. Representou Israel em Rhodes, em 1949, nas negociações com parte dos invasores árabes. Foi diretor-geral do primeiro Ministério das Relações Exteriores de Israel, embaixador em Washington e também diretor do serviço de inteligência Shin Bet. Morreu em 1959. Phil Alpert implantou uma indústria de máquinas pesadas nos Estados Unidos e só esteve em Israel como turista, onde pôde ver de perto as instalações da indústria bélica de Israel, que começara, com sua participação, naquele apartamento em Manhattan.

Eliezer Kaplan, com Moshe Shertok-Sharett e David Ben-Gurion sentados, e Zeev Sharef de pé, na assinatura da Declaração da Independência de Israel, no Museu de Tel Aviv, 14 de maio de 1948

Chaim Slavin não quis participar do primeiro governo de Israel, alegando não suportar a burocracia. Tornou-se industrial de uma empresa de casas pré-fabricadas. Morreu em 1980. Daniel Fliderblum foi viver em Israel, onde mudou o sobrenome para Avivi. Foi um proeminente engenheiro no campo da eletrônica.

primeiro chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel. Morreu em 1973. Yehuda Arazi abandonou as atividades militares e estabeleceu um hotel tipo resort de pouco sucesso. Morreu em 1959, sem obter o reconhecimento que merecia.

Teddy Kollek, antes de chegar ao Hotel 14, atuara como representante da Agência Judaica na Europa. Serviu na embaixada de Israel em Washington. Voltou para Israel em 1952, trabalhando como chefe de gabinete do primeiro-ministro até 1964. No ano seguinte, foi eleito Al Schwimmer emigrou para Israel, prefeito de Jerusalém, cargo que onde atuou durante 24 anos como manteve durante 40 anos. Morreu aos diretor da Israel Aerospace Industries. 95 anos de idade, em janeiro de 2007. Por ter contrabandeado aviões David Ben Gurion, profeta do povo para fora dos Estados Unidos, foi de Israel, morreu no dia processado pelo FBI e teve cassada sua cidadania americana. Recebeu um 1º de dezembro de 1973. perdão especial no fim do mandato do presidente Clinton. Recebeu o Prêmio Israel em 2006 e morreu em BIBLIOGRAFIA 2011, aos 94 anos de idade. “The Pledge”, de Leonard Slater, Editora Nahum Bernstein voltou a praticar a advocacia em Nova York e deu sucessivas palestras para os serviços americanos de inteligência. Foi presidente do Jerusalem Fund, nos Estados Unidos. Morreu em 1983.

Jacob Dostrovsky hebraizou seu nome para Yacov Dori e foi o 25

Simon and Schuster, EUA, 1970.

zevi ghivelder é escritor e jornalista.

SETEMBRO 2014


ARTE

ALEXANDER BOGEN, RESISTÊNCIA COM ARMAS E TINTA POR REUVEN FAINGOLD

Experimentar sons, tatear e sentir o gosto da obra artística ao limite, transbordar tensões e mergulhar nas sensações do mundo à sua volta, todas estas experiências fazem de Alexander Kazenbogen uma figura ímpar. Só um artista que se dispõe a abraçar a arte e respirá-la até seu último suspiro consegue aventurar-se por diversos sentimentos, mesmo que estes sejam momentos de extremo perigo e dor.

VIDA DE PARTISAN Alexander (Shura) Katzenbogen (1916-2010) nasceu em Durpat, na Estônia, e cresceu em Vilna, cidade conhecida na história judaica como a “Jerusalém da Lituânia”. Filho de um casal de médicos, pelo lado materno Alexander era neto do rabino Tuvia de Wolkovysk, um erudito da Torá e personalidade destacada entre os 55 mil judeus que constituíam a comunidade de Vilna no início do século 20. Desde cedo frequentou a Universidade de Vilna, aprendendo os rudimentos da pintura e da escultura. Com 23 anos, no começo da 2ª Guerra, Alexander Bogen, nome que adotou, juntou-se aos “partisans”, guerrilheiros das florestas que circundavam o lago Naroch, localizado nos frondosos bosques da Bielorrússia, a 200 km de Vilna. Ao encontrar preconceito e provocações

antissemitas entre os partisans da resistência antinazista (especialmente entre russos, estônios e bielorrussos), Bogen conseguiu formar um seleto grupo de 30 combatentes judeus, denominado “Nekamá”, que em hebraico significa “vingança”.

de Vilna antes que fosse totalmente destruído. Foi precisamente nessa época que Alexander Bogen conheceu o combatente Abba Kovner (1918-1987), uma figura central na heroica revolta do gueto de Vilna.

O objetivo desses judeus era vencer as treinadas forças alemãs da Wehrmacht. O grupo “Nekamá” era responsável por ações especiais, como dinamitar vias férreas por onde passariam comboios repletos de soldados, causar sabotagem nas encomendas de armas direcionadas aos nazistas, contrabandear alimentos e disseminar a informação nos guetos sobre o extermínio em massa de judeus.

Os dois combatentes tiveram duas formas diferentes de avaliar a maneira em que deveriam lutar contra os alemães em Vilna. Para Abba Kovner, desde o início havia que realizar ataques em grande escala, mesmo que a revolta resultasse em inúmeras baixas, um verdadeiro “al Kidush Hashem” (Santificação em Nome de Deus). Já Alexander Bogen argumentava que a ideia de Kovner era impraticável, pois não havia forma de combater (muito menos de vencer) os nazistas com armas primitivas e escassas. Portanto, seria necessário ir até as florestas para obter armas melhores e poder enfrentá-los. Encerrada a guerra,

Por volta de 1943, durante o atribulado período da 2ª guerra, Bogen serviu como comandante chefe de uma unidade, auxiliando no transporte de judeus do gueto 26


REVISTA MORASHÁ i 85

Partisans, judeus. óleo. 1981

ambos emigraram da Europa para Israel, cultivando uma forte amizade. Abba Kovner se tornou um grande poeta e, por sua rica obra literária relacionada com o Holocausto, recebeu em 1970 o Prêmio Israel de Literatura.

do espaço. Seu traço forte, muitas vezes nervoso, vai-se unindo às partes mais sensíveis e poéticas. Suficiente lembrar que este artista judeu criou, num ambiente de guerra, sofrimento e sobrevivência, como forma de valorizar ainda mais sua obra.

Entre os anos 1939-1942, Bogen colocou em seus desenhos aquele olhar forte e característico que nascia a partir da simples observação da vida de seus companheiros e colegas guerrilheiros, momentos de tranquilidade de dor e luta. Surpreendentemente, ele achava pedaços de papel largados no meio da floresta, pedaços de embrulhos, outros ainda queimados e pedaços de carvão das fogueiras que utilizava para desenhar.

Encerrada a guerra, em 1945, Alexander Bogen retorna à Universidade e, dois anos depois, completou seus estudos de arte; torna-se professor titular na Escola de Estudos Avançados em Artes de Lodz, na Polônia.

Seus traços são fluidos e intensos, mostrando quase sempre uma dramaticidade única, revelando, no desenho, pleno conhecimento do uso

Em 1951, Bogen, sua esposa Rachel (Rela) e seu filho pequeno, Michael, emigram para o jovem Estado de Israel, ainda incipiente. Lá, o combatente sobrevivente continuou seu trabalho como artista e professor na Universidade Hebraica de Jerusalém, inspirando-se em pintores clássicos como Henri Matisse, Marc Chagall e Pablo Picasso. 27

ALEXANDER BOGEN em israel

SETEMBRO 2014


ARTE

Entre os anos 1969-1981, assumiu o cargo de “Diretor da Associação de Pintores e Escultores de Israel”. Em vida, recebeu numerosos prêmios: em 1950, o “Prêmio do Governo da Polônia”; em 1961, o “Prêmio Histadrut” (Confederação Geral dos Trabalhadores); em 1962, o “Prêmio do Ministério da Educação”; 1983, o “Prêmio Neguev”, e, em 1992, o “Prêmio Sholem Aleichem”. Em 9 de abril de 2008 foi inaugurado um “Monumento aos Partisans” na localidade de Latrun, de autoria de Alexander Bogen. Catálogos com suas principais obras foram publicadas pelo Kibutz “Lochamei Haghetaot”, Museu de Yad Vashem e Museu do Holocausto de Washington.

A OBRA “REVOLTA” Alexander Bogen detém uma produção artística norteada por uma força retirada do próprio âmago, é um artista cru e verdadeiro. Transmite ao apreciador de sua arte algo notável e essencialmente inspirador. Todas estas afirmações aparecem claramente em seu livro “Revolta”, em hebraico, “Mered”, uma obra na qual reflete profundamente sua função de comandante e artista, de lutador e herói da resistência judaica contra os nazistas. O livro de Bogen traz vários desenhos a carvão, nanquim, gravuras de metal e outras tantas técnicas artísticas, todos eles produzidos no decorrer da 2ª Guerra Mundial. Trata-se de uma artista plástico que não se contentou apenas em acalentar ideais poéticos de liberdade, mas teve um papel fundamental como comandante, combatente e

escritos por colegas combatentes ou pessoas que o conheceram. Nesses textos memoriais fica bem clara a perspectiva de seu processo criativo e a visão de mundo também retratada em sua arte.

Alexander BogeN, comandante da unidade Nekamá.

pensador de uma resistência judaica embrionária que surgia nas florestas da Europa. Infelizmente, a obra “Revolta” não informa as datas de suas gravuras, portanto fica extremamente difícil determinar quando foram realizadas, se durante a 2ª Guerra ou já em Israel. As diversas técnicas e os nomes dos desenhos, sim, aparecem no livro. Além dos trabalhos, existem também trechos literários

Um dos depoimentos mais bonitos a ser lembrado é o do sobrevivente Itzhak Rudnicki, depois conhecido como General Itzhak Arad, Diretor do Museu Yad Vashem, em Jerusalém, entre 1972 e 1993. Dez anos mais jovem que Bogen, Arad confessa: “Durante o Holocausto, Alexander Bogen serviu comigo na unidade militar. Ele foi um guerrilheiro das florestas e um comandante dos guerrilheiros. Apesar de todos os deveres encomendados e as funções a ele impostas, jamais esqueceu sequer por um minuto que era um artista. Nós (os partisanim) nunca conseguimos entender como ele conseguiu, naquelas condições, literalmente a partir do nada, produzir os materiais para seu trabalho. Tudo é um enigma para nós, (especialmente) o que o inspirou a produzir aqueles esboços relâmpagos, mesmo em momentos de perigo ou no meio da ação contra o inimigo”.

VIVÊNCIAS DE CINZAS

Kovner discursa aos membros da Haganá no Kibutz Yad Mordechai, 17 de maio de 1948

28

O que chama a atenção na arte de Bogen são as precárias condições de trabalho que tinha à sua disposição. Se muitas vezes é difícil criar trabalhos artísticos e deixar fluírem as sensações em um confortável ateliê, ou em algum lugar com uma estrutura física boa, o que dizer de produzir em tempos de guerra, de movimentação e deslocamentos permanentes. Borgen nutria uma vontade enorme de desenhar a partir de suportes simples, sem nenhuma opção de escolha ou ideia preconcebida. Praticamente,


REVISTA MORASHÁ i 85

criou uma arte própria com base no seu fôlego de batalha, sua aura de desbravador em meio a um caos assumidamente dilacerante. Outro ângulo que certamente desperta nosso interesse é a cumplicidade de Bogen com o aspecto processual de seus trabalhos, encarando a traumática vivência da 2ª Guerra Mundial em fusão permanente com sua intrínseca expressão pictórica. Ele não se limitou apenas a pintar em momentos de descanso, mas também em situações de confronto e luta. Como já disse Arad, para serem retratadas, muitas dessas situações, “não possuíam o menor respiro de tranquilidade e, mesmo assim, Bogen retirou das profundezas de seu coração artístico força quase tátil para poder transformar aquelas vivências em arte”. Encerrada a 2ª Guerra Mundial, os trabalhos artísticos de Bogen, a maioria deles expostos no Kibutz “Lochamei Haghetaot” e no “Museu de Arte de Yad Vashem” continuam a evocar traços de maior segurança, vestígios de um olhar sumamente crítico diante da devastação e das atrocidades causados pela guerra. O artista judeu é, sem sombra de dúvida, uma figura que surgiu das cinzas de um conflito, e como tal decidiu repensar e filosofar seu lugar no mundo, codificando sua sensibilidade através de linhas, manchas e, sobretudo, muito suor. Existe outro depoimento, desta vez do sobrevivente Yehuda Leib Bialer, que nos remete a aspectos centrais da obra de Bogen: “Ele (Bogen) estava imbuído com o espirito de Vilna. Por ela lutou e pelo bem dela completou sua missão artística, enquanto mantinha a fé em seu lado mais humano e judeu. Além de pintar

Partisans judeus. Tinta em papel, 1943

imagens de homens em situações variadas, ele retratou aquela cidade judaica que não existe mais”. As telas de Alexander Bogen não evocam somente o “partisan judeu” (perfil similar aos irmãos Bielski), o combatente do gueto (perfil de Mordechai Anilevich, em

Bogen e sua esposa Rachel, Israel

29

Varsóvia) ou guerrilheiros em fuga rumo às florestas da Europa. Seus trabalhos, mais especificamente as gravuras, retratam edifícios e fachadas de sua querida Vilna. A forte caracterização da angústia e do sofrimento subsistem no traço caótico dessas representações, pulsando diretamente no cuidadoso olhar do espectador, segurando velhos vestígios de um vilarejo em ruínas com poucos monumentos arquitetônicos que sobreviveram. São prédios e construções que emergem de um emaranhado de linhas como manifestos de resistência e perseverança em meio à destruição ocasionada pela guerra O artista possui uma plasticidade única e uma posição bem nítida em relação a seu processo artístico, que podem ser facilmente vinculados a trabalhos de outros artistas, como William Kentridge e Lasar Segall. Tanto o lituano Segall como o sulafricano Kentridge sustentam suas obras através de aspectos incisivos de suas vidas para logo desenhar e demarcar suas aflições e paixões em determinado período, gerando SETEMBRO 2014


ARTE

Ele escreve: “Recentemente, tenho indagado muito acerca do motivo pelo qual desenho, mesmo havendo combatido dia e noite. Há aqui algo intimamente relacionado com a continuidade biológica. Cada ser humano, cada povo, precisa vivenciar isto uma vez... Ser criativo durante o Holocausto era também uma forma de resistir. Cada homem que se encontra frente a frente com seu inimigo, cruel e perigoso, age de forma pessoal. Assim, o artista tem seu próprio caminho para agir, pois essa (arte) é sua própria arma. Isso nos ensina porque os alemães não conseguiram destruir nosso espírito”. Alexander Katzenbogen morreu em 2010 e hoje está enterrado no cemitério judaico de Kyriat Shaul, em Tel Aviv. Este artista colocou sua vida em sua arte de forma explícita, sem máscaras, e isso é o que faz dele um verdadeiro sobrevivente, não apenas da 2ª Guerra, mas também do mundo artístico em geral.

A deportação. óleo, 1996

“Tenho indagado muito acerca do motivo pelo qual desenho, mesmo havendo combatido dia e noite (....) Ser criativo durante o Holocausto era também uma forma de resistir”. Alexander Bogen

experiências artísticas próprias e reutilizando características pictóricas e poéticas em seus trabalhos plásticos, tal qual Bogen fez no período da 2ª Guerra Mundial. Independente de qualquer tipo de posição política, é inegável que Alexander Bogen tem sido um artista excepcional, infelizmente pouco conhecido dentro do cenário artístico. Tive a grande felicidade de poder estudar sua produção através de trechos do livro “Revolta”; uma obra ímpar tanto pela força de seu nome como pelo seu rico conteúdo. Durante a pesquisa encontrei uma frase de Alexander Bogen que me marcou profundamente e resume a verdadeira essência de sua arte. 30

BIBLIOGRAFIA

Bogen, Alexander, Revolt. Publicado por Yehuda Leib Bialer, Jerusalém, 1974 Blater, Janet & Milton, Sybil, Art of the Holocaust. Ed. Pan Books. Londres , 1982 Constanza, Mary S., Living Witness: Art in the Concentration Camps and Ghettos. The Free Press. Nova York, 1982 Norvitch, Miriam, Resistenza Spirituale (Spiritual Resistence 1940-1945: 120 Drawings from Concentration Camps and Ghettos). The Commune of Milan, Milão,1979.

Prof. Reuven Faingold é historiador e educador, PHD em História Judaica pela Universidade Hebraica de Jerusalém. É sócio fundador da Sociedade Genealógica Judaica do Brasil e membro do Congresso Mundial de Ciências Judaicas de Jerusalém.


música

Enrico Macias, símbolo da música árabe-andaluz Uma notícia apareceu com destaque na mídia israelense nos últimos meses: a decisão do cantor Enrico Macias de emigrar da França para Israel. O ícone da música árabe-andaluz anunciou suas intenções em uma entrevista à emissora israelense Canal 2, dizendo que o crescente antissemitismo na Europa está por trás desta mudança.

e

m Israel, me sinto livre, eu me sinto em casa. Há muito tempo queria partir, mas sinto que agora chegou o momento. Acredito que o antissemitismo na França crescerá e que devo ensinar algo aos meus filhos e netos. Então, darei o exemplo de partir para viver em Israel”, ressaltou o artista. Internacionalmente consagrado e intensamente aplaudido nos palcos europeus, na América do Norte, na antiga URSS e no Japão, entre outros, Enrico Macias tem transmitido em suas canções uma mensagem universal de paz e solidariedade entre os povos. O disco “Oranges amères” lançado em 2003 e produzido por seu filho, Jean-Claude Ghernassia, é fruto desse universo que, justamente, é o que nele a todos encanta e seduz. Sua atuação em prol da paz foi reconhecida pelo governo da França,

que, em 1985, concedeu-lhe a Legião de Honra do país. Em 1997, foi indicado pelo Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, como Embaixador Mundial para a Paz e Proteção das Crianças. Em novembro de 1981, o então secretário geral das Nações Unidas, Kurt Waldheim, concedeu-lhe o título “Cantor da paz”, após Macias ter doado os royalties da canção “Malheur à celui qui blesse un enfant” para a Unicef. Sua posição de apoio a Israel vem de longa data. Em 1973, durante a Guerra de Yom Kipur, cantou para os soldados nas frentes de batalha e atravessou o Canal de Suez com alguns batalhões. Em 1978, foi convidado pelo então presidente Anuar el-Sadat a fazer um show aos pés das pirâmides para celebrar o acordo de paz assinado com Israel. Em 2006, recebeu uma medalha especial do então ministro da Defesa de Israel, Shaul Mofaz, pelo seu 31

apoio às tropas israelenses. Ao longo de sua carreira, Macias apresentou-se mais de 40 vezes em Israel, levando às lágrimas muitos que, através de suas canções, reviviam momentos felizes de seu passado nos países árabes dos quais foram obrigados a partir. Após 1948, como consequência da fundação de Israel, da guerra deflagrada pelos países árabes contra o Estado Judeu e do recrudescimento das perseguições, centenas de milhares de judeus do Egito, Síria, Iraque, Argélia, Marrocos, Iêmen e Tunísia deixaram seus respectivos países. Partiram para Israel; outros para a Europa, Estados Unidos e América do Sul. Deixaram para trás recordações, séculos de história e um valor incalculável em bens individuais e comunitários. Embora consagrado como um dos grandes artistas internacionais da música andaluz, Macias jamais SETEMBRO 2014


música

abandonou suas raízes argelinas, nunca perdeu a sua simplicidade e o sorriso fácil e sincero que cativou tantos amigos e público, sendo o porta-voz de todo um povo desarraigado da África do Norte durante a década de 1960.

Sua vida No dia 11 de dezembro de 1938, nascia em Constantina, na Argélia, em uma tradicional família judaica, Gaston Ghernassia, que, décadas mais tarde, seria consagrado como Enrico Macias. As tradições e valores judaicos eram cultivados por seus pais – a mãe descendia de uma boa família de judeus locais, enquanto os familiares de seu pai vinham de Granada, na Andaluzia. A música fez parte da sua vida desde a infância, pois seu pai era violinista da orquestra do grande mestre Cheikh Raymond Leyris, uma das mais representativas da mais pura tradição musical do maaluf, canto tradicional árabe-andaluz. Anos mais tarde, o jovem Gaston casa-se com Suzy, filha do grande mestre. Sua história de amor com Suzy começou quando ele tinha 15 anos

e ela, 13. Suzy sofria de problemas cardíacos e, aos 18 anos, submeteuse à primeira cirurgia cardiovascular realizada em Paris. Apesar de ter sido alertada pelos médicos de que não poderia engravidar, ela conseguiu dar à luz uma menina e um menino, enfrentando grandes adversidades. Em 23 de dezembro de 2008, Suzy faleceu, após longa enfermidade. A música maaluf ou andaluz, tocada em instrumentos tradicionais, é a forma mais comum da música oriunda da Andaluzia, na Espanha, e chegou à Argélia no século 15, logo após a expulsão dos árabes daquele país. Desde sua juventude, “Gaston-Enrico” tocava violão e logo passou do violão à harmônica. Sua musicalidade era um dom e costumava dizer: “Em termos musicais, eu poderia ser comparado a um homem que fala muito bem, mas não sabe escrever. Tudo brotou por intuição”. Aos oito anos aprendeu sozinho a tocar mandola, tipo de bandolim. Seu pai, querendo preservá-lo das dificuldades da profissão, preferiu não ser seu mestre. Mas ele tocava escondido. Até que, aos 12 anos, no Bar-mitzvá de seu

irmão, o pai lhe pediu para tocar algo para os convidados. Acompanhado por Cheikh Raymond, bastou que começasse a dedilhar o violão para revelar seu talento. Ao final do dueto, impressionado com o jovem, o mestre do maaluf o convida para integrar sua prestigiosa orquestra. Em 1956, após terminar seus estudos, candidatou-se ao cargo de professor em uma escola, pois a música não parecia ter futuro. Como as escolas precisavam de professores, foi contratado, mas jamais deixou de tocar. A realidade da Argélia harmoniosa, onde católicos, judeus e muçulmanos compartilhavam a mesma terra, estava acabando. Começava uma era de instabilidade política. O movimento Frente Nacional de Libertação (FLN), fundado em 1954 por Ahmed Ben Bella, lutava pela independência do país, que era colônia francesa há mais de 130 anos. Foi criado na mesma época o Exército de Libertação, braço armado da FLN. Inicia-se a Guerra de Independência (1954-1962), que acaba sendo prolongada e muito sangrenta, em virtude da resistência dos colonos franceses, os Pieds Noirs, senhores das melhores terras. Entre as vítimas do conflito estava Cheick Raymond que, no dia 22 de junho de 1961, fora assassinado de forma selvagem em Constantina. Naquele momento, o jovem Gaston se deu conta de que a única alternativa para ter um futuro era o exílio na França. Chegava ao fim uma era de calma e tranquilidade para os judeus argelinos. No mesmo ano, Gaston embarca com a esposa, Suzy, na companhia de toda a sua família e amigos no navio Ville d’Alger, que os levaria à França. Deixar a Argélia foi um duro golpe

32


REVISTA MORASHÁ i 85

para uma comunidade que tinha construído a vida na África, ainda que suas raízes estivessem na Europa. Ao chegar a Paris, Gaston decidiu apostar na carreira musical. Como uma criança prodígio da música maaluf, resolveu adaptar o estilo ao gosto do público francês, traduzindo partes das músicas que conhecia para o francês, mas não ficou satisfeito com as versões. Então construiu um repertório baseado em suas próprias experiências. Mas, enquanto o sucesso não vinha, aceitou vários trabalhos tocando e cantando em cafés. Ele foi contratado pela d’Or em 1962. Gravou seu primeiro disco com a canção “Adieu mon pays”, que compusera no navio quando saía da Argélia. Em outubro do mesmo ano, aparece em um programa de televisão sobre os expatriados da Argélia, “Cinq colonnes à la une”, e, a partir de então, é o início da fama. Faz a sua primeira turnê em 1963,

ano do nascimento de sua filha Jocya (o filho Jean-Claude nasceria pouco depois). Em 1964, Gaston adota definitivamente o nome artístico de Enrico Macias, apresenta-se no Teatro Olympia e conquista um sucesso fenomenal com hits como “Enfants de tous pays”, “Les filles de mon pays” e “La musique et moi”. Começam também as intermináveis turnês ao redor do mundo. Embora seus primeiros fãs tenham sido os “Pés Negros”, que se identificavam com as canções de Macias, também cativou o público mais amplo e suas canções passaram a ser cantadas por todos. Em 1965, recebeu o Prêmio Vincent Scotto e compôs a canção “Les Gens du Nord” e “Non, je n’ai pas oublié”. No ano seguinte, apresentou-se para uma plateia de 120 mil pessoas no Dinamo Stadium, em Moscou, e em outras 40 cidades soviéticas. Sucesso após sucesso, ele gravou, também, em espanhol e italiano. 33

A década de 1960 foi uma verdadeira roda-viva de gravações e turnês. Em 1968, foi intensamente aplaudido no Carnegie Hall, em Nova York, Chicago, Dallas, Los Angeles e outras cidades dos EUA e Canadá. Entre os prêmios acumulados ao longo de sua carreira estão o Disco de Outro pelo álbum “Melisa”, que incluiu o sucesso “Malheur à celui qui blesse un enfant”. Em 1978, foi convidado pelo presidente Anuar El-Sadat a se apresentar no Egito, como vimos acima. Um momento marcante para Enrico Macias, banido dos países árabes durante anos. Ao longo de décadas, Macias escreveu um capítulo importante da história dos judeus forçados ao exílio. Através de suas canções, revela a trajetória comum de milhares de judeus que, mesmo reconstruindo suas vidas em outras paragens, jamais arrancaram de seu coração seus países de origem. SETEMBRO 2014


ATUALIDADE

Tempos difíceis para os judeus da Ucrânia Não é a primeira vez, em sua história longa e turbulenta, que a Ucrânia é palco de sangrentas lutas, nem a primeira em que se defronta com uma guerra civil ou que enfrenta a Rússia em questões territoriais. Tampouco é a primeira vez que a população judaica do país se vê em meio a uma feroz disputa de poder entre Kiev e Moscou.

n

o passado, as lutas internas foram desastrosas para os judeus, pois, além do antissemitismo estar no DNA da Ucrânia, a violência contra os judeus sempre tende aumentar em épocas conturbadas. Simon Wiesenthal disse, certa vez, que “onde a democracia é forte, é bom para os judeus, e onde é fraca, é mau para os judeus”. Hoje vivem na Ucrânia cerca de 70 mil judeus praticantes e entre 300 e 400 mil ucranianos têm origem judaica. A pergunta que paira é o que eles vão fazer perante a questão da Ucrânia versus Rússia. O Rabino Chefe de Odessa, Abraham Wolff, diz que os judeus estão divididos sobre essa questão, assim como a comunidade mais ampla.

Conflito interno Para entender a crise ucraniana, é preciso lembrar que a Ucrânia é um país dividido tanto do ponto de vista étnico quanto cultural. A população da Ucrânia do Sul e Oriental têm maioria russa, fala russo e tende a ser próMoscou. Já a da Ucrânia Central e Ocidental é ucraniana, nacionalista, fala ucraniano e, desde que o país se tornou independente, em 1991, com o fim da União Soviética, deseja fazer parte da União Europeia. 34

A crise que está dilacerando o país e preocupando o Ocidente teve início em 21 de novembro de 2013, quando protestos espontâneos irromperam na capital, Kiev, após Viktor Yanukovych, presidente ucraniano de etnia russa, ter sustado os preparativos para a assinatura de um Acordo de Associação e de um Acordo de Livre Comércio com a União Europeia, em favor de relações econômicas mais estreitas com a Rússia. A violência das forças do governo na repressão das manifestações levou um número crescente de manifestantes às ruas – chegando a 800 mil na primeira semana de dezembro. Os protestos foram alimentados pela crise econômica, a falta de emprego e a corrupção generalizada em todas as esferas do governo. Inicialmente conduzida por estudantes universitários, a Euromaidan, como passou a ser chamada, acabou reunindo amplos setores da população ucraniana, inclusive elementos de direita, de extrema-direita e simpatizantes do fascismo e do nazismo. São numerosos os membros do partido ultranacionalista Svoboda1 e da coalizão de grupos neonazistas, denominada Setor Direita. Líderes desses partidos têm expresso abertamente suas ideias antissemitas.


REVISTA MORASHÁ i 85

1

2

3

4

5

5

Em fevereiro deste ano de 2014, o presidente Viktor Yanukovich é removido do poder, assumindo um governo de coalizão que inclui grupos pró-Europa e de extrema direita. Nas eleições realizadas em regime de urgência, a população vota a favor do novo governo pró-Ocidente. Petro Poroshenko, um dos pilares dos protestos Euromaidan, assume a presidência do país. De tendência pró-Ocidente, apoia as ações militares contra o movimento separatista pró-Rússia e adere à UE. Empresário bilionário especialista em relações econômicas internacionais, Poroshenko já ocupou o Ministério da Economia e das Relações Exteriores, bem como a presidência do Banco Central.

e cidades de maioria russa também manifestaram sua intenção de se separar da Ucrânia. Separatistas próRússia acabam criando áreas autoproclamadas como “repúblicas populares independentes”. Em maio, a República Autoproclamada de Donetsk e a de Lugansk unificaram-se sob o nome de Novorossia (Nova Rússia). Moscou e Kiev têm trocado sérias acusações.

Moscou não reconheceu como legítima a troca de governo, enquadrando-a como golpe de Estado. As populações ucranianas da fronteira com a Rússia alinham-se com Putin, e denunciam a legitimidade do novo governo. Ao mesmo tempo, milhares de soldados sem identificação tomam bases militares na Península da Crimeia, dando apoio aos separatistas pró-soviéticos. As tensões culminaram com a anexação da Crimeia pela Rússia, em março deste ano, quando um referendo realizado – não reconhecido nem pelo governo ucraniano nem internacionalmente – deu a vitória aos separatistas. Após a anexação da Crimeia pela Rússia, outras regiões

A crise foi agravada com a queda do Boeing-777 da Malaysia Airlines, e a morte dos 289 ocupantes, na região à leste de Donetsk, palco dos combates separatistas. Após a queda, autoridades de todas as partes envolvidas: o governo russo, o ucraniano, além do representante de Donetsk, negaram ter abatido o avião. Mas, os especialistas dizem que apenas os mísseis terra-ar, guiados por calor, fornecidos pela Rússia aos separatistas, seriam capazes de abater um avião daquele porte.

O governo da Ucrânia acusa o presidente russo Vladimir Putin de apoiar e armar os rebeldes separatistas, o que ele nega. Já Moscou diz que as “operações punitivas” do governo ucraniano contra os separatistas são “atos criminosos”.

Contra esse pano de fundo, os conflitos entre tropas oficiais e separatistas pró-russos já deixaram mais de 35

SETEMBRO 2014


ATUALIDADE

400 mortos. Por causa dos combates na região leste da Ucrânia, centenas de judeus são hoje refugiados. Eles sobrevivem graças à assistência de grupos judaicos locais e estrangeiros que, nas últimas semanas, iniciaram importantes operações de auxílio e resgate.

A Comunidade Judaica Apesar de não ser o centro da luta pelo futuro da Ucrânia, a comunidade judaica têm funcionado como um conveniente instrumento político e uma importante peça no xadrez político entre Ucrânia e Rússia. Em discurso realizado no Kremlin, em março, Putin declarou que a derrubada do presidente ucraniano Yanukovych havia sido um golpe armado e executado por nacionalistas, neonazistas, russófobos e antissemitas. Nas semanas iniciais do Euromaidan, a televisão russa e a mídia impressa relataram que o estado ucraniano estava sendo “atacado por neonazistas, fascistas e bandidos”. A Liga Anti Difamação da B’nai B’rith conclamou todas as partes envolvidas no conflito para se absterem de uma “exploração cínica e politicamente manipulativa do antissemitismo “. No entanto, ninguém pode negar que o espectro do antissemitismo voltou à Ucrânia. Apesar de a mídia do Ocidente não ter coberto a ameaça neonazista à comunidade judaica na Ucrânia, essa ameaça é real. (O completo blecaute da mídia é confirmado

pelo Google News search, pois é virtualmente ausente a cobertura da grande mídia à ameaça à comunidade judaica na Ucrânia). Caricaturas antissemitas, suásticas e outras imagens nazistas têm aparecido com frequência em manifestações, jornais e revistas, e em muros de várias cidades. Em Donetsk, por exemplo, judeus da comunidade local têm relatado que grafites antissemitas começaram a surgir assim que enfraqueceu o Estado de Direito. “Começamos a ver suásticas pintadas nos bancos das praças e nos edifícios”. Elementos antissemitas têm aproveitado o caos político para cometer atos de violência contra judeus e instituições judaicas. Segundo o Rabino Chefe do leste da Ucrânia, Shmuel Kaminezki, quando os protestos contra Yanukovych começaram em novembro, embora muitos judeus compartilhassem as aspirações pró-europeias dos manifestantes, havia um grande temor sobre a atuação dos grupos de extrema direita nas manifestações. Alguns deles são neonazistas ou neofascistas, pessoas sem pejo algum de manifestarem abertamente seu ódio aos judeus. O Svoboda causava a maior preocupação por causa das declarações antissemitas feitas por seus líderes no passado e pela importância que atribuem aos “heróis” nacionalistas ucranianos, considerados verdadeiros carrascos pelos judeus. Entre eles, Bohdan Chmielnicki, responsável pelos massacre de 1648- 1649, quando morreram cerca de 100 mil judeus; Symon Petliura, considerado responsável pelos pogroms de 1917-1921; Stepan Bandera, que criou as Waffen SS Ucranianas da Galícia e as Divisões Nichtengall e Roland, que participaram do assassinato de judeus. Em fevereiro último, dois importantes rabinos ucranianos alertaram a comunidade judaica sobre o perigo que seus membros corriam. O Rabino Moshe Reuven Asman recomendou à sua comunidade que abandonassem a região central de Kiev, ou se mudassem de cidade e, se possível, abandonassem o país! O Rabino Asman disse ao jornal israelense Maariv: “Há alertas constantes sobre planos de atacar as instituições judaicas”. O Rabi Yaacov Dov Bleich, que, desde 1990, é o Rabino Chefe de Kiev e da Ucrânia, abordou a delicada situação da comunidade judaica durante uma entrevista no programa de rádio de Aaron Klein, da WABC, em Nova York. Ele afirmou ter recomendado à comunidade que fosse vigilante e evitasse locais onde estivessem ocorrendo manifestações.

vladimir putin

36


REVISTA MORASHÁ i 85

1

2

1. Manifestantes pró Rússia diante de um edifício do governo em Donetsk 2. Grupo de Chassidim chegam ao túmulo do Rabi Nachman de Bratslav, em Uman, aldeia a 200 Km de Kiev

Desde o início da crise, cresceu o número de ataques contra indivíduos judeus. Em janeiro, um professor de escola judaica foi atacado em Kiev. Em fevereiro, desconhecidos atiraram coquetéis molotov na entrada da sinagoga Chabad Giymat Rosa, em Zaporozhye, localizada a 400 km a sudeste de Kiev – não houve feridos. Essa sinagoga foi inaugurada em 2012 – sinal da retomada do judaísmo na Ucrânia – e foi construída no local onde os judeus da comunidade receberam ordens para se reunir antes da deportação nazista para os campos de extermínio. Em março, os muros da sinagoga em Simferopol, capital da República da Crimeia - anexada nesse ano de 2014 pela Federação Russa, foram pichados com suásticas e as palavras “morte aos judeus”.

União PanUcraniana, “Svoboda” Liberdade, é um partido político ucraniano ultranacionalista de extrema direita considerado por muitos fascista e antissemita. É, atualmente, um dos cinco maiores partidos do país e sua filiação foi restrita apenas aos ucranianos étnicos. Três membros do partido ocupam posições no governo. 1

Em abril, surgiu um panfleto em Donetsk, à leste da Ucrânia, que trouxe tristes lembranças dos idos de 1941 aos judeus da cidade. Com o selo de “República de Donetsk” – o selo usado pelos separatistas da região – o panfleto pedia aos habitantes judeus que se registrassem junto à Prefeitura para pagar um imposto per capita. Para causar maior impacto, foi pregado em uma árvore bem em frente de uma sinagoga, para garantir que a congregação o visse ao sair dos serviços religiosos. A pequena comunidade de Donetsk ficou aterrorizada. A Liga Anti Difamação mostrou ceticismo quanto à autenticidade do folheto ter sido obra dos separatistas, mas, qualquer que fosse a sua origem, as instruções claramente recordativas da época nazista tiveram o efeito de intimidar a comunidade judaica local. Também em abril a sinagoga de Nikolayev, no sul da Ucrânia, foi atacada com bombas incendiárias. 37

Essa cidade é famosa por ser o local de nascimento do Rabi Menachem M. Schneerson, o Lubavitcher Rebe. Em junho, Oleksandr Feldman, jurista ucraniano e presidente do Comitê Ucraniano, foi ameaçado em Kiev por homens uniformizados que bradavam insultos antissemitas. Feldman, que usa kipá, é um dos judeus mais conhecidos na Ucrânia. Homens armados e mascarados também ameaçaram incendiar a casa de um dos Rabinos Chefes do país, o Rabino Yaakov Dov Bleich, presidente da Confederação Judaica da Ucrânia, mas foram impedidos a tempo. Obviamente as instituições judaicas reforçaram sua segurança e alguns eventos públicos foram cancelados. Por sua vez, a Agência Judaica informou que forneceria auxílio na segurança às instituições judaicas. É importante ressaltar que manifestações de cunho antissemita e atentados contra a comunidade judaica na Ucrânia são perpetrados tanto por nacionalistas ucranianos como pelos separatistas pró-Rússia. Nessa região o antissemitismo é secular, estando impregnado na cultura ucraniana. Os perpetradores dos incidentes relatados nesta matéria e de outros contra judeus ou instituições judaicas são, em sua maioria, membros de grupos antissemitas ou são oponentes políticos. Os motivos diferem; alguns simplesmente odeiam os judeus, outros querem “provar” ao mundo o cunho fascista do novo governo ucraniano ou o antissemitismo russo. As vítimas, porém, são sempre os judeus. SETEMBRO 2014


DESTAQUE

margem protetora POR jaime spitzcovsky

Ao iniciar mais um ciclo de violência no Oriente Médio, em julho passado, o grupo terrorista Hamas buscou perpetuar uma estratégia em curso há décadas. Trata-se de impor a Israel a necessidade de se envolver num conflito assimétrico, no qual o Estado judeu, em busca da segurança de seus habitantes, tenha de enfrentar inimigos que utilizam população civil como escudo humano e empregam escolas, hospitais, mesquitas e suas cercanias como bases para lançamento de foguetes e esconder armamentos.

N

esse cenário, ao atrair o combate para áreas densamente povoadas, grupos como o Hamas apostam na morte de civis palestinos e cenas de escombros para abalar a imagem do Estado judeu e tentar isolar Israel no cenário global. O roteiro trágico é seguido desde meados dos anos 1970. Grupos como o Hamas e Hezbolá criam situações insustentáveis para Israel, colocando-o diante de um dilema: enfrentar um cenário de grave ameaça à sua segurança, por um lado e, por outro, entrar numa operação militar que trará dividendos na área de segurança, mas certamente significará alto custo político e diplomático. Essa costuma ser a natureza das chamadas guerras assimétricas, quando um país, com forças armadas regulares, enfrenta terroristas e milicianos que se escondem em meio à população civil.

Para entender a dificuldade dos governos israelenses nas últimas décadas, basta analisar as origens da Operação Margem Protetora, iniciada a 8 de julho. A escalada de violência, na sua fase mais recente, começa com o sequestro e assassinato de três jovens israelenses, em junho, pelo Hamas. Apesar das negativas iniciais, o grupo acabou admitindo, por meio de seu líder principal, Khaled Meshal, a autoria do crime. Em seguida ao sequestro, o Hamas apostou na intensificação da crise, imaginando que uma escalada militar lhe permitiria arrancar concessões de Israel na hora de negociar um cessar-fogo. De imediato, o governo israelense mostrou que preferia não embarcar num confronto bélico. Chegou a propor a fórmula “quiet for quiet” (tranquilidade por tranquilidade) na fronteira entre Israel e Gaza. O Hamas, no entanto, seguiu disparando foguetes. Foram mais de 400 em duas semanas. 38

Nenhum país do mundo ficaria inerte diante de uma chuva de foguetes atingindo sua população civil. Os disparos permanentes condenam os israelenses, sobretudo nas áreas mais próximas a Gaza, a viver em permanente situação de estresse psicológico, pois quando soa o alarme antimíssil, contam com escassos 15 segundos para chegar à segurança de um bunker. Com frequência, aulas em jardins de infância e escolas são interrompidas pelo som estridente que anuncia a aproximação de um foguete oriundo de Gaza. Nos últimos dez anos, mais de 12 mil projéteis foram disparados contra Israel, que amealhou expressivas vitórias contra a estratégia terrorista ao investir pesadamente na construção de abrigos antimísseis e na construção do Iron Dome (Domo de Ferro), um sofisticado sistema de defesa que destrói foguetes inimigos em pleno voo.


REVISTA MORASHÁ i 85

Sistema de defesa aéreo antimísseis Domo de Ferro- de fabricação israelense contra-atacando um foguete

Israel, no entanto, não podia tolerar a intensificação dos bombardeios, que provocou mortes e obrigou parte expressiva de sua população nas proximidades de Gaza a abandonar suas casas. Teve, a contragosto, de embarcar em mais uma guerra assimétrica, enfrentando um grupo baseado no terrorismo, com objetivo de neutralizar suas plataformas de lançamento de foguetes e destruir a sofisticada rede de túneis subterrâneos, construída para infiltrar terroristas em solo israelense. A Operação Margem Protetora representou mais um capítulo nefasto das explosões cíclicas de violência nas cercanias de Israel. Em 2012, foi a vez da Operação Pilar de Defesa e, na virada de 2008 para 2009, ocorreu a Operação Chumbo Fundido. Todas elas envolvendo o Hamas. Em 2006, um comando do Hezbolá atacou uma patrulha israelense na fronteira norte do país, matando três soldados e iniciando a Segunda Guerra

do Líbano. Mais uma vez, Israel enfrentou um grupo terrorista, em outra guerra assimétrica e altamente destrutiva. Foram mais de 30 dias de encarniçados combates em território libanês, em meio à população civil. Uma triste radiografia mostra que Israel foi arrastado a mais conflitos assimétricos, além dos quatro registrados nos últimos oito anos. Entre 2000 e 2004, a Segunda Intifada e seus homensbomba atingiram o Estado judeu, assassinando cerca de 1 mil israelenses, mais de 120 deles menores de idade. E, entre 1987 e 1991, jovens palestinos protagonizaram a Primeira Intifada, quando o cenário clássico apresentava civis lançando pedras contra alvos israelenses. A constatação: todos os conflitos que envolveram Israel nas últimas décadas colocaram-no contra um adversário de natureza diferente, 39

numa guerra assimétrica. Sempre um Estado constituído, com forças armadas regulares, enfrentando grupos terroristas e milicianos infiltrados na população civil. Nesses conflitos, os adversários de Israel naturalmente não esperam vitória militar. Sabem que não contam com a capacidade para destruir o Estado judeu por meios bélicos. O objetivo é impor derrotas políticas, obrigar um Exército bem equipado e bem treinado a combater num cenário desfavorável, em meio a zonas urbanas e população civil. Certamente cenas de destruição vão correr o mundo, ainda mais na era da internet e da revolução tecnológica. E a disseminação dessas fotos e vídeos tem alvo certo: corroer e imagem de Israel e fortalecer a estratégia de isolar o Estado judeu. A Guerra do Yom Kipur, em 1973, foi um divisor de águas. Representou o fim da etapa em que SETEMBRO 2014


DESTAQUE

e jordanianas, e conseguiu um formidável triunfo militar.

Cartaz pede a volta de Naftali Fraenkel, Gil-Ad Shaer e Eyal Yifrah, sequestrados e assassinados pelo Hamas em junho

Israel se viu em guerras simétricas, ou seja, quando um país, com forças armadas regulares, enfrenta outro país, igualmente com forças armadas regulares. No conflito iniciado no dia mais sagrado do calendário judaico, Egito e Síria invadiram Israel, que repeliu os agressores e venceu o embate.

Antes disso, o jovem Estado Judeu havia participado, por exemplo, em mais dois conflitos simétricos. Em 1956, enfrentou, com apoio de britânicos e franceses, o Egito, do presidente Gamal Abdel Nasser. Onze anos depois, na Guerra dos Seis Dias, Israel combateu tropas egípcias, sírias

Soldado israelense explora um dos túneis do Hamas para Israel

40

Em 1973, Cairo e Damasco desejavam reverter os resultados da guerra anterior. Fracassaram. E constataram que Israel havia se transformado, um quarto de século após sua fundação, em realidade que não poderia ser riscada do mapa numa guerra simétrica. O presidente egípcio Anuar Sadat, diante do diagnóstico, desistiu do projeto nasserista de destruir Israel, visitou Jerusalém em 1977 e assinou o acordo de paz de Camp David em 1979, o primeiro entre um país árabe e Israel. Pagou pela ousadia com a própria vida, assassinado num atentado em 1981. Lideranças árabes e seus aliados, convencidos de que Israel não poderia ser derrotado no âmbito militar, decidiram mudar a estratégia. E se espelharam no conflito mais emblemático da Guerra Fria, encerrado em 1975: a Guerra do Vietnã. Numa guerra assimétrica, os vietcongues comunistas impuseram uma derrota ao poderosíssimo Exército norte-americano, que se retirou do front vietnamita em 1973. A retirada se deu sobretudo devido à crescente pressão da opinião pública norte-americana, cada vez mais inclinada a rejeitar as imagens de mortes de civis. A estratégia vietcongue levava claramente em conta a importância de provocar, na população dos EUA, indignação com o sangrento conflito no sudeste asiático. Os adversários de Israel decidiram embarcar num roteiro semelhante. Com força militar inferior, optaram por levar o conflito à arena política e diplomática, com ênfase na disputa pela opinião pública internacional. Ou seja, se


REVISTA MORASHÁ i 85

Família israelense refugiou-se em abrigo após ter tocado a sirene que alerta a população da chegada de mísseis vindo de Gaza

aniquilar Israel militarmente se mostrou inalcançável, a ideia a partir de meados dos anos 1970 passou a visar o conflito assimétrico, gerando consequências políticas e diplomáticas que levem ao crescente isolamento de Israel no cenário global. Portanto, nas últimas quatro décadas, Israel não se envolveu mais em guerras simétricas. Grupos terroristas e milícias, em meio à população civil, passaram a impor desafios a Jerusalém, com o intuito de deslanchar conflitos sangrentos e obter dividendos políticos, com a exploração de imagens de mortes e de destruição. Com a busca por apoio na opinião pública internacional, organizações anti-Israel aproveitam para também lançar campanhas voltadas a boicotar e isolar o Estado judeu, como a infame BDS (Boycott, Disinvestment and Sanctions; boicote, desinvestimento e sanções). Nesse cenário, o discurso antissionista

ganha força, impulsionado por ações de claro caráter antissemita. Importante lembrar que a estratégia de deslegitimação de Israel também se alimenta de um antiamericanismo de setores importantes da esquerda global que, em paradoxo histórico, se associam a grupos fundamentalistas muçulmanos. Um jornalista norte-americano, veterano em coberturas no Oriente Médio, costuma relatar a seguinte história: entrevistava um líder da OLP durante a Segunda Intifada, num bar na Cisjordânia. De golpe, 41

um palestino se aproxima da mesa, esbaforido, e conta, sem pausa para respirar, que num vilarejo próximo há um confronto entre civis palestinos, lançando pedras e coquetéis molotov, contra soldados israelenses. O dirigente que havia interrompido a entrevista ouve a história com atenção, e, impassível, pergunta: “A CNN está lá?” “Sim”, respondeu o afobado mensageiro. “Então está tudo ok, podemos continuar a entrevista”, disse o líder palestino ao jornalista norteamericano, antes de, calmamente, sorver mais um gole de chá. A transmissão ao mundo, daquela cena de uma guerra assimétrica, era o objetivo. Para Israel, portanto, além da frente para garantir paz e tranquilidade à sua população, abriuse, há vários anos, a frente de batalha por corações e mentes na opinião pública internacional. JAIME SPTIZCOVSKY, foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim.

SETEMBRO 2014


PERSONALIDADE

ron dermer Assessor mais influente de BINYamin Netanyahu, Ron Dermer ocupa desde o ano passado o posto de Embaixador de Israel em Washington. Jovem, carismático e articulado, seu rosto tem aparecido cada vez com mais frequência nas emissoras de televisão, pois ele tem combatido incansavelmente as críticas contra Israel na mídia e defendido seu país no Capitólio.

e

conomista formado pela Wharton e político teórico formado em Oxford com extraordinários instintos políticos, Ron é o principal estrategista do primeiro ministro Binyamin “Bibi” Netanyahu. Conhecido como “Bibi’s Brain’’, o cérebro de Bibi, observadores políticos têm dito que, em várias ocasiões, quando Bibi Netanyahu discursa, o mundo vê o rosto do primeiro-ministro, mas muitas das palavras que se ouve são de Dermer. Usando uma pequena kipá de crochê, shomer Shabat, Ron que se autodenomina ortodoxo moderno, é o melhor porta-voz no combate ao ataque contra o Estado e o Povo Judeu. Desde os seus dias em Oxford, ele vem demolindo seus oponentes nos debates, com um domínio incomparável dos fatos e uma apresentação eletrizante. Ainda em Oxford, ele conseguiu persuadir alguns de seus mais brilhantes alunos

com o ponto de vista de Israel sobre o conflito árabe-israelense. Desde então, suas aptidões só fizeram aumentar. Ao longo dos anos, Dermer tem mostrado não ter receio algum de denunciar o tratamento injusto de Israel na mídia. Para ele, não devemos permanecer em silêncio diante da tendenciosidade da mídia e das visões distorcidas sobre o conflito.

Sua vida O caçula de Jay e Yaffa Dermer, Ron nasceu em Miami Beach, em 1971. Jay Dermer, advogado nova-iorquino de tribunal, mudara-se para a Flórida e, em 1967, foi eleito prefeito de Miami Beach, derrotando Elliot Roosevelt, um dos filhos do expresidente Franklin D. Roosevelt. Sua mãe, Yaffa Rosenthal, que nascera na então Palestina sob 48

Mandato Britânico, mudara-se com toda a família para os EUA alguns anos após a independência do Estado de Israel. Os Dermer iam frequentemente a Israel, principalmente após a morte de Joseph, o avô de Ron, quando ele ainda era um bebê, e sua avó, Rivka, decidiu retornar a Israel. Em 1984, duas semanas antes de seu Bar-mitzvá, seu pai morreu, aos 54 anos, vítima de um ataque cardíaco. Ron sempre foi um ótimo aluno, superdotado, e excelente atleta, pois amava esportes. Extremamente competitivo, enquanto cursava o Ensino Médio ganhou o prêmio de melhor jogador de basquete e também o Prêmio American Legion por seu desempenho acadêmico e nos esportes. Após completar o Ensino Médio, entrou para a Wharton School of Business, na Pennsylvania. Assim que ingressou na faculdade, ajudou


REVISTA MORASHÁ i 85

embaixador de israel nos eua apresenta credenciais ao presidente Barack Obama na casa branca. Dezembro de 2013

a fundar o Jewish Heritage Program, uma organização cujo objetivo era fortalecer a identidade judaica dos estudantes universitários. Também começou um pequeno negócio, vendendo “reforço para exames”, uma forma de auxiliar alunos a se prepararem para os exames, com as provas de anos anteriores e suas respostas. Em Wharton, teve aulas com Frank Luntz1, pesquisador de opinião pública e consultor político. Luntz sempre o considerou o aluno mais talentoso e brilhante que já tivera. Nessa época, Dermer já possuía um verdadeiro dom para o debate. Jeffrey Pollock, importante pesquisador democrata, seu colega de classe, costumava dizer: “É melhor não entrar em discussão com ele, porque com certeza vai sair perdendo...”. O relacionamento com Luntz foi crucial para a vida de Dermer, pois o professor o aproximou do Partido

Republicano e o introduziu na política israelense. Embora seu pai tivesse sido democrata e seu irmão ter seguido seus passos, Ron se alinhou com a Direita. Assim que se formou em Wharton, em 1993, foi para Washinton e se tornou assistente de Luntz. No ano seguinte, 1994, Luntz arquitetou a campanha para a Câmara, “Contract with America”2, para Newt Gingrich. Foi Luntz quem convenceu Dermer a continuar seus estudos em Oxford, onde ele obteria o mestrado em filosofia, política e economia. Assim que chegou à Oxford, pendurou na parede uma bandeira de Israel que seu pai ganhara de uma Miss Israel, durante um concurso de beleza, em Miami Beach. Ele era um americano cujo coração estava em Israel. A bandeira provocou calorosos debates. Em 1995, Natan Sharansky tentava lançar um partido de imigrantes que 49

viria a se chamar Yisrael B’Aliyah – Israel para a Imigração. Luntz apresentou Ron a Sharansky. Conta Dermer sobre esse encontro: “Eu não o conhecia, mas lera seu livro e meu primeiro instinto me dizia para não trabalhar com ele. Então eu o conheci e mudei de ideia em menos de 10 minutos”. Naquele mesmo ano, ainda estudando em Oxford, Dermer ajudou Sharanksy a se preparar para as eleições de 1996 para o Knesset. No dia da votação, Dermer fazia um exame final em Oxford. Logo depois, Ron vai para Israel. Não queria voltar para os Estados Unidos, queria morar no Estado Judeu e, em 1997, começou o processo para se tornar cidadão israelense. Ron chegou a Israel após a assinatura dos Acordos de Oslo e do assassinato de Yitzhak Rabin. Ele encontrou um país dividido. Não apenas entre direita e esquerda, mas entre judeus seculares e religiosos, asquenazitas e sefaraditas, SETEMBRO 2014


PERSONALIDADE

Barak renuncia ao cargo de primeiroministro e mais uma vez tiveram que ser antecipadas as eleições. Houve uma polarização entre Barak e Sharon, e este último acabou tornando-se primeiro-ministro. Desta vez, porém, Netanyahu não estava no páreo. Enquanto isso, Dermer passou a escrever uma coluna semanal no The Jerusalem Post, denominada “The Numbers Game”, que estreou em janeiro de 2001. Ele escrevia sobre política e suas preocupações sobre o futuro de Israel. Dermer e Bibi Netanyahu

entre sabras e imigrantes recémchegados da ex-União Soviética. “Quando cheguei em Israel”, lembra ele, “estava empolgado porque sabia que as futuras decisões tomada por meu país seriam importantes para o futuro do Estado Judeu e o do meu Povo”. Em agosto de 1998, Dermer se casou com Adi Blumberg, uma artista que crescera na Cidade Velha de Jerusalém e cujo pai era o presidente do Banco de Jerusalém. O casamento de Adi e Ron foi celebrado por um dos maiores eruditos da atualidade, o Rabino Adin Steinsaltz. Mas a felicidade do casal foi muito breve, pois sua esposa faleceu dois anos mais tarde, em fevereiro de 2000. Adi tinha apenas 29 anos. No final daquele mesmo ano, após três anos no poder, o governo de Netanyahu entra em colapso. Com uma coligação desfeita, o primeiroministro de Israel pede a antecipação das eleições previstas para o ano 2000. Sharansky ofereceu a expertise de Dermer para a campanha de Bibi. O jovem já era conhecido

como o principal especialista do país sobre o voto russo. Ao lembrar o encontro entre Ron e Netanyahu, Sharansky diz que Bibi não gostou das duras constatações sobre a campanha expostas por Dermer. “Bibi me chamou e disse, ‘este sujeito (Dermer) realmente me odeia’. Mas da próxima vez que se encontraram, apaixonaram-se”, relata Sharanky. Netanyahu e Dermer se encontraram novamente no início do verão israelense daquele ano de 2000.Ambos haviam sofrido grandes perdas: Bibi fora arrasadoramente derrotado por Ehud Barak nas eleições, além de perder a liderança do Likud para Ariel Sharon, e Dermer enviuvara. Mas estavam determinados a ir em frente. Era o início de um grande relacionamento. Netanyahu e Dermer compartilhavam, e compartilham, as mesmas visões políticas em termos de segurança do Estado de Israel, diplomacia e economia, entre outras. Com a eclosão da Segunda Intifada, em outubro daquele mesmo ano, 50

Ron conheceu sua atual esposa e mãe de seus filhos, Rhoda Pagano, em um jantar, em Jerusalém, oferecido pelo chefe de Rhoda, Aharon Barak, então presidente da Suprema Corte de Israel. Rhoda, formada em Direito pela Universidade de Yale, retornou pouco depois a Nova York para trabalhar em um escritório de advocacia. Ela resistiu aos pedidos de Ron para que mudasse para Israel, pois dizia estar receosa com os ataques terroristas. Mas, o atentado ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, a fez mudar de opinião. Rhoda foi para Jerusalém e se casou com Dermer. A mãe de Dermer deu de presente ao casal coletes à prova de balas! O casal tem cinco filhos. Após o fatídico 11 de setembro, Dermer retornou aos EUA por um breve período para ajudar seu irmão David que concorria às eleições para a prefeitura de Miami Beach. David Dermer venceu a disputa, numa vitória de último minuto, com a ajuda do ex-governador da Flórida, Jed Bush, irmão do presidente George W. Bush. Embora seu pai e seu irmão fossem democratas, a família Dermer tinha fortes vínculos com a família Bush, especialmente com Jed Bush.


REVISTA MORASHÁ i 85

Ron Dermer foi coautor com Sharansky do livro “The Case for Democracy: The Power of Freedom to Overcome Tyranny and Terror”, publicado em 2004. O livro aborda a disputa entre a liderança israelense e palestina como uma frente na luta global entre sociedades livres e tirânicas. Traça uma distinção entre sociedades livres e sociedades tirânicas, ou “sociedades aterrorizadas”, como são chamadas no livro – expressão que Sharansky credita a Dermer. No final, há uma lista de dissidentes árabes que merecem o apoio do Ocidente em seus esforços para levar seus países ao caminho da liberdade. George W. Bush ficou entusiasmado com o livro e convidou os autores ao Salão Oval alguns dias após sua reeleição. O livro se tornou uma pedra fundamental do que é atualmente conhecido como a “Doutrina Bush”.

Dermer e Bibi Netanyahu Ron Dermer assumiu seu primeiro cargo governamental em 2005. Netanyahu, que então era ministro das Finanças na gestão de Ariel Sharon, indicara-o para ocupar o posto de Ministro da Economia na Embaixada de Israel em Washington, D.C. Para assumir o cargo, Ron teve que desistir de sua cidadania americana. Na campanha de Netanyahu para primeiro ministro, Dermer foi o principal estrategista. Durante os três anos que passou em Washington, observou com grande interesse a estratégia adotada pela equipe de Obama para lidar com milhões de eleitores insatisfeitos – novos, ou já existentes, e lhes transmitir uma mensagem de mudança. Esta estratégia Ron replicou na campanha

em política externa e estrategista – requisitado frequentemente e a qualquer hora para consultas.

de Bibi, chegando mesmo a contratar dois assessores para comunicação com a mídia que tinham atuado na campanha de Obama. Após ser eleito primeiro-ministro de Israel, Netanyahu fez de Dermer seu principal assessor, cargo que ele ocupou até 2013, quando se tornou embaixador em Washington. Durante esse período, ele trabalhou no círculo mais íntimo de Bibi. Seu cargo abrangia virtualmente tudo o que dizia respeito ao primeiro ministro. Ele se tornou o principal redator dos discursos, pesquisador de opinião pública, principal conselheiro

Ele atuou, também, como ligação com a Casa Branca e foi uma presença constante nas reuniões em Washington ao lado do primeiroministro. Além de Netanyahu, Dermer tem feito mais para moldar o relacionamento entre Israel e os EUA, seus vizinhos árabes e com os palestinos nos últimos anos do que qualquer outro homem do governo. Algumas de suas posições políticas chegam a ser ainda mais conservadoras do que as de Bibi. Em várias ocasiões expressou seu ceticismo sobre a real vontade dos palestinos de ter seu próprio estado e sobre a viabilidade de serem um parceiro para a paz.

Embaixador em Washington Ron Dermer substituiu o embaixador israelense em Washington, Michael Oren, em 2013. Entre as tarefas hercúleas que ele tem diante de si,

Ronald S. Lauder com o embaixador Ron Dermer e sra. Rhoda Dermer. janeiro de 2014

51

SETEMBRO 2014


PERSONALIDADE

Israel, em especial para o sistema antimíssil Domo de Ferro, e para revogar a proibição da FAA americana de voos para Israel. Foi também ele quem orquestrou o encontro do ex-Prefeito de Nova York, Bloomberg, com Bibi.

ele terá que apresentar as reservas de Israel a negociação que está sendo discutida com o Irã, algo que tem preocupado Israel, e tentar influenciar o governo americano. Sobre ele, disse Sharansky ao jornal The Times of Israel, “Ron tem um senso extremamente profundo das bases da ligação entre Israel e a América. Ele estudou, escreveu e viveu essa ligação e os valores que as duas nações compartilham. Ron será extremamente importante para Washington e para a Casa Branca porque eles sabem que ele é muito próximo do primeiro-ministro e que falar com ele é como falar diretamente com Netanyahu: isto é algo muito raro”. Muitas pessoas próximas a Obama confirmam as palavras de Sharansky, pois quaisquer suspeitas sobre as tendências políticas de Dermer são superadas pelo benefício de ter um embaixador que faça parte do círculo íntimo de Bibi. Embora tenha vínculos fortes com os republicanos e tenha apoiado Mitt Romney em 2012, Ron tem boa penetração também entre os democratas. Neste ano, o secretário de Estado John Kerry participou do Seder de Pessach na residência de Dermer.

Dermer e a Operação Margem Protetora Enquanto o papel da maioria dos embaixadores é influenciar a política dos países onde atuam em relação a seu próprio país, os de Israel têm mais um papel: procurar influenciar a opinião pública e os meios de comunicação nesses países. Embora Israel seja a única democracia que floresce no Oriente Médio, o país continua a perder a batalha da opinião pública, a guerra na mídia, passo a passo. A opinião pública

Dermer é articulado, rápido e dono de uma fluência política difícil de enfrentar. Ele pode se confrontar com qualquer repórter e provar o ponto de vista de Israel. Suas entrevistas estão em todas as mídias sociais e ele se tornou a voz da razão em meio a uma campanha de desinformação.

certamente não é a “frente de batalha” mais importante que Israel precisa vencer quando é atacado por seus inimigos, mas é, sem dúvida, de grande importância. Por causa dos recentes combates entre Israel e o Hamas, em Gaza, Dermer tem combatido as críticas a Israel pela invasão de Gaza e pelas vítimas civis. Participou em mais de 55 entrevistas de televisão, rádio e mídia impressa. Tem ido às emissoras de televisão e debatido com seus âncoras, apresentando os fatos de forma objetiva, esclarecendo o público e denunciando a tendenciosidade ou a desinformação da mídia na cobertura do conflito. Tem, também, defendido Israel no Capitólio, participado de reuniões com membros da Administração americana, conferências e outros eventos. Tem atuado, também, na busca de mais recursos para a segurança de 52

Dermer tentou traduzir a situação real de Israel em termos com os quais o público americano pudesse se relacionar. O diplomata procura demostrar aos americanos que o único desejo dos israelenses é se defender, algo que os Estados Unidos não titubeariam um segundo em fazer. Foi lançada uma campanha de mídia nos EUA com a pergunta: “O que você faria se Nova York e Washington estivessem sendo atacadas por mísseis?”, e a afirmação “O Hamas não é em nada diferente da al-Qaeda”. Em uma entrevista à CNN, Dermer pediu aos telespectadores que imaginassem uma situação em que ouvissem sirenes em Nova York e em Washington e a necessidade das pessoas terem que correr para bunkers. “Isto é o que acontece hoje em Israel”. Ao falar em um encontro no Capitólio, ele fez a mesma abordagem, ressaltando que, atualmente, em termos proporcionais, a população israelense que está na mira dos mísseis e foguetes seria equivalente a 200 milhões de americanos. “Como alguém que


REVISTA MORASHÁ i 85

1. ron dermer COM Steve Israel. 2. com Jeremy Ben-Ami. 3. COM José Miguel Insulza, secretário geral da oea 4. com o porta voz John Boehner NO CAPITÓLIO.

nasceu e cresceu neste país (EUA), não me é difícil imaginar o que o povo americano esperaria de seu governo se 200 milhões de pessoas tivessem que ir para os bunkers”, ressalta.

Frank I. Luntz é um consultor político americano, pesquisador e “guru de opinião pública”, mais conhecido por desenvolver temas de debate e outras mensagens para várias causas republicanas.

1

“Contract with America” foi um documento distribuído pelo Partido Republicano durante a campanha para o Congresso de 1994, detalhando as ações que os republicanos prometiam realizar se obtivessem a maioria na Câmara pela primeira vez, em 40 anos.

2

Essa explicação procura desmistificar o principal desafio das relações públicas de Israel – a acusação de ação desproporcional. “As pessoas precisam entender que não se trata de contar corpos de cada lado”, explica Dermer. E ele faz outra analogia através da qual o povo americano pode entender a situação na qual se encontra Israel. Durante a 2ª Guerra Mundial, o número de vítimas alemãs foi 20 vezes maior do que as americanas, no entanto “este fato não torna a ação dos nazistas aceitável”. Ele ainda afirma: “O Hamas está usando escudos humanos, não apenas por causa da natureza do seu regime, mas porque é uma estratégia que parece funcionar. O Hamas confia em que as fotos (dos civis mortos em Gaza) levem à pressão contra Israel”. Durante uma recente palestra ele disse: “Israel merece mais do que o apoio da comunidade 53

internacional; merece a sua admiração. Não houve, na História, forças armadas que tenham sido mais cuidadosas do que as FDI na proteção de inocentes do lado oposto (...) Israel não precisava ter enviado seus soldados a muitos dos lugares onde eles hoje lutam (...). Estamos, hoje, enviando nossos soldados a esse vespeiro de terror palestino, todo armado com minas e explosivos e permeado de túneis. Israel tem demonstrado uma auto-contenção que ainda não foi vista (...). E eu não posso aceitar críticas ao meu país numa hora em que os soldados israelenses estão morrendo para que os palestinos inocentes possam viver”. Quaisquer que sejam as opiniões sobre a linha política de Dermer, é fato que ele traz inegáveis habilidades retóricas à qualquer mesa de discussão. Nos círculos políticos israelenses, ele é conhecido por seu vasto conhecimento, seu humor afiado, espírito argumentativo e por observações espertas e curtas que defendem Israel. Numa hora em que a reputação de Israel está sofrendo terrivelmente em todo o mundo, Ron Dermer é o melhor porta-voz para combater o ataque maldoso ao Estado Judeu. SETEMBRO 2014


SHOÁ

O MASSACRE DE BABI YAR Em setembro de 1941, Babi Yar, ravina existente em Kiev, capital da Ucrânia, foi o local de um dos maiores massacres de judeus em um único lugar, durante a 2ª Guerra Mundial. Em dois dias apenas, 34 mil judeus, homens, mulheres, crianças e velhos, foram mortos a tiros. Babi Yar se tornou símbolo do cruel assassinato de judeus perpetrado pelos Einsatzgruppen e do persistente não reconhecimento da memória judaica.

e

m 1961, o poeta russo Yevgeny Yevtushenko, em seu poema “Babi Yar”, fez um apelo para que os terríveis acontecimentos não fossem relegados ao esquecimento.

“(..) A erva selvagem murmura sobre Babi Yar. As árvores olham agourentas como os verdugos. Aqui tudo grita em silêncio, e, tirando meu boné, sinto-me grisalho, lentamente. E eu, também, tornei-me um berro tonitruante, sem som, pelos muitos milhares aqui enterrados. Eu sou cada velhinho aqui abatido a tiros. Eu sou cada criança aqui abatida a tiros. Nada será esquecido, dentro de mim...”

Holocausto na Ucrânia A Operação Barbarossa, invasão da antiga União Soviética por Hitler, lançada em 22 de junho de 1941, foi decisiva no Holocausto,

pois deu início ao genocídio de judeus. A matança sistemática de judeus no leste da Europa começou no primeiro dia da invasão alemã. As forças nazistas rapidamente ocuparam a Ucrânia, o leste da Polônia, a Letônia, Estônia e Lituânia, a Bielorrússia e o oeste da República Russa. Assim que o exército alemão ocupava alguma área da ex-União Soviética, os Einsatzgruppen (Esquadrões da morte móveis das SS) entravam em ação, fuzilando os judeus. Estima-se que mais de 1,5 milhão foram executados dessa forma. Uma das “tarefas” dos Einsatzgruppen era organizar, entre a população local, indivíduos dispostos a perpetrar ou a participar do assassinatos em massa de judeus. Na Ucrânia não foi difícil; centenas de milhares colaboraram entusiasticamente com os nazistas. Sem tal participação, teria sido 54

impossível que as matanças atingissem a escala que de fato tiveram. Antes mesmo de os nazistas ir em frente com a “solução radical do problema judaico através da execução a tiros de todos os judeus”, milhares de ucranianos foram os responsáveis por sangrentos pogroms. Outros milhares tornaram-se guardas nos campos de extermínio. A ajuda da polícia ucraniana permitiu aos nazistas rapidamente identificar e reunir os judeus que, a seguir, eram conduzidos para locais ermos onde, um a um, família após família – homens e mulheres, velhos e crianças – eram brutalmente assassinados a tiros.

Kiev A cidade de Kiev acabou caindo em mãos alemãs após 45 dias de batalha, em 19 de setembro de 1941. Acredita-se que cerca de 70% dos


REVISTA MORASHÁ i 85

1

2

1. memorial babi yar 2. memorial das crianças que pereceram em Babi Yar

225 mil judeus (20 % da população da cidade) que viviam em Kiev conseguiram deixar a cidade a tempo. A maioria dos que ficaram eram os que não tinham condição de fugir: mulheres, crianças, velhos e doentes. Desde o primeiro dia da ocupação, os judeus perceberam as “faces radiantes” de muitos ucranianos, como recordou mais tarde uma testemunha ocular, Konstantin Miroshnik1, então com 16 anos. Um dos vizinhos ucranianos dissera a seu avô, “Leib, seu poder judaico chegou ao fim, uma nova ordem começará agora, portanto tenha em mente, você terá contas a acertar...”. No segundo dia da ocupação, policiais ucranianos apareceram nas ruas portando braçadeiras e anunciando que faziam parte da “Organização de Nacionalistas Ucranianos” (OUN), organização liderada por Stepan Bandera. (ver artigo Judeus na Ucrânia no século 20, pág. 65).

Por alguns dias os judeus não foram molestados. Em 21 de setembro, após ter sido submetido a humilhações públicas, foi assassinado Shlomo Glozman, um dos líderes comunitários de Kiev, junto com nove outros dos mais respeitáveis membros da comunidade. Durante os primeiros dias da ocupação alemã, duas grandes explosões, aparentemente desencadeadas por engenheiros militares soviéticos, destruíram o prédio onde havia se instalado o quartel-general alemão e parte do centro da cidade. Os alemães usaram esses atos de sabotagem como pretexto para dar início à matança dos judeus de Kiev. Em 27 e 28 de setembro, os nazistas colocaram cartazes em russo e ucraniano por toda a cidade, convocando os judeus para o “reassentamento”. 55

“Ordena-se a todos os judeus residentes de Kiev e suas vizinhanças que compareçam à esquina das ruas Melnyk e Dokterivsky, às 8 horas da manhã de 2ª feira, 29 de setembro de 1941, portando documentos, dinheiro, roupas de baixo, etc. Aqueles que não comparecerem serão fuzilados. Aqueles que entrarem nas casas evacuadas por judeus e roubarem pertences destas casas serão fuzilados”. Mais de 30 mil se apresentaram. Nos dias 29 e 30, véspera de Yom Kipur, os judeus foram levados a Babi Yar, uma ravina nos arredores da cidade. Acreditavam que seriam embarcados em trens para um reassentamento. A multidão de homens, mulheres e crianças era grande o bastante para que ninguém se desse conta do que estava para acontecer, a não ser tarde demais. Um dos comandantes do Einsatzkommando chegou a se gabar, dias mais tarde, que, por causa SETEMBRO 2014


SHOÁ

pseudônimo de A. Anatoli. Dina contou que enquanto estava ainda soterrada ouvia por todo lado e por baixo ela, sons abafados, gemidos, pessoas se sufocando e chorando. A massa de corpos movia-se ligeiramente conforme se acomodava e se espremia, através do movimento dos que ainda viviam. Lembrou como os soldados iam até a borda e iluminavam os corpos com suas lanternas, atirando com seus revólveres sobre os que ainda pareciam vivos. judeus de kiev, a caminho da morte em Babi Yar

de “nosso talento especial para a organização, os judeus acreditaram, até o momento de serem executados, que estavam realmente sendo enviados para um reassentamento”.

do grupo logo à frente, percebiam o que os esperava, mas não tinham mais como escapar. Ao chegar à boca da ravina, encontravam-se na beira do precipício, a 20, 25 metros de altura, e do outro lado havia O massacre foi realizado em dois dias, metralhadoras alemãs disparando. pela unidade C do Einsatzgruppen, (...). Então os próximos apoiada por membros de um batalhão 100 eram trazidos, e tudo se repetia. Os policiais pegaram as crianças das Waffen-SS. Unidades da polícia pelas pernas e as jogaram vivas ucraniana foram usadas para agrupar dentro do Yar. Naquela noite, os e conduzir os judeus até o local de alemães fizeram desmoronar as fuzilamento. paredes da ravina e enterraram as Logo após a guerra, um cidadão não pessoas sob uma espessa camada de judeu, o vigia do velho cemitério terra. Mas a terra moveu-se ainda judaico próximo a Babi Yar, contou por muito tempo, porque judeus que testemunhara “cenas horríveis feridos e ainda vivos se moviam, de dor e desespero”. Ao relatar os desesperados”. fatídicos acontecimentos contou: “Eu vi policiais ucranianos formarem Dina Pronicheva foi uma dentre um corredor e levar os judeus os poucos judeus a escapar com apavorados para a enorme clareira, vida. Assim como centenas dos que onde, com bastões, aos gritos e foram alvejados, não morreu. Mas utilizando cães que arrancavam diferentemente da maioria dos que pedaços dos corpos das pessoas, os caíram vivos na vala, ela conseguiu judeus eram forçados a se despirem evitar ser sufocada e escapou. Após totalmente, a formar filas e, então, a guerra, Dina contou os horrores dirigir-se em colunas de dois para de Babi Yar ao escritor russo a boca da ravina. Ao escutarem o Anatoli Kuznetsov, que publicou barulho das metralhadoras a história, primeiro na Rússia, em que estavam abatendo os judeus 1966, e na Inglaterra em 1970, sob o 56

Ao se referir ao massacre, Elie Wiesel escreveu que “testemunhas oculares disseram que, por meses após as mortes, o solo de Babi Yar continuava a esguichar guêiseres de sangue”. Após dois dias de assassinatos, a unidade do Einsatzkommando mandou para Berlim um relatório sobre a ação: em dois dias, 33.771 judeus haviam sido exterminados em Babi Yar e os “operadores” das metralhadoras haviam sido auxiliados pelos milicianos ucranianos. Nos meses seguintes, os nazistas utilizaram Babi Yar como um local de execução para prisioneiros de guerra soviéticos e para “ciganos”. O número de executados talvez jamais seja conhecido.

Destruindo provas Em março de 1944, a ex-URSS inicia a ofensiva na Bielorrússia. À medida que os exércitos alemães iam batendo em retirada frente ao inexorável avanço russo, eram instruídos a destruir as evidências dos assassinatos em massa. Um comando especial foi incumbido de ir aos locais dos massacres realizados pelos Einsatzgruppen.


REVISTA MORASHÁ i 85

Teriam que exumar e queimar cadáveres e ossos e espalhar as cinzas. Na maioria dos locais foram construídas piras maciças. Cada pira podia consumir 3.500 corpos e ardia até dez dias. Mas a quantidade de mortos enterrados na ravina de Babi Yar não permitia esse “modus operandi”. Lembrou posteriormente o comandante da operação: “A terra sobre a imensa cova comum foi removida; os corpos foram cobertos com material inflamável e incendiados. Demorou cerca de dois dias para que a tumba ardesse até o fundo”. A terrível tarefa foi realizada por mais de 400 judeus e prisioneiros de guerra soviéticos. Eles sabiam que assim que o trabalho se encerrasse todos seriam mortos, sabiam que os nazistas não iriam deixar testemunhas de seus crimes. As mortes já vinham ocorrendo; no primeiro mês, 70 dos prisioneiros foram mortos em execuções realizadas toda a noite pelos guardas, para se divertirem. Os prisioneiros famintos e doentes trabalhavam com grilhões nos tornozelos, guardados por SS armados com submetralhadoras e acompanhados por cães treinados para matar. Os guardas dirigiam-se aos judeus chamando-os de “Leichen”, cadáveres. Mas, como escreveu o historiador Reuben Ainsztein, um dos principais autores ingleses sobre o tema do Holocausto, “naqueles homens seminus impregnados de carne putrefata, cujos corpos estavam comidos por sarna e cobertos com uma camada de lama e fuligem, e nos quais restava tão pouca força física, sobrevivia um espírito que desafiava tudo o que os nazistas tinham feito ou poderiam fazer-lhes. Nos homens em quem as SS viam apenas

policial alemão revista as roupas de judeus assassinados. outubro de 1941

cadáveres andantes, maturava uma determinação de que ao menos um deles precisava sobreviver para contar ao mundo o que haviam visto em Babi Yar”. Eles traçaram planos. Entre os idealizadores, havia um soldado judeu do Exército Vermelho, Vladimir Davydov, que acabou testemunhando em Nuremberg. A escala de represália eliminava fugas individuais. Após a fuga de um soldado não judeu do Exército Vermelho, Fyodor Zavertanny, os alemães fuzilaram 12 dos prisioneiros e o SS encarregado dos guardas, que tinha supervisionado o grupo de Zavertanny. Uma fuga em massa era a única esperança. Mas os prisioneiros precisariam de um milagre, pois para poder fugir teriam que encontrar uma chave que pudesse abrir o cadeado do bunker onde eram trancafiados a noite. Eles passaram a procurar por quaisquer chaves que tivessem sobrado dentre os milhares de cadáveres apodrecendo e suas roupas em decomposição. Em 20 de setembro, o milagre aconteceu: 57

um dos prisioneiros encontrou uma chave que servia no cadeado. Nove dias depois, no 3º aniversário do massacre, 325 judeus e prisioneiros de guerra soviéticos fugiram. Desses, 311 foram fuzilados durante a fuga e apenas 14 alcançaram esconderijos, quatro ficaram por 20 dias em uma chaminé de uma fábrica desativada e dois foram escondidos sob o galinheiro por duas ucranianas, Natalya e Antonina Petrenko. Em 6 de novembro, cinco semanas após a fuga, os 14 sobreviventes estavam entre os que recepcionaram o vitorioso Exército Vermelho que entrava em Kiev. Todos eles se juntaram às fileiras. Quatro deles, todos judeus, foram posteriormente mortos em ação contra os alemães, e dez sobreviveram à guerra. Dois judeus, Vladimir Davydov e David Budnik, prestariam depoimento, em 1946, no Tribunal de Nuremberg, sobre o massacre de Babi Yar.

Atitude soviética Na Kiev libertada, judeus sobreviventes e familiares dos judeus SETEMBRO 2014


SHOÁ

1

2

1. VANGOROD, UCRÂNIA. soldado ALEMÃO APONTA SEU RIFLE PARA UMA MULHER E SEU FILHO, 1942 2. VINNITSA, UCRÂNIA. SOLDADO ALEMÃO ATIRA EM UM JUDEU EM UMA COVA COMUm, PROvaVELMENTE EM 1941

massacrados foram até a ravina, no local da execução. Lembra uma testemunha: “Descemos até o fundo. Ficamos parados, chorando. Juntamos os ossos queimados de braços, pernas”. Após o Exército Vermelho retomar o controle de Kiev, Babi Yar foi transformado num local de internamento de prisioneiros alemães e operou até 1946, quando foi totalmente demolido. Nos anos seguintes ao término da 2ª Guerra, os judeus que retornaram a Kiev, assim como os demais na antiga União Soviética, quiseram erguer um memorial em homenagem aos judeus assassinados em Babi Yar, mas essas tentativas foram sistematicamente rechaçadas pelas autoridades soviéticas. Desde a retomada da cidade, o governo desestimulou qualquer ênfase ao massacre de Babi Yar como sendo uma barbárie direcionada apenas aos judeus – queriam que a tragédia fosse lembrada como um crime cometido contra a população de Kiev e o povo soviético todo. A primeira versão do texto sobre o terrível massacre ocorrido em Kiev mencionava os judeus. “Os bandidos hitleristas cometeram assassinato em

massa da população judaica. Eles o anunciaram em 29 de setembro de 1941, dizendo que todos os judeus deveriam estar na esquina das ruas Melnikov e Dokterev portando seus documentos, dinheiros e valores. Os carniceiros os conduziram a pé para Babi Yar, apossaram-se de seus pertences e lá os abateram a tiros”. Mas ao ser oficialmente publicado, os judeus não eram mais mencionados: “Os bandidos hitleristas trouxeram milhares de civis à esquina das ruas Melnikov e Dokterev”. Diversas tentativas de se erguer um memorial judaico no local dos massacres foram adiadas. Em outubro de 1959, o escritor Viktor Nekrasov publicou um artigo protestando contra a intenção de erguer um parque com um estádio de futebol em Babi Yar e construir uma represa na outra ponta da ravina. Nos anos após o término da guerra, Babi Yar enchera-se de entulho, lama e água, formando, na descrição de uma testemunha, “um lago profundo imóvel... De longe, parecia esverdeado, como se as lágrimas das pessoas que lá tinham sido mortas houvessem brotado do solo”. As autoridades municipais de Kiev concordaram, a princípio, em erguer 58

um monumento, mas insistiam em que fosse dedicado aos cidadãos soviéticos, sem mencionar o fato de serem judeus. No final, até mesmo essa decisão não foi levada adiante e as obras da represa foram iniciadas. Uma noite, em 1961, a represa construída pela prefeitura ruiu e torrentes de água, argila líquida e lama, misturadas com restos de ossos humanos, jorraram nas ruas de Kiev abaixo. A enxurrada provocou vários incêndios, destruiu uma garagem e, ao atingir a estação de bondes, virou os bondes, enterrando vivos todos os que estavam na estação e a bordo dos bondes. Nessa noite, enquanto os soldados estavam ocupados escavando em busca dos mortos e procurando sobreviventes na lama, uma segunda onda de argila líquida irrompeu de Yar, causando mais estrago e morte. Nos dois desastres, 24 pessoas foram mortas. Alguns dias depois, quando um bonde passou pelo local do desastre, uma velha ucraniana começou repentinamente a gritar: “Foram os judeus que fizeram isso. Estão se vingando de nós”. À medida que as décadas passaram, muitos sobreviventes e os parentes dos sobreviventes procuraram


REVISTA MORASHÁ i 85

1

2

1. MASSACRE DE BABI YAR 2. Dina Pronicheva foi dos poucos judeus a escapar com vida. aqui ela dá seu testemunho

retornar aos cenários de seu próprio sofrimento ou de sua família. Para os judeus da antiga União Soviética, Babi Yar, assim como outros locais de assassinato em massa de judeus, tornaram-se lugares de peregrinação solene. Visitar locais como Babi Yar, em Kiev, Rumbuli, perto de Riga, Ponar, fora de Vilnius, ou a cova da Rua Ratomskaya, em Minsk, tornouse um meio de renovar e afirmar seu sentido de identidade judaica. Em setembro de 1966, decorridos 25 anos do massacre, Babi Yar se tornou ponto de encontro para os ativistas judeus. Nos anos seguintes, os ativistas de várias partes do país vinham participar do evento em memória dos judeus assassinados, atendendo às convocações, a despeito do empenho das autoridades em evitar qualquer manifestação. Em 1971, no mínimo 1.000 pessoas participaram da cerimônia de recordação. O interesse em Babi Yar atingiu seu ponto alto em 1961, no

Os testemunhos estão documentados na obra de Martin Gilbert, “Holocausto, História dos Judeus da Europa na Segunda Guerra Mundial”.

1

20o aniversário do massacre, quando o poeta russo Yevgeny Yevtushenko publicou seu poema “Babi Yar” na Literaturnaia Gazeta. O poema se identificava com o sofrimento judeu, particularmente com as vítimas judias do nazismo, insistindo que enquanto existisse antissemitismo na ex-URSS sua sociedade não poderia ser genuinamente internacionalista. O trabalho evocou um amplo protesto, inclusive uma censura do Premier Nikita Khrushchev. A intelligentsia liberal, no entanto, recebeu-o com aplausos, e o compositor Dimitri Shostakovich musicou-o em sua 13a Sinfonia, que logo foi banida pelas autoridades. Somente em 1976, ergueu-se um monumento, mesmo assim, sem fazer qualquer menção específica às vítimas judias, referindo-se apenas “aos cidadãos de Kiev e prisioneiros de guerra”. Apenas após o advento da Perestroika, a política soviética mudou. No final da década de 1980, colocou-se uma placa em iídiche, sem, no entanto, haver menção especial aos judeus. Em 1988, o aniversário da aktion de setembro de 1941 foi relembrado em grande escala em uma manifestação em 59

Moscou e outra em Babi Yar. Em setembro de 1991, grupos ucranianos e judaicos, patrocinados pelo governo da Ucrânia, organizaram em Kiev um evento de grande porte em memória dos judeus assassinados em Babi Yar. Nas principais ruas foram colocadas fotos dos judeus mortos, houve vários dias de conferências, encontros, exposições, concertos e discursos, além da publicação de um livro-memorial. No dia 29 foi inaugurado um monumento em feitio de menorá. Em junho de 2013, o Fórum Mundial de Judeus de Língua Russa anunciou que um novo complexo memorial será erguido no local do massacre de Babi Yar. Além de um centro judaico e de uma sinagoga, haverá uma exposição de material histórico com roupas e pertences dos judeus assassinados, documentos dos arquivos nazistas e entrevistas com sobreviventes. BIBLIOGRAFIA

Brandon, Ray (Editor), Lower, Wendy The Shoah in Ukraine: History, Testimony, Memorialization , Indiana University Press Gilbert, Martin “Holocausto, História dos Judeus da Europa na Segunda Guerra Mundial”, Editora Hucitec SETEMBRO 2014


ISRAEL

O drama dos refugiados: palestinos e judeus POR Sergio D. Simon

A recente guerra de Israel contra o Hamas em Gaza chamou novamente a atenção do mundo para a situação dos refugiados palestinos. Inúmeras personalidades políticas, artísticas e da imprensa, de todos os continentes, pronunciaram-se sobre o assunto, muitas vezes com pouquíssimo conhecimento de causa, censurando Israel pelo tratamento que tem sido dado aos refugiados palestinos.

E

squecem-se estas pessoas que a situação atual não pode ser isolada de todo um contexto histórico que a precedeu e que levou ao explosivo estado atual. A situação de hoje não é de responsabilidade exclusiva de Israel, mas sim de vários personagens da política do Oriente Médio. A rainha Rania al Abdullah da Jordânia publicou recentemente um artigo em vários jornais do mundo, inclusive n’ O Estado de São Paulo, condoendo-se pela situação dos refugiados palestinos e exortando os leitores a apoiar a causa e fazer doações para as entidades internacionais que cuidam desses refugiados. Em uma resposta espontânea, escrevi à rainha Rania uma carta aberta na qual sustento que a situação dos palestinos não é de responsabilidade exclusiva do Estado judeu, mas em grande parte

é devida ao tratamento que o Reino Hachemita da Jordânia dispensou a eles desde a fundação do Estado de Israel, em 1948. Para minha surpresa, essa carta espalhou-se rapidamente pela internet, tendo sido traduzida e publicada em inúmeros países e causando uma enxurrada de e-mails que entopem minha caixa postal há 3 semanas. Creio que o que tocou as pessoas nessa carta foi uma pequena explanação histórica sobre o papel do reino da Jordânia, em especial do rei Hussein (sogro da rainha Rania), na criação e manutenção dos refugiados palestinos. Gostaria aqui de discorrer um pouco mais sobre o assunto, mostrando também o que se passou com os refugiados judeus de países árabes que foram absorvidos pela sociedade israelense. Passei o ano de 1968 morando em Israel, no Machon le Madrichei Chutz Laaretz. Eram tempos 60

gloriosos para Israel, logo após a Guerra dos Seis Dias, com a reconquista da santa Cidade Velha de Jerusalém pelo exército de Israel. Se por um lado estávamos todos exultantes com a recente vitória, um incidente me tocou fortemente: durante uma excursão do Machon, nosso ônibus foi cercado na cidade de Jenin (Shchem) por uma multidão de mulheres e meninas adolescentes, que furiosamente erguiam seus punhos contra nós e gritavam slogans contra os invasores. O olhar de ódio que presenciei naqueles rostos me fez entender que o problema do território palestino teria que ser resolvido rapidamente por Israel, sob o risco de este se tornar o grande entrave para o desenvolvimento do Estado de Israel. Desde então tenho lido e me interessado constantemente pelo assunto, sempre surpreso pela inabilidade dos países árabes em pelo menos tentar resolver esta situação.


REVISTA MORASHÁ i 85

Imigrantes judeus chegando a Haifa, vindo dos campos de detenção britânicos em Chipre, 1949

A manutenção dos refugiados palestinos como párias da sociedade sempre foi de interesse político para os vizinhos de Israel. Quando da Declaração da Independência de Israel, seguida da Guerra da Independência, em 1948, cerca de 70% da população que vivia no território declarado como Estado de Israel refugiou-se em países árabes vizinhos, alguns por medo, muitos por orientação das rádios árabes vizinhas e uma parte expulsa pelo próprio exército de Israel. Estimase que o total chegasse a mais de 700.000 pessoas, na época. Quase todos se refugiaram na Jordânia (principalmente na margem ocidental), em Gaza, na Síria e no Líbano, com muito poucos tendo conseguido chegar ao Egito. A United Nations Relief and Works Agency (UNRWA) contabilizou na época 711.000 pessoas como refugiados palestinos, sendo que a resolução 194 da ONU, de dezembro

de 1948, reconhecia o direito de retorno a estes refugiados e a todos os seus descendentes em linha patrilinear. Dos 711.000 refugiados originais de 1948 restam atualmente apenas cerca de 30.000 pessoas vivas, mas seus descendentes diretos por linhagem patrilinear alcançam hoje quase 5.000.000 de pessoas. Ao invés de abrigar estes refugiados, a maioria desses países sempre os tratou não como “irmãos”, mas como cidadãos de segunda categoria, sem possibilidade de absorção em suas sociedades. Em especial no Líbano, em Gaza e na Jordânia os refugiados palestinos foram instalados em “campos provisórios” de refugiados, que nada mais eram do que campos de concentração, cercados por arame farpado, onde condições desumanas de vida eram oferecidas. Estes campos, quase todos ao longo da fronteira com Israel, serviram por décadas como uma arma política útil 61

para se conseguir concessões políticas e doações da ONU. Jamais se propôs, para estes refugiados, um plano de educação, capacitação e absorção progressiva na sociedade local. Estas condições subumanas de vida eram o caldo ideal para a criação dos movimentos terroristas entre os refugiados. O mais conhecido deles, sem dúvida, é a Organização para a Liberação da Palestina (OLP). Fundada no Cairo durante a Cúpula da Liga Árabe, em 1964, e dirigida a partir de 1969 por Yasser Arafat, a Carta original da OLP pedia a luta armada contra Israel e o direito de retorno para os refugiados palestinos. Montada com forte estrutura de guerrilha (seus combatentes guerrilheiros conhecidos na época como “fedayin”), a OLP realizou sangrentos atentados contra Israel, atacando frequentemente kibutzim e moshavim, além de escolas infantis, ataques em estradas e o famoso SETEMBRO 2014


ISRAEL

pacificamente com o Estado judaico. Foi criada, nessa ocasião, a Autoridade Nacional Palestina, órgão que governaria os territórios palestinos da Cisjordânia e de Gaza.

a autoridade real. Em nome da estabilidade política local, o Rei Hussein atacou diretamente a população palestina na Jordânia, em setembro de 1970, no episódio que ficou conhecido como Setembro Negro. Nesta luta, que durou 10 meses, cerca de 20.000 palestinos foram mortos pelos jordanianos, segundo Arafat (os números variam de acordo com as fontes, mas foram muitos milhares de palestinos, seguramente). A direção da OLP teve que deixar o país, instalando-se então em Damasco e Beirute.

O acordo de Oslo progrediu lentamente nos meses subsequentes, mas foi seriamente comprometido pelo assassinato de Yitzhak Rabin, em 1995 (por Ygal Amir, um ultranacionalista da direita israelense). Esta sequência de conversas de paz entre palestinos e israelenses terminou em julho de 2000, quando Arafat e Ehud Barak, então primeiro ministro de Israel, não conseguiram chegar a um acordo na Cúpula de Camp David, novamente sob os auspícios de Bill Clinton. A péssima administração de Arafat e da Autoridade Palestina, com inúmeras acusações de corrupção, nepotismo, ligações com o terrorismo palestino e absoluta falta de um mínimo de princípios de democracia fez com que Arafat perdesse a confiança de Israel e dos Estados Unidos. Em 2004, Arafat, por forte pressão internacional, passa o poder para Mahmoud Abbas, considerado um líder pouco expressivo, mas moderado, e que até hoje lidera a Autoridade Palestina.

A OLP-Fatah, ao longo dos anos, acabou mudando sua postura em relação à destruição do Estado de Israel, tendo Arafat passado a aceitar a coexistência de um Estado palestino ao lado do estado judaico. Em 1993, Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, então primeiro ministro de Israel, terminaram por assinar, sob as vistas do presidente americano Bill Clinton, os Acordos de Oslo. Neste documento, Israel se comprometia a gradualmente retornar o território conquistado em 1967 para as mãos da OLP e os palestinos se comprometiam a aceitar e conviver

O Hamas, por sua vez, é uma organização de caráter fundamentalista islâmico de origem sunita, proveniente da Irmandade Muçulmana, tendo sido fundada em 1987 pelo Sheik Ahmed Yassin. O Hamas conta com um braço armado terrorista conhecido como Brigadas Izz ad-Din al-Qassam (ou Brigadas Al-Qassam). O Hamas prega em sua Carta de Princípios a eliminação completa do Estado judaico, o estabelecimento de um Estado islâmico fundamentalista e o direito de retorno para todos os descendentes de palestinos ao

Árabes da Galileia em uma estrada na Alta Galileia, outubro de 1948 (David Eldan)

massacre da delegação israelense aos Jogos Olímpicos de 1972, em Munique, levada a cabo pela organização Setembro Negro. Ao longo do tempo, a OLP tornouse uma organização complexa, abrigando vários outros grupos palestinos de diversas tendências, tais como a PFLP - Frente Popular para a Liberação da Palestina (de orientação marxista-leninista, fundada pelo Dr. George Habash, um palestino cristão, em 1967) e a DFLP - Frente Democrática para a Liberação da Palestina (de orientação ainda mais esquerdista, maoísta, fundada por Nayef Hawatmeh em 1969), além de vários outros grupos menores, de orientação política variada. Esta mistura ideológica resultou em dificuldades, evidentemente. Ao Reino Hachemita da Jordânia não interessava toda essa ebulição política dentro de seu território. A OLP (que se juntara ao movimento Fatah em 1967) passara a ser uma força civil que dominava importantes áreas da Jordânia, fazendo controles e bloqueios de estradas e tentando sempre humilhar os soldados e

62


REVISTA MORASHÁ i 85

que é hoje o território israelense. A Carta nega ainda a possibilidade de conversações de paz com Israel, alegando que a Jihad é a única opção possível na luta pelo Estado islâmico. Conclama todo palestino a lutar contra o “inimigo que age como os nazistas”, condenando todos os judeus à morte, sejam militares, idosos, mulheres ou crianças. Em vários de seus capítulos, a Carta fala da influência maligna dos judeus sobre a história da humanidade, culpando-os por todos os grandes eventos históricos recentes (inclusive a Revolução Francesa!), numa clara posição racista anti-judaica e não apenas anti-Israel. Esta Carta de Princípios nunca foi modificada e, devido aos seus ataques terroristas contra a população civil de Israel, tanto o Hamas como as Brigadas Al-Qassam são consideradas organizações terroristas pelos Estados Unidos e pela Europa. Além de seu braço político, o Hamas mantém uma rede de assistência social para os empobrecidos palestinos, oferecendo escolas e creches. Isto fez com que ganhasse apoio da população local, principalmente em Gaza, e consequentemente vencesse as eleições locais em 2006, derrotando o Fatah. Desde 2007 o Hamas governa Gaza e o Fatah governa a Cisjordânia, com altos e baixos no relacionamento entre os dois grupos. Agora, em 2014, o Hamas e o Fatah anunciaram que novamente estavam se unindo pela luta do povo palestino, mas na prática esta “união” foi interrompida pela guerra de Israel contra o Hamas.

date dos tempos bíblicos, da época do exílio babilônico, há quase 3.000 anos. Os primeiros judeus chegaram ao Marrocos há 2.000 anos, quando da destruição do Segundo Templo pelos romanos, no ano 70 E.C., tendo influenciado profundamente a cultura berbere local. E há também indícios de que os judeus não sairam todos do Egito com Moisés, tendo restado algumas cidades judaicas no sul do país, por volta de 1250 A.E.C. Em todos esses países de crença muçulmana os judeus viviam geralmente como uma categoria especial de cidadãos, às vezes protegidos pelo governante local, às vezes perseguidos. Mas raramente se observava migrações maciças por perseguição em massa. Uma exceção talvez tenha sido o êxodo dos judeus do Marrocos no séc. 19, quando as perseguições contra eles se tornaram constantes e ameaçadoras. Isto, aliado à pobreza e falta de perspectiva para os jovens, fez com que boa parte da população judaica emigrasse a partir de 1810 para lugares distantes como a Amazônia brasileira, o Peru e a Venezuela.

Os refugiados judeus Os judeus habitaram os países árabes desde tempos imemoriais. Estima-se que o judaísmo no Irã (antiga Pérsia)

Imigrante se movendo para uma nova casa em Yahud, 1948 (Kluger Zoltan)

63

Assim como populações de árabes foram deslocadas com o estabelecimento do Estado de Israel, as enormes comunidades judaicas dos países árabes também terminaram expulsas. Muito antes do estabelecimento de Israel, as populações judaicas passavam por constrangimentos e perseguições, muitas vezes similares aos pogroms da Europa (inúmeras matanças em Shiraz, Alepo, Fez, entre outras). Calcula-se que perto de 1.000.000 de judeus de países árabes e muçulmanos acabaram expulsos de sua terra natal após a criação de Israel, sendo que a maior parte terminou migrando para Israel. A França recebeu cerca de 250.000 desses refugiados. As primeiras ondas migratórias substanciais para o Estado de Israel se deram a partir do Iêmen e do Iraque. Calcula-se que entre 1948 e 1951 chegaram a Israel cerca de 250.000 refugiados destes países. Em 1970, mais de 600.000 imigrantes judeus de países árabes já haviam se estabelecido em Israel. Estas ondas migratórias não foram simultâneas. Enquanto Iraque e Iêmen foram as grandes imigrações iniciais, a expulsão dos judeus do Egito foi um pouco mais tardia, com seu pico em 1956, durante e logo após a Campanha do Sinai. Desta mesma época data o êxodo maior dos judeus do Marrocos. O Líbano foi o único país árabe a ver um aumento de sua comunidade judaica nos anos 50, com imigrantes vindos principalmente da Síria. Já em 1947, após a queima de sinagogas e do assassinato de 75 judeus por muçulmanos em Alepo, cerca de metade da população judaica deixara o país, principalmente em direção a Beirute. Logo após a independência SETEMBRO 2014


ISRAEL

menos de 15 anos toda aquela multidão foi absorvida pela sociedade israelense. No censo de 2003, os descendentes desses imigrantes judeus de países árabes somavam cerca de 60% da população total de Israel.

2

Imigrantes do Iêmen celebram seu primeiro “Tu Bishvat” em Israel

de Israel em 1948, o então presidente sírio Husni al Zaim permitiu a saída pacífica de grande número de judeus, novamente a maioria indo em direção ao Líbano e cerca de 5.000 chegando a Israel. Esta passagem pelo Líbano, no entanto, foi transitória, e após a Guerra Civil libanesa, nos anos 70, já praticamente não havia uma comunidade judaica em Beirute. Os judeus chegaram a Israel sem nada possuir, uma vez que todos os bens materiais, como imóveis, terras, dinheiro e jóias, foram proibidos de deixar a maioria dos países árabes. Muitos chegavam com um nível social e educacional muito baixo, como os judeus iemenitas e, mais tarde, os etíopes, porque assim eram as condições destas comunidades nesses países. Mas muitos tinham algum grau de educação e uma pequena quantidade deles chegavam a ter um ótimo nível educacional, apesar de educação universitária não ser uma tradição entre eles, como era em algumas comunidades européias.

Israel foram inicialmente alojados em acampamentos temporários, que eram chamados de Ma’abarot (do hebraico ma’avar = em trânsito; aliás, a mesma raiz da palavra Ivrim, hebreus). A intenção do Estado de Israel, no entanto, era absorver e integrar rapidamente estes refugiados à nova sociedade israelense. As ma’abarot tinham serviços contínuos de saúde, higiene, alimentação e educação, e várias destas ma’abarot transformaram-se em novas cidades (Kiriat Pituach = cidade em desenvolvimento), modernas e totalmente urbanizadas (as cidades atuais de Kiriat Shemona, Sderot e Migdal HaEmek, por exemplo, começaram como ma’abarot). Apesar das condições difíceis desse início da imigração dos refugiados judeus (aliás, toda a sociedade israelense passava por enormes dificuldades no início da criação do Estado) e da vida sofrida dentro de tendas de lona ou de lata, sob o calor escaldante de Israel, o modelo de absorção de imigrantes revelou-se um sucesso.

Tal como os palestinos, os cerca de 700.000 refugiados judeus em

A última ma’abará foi finalmente fechada em 1963 – ou seja, em 64

A perda material dos refugiados judeus foi enorme, evidentemente. A World Organization of Jews from Arab Countries (WOJAC) estimou em 2007 que estes bens somariam cerca de 300 bilhões de dólares, em valores atualizados. Jamais houve qualquer menção de compensação financeira por parte dos governantes de países árabes. Não há paralelo possível entre os dois grupos de refugiados, árabes e judeus. As condições históricas que levaram à formação destas duas populações foram totalmente diferentes. Enquanto os palestinos saíram do território israelense por incitação dos líderes de países árabes vizinhos, por medo e por expulsão pelo exército de Israel, os judeus deixaram os países árabes em condições mais complexas: muitos almejavam uma vida melhor na Terra de Israel, concretizando o seu sonho sionista, enquanto outros foram expulsos em curto prazo de tempo, de maneira violenta. Um grupo não serve de “moeda de troca” do outro – tal comparação não seria justa. O que se pode comparar, sim, foi o processo de absorção e acolhimento que as duas populações receberam: os palestinos continuam como refugiados há quase 70 anos, sem solução à vista para seu problema, enquanto que os refugiados judeus se mesclaram e se integraram numa sociedade moderna, dinâmica e em constante transformação. Sergio D. Simon é médico e presidente do Museu Judaico de São Paulo.


COMUNIDADES

Judeus na Ucrânia no século 20 No início do século 20, os judeus viviam em quase todas as cidades da Ucrânia. Segundo o primeiro censo geral, realizado no Império Russo em 1897, 1 milhão e 930 mil judeus viviam no território da atual Ucrânia sob o domínio dos czares, representando 9,2% do total da população. Os maiores grupos populacionais viviam no oeste e sudoeste do país. Mais de um terço da população judaica da Ucrânia Ocidental e Central ainda vivia em shtetls, onde era maioria absoluta .

n

o início do século 20, a Rússia czarista passava por uma grave crise políticosocial. O império, que desde o final do século 19 vivia uma abrupta transição do feudalismo para o capitalismo e uma rápida industrialização, ainda era governado por uma monarquia autocrática, sistema político arcaico que se chocava com o modelo econômico de capitalismo. Ademais, eram insustentáveis as desigualdades entre a privilegiada e poderosa classe de nobres e o restante da população do Império, composta em sua maioria por camponeses paupérrimos que, até sua emancipação, em 1861, haviam vivido em regime feudal de servidão. A falta de condições de sobrevivência no campo levara um número cada vez maior deles a abandonar a zona rural. Nas cidades, eles se juntavam

às fileiras das descontentes massas operárias urbanas submetidas a condições de trabalho e de vida extremamente duras. A burguesia também estava insatisfeita com o status quo, em especial face aos entraves impostos pelo governo às suas atividades e a falta de acesso à vida política. E, à medida que as ideologias socialistas e liberais iam permeando o país, crescia a convicção de que a situação econômica e social só seria resolvida através de radicais mudanças políticas. A situação dos judeus russos era a mais precária. Além da pobreza e dos problemas econômicos e sociais, o antissemitismo e os pogroms eram sancionados pelo governo czarista. Os que moravam no território da atual Ucrânia não eram exceção, pelo contrário, pois o ódio dos ucranianos pelos judeus conseguia superar o antissemitismo russo. 65

Os pogroms de 1881-1884, ocorridos em grande parte em terras ucranianas, e as Leis de Maio haviam abalado profundamente os judeus de todo o Império. Ademais, o czar Nicolau II manipulava o sentimento antijudaico das massas, tentando convencê-los de que todos os “males da Rússia” eram causados pelos judeus. Panfletos e jornais com propaganda antissemita eram impressos, em sua maioria, nas tipografias do governo, inclusive os famigerados Protocolos dos Sábios de Sião, que eram distribuídos por todo o Império. Entre os judeus também crescia a convicção de que sua situação só melhoraria se houvesse uma mudança política. O despertar social das massas judaicas deu origem a um grande número de partidos socialistas judeus. Entre eles, o Bund e o Poalei Tsion (Trabalhadores de SETEMBRO 2014


COMUNIDADES

sinagoga de Drohobych

Sion), um partido socialista-sionista. Surge também o Movimento Autonomista (também conhecido como Nacionalismo da Diáspora). Sua meta era criar uma forma secular e modernizada de autonomia nacional judaica na Ucrânia do século 20.

intelectual judaico. Um grande número de intelectuais e ativistas se reunia em torno do Movimento Sionista e participava ativamente no trabalho de suas instituições. Entre os pensadores sionistas da época se destacavam Lev Pinsker e Achad Ha’am.

Havia muitos judeus, porém, que acreditavam que não havia futuro para os judeus no Leste Europeu, qualquer que fosse o sistema político. Acreditavam que os judeus só poderiam viver dignamente em Eretz Israel. Os primeiros passos do sionismo moderno foram, efetivamente, dados na Ucrânia, articulados principalmente pelo Movimento Bilu1. Em Odessa, o Movimento Sionista funda uma influente organização, que atraiu grupos de jovens intelectuais de todas as partes da Zona de Residência2. Odessa, que contava com uma numerosa e influente comunidade, tornara-se um centro

A Revolução de 1905 No ano de 1905, o descontentamento, as greves e as manifestações que se alastraram por todo Império czarista culminaram na Revolução Russa de 1905. Em janeiro daquele ano, uma marcha espontânea, contando com mais de um milhão de pessoas, dirigiuse ao Palácio de Inverno do czar Nicolau II, em São Petersburgo. Os manifestantes reivindicavam, entre outros pontos, liberdades civis e o fim da censura. Os guardas do palácio metralharam os manifestantes para impedir que a multidão se aproximasse, originando um terrível 66

massacre que ficou conhecido como “Domingo Sangrento”. Diante do clima de revolta, o czar lançou um manifesto que garantia liberdades civis básicas e criava a Duma – uma Assembleia Legislativa que congregava representantes de todas as classes sociais e permitia a ação de partidos políticos. Dois anos antes, em 1903, ainda na clandestinidade, o Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR), o mais importante dentre os partidos russos, havia-se dividido em dois: o Partido Menchevique e o Bolchevique. Esse acontecimento foi crucial para o futuro da Rússia. Mais moderado, o Partido Menchevique adotara uma interpretação ortodoxa do pensamento marxista e defendia uma reforma política e econômica gradual, com o apoio da burguesia. Por outro lado, o Partido Bolchevique, mais radical e majoritário, defendia uma revolução proletária na qual o governo seria


REVISTA MORASHÁ i 85

diretamente controlado pelos trabalhadores. Para os judeus, a crise de 1905 teve consequências dramáticas. O governo czarista passou a instigar a violência contra os judeus e, bandos de rua armados (as Centúrias Negras) atacaram judeus em dezenas de cidades e vilarejos. No período de 1903 a 1907 ocorreram 691 pogroms que deixaram milhares de vítimas. Cerca de 660 ocorreram na Ucrânia e Bessarábia, o mais violento em Kiev. Na época viviam em Kiev cerca de 80 mil judeus. A violência só cessou em 1907, mas continuou a campanha antissemita do governo czarista, incitando o ódio aos judeus.

O caso Beilis O Caso Beilis, ocorrido na Ucrânia entre 1911 e 1913, foi uma clara demonstração dos sentimentos antijudaicos do governo czarista. No dia de Tisha B’Av de 1911, Mendel Beilis, um judeu de Kiev, é preso sob a acusação de matar um jovem cristão por “motivos religiosos”. A prisão ocorreu dois meses após ter sido encontrado o corpo mutilado de um garoto cristão de 12 anos, Andrei Yushchinsky. Os verdadeiros assassinos – uma gangue de ladrões – já estavam na custódia da polícia, no entanto, as forças reacionárias haviam conseguido que o então ministro da Justiça, I.G. Schcheglovitov, declarasse que o assassinato havia sido perpetrado por “razões religiosas”. A Procuradoria de Kiev manda libertar os verdadeiros assassinos e, publicamente, acusa Beilis e todo o Povo Judeu pelo crime hediondo. Nicolau II, ao receber a notícia da prisão de Beilis, demonstra, publicamente, sua profunda satisfação em saber que um judeu fora acusado.

A imprensa de direita orquestra uma intensa campanha difamatória contra os judeus. Não era a primeira vez, nem a última, que as autoridades os usavam como bode expiatório, nem tampouco era a primeira vez que explorava uma acusação para fins políticos. Mas nunca antes uma campanha de difamação atingira tamanha intensidade. Em outubro de 1913, logo após Yom Kipur, inicia-se, em Kiev, o julgamento de Beilis. Supreendentemente, porém, e apesar das pressões e manipulações, um júri popular, composto em sua maioria por camponeses, declara Beilis inocente. Mas as suspeitas de que os judeus eram “maus e traidores” estavam profundamente arraigadas no subconsciente da população.

A imprensa de direita orquestra uma intensa campanha difamatória contra os judeus. Não era a primeira vez, nem a última. em que as autoridades os usariam como bode expiatório, nem tampouco era a primeira vez que se explorava uma acusação para fins políticos

A 1ª Guerra Mundial A Ucrânia foi palco de sangrentas batalhas durante a 1ª Guerra, com intensos combates na Ucrânia Ocidental. A entrada da Rússia na Guerra acelerou o colapso do Império Czarista. Os exércitos do czar, que não estavam preparados para enfrentar o poderio militar da Alemanha, sofrem uma derrota atrás da outra. Na frente ucraniana, à medida que as forças russas iam debandando, seus soldados atacavam as populações judaicas. Em fevereiro de 1917, a miséria e as derrotas sofridas nos campos de batalha levaram o povo a se revoltar. Em 15 de março, as forças de oposição (liberais, burguesas e socialistas) depuseram Nicolau II, dando início à Revolução Russa de 1917. Nessa primeira fase, conhecida como Revolução de Fevereiro ou Revolução Branca, foi estabelecida uma república de cunho liberal. Mas teve vida curta, pois, em novembro daquele mesmo ano, o Partido Bolchevique derrubou 67

mendel BEILIS

SETEMBRO 2014


COMUNIDADES

No início da 1ª Guerra Mundial viviam nessa cidadezinha ucraniana 15 mil judeus

o governo provisório. A Revolução de Outubro, como é chamada, impôs o governo socialista soviético. A implantação do regime bolchevique desencadeou uma guerra civil. Para os judeus, com a Revolução Bolchevique foram abolidas as restrições que os confinavam à “Zona de Residência”. Apesar dos bolcheviques serem contrários à religião – fosse ela cristã ou judaica – eles se opunham, em teoria, ao antissemitismo e a qualquer forma de discriminação contra os judeus ou contra qualquer outra minoria. Em 1918 o Conselho dos Comissários do Povo adotou um decreto condenando todo tipo de antissemitismo e conclamando os operários e camponeses a combatê-lo.

Uma batalha pela Ucrânia – 1917 a 1921 A 1ª Guerra Mundial viu o colapso dos Impérios Austríaco e Russo e o crescimento do movimento nacional pela autodeterminação da Ucrânia. Logo após a Revolução Bolchevique inicia-se, na Ucrânia, uma luta militar pelo controle da região entre

forças ucranianas nacionalistas próindependência e os bolcheviques ucranianos que queriam estabelecer na região o domínio soviético. Uma luta semelhante à que hoje está sendo travada na região. Do conflito participaram, também, forças militares de outras nações: o Exército Branco anti-bolchevique e o Exército Vermelho que se enfrentavam na guerra civil russa, os exércitos da Alemanha, da ÁustriaHungria e da Polônia, além de vários bandos anarquistas de cossacos. Os ucranianos nacionalistas estabeleceram-se em Kiev, onde criaram um Conselho Nacional (Rada), que, em janeiro de 1918, proclamou a independência da República Nacional da Ucrânia (RNU) e sua separação da Rússia. As facções ucranianas bolcheviques, no entanto, boicotaram as iniciativas do governo e instigaram conflitos armados, querendo estabelecer o poder soviético na região. Em dezembro de 1917, um exército de 30 mil homens da Guarda 68

Vermelha3 russa pôs-se em marcha em direção à Ucrânia para ajudar as facções pró-soviéticas. A República Socialista Soviética da Ucrânia (RSSU), pró-soviética, é criada em 1919, tendo Cracóvia, ou Kharkiv, como capital. Naquele mesmo ano, o território ucraniano é invadido a leste pelos soviéticos e, em 1920, a oeste pela Polônia. Em 1921, o Exército Vermelho já havia conquistado dois terços da Ucrânia e a RNU é anexada à RSSU. A luta pela independência nacional ucraniana terminou com uma Ucrânia dividida e subjugada por outras nações. A República Socialista Soviética da Ucrânia passa a integrar a ex-URSS. E a Polônia anexa a República Nacional do Oeste da Ucrânia, inclusive Lviv, que havia sido criada na Galícia, em 1918. Com esse desmembramento do território ucraniano, um número considerável de judeus ficou sob domínio polonês, mas a grande maioria, mais de 1,5 milhão, ficam sob domínio soviético.


REVISTA MORASHÁ i 85

Os judeus e a guerra pela independência A guerra pela independência constitui um capítulo especial na história dos judeus da Ucrânia. Muitos haviam aderido ao movimento nacionalista ucraniano, o que fez com que fosse substancial a participação judaica na luta pela independência ucraniana. Na Galícia Oriental, por exemplo, ucranianos e judeus lutaram conjuntamente contra as forças polonesas. Os partidos políticos judaicos das mais diferentes ideologias – dos socialistas judaicos aos revisionistas sionistas – uniram-se à Rada. Querendo melhorar as relações com a população judaica, e manter seu apoio na luta pela independência, políticos ucranianos comprometeram-se a dar aos judeus igualdade plena, direitos comunitários e individuais, e uma autonomia comunitária. Prometeram, também, a indicação de um ministro de Assuntos Judaicos no Gabinete ucraniano, a destinação de uma parcela de impostos estaduais para programas educacionais judaicos e outros propósitos, e a declaração do iídiche como um idioma oficial do Estado. Após a declaração de independência da República Nacional da Ucrânia, os judeus passaram a ser representados na Rada por 50 delegados; foi estabelecida uma Secretaria de Assuntos Judaicos, nomeado um ministro e aprovada uma lei sobre “autonomia pessoal nacional”. Mas, em julho de 1918, a autonomia foi revogada e a Secretaria dissolvida. Ademais, desde outubro de 1917 uma onda de violência contra a população judaica alastrara-se por toda Ucrânia, só terminando em maio de 1921. Nesse período, foram atacadas 530 comunidades

judaicas, na sequência de 887 pogroms, e mais de 156 mil judeus foram brutalmente assassinados. Todas as facções que lutaram durante a guerra pela independência da Ucrânia participaram, em maior ou menor grau da violência, mas a maior parte dos pogroms, cerca de 40%, foram perpetrados por tropas ucranianas. Durante o governo nacionalista de Symon Petliura (1919-1920), os pogroms foram uma constante. Ao invés de coibir suas tropas, Petliura fechou os olhos para a violência antijudaica. Em 1926, ele foi assassinado em Paris, onde se refugiara, por um judeu da Bessarábia, Sholem Shvartsbard, que o considerava responsável pelos pogroms. Após um julgamento polêmico e controverso, ele foi libertado. (Ver Morashá 77). Hoje na Ucrânia Petliura é considerado um herói nacional que lutou pela independência ucraniana. A Guerra Civil de 1918-21 trouxe em seu bojo a maior violência, não vista desde o século 17, contra

os judeus da Ucrânia. E, apesar desses horrores hoje parecerem mínimos perante o terror do Holocausto, e, serem às vezes relegados ao esquecimento, foram das piores catástrofes da História Judaica.

Poder soviético Sob domínio soviético, a República Ucraniana Socialista Soviética, a Ucrânia, passou a ser uma das 15 repúblicas, que, em 1922, formaram a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Era a segunda mais poderosa república, econômica e politicamente, superada apenas pela República Socialista Federativa Soviética da Rússia. No entanto, apesar disso, ou talvez por causa disso, era vítima de um tratamento particularmente duro por parte do governo central. Viviam, então, na Ucrânia 1,5 milhão de judeus, que representavam cerca de 5% da população total. E, apesar de 300 mil judeus terem deixado a República para se estabelecer

delegação da comunidade judaica em Kolomyya recebe carlos i, imperador da áustria e rei da hungria

69

SETEMBRO 2014


COMUNIDADES

em outras partes da então União Soviética, representavam 60% do total dos judeus que viviam na URSS. Era grande o número deles nos grandes centros urbanos, principalmente, em Kiev, Mykolaiv, Kharkiv, Donetsk, Odessa e Dnipropetrovs, que abrigava então a segunda maior população judaica da Ucrânia, depois de Kiev. Na década de 1920, os judeus já representavam 22% da população urbana ucraniana. O iídiche era o idioma falado por 97% dos judeus locais em 1897 e, em 1926, 76,3 % ainda o consideravam a língua-materna. Nos primeiros anos do domínio soviético, a Ucrânia (juntamente com a Bielorrússia) tornou-se um centro de cultura iídiche desprovida de qualquer conteúdo religioso. Escolas, teatros, jornais e editoras foram fundados como, também, o “Instituto Judaico de Cultura Proletária na Ucrânia”, vinculado à Academia Ucraniana de Ciências. Coleções judaicas etnográficas foram criadas e ampliadas. No final da década de 1930, durante os expurgos stalinistas, quase todas essas instituições foram eliminadas. A Ucrânia sempre foi vista com desconfiança por Moscou. Os líderes soviéticos sabiam que a nacionalidade e a língua ucraniana eram um elemento de grande peso, e que teriam que enfrentar uma contínua resistência e incessantes insurreições, a menos que fizessem grandes concessões à autonomia cultural ucraniana. No início da década de 1920, o regime soviético, querendo harmonizar seu relacionamento com as repúblicas da ex-URSS, adotou uma política chamada

korenizatsiya, cujo significado era “nativização” ou, no sentido literal, “arrancar raízes”. Sob o lema “nacionalista em sua forma, mas socialista em seu conteúdo”, encorajava o desenvolvimento das artes e da cultura das diversas minorias, principalmente dos idiomas reprimidos pelos governos czaristas. Permitia, também, às lideranças locais, ocuparem postos administrativos nos governos e na burocracia das respectivas repúblicas. O objetivo era prevenir o desenvolvimento de movimentos antissoviéticos. Apesar da ideologia marxista questionar a legitimidade de uma identidade nacional judaica, os judeus foram incluídos na korenizatsiya. Essa política gerou conflito entre os judeus e os ucranianos. Sendo eles a nacionalidade predominante, os soviéticos encorajaram a “ucranização” da República. Entre outros, o idioma ucraniano tornouse o idioma oficial e aumentou o percentual de ucranianos no Partido Comunista local. Os judeus optaram por se aproximar dos russos, uma minoria nessa república, mas a nacionalidade dominante na então URSS. Essa aproximação e o fato de muitos judeus terem tido participação na Revolução Russa fez com que eles passassem a ser associados com os bolcheviques e a opressão soviética. Surge, então, mais um elemento no imaginário antissemita ucraniano: a figura do “judeu-bolchevique”, isto é, do “opressor judeu-comunista”.

Era Stalinista 1927 a 1953 A partir da subida ao poder de Joseph Stalin, em 1927, a ex-URSS 70

sofreu uma transformação radical. Stalin procurou reformar a sociedade através de um planejamento econômico agressivo realizado através de planos quinquenais, que visavam a coletivização da agricultura e uma industrialização de base acelerada. Com poder quase ilimitado, seu governo, um brutal regime totalitário, foi marcado por execuções e expurgos múltiplos. Há historiadores que acreditam que o número de vítimas da era stalinista pode ter chegado a 20 milhões. Todas as armas eram utilizadas para eliminar os “inimigos”. Se verdadeiros ou imaginários, isto era irrelevante; a sobrevivência do sistema de poder criado por Lênin e Stalin dependia de sua existência. Para Stalin, a Ucrânia tornou-se um laboratório de testes para o processo de reestruturação soviética. Ademais, ele estava decidido a eliminar o sentimento nacionalista ucraniano, que considerava uma ameaça ao regime, e pôr um fim “ao problema da lealdade ucraniana dividida”. É indiscutível o antissemitismo de Stalin, bem como a sua determinação de se livrar, de alguma forma, dos judeus enquanto judeus. Mas, até a década de 1940, ele manteve uma atitude pública cautelosa, já que muitos dos principais bolcheviques eram judeus ou casados com judias. O que não o impediu, no entanto, de perseguir qualquer manifestação do espirito judaico. Em 1929, Stalin dá início a uma campanha contra a cultura ucraniana e judaica, reprimindo brutalmente os aspectos “nacionais” das duas culturas. O russo, por exemplo, substituiu o ucraniano em todos os estabelecimentos oficiais. Os judeus viram suas instituições culturais, teatros e escolas serem fechados; e


REVISTA MORASHÁ i 85

as publicações judaicas reduzidas ao mínimo. As atividades religiosas e sionistas tiveram que ir para a clandestinidade. No final da década de 1930, a maioria dos envolvidos na propagação da religião judaica ou do sionismo haviam sido presas. As perseguições contra opositores políticos, intelectuais e escritores – judeus e não judeus – atingiram proporções absurdas. Milhares foram presos, enviados ao exílio ou executados. Após ter retirado de circulação todas as pessoas que poderiam se transformar em líderes de qualquer movimento de resistência, Stalin passa a atacar o campesinato, o real núcleo das tradições ucranianas. A “guerra” travada contra os camponeses ucranianos era, de certa forma, empreendida contra a consciência nacional ucraniana. Em 1928, ele implantou uma política de requisição compulsória de cereais, que autorizava o governo a se apropriar de todo o cereal cultivado pelos camponeses, pagando um preço muito abaixo dos custos de produção. Em seguida, deu início à coletivização forçada das propriedades agrícolas. Foi na Ucrânia que a política de coletivização deparou-se com a mais violenta resistência – que não impediu, entretanto, que o processo já estivesse praticamente completo por volta de 1932. Stalin também impôs metas de produção e de confisco de grãos, se fosse necessário, para atingir tais metas, que só poderiam ser alcançadas caso os ucranianos parassem de se alimentar. O resultado não deve surpreender: a fome se alastrou e por volta de 5 milhões4 de ucranianos morreram de fome entre 1932-1933.

em toda a ucrânia, judeus demonstram seu dinamismo comercial

Ainda na década de 1930, as autoridades soviéticas estabeleceram quatro distritos judaicos autônomos no sul da Ucrânia e na Crimeia. Foram implantadas amplas fazendas coletivas, cujos membros eram, em sua maioria, judeus. Sua criação causou mais uma vez um grande atrito entre judeus e nacionalistas ucranianos. As fazendas funcionaram até a 2ª Guerra Mundial, quando forças alemãs as ocuparam e mataram seus habitantes.

A Shoá Na Ucrânia, entre 1,4 e 1,5 milhão homens, mulheres e crianças foram assassinados – a maioria executados a tiros pelos Einsatzgruppen5. Para os judeus da República Ucraniana, o pesadelo nazista teve início no dia 22 de junho de 1941, quando a Alemanha deu início à Operação Barbarossa, a invasão da União Soviética. Esse acontecimento foi decisivo no Holocausto, pois deu início ao genocídio sistemático de judeus, com a destruição metódica e organizada de comunidades inteiras, mesmo antes de entrarem em funcionamento as câmaras de gás. 71

O avanço para o Leste das forças nazistas foi rápido; em apenas dois meses conquistaram a Ucrânia, o leste da Polônia, a Letônia, Estônia e Lituânia, a Bielorrússia e o oeste da República Russa. À medida que os alemães avançavam e forças soviéticas batiam em retirada, milhões de militares e civis – judeus e não judeus – eram evacuados ou fugiam mais para o Leste. Mas nem todos conseguiram. Historiadores acreditam que cerca de 2,4 milhões de judeus – em sua maioria mulheres, idosos e crianças – ficaram presos nas áreas sob domínio nazista. A Ucrânia foi a primeira das repúblicas soviéticas a ser ocupada pelos nazistas – Kiev caiu em 19 de setembro. À véspera da invasão viviam na República Ucraniana Socialista Soviética (incluindo os recém-anexados territórios da Galícia Oriental e Volínia Ocidental) aproximadamente 2,3 milhões de judeus. Como grande parte deles viviam na região ocidental, eles não conseguiram escapar antes da chegada da Wehrmacht, tampouco conseguiram fugir os judeus que viviam nos shtetls. Apenas os que estavam no sul e na parte oriental da Ucrânia tiveram tempo de fugir. SETEMBRO 2014


COMUNIDADES

Sob olhar de nazistas e guardas ucranianos , mulheres e meninas judias são levadas para trabalho forçado. Ucrânia, 1943

Até recentemente, não havia sido possível confirmar os números. As poucas informações se deviam, em grande parte, à política soviética que procurava ignorar o fato de que a maioria das vítimas dos massacres era composta por judeus. Desde os primeiros dias da ocupação da Ucrânia, os nazistas iniciaram a perseguição e matança de judeus. Unidades de Einsatzgruppen, passaram a cercar judeus, comunistas e outros grupos e a executá-los a tiros. Eles contavam com a ativa e entusiástica colaboração da população. Os alemães sabiam que, no Leste Europeu, durante séculos, os judeus haviam sido odiados e amaldiçoados, perseguidos e mortos e uma das “tarefas” dos Einsatzgruppen era organizar, entre a população local, grupos de assassinos. Estavam confiantes de que os antissemitas poderiam facilmente perpetrar assassinatos em massa, e estavam absolutamente certos. Sem tal participação, teria sido impossível que as matanças atingissem a escala que de fato tiveram.

Em toda a Ucrânia, antes mesmo de os nazistas iniciarem a matança, a população local foi responsável por sangrentos pogroms. Para muitos ucranianos a invasão nazista foi vista como a libertação do jugo soviético, na percepção de muitos, o “opressor judeu-comunista”. Ainda não se tem certeza se a eclosão desta violência fez parte nas discussões pré-invasão entre a Inteligência Alemã (Abwehr) e membros da Organização de Nacionalistas da Ucrânia (OUN), liderada por Stepan Bandera6. Sob a liderança militante de Bandera, a OUN organizou as Waffen SS Ucranianas da Galícia e as Divisões Nichtengall e Roland, que participaram do assassinato de judeus. (Em 2010, o ex-presidente ucraniano Yushchenko elevou Stepan Bandera a “herói da Ucrânia”, que é hoje o maior ícone político da direita nacionalista). Além desses grupos militantes, milhares de ucranianos se voluntariaram para ajudar os nazistas participando da perseguição e do assassinato de judeus. Milhares se tornaram guardas nos campos de extermínio. O fato de a polícia alemã ter mais de 120 mil membros da 72

polícia ucraniana à sua disposição, permitiu aos nazistas, rapidamente, identificar e reunir os judeus em grandes grupos que, a seguir, eram conduzidos para locais ermos onde, um a um, família após família – homens e mulheres, velhos e crianças – eram mortos a tiros. Poucos foram os ucranianos que protestaram, entre eles, Andrei Sheptytsky, da Igreja GregoCatólica-Ucraniana, que condenou publicamente a violência contra os judeus e resgatou crianças, escondendo-as em sua rede de conventos e mosteiros. Em novembro de 1941, dois terços da Ucrânia estavam sob a administração civil alemã – o Reichskommissariat Ukraine (RKU). Rapidamente, os nazistas impuseram sobre os judeus as medidas adotadas em outros países, colocando-os fora da jurisdição da lei e obrigando-os a usar a Estrela de David. Os homens eram levados aos campos de trabalho forçados e foram criados guetos na Ucrânia Ocidental. Quando os judeus eram despojados pelos alemães de seus pertences,


REVISTA MORASHÁ i 85

ucranianos tentavam se aproveitar da situação, passando a se apossar e saquear propriedades de judeus. O primeiro assassinato em massa de mulheres e crianças ocorreu em julho de 1941, em Ostrih, na Volínia. O genocídio assumiu uma nova dimensão após o massacre organizado em agosto pelo líder SS, Friedrich Jeckeln, em KamianetsPodilskyi. Entre os dias 27 e 29 desse mês, os nazistas mataram a tiros 23.600 judeus. Em setembro, os assassinatos em massa continuaram na Ucrânia Oriental. O maior massacre aconteceu em Babi Yar, ravina nos arredores de Kiev, onde mais de 30 mil judeus foram assassinados. (Ver artigo pág. 34). Na primavera de 1942, os nazistas passaram a “organizar” os que haviam sobrevivido às chacinas – a maioria na Ucrânia Ocidental, de acordo com sua capacidade de trabalho. Consequentemente, intensificou-se o assassinato de mulheres e crianças. Judeus da Galícia selecionados para destruição foram deportados no campo da morte em Betzec, e recomeçaram as execuções em massa na Volínia e em Podília e na região de Mykolaiv. Em julho de 1942, aproximadamente 600 mil judeus ainda estavam vivos. Mas, a maioria foi vítima da campanha de assassinatos executada entre julho e novembro daquele mesmo ano. O terror nazista pegara os judeus ucranianos totalmente desprevenidos. Essa foi a principal razão pela qual os nazistas não enfrentaram maiores obstáculos durante a primeira onda de matança. Mas, a situação mudou em 1942, principalmente durante os ataques aos guetos. Houve tentativas de fuga em massa em direção às florestas e, quando ficou claro que os nazistas pretendiam liquidar os guetos, iniciou-se a

resistência armada, inicialmente. na Volínia Ocidental e, em 1943, também na Galícia.

De 1944 a 1991 No final da guerra, pouco restara da comunidade judaica ucraniana e os judeus que sobreviveram defrontaram-se com um violento antissemitismo ao tentarem recuperar suas casas e propriedades. A preservação pública da memória do Holocausto durou pouco, desaparecendo completamente das comemorações oficiais. Os anos do pós-guerra foram caracterizados pelo silêncio oficial soviético em relação ao sofrimento singular dos judeus durante o Holocausto. As autoridade davam ênfase ao mito da “Grande Guerra Patriótica” e aos comunistas mortos, negligenciando completamente o fato da identidade judaica de 1,5 milhão de vítimas. A linha oficial referia-se a eles como os “pacíficos cidadãos soviéticos”. Foi somente a partir do final de 1980 que começaram a surgir esforços governamentais e, posteriormente, públicos para manter a memória do Holocausto e integrar esse período à história da Ucrânia.

Na Ucrânia, o antissemitismo oficial, algumas vezes encoberto com um leve verniz de anti-sionismo, assim como da população em geral, era especialmente proeminente. Em 1963, por exemplo, a Academia de Ciências da Ucrânia publicou um trabalho de Trokhym Kichko, Iudaizmbez prykras ( Judaísmo sem Embelezamento), uma obra abertamente antissemita. No início de 1960, dissidentes ucranianos e judeus intensificavam suas atividades, os primeiros pedindo mudanças políticas e os últimos defendendo a livre emigração para Israel. Embora suas demandas fossem diferentes, a necessidade por mudanças era algo que os dois grupos compartilhavam e havia contatos informais entre os movimentos. Com o início da Era da Glasnost, o movimento ucraniano predominante na luta por mudanças era o Rukh, que adotara uma postura amistosa em relação aos judeus da Ucrânia quanto do Estado de Israel. Quando, em maio de 1990, o Pamiat, organização de extrema direita russa, clamou pela violência antissemita, o Rukh fez uma exitosa campanha contra tais ataques, convencendo

comemoração de simchat torá em sinagoga do séc. 19; bershad, UCRÂNIA, 1997

73

SETEMBRO 2014


COMUNIDADES

1

2

1. antiga sinagoga de Uzhgorod, Transcarpátia, ucrânia 2. sinagoga de Kharkov coral

muitos ucranianos judeus de que o movimento nacional democrático merecia o seu apoio.

Após 1991 A Ucrânia tornou-se oficialmente independente em 1991, com o colapso da então União Soviética.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Movimento Bilu – um acrônimo do versículo bíblico de Isaías: Beit Ya’akov Lechu Venelcha (“Ó Casa de Yaakov, subamos (à Terra de Israel)”, era um movimento cujo objetivo era a colonização agrícola da Terra de Israel.

1

Zona de Residência - Zona de assentamento judeu na Rússia Imperial (1791-1917). Este termo designava uma determinada região do Império Russo destinada exclusivamente aos judeus, sendo a sua residência proibida no restante da Rússia.

2

Guarda Vermelha ou Exército Vermelho é o nome abreviado do “Exército Vermelho dos Operários e dos Camponeses”. Criado por Leon Trotsky, bolchevique, durante a guerra civil russa, foi desmantelado em 1991. O nome faz referência à cor vermelha, símbolo do socialismo, e ao sangue derramado pela classe operária em sua luta contra o capitalismo.

3

De acordo com os dados oficiais do governo ucraniano foram 7 milhões

4

Einsatzgruppen - esquadrões especiais homicidas preparados pelos líderes da SS em antecipação à invasão.

5

Ao longo dos anos 1990, o país enfrentou uma dura trajetória na transição da economia socialista planificada para uma de mercado. No final do período soviético, os judeus tinham começado a emigrar rapidamente, principalmente para os Estados Unidos e Israel. Segundo o censo de 2001, cerca de 380 mil judeus escolheram partir. Representavam três quartos da população judaica do país. No entanto, o judaísmo ucraniano mostrava impressionante vitalidade. Uma comunidade forte permaneceu em Kiev, inicialmente organizada sob a liderança de Yaakov Dov Bleich, um chassídico americano que se tornou rabino-chefe da Ucrânia durante os últimos anos de dominação soviética. Uma rede de escolas judaicas e sinagogas surgiu nos centros mais importantes, principalmente em Kiev, L’viv e Dnipropetrovs’k, e muitos edifícios que haviam sido confiscados pelo regime da URSS foram devolvidos à comunidade. Jornais judaicos em russo circulavam e instituições culturais foram reavivadas, como o Museum Tkuma do Holocausto e o Centro de Pesquisa em Dnipropetrovs’k. 74

A comunidade judaica ucraniana é hoje uma das mais numerosas da Europa. Vivem no país cerca de 70 mil judeus praticantes e mais de 300 mil ucranianos têm origem judaica. Até a atual crise Ucrânia versus Rússia, eles constituíam uma comunidade florescente. Mas, a crise política que está dilacerando o país também esta afetando a vida dos judeus. Muitos se perguntam até que ponto as lutas internas vão alimentar o enraizado antissemitismo ucraniano, e se serão obrigado a deixar o país...

BIBLIOGRAFIA

Dubnow, Simon, History of the Jews in Russia and Poland: From the Earliest Times Until the Present Day, Ed. Nabu Press, 2010 Heifetz, Elias,The Slaughter of the Jews in the Ukraine in 1919: [1921] Cornell University Library, 2009 Brandon, Ray (Editor), Lower, Wendy The Shoah in Ukraine: History, Testimony, Memorialization, Indiana University Press Levine, Naomi, Jews in Soviet Union (Vol. 1): A History From 1917 to the Present, NYU Press Meir,Natan M. Kiev, Jewish Metropolis: A History, 1859-1914 (The Modern Jewish Experience), Ed. Indiana University Press, 2010


REVISTA MORASHÁ

CARTAS

Fico feliz por poder receber a revista Morashá, cujas reportagens são bastante interessantes. Com ela é possível manter as tradições e ter uma fonte de leitura sobre o judaísmo, além de nas festividades ter histórias que são contadas e que podemos passar para as próximas gerações através do conteúdo lido e absorvido. Alexandre Sztejnman Rio de Janeiro, RJ

Lendo o artigo “A Terra de Israel: pátria eterna do Povo Judeu”, não tem como ficar inerte. Recebo a revista Morashá desde 2008 e estou impressionado com a firmeza e autoridade deste artigo. Parabéns, parabéns. Abençoado seja o idealizador deste artigo, que soube buscar na profecia de Rashi e na clara evidência da Torá fatos incontestes. Finalizando, faço coro com o ministro Binyamin Netanyahu: ‘... o Povo de Israel voltou para casa para nunca mais ser expulso de lá”. Ricardo Fortuna Belo Horizonte, MG

Gostaríamos de receber a Morashá, pois é uma revista que promove a identidade judaica através da exposição das tradições milenares, bem como das reflexões sócio-históricas, fortalecendo nossos laços com a cultura e religião judaica.

Estou morando, temporariamente, em uma pequena cidade na Alemanha na divisa com a Suíça, onde só há uma pequena comunidade judaica, composta principalmente por russos. Não há sinagoga, nem rabino, mas um site para o qual escrevo como colaboradora de artigos sobre judeus no mundo. Escrevo, em principio, para valorizar nosso povo e mostrar o quanto construímos e participamos do desenvolvimento de todos os países em que nos encontramos. Eu pesquiso muito na Morashá; a revista é de um valor inestimável para mim, pois é confiável. Com a mudança, trouxe algumas edições e gostaria de receber outras, ainda que antigas.

Hoje, 24 Julho 2014, já posso respirar aliviada. Morashá chegou. A edição 84, linda e emocionante. Principalmente pelo momento que estamos passando, a Morashá é um alento e um suporte para cada judeu aqui desta terra. Moro numa cidade, atualmente, onde eu sei que só somos três judeus. Então, só quero agradecer esse suporte e alento. A cada edição que recebo, aqui, tão isolada, é um grande alívio. Recebam a minha gratidão. Yvonne Kikoler Por email

Quero novamente parabenizar toda a equipe e os colaboradores desta maravilhosa revista, como também pela excelência dos artigos nela publicados e agradecer o envio da Morashá há anos.

Muito grato pelo envio da edição 84 da revista Morashá. Despertoume interesse especial a reportagem de Reuven Faingold sob o título “Médicos Cristãos Novos abandonam Portugal em 1614”. A citada matéria aguçou-me o desejo antigo de sugerir à revista uma reportagem sobre o saudoso médico Isaac Izecksohn, autor do livro “Os Marranos Brasileiros”, composto e impresso na INPRES, em 1967.

Estava procurando on-line informações sobre a Ucrânia e entrei no site da Morashá. Já tinha entrado outras vezes e sempre admirei o trabalho de vocês. Achei extraordinários os artigos dessa edição, especialmente, no momento que os judeus do mundo estão vivendo. Quero parabenizar a equipe pelo conteúdo de cada matéria. Queria destacar vários artigos, além da matéria sobre os judeus da Ucrânia até o século 20, Terra de Israel, Heróis Judeus e o avanço do antissemitismo na Europa.

Maurício C.S.Falk São Paulo, SP

miguel ribeiro gomide Juiz de Fora, MG

Juliana Weiss Por email

Hugo Vainer Viegas São Paulo, Sp

Chaya Zinderstein Alemanha, Por email

75

setembro 2014



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.