Morasha 96 - junho 2017

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ANO xxiv edição 96 JUN 2017


ANO XXIV - Junho 2017 - Nº 96 Coordenação Editorial: Vicky Safra a bÊnção rabínica, 1871 moritz daniel oppenheim

Assistentes de Coordenação: Clairy Dayan Fortuna Djmal Assessora Internacional: Muriel Sutt Seligson

Supervisão Religiosa: Rabino Y. David Weitman Rabino Efraim Laniado Rabino Avraham Cohen Jornalista Responsável: Desirée Nacson Suslick MTb 13603

Colaboradores especiais: Jaime Spitzcovsky Reuven Faingold Tev Djmal Zevi Ghivelder

Revisão e tradução de texto: Lilia Wachsmann Consultor: Marcello Augusto Pinto

Coordenação de Marketing: Hillel de Picciotto

Produção Gráfica: Joel Rechtman JR Graphiks - Tel: 3873 0300 Projeto Gráfico: LEN - Tel: 3815 7393

Serviços Gráficos: C&D Editora e Gráfica - Tel: 3862 8417 Tiragem: 25.700 exemplares

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Carta ao leitor No dia 24 de maio deste ano – 28 de Iyar, o Povo Judeu, em Israel e na Diáspora, celebrou Yom Yerushalayim – Dia de Jerusalém, o aniversário da libertação e unificação da Cidade Sagrada sob soberania judaica, ocorrida há 50 anos, durante a Guerra dos Seis Dias. David Ben-Gurion, o primeiro Primeiro-Ministro do Estado de Israel, declarou: “Nenhuma cidade do mundo, nem mesmo Atenas ou Roma, teve um papel tão importante na vida de uma nação, durante tanto tempo, como Jerusalém na vida do Povo Judeu”. Desde a queda da cidade e a destruição do segundo Templo Sagrado de Jerusalém, a Nação Judaica sonhava em retornar à Cidade Sagrada – sua capital eterna e lar ancestral. Há mais de dois milênios, durante a oração da Amidá, nós, judeus, rezamos voltados à Jerusalém, o portal dos Céus. Lembramo-nos de Yerushalayim em todas as ocasiões significativas – felizes ou tristes. Concluímos o Seder de Pessach com as palavras, “Ano que vem em Jerusalém”. Durante as Três Semanas de Luto – que se iniciam em 17 de Tamuz e culminam com o jejum de Tishá b’Av – o dia mais triste do ano judaico, sentimo-nos enlutados e choramos a queda de Jerusalém e a destruição de seu Templo Sagrado. O Povo Judeu, o judaísmo e Jerusalém estão entrelaçados. Muitos dos mandamentos da Torá não podem ser cumpridos na ausência do Templo Sagrado. Além de ser o centro geográfico do judaísmo e a capital política e espiritual de Israel, a Cidade Sagrada constitui também uma força unificadora que manteve a nós, judeus, unidos durante uma longa e árdua Diáspora de quase 2000 anos. Foi o sonho de a ela retornar que manteve acesa a esperança, permitindo que perseverássemos e sobrevivêssemos às épocas mais tormentosas. Durante a Guerra de Independência de 1948, o recémestabelecido Estado Judeu perdeu a Cidade Antiga – coração de Jerusalém, capturada pelas forças jordanianas. No entanto, nunca deixou de acreditar que fosse iminente a realização do sonho de vê-la unificada sob nossa soberania.

O milagre da Guerra dos Seis Dias foi a realização desse sonho ininterrupto. Cinquenta anos atrás, um exército de soldados judeus, idealistas e destemidos, “mais fortes que leões e mais velozes que águias”, realizaram o anseio de nosso povo. Somos, de fato, uma geração privilegiada. O sonho de tantas gerações passadas constitui hoje uma realidade. Como escreveu em “Jerusalém de Ouro” a grande poetisa israelense Naomi Shemer, retornamos à Cidade Antiga. Contudo, o sonho coletivo de nosso povo ainda não se realizou totalmente: o Templo Sagrado permanece em ruínas e a paz ainda não veio ao mundo e à mais bela das cidades, cujo nome possui muitos significados, dentre eles, “Cidade da Paz”. Esse é o motivo pelo qual continuamos a nos enlutar durante as Três Semanas e a jejuar em Tishá b’Av. O retorno a Jerusalém sempre foi associado à vinda de Mashiach, ao fim da Diáspora e suas provações, e à redenção do Povo Judeu e de toda a humanidade. A volta a Jerusalém simboliza a perfeição do mundo e o término de guerras, conflitos e todas as formas de sofrimento, individuais e coletivos. Assim, Jerusalém constitui muito mais do que a mais sagrada das cidades. Representa as maiores esperanças e as mais nobres aspirações do Povo Judeu. Yerushalayim não é apenas uma palavra repetida em nossas orações – tornou-se uma oração em si. Hoje, rezamos e sonhamos para que esse sonho seja cumprido integralmente, com a chegada da paz para Israel, Jerusalém e o mundo todo – o dia em que o Terceiro Templo Sagrado de Jerusalém será construído e toda a humanidade finalmente viverá em paz e prosperidade.


ÍNDICE

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19

33

42

46

55

03 carta ao leitor

19 destaque

Macron, otimismo vindo da França por JAIME SPITZCOVSKY

06 NOSSAS LEIS

22

Mishkan, o Tabernáculo

personalidade

Ayelet Shaked, uma mulher

à frente da Justiça de Israel

12

SABEDORIA A Essência de D’us, a Divina Providência e os Mandamentos

28

israel As cores e a magia dos mercados de Israel

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REVISTA MORASHÁ i 96

06

67 33

55

HISTÓRIA

– a Guerra de 1967

42

por zevi ghivelder

62

SHOÁ

As “Stolpersteine” - arte e memória

ESCOLA BEIT YAACOV

por reuven faingold

Jamais esquecer

46

ISRAEL

Depois de Munique

Seis dias que fizeram história

67

israel A batalha por Jerusalém

comunidades

75

Vida judaica na Escócia

5

cartas

junho 2017


NOSSAS LEIS

Mishkan, O TABERNÁCULO “E Me farão um santuário, e Eu morarei entre eles” (Êxodo 25:8)

U

ma pergunta intrigante com a qual se debatem teólogos e filósofos é por que D’us teria se dado ao trabalho de criar o Universo. Como um Ser Perfeito é, por definição, completo, sem nada Lhe faltar, o que O teria levado à decisão de criar os mundos, físico e espiritual, e todos os seres que os habitam? O Midrash Tanchuma responde, enigmaticamente, que D’us criou o mundo porque Ele desejava ter uma morada nos mundos inferiores. O Rabi Shneur Zalman de Liadi, fundador da dinastia Chabad-Lubavitch e autor de obras cabalistas seminais, explica em seu Likutei Amarim (Sefer HaTanya) que: “É disso que se trata o homem… É este o propósito de sua criação e da criação de todos os mundos, o superior e o inferior: para que fosse feito para D’us uma morada nos mundos inferiores”.

– representando uma amostra representativa dos recursos minerais, vegetais e animais do universo físico, bem como dos recursos humanos investidos em sua manufatura, foram usados para erguer o Mishkan. Esse edifício, construído por seres humanos e dedicado ao serviço de D’us, foi o local físico onde D’us escolheu para se comungar com o homem. Sua descrição na Torá é longa e minuciosa. Uma boa parte do Livro de Êxodo – nada menos que 13 capítulos – são repletos de detalhes sobre a construção do Tabernáculo, desde as dimensões de cada pilar às cores que compõem cada tapeçaria. É intrigante que a descrição do Miskhan na Torá seja tão longa e elaborada, pois quem estuda o Talmud sabe que os Cinco Livros de Moisés são extraordinariamente sucintos. Cada uma de suas letras, tendo sido escritas por D’us e transmitidas a Moshé, tem significado. Como demonstrado no Talmud, a Torá transmite muitas leis complexas por meio de um único versículo ou mesmo uma única palavra ou letra. Por que, então, dedica 13 de seus capítulos a detalhes sobre o Tabernáculo, se apenas dedica um único capítulo a seu relato da criação do Universo, e apenas três à Revelação Divina no Sinai?

A primeira dessas moradas a ser erguida – que serve como protótipo para o empenho de construir uma morada para D’us no mundo físico – foi o Mishkan, o Tabernáculo – santuário portátil construído pelos Filhos de Israel no Deserto de Sinai, após o Recebimento da Torá no Monte Sinai. Quinze substâncias físicas – entre as quais ouro, prata, cobre, madeira, lã, linho, peles de animais, óleo, especiarias e pedras preciosas 6


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Maquete do Aron Hakodesh, imagem reproduzida do livro “Le Tabernacle” de Mochè Levine, 1968, “Melechet Hamishkan”, Tel Aviv, Israel

A resposta é que o próprio propósito da criação do Universo foi incorporado pelo Mishkan. Assim sendo, cada detalhe é importante. Por exemplo, é necessário definir – como faz o Talmud – as 39 formas de trabalho criativo – desde arar até tecer ou escrever – envolvidas na construção do Mishkan. Pois aqui se situa o protótipo para o trabalho de nossa vida de tornar nosso mundo e nossa existência uma morada para D’us.

Microcosmo do Universo: Os Três Domínios O Midrash e a Cabalá descrevem o Mishkan como um microcosmo do ser humano, do universo físico e da Criação como um todo. Os utensílios do Mishkan, por exemplo, representavam os vários órgãos e sentidos do homem. A Arca da

Aliança, que continha as Tábuas do Testemunho, correspondia à mente e ao dom da fala. A Menorá – candelabro de sete braços, que era aceso diariamente – representava o sentido da visão. O Shulchan – a Mesa que continha o “pão sagrado” – simbolizava o sentido do paladar. O Altar Interior, sobre o qual era queimado o incenso, Ketoret, correspondia ao sentido do olfato, ao passo que o Altar Exterior, para o qual as oferendas de sacrifícios de animais e de alimentos eram levadas, representava o aparelho digestivo. Em um dos seus cadernos manuscritos (Reshimot) descobertos após seu falecimento, o Lubavitcher Rebe, Rabi Menachem Mendel 7

Schneerson, resume comentários de Rabenu Bechayei, Rabi Moshe Isserlis (o Ramá), Rabi Yeshayahu Horowitz (o Shelá HaKadosh), e de outros Sábios acerca de como os domínios básicos do Mishkan são comparáveis às divisões na criação do Universo, no Tempo e na alma comunitária do Povo Judeu. Maimônides – o maior filósofo judeu e um dos maiores legisladores em Torá – descreve o Universo como consistindo de três estratos: matéria não refinada – a Terra e todos os seus seres terrestres; matéria refinada – as estrelas e os corpos celestes; e os seres puramente espirituais – entidades que não possuem matéria, como os anjos. junho 2017


NOSSAS LEIS

No Mishkan – a Morada de D’us na Terra – esses três domínios eram representados pelo Pátio, o Lugar Santo (a câmara externa) e o Santo dos Santos (a câmara interna e mais santificada de todas)

O Tempo também pode ser dividido em três domínios: os seis dias de trabalho (que correspondem à matéria não refinada); o Shabat – Dia Sagrado (matéria refinada), e o Yom Kipur – Shabat dos Shabatot – a data mais sagrada do calendário judaico: um dia no qual os judeus, que se abstêm dos prazeres físicos e se dedicam integralmente ao serviço de D’us, são comparados aos anjos (entidades sem matéria). Entre as almas do Povo Judeu, também encontramos três domínios primários. Onze das Doze Tribos de Israel eram Israelim, cuja vida era dedicada, em geral, aos assuntos da vida material – líderes, empresários, mercadores, fazendeiros e soldados. Houve também a Tribo de

O Mishkan: O Tabernáculo no Deserto do Sinai

Levi, constituída pelos Cohanim e Levi’im, cujo serviço no Miskhan, e, mais tarde, no Templo Sagrado de Jerusalém, envolvia o refinamento e a elevação do mundo material. Finalmente, entre os Cohanim havia o Cohen Gadol, o Sumo Sacerdote, cujo propósito era personificar as maiores alturas espirituais que o ser humano pode alcançar. No Mishkan – a Morada de D’us na Terra – esses três domínios eram representados pelo Pátio, o Lugar Santo (a câmara externa) e o Santo dos Santos (a câmara interna e mais santificada de todas). No Pátio do Tabernáculo eram realizados os elementos mais terrenos e materiais do Serviço Divino. Era nesse domínio que os Cohanim lavavam suas mãos e seus pés para se purificarem de seu contato com o mundo material, antes de iniciar seu serviço. Era no Pátio que os sacrifícios de animais, Korbanot, eram realizados. Era também lá que a gordura dos sacrifícios, simbolizando o excesso de materialidade na vida do ser humano, era queimada sobre o Altar Exterior, e onde as cinzas da Menorá e do Altar Interior – que simbolizavam o desperdício – eram depositadas. O segundo domínio do Mishkan era o Lugar Santo (a câmara externa). Somente os Cohanim tinham permissão de lá entrar. O Lugar Santo abrigava os elementos mais refinados do Serviço do Templo: a Menorá, o Altar Interior (no qual o incenso diário era queimado) e o Shulchan – a Mesa que continha o “pão sagrado”, comido pelos Cohanim no Shabat. O terceiro domínio e o mais sagrado de todos era o “Santo dos Santos”, que abrigava a Arca da Aliança.

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O Talmud ensina que a entrada no Santo dos Santos era proibida a todos – mesmo os anjos e demais criaturas celestiais. A única exceção era o Cohen Gadol, que lá podia entrar – mas apenas em Yom Kipur – o dia mais sagrado do calendário judaico. O Santo dos Santos representava a total transcendência de materialidade no serviço do homem a D’us.

A Arca e o Altar: o Cabalista e o Legislador É evidente que o Santo dos Santos era mais sagrado que o Lugar Santo, e que este era mais sagrado do que o Pátio. Mas, qual dos domínios do Mishkan representava sua principal função? De acordo com Nachmânides, Cabalista e um dos maiores comentaristas da Torá e do Talmud, a essência do Mishkan, Morada Divina na Terra, era seu núcleo espiritual: o Santo dos Santos, onde repousava a Arca da Aliança. Como escreveu Nachmânides: “A principal finalidade do Santuário é servir como lugar de repouso para a Presença Divina. Isso ocorre na Arca da Aliança, pois D’us disse a Moshé: ‘Comungarei contigo lá, falando contigo por cima do Kaporet (a cobertura dourada da Arca da Aliança)’. Por essa razão, a Torá inicia sua descrição do Mishkan com a Arca da Aliança e o Kaporet” (Nachmânides, comentário sobre Êxodo 25:1). Segundo Maimônides, no entanto, o ponto focal do Mishkan era o Altar Exterior, onde as oferendas de farinha e de vinho e os sacrifícios de animais eram ofertadas diariamente. Maimônides define o Santuário como “uma casa para D’us destinada à oferenda de sacrifícios...” (Mishnê Torá, Leis do Templo Sagrado 1:1).

Maquete da estrutura do MishkAn, imagem do livro “Le Tabernacle” de Moché Levine

Contrariamente a Nachmânides, Maimônides defende que o eixo do Tabernáculo, em torno do qual tudo revolvia, era o Pátio, não o Santo dos Santos. A discussão sobre o ponto central do Mishkan não é meramente filosófica e acadêmica. Tem profundas ramificações que podem afetar nossa compreensão do propósito da Criação e dos mandamentos da Torá. Levanta a questão de como definir o conceito de um local e estrutura físicos, que serve de Morada para D’us no mundo físico. Por um lado, a Morada de D’us na Terra pode ser um domínio no qual e através do qual D’us optou por Se revelar ao homem. Por outro, pode também ser 9

um lugar no qual e através do qual o homem sirva a D’us. O Mishkan serviu a ambos os propósitos. Foi o lugar de onde D’us se comunicou com Moshé. Era, pois, um domínio de onde D’us chegava aos seres humanos: onde o homem finito podia testemunhar e vivenciar a Presença do Infinito. Mas o Mishkan foi, também, um local físico onde o homem oferecia suas posses físicas e seu serviço a D’us. Qual dessas duas funções é a principal? Qual das duas serve e facilita a outra? Seria a Morada de D’us na Terra um meio para o Altíssimo se achegar ao homem ou seria um portal de onde o homem poderia aproximar-se de D’us? junho 2017


NOSSAS LEIS

D’us decretou muitos mandamentos, que são caminhos para Sua Essência Impenetrável. Alguns desses mandamentos são físicos, outros são espirituais. Doar aos pobres, colocar Tefilin, comer alimentos casher, habitar numa Sucá em Sucot e comer Matzá durante o Seder de Pessach são exemplos de mandamentos Divinos executáveis por meio de ações e objetos físicos.

O Rebe de Lubavitch explica que as diferentes perspectivas expressas por Nachmânides e Maimônides refletem as duas vertentes da Torá que esses dois grandes Sábios representam. Para Nachmânides, místico e Cabalista, o ponto focal do Mishkan está em seu núcleo espiritual: o Santo dos Santos, onde apenas a mais transcendente das almas – o Cohen Gadol – podia entrar, e apenas no dia mais sagrado do ano – Yom Kipur. O Santo dos Santos continha a Arca da Aliança, que abrigava as Tábuas do Testemunho, nas quais estavam inscritos os Asseret HaDibrot (os Dez Mandamentos). O Kaporet, a cobertura da Arca, era uma representação das formas sublimes da Carruagem Celestial. A Voz Divina que se propagava do meio dos Querubins, as figuras angelicais que ficavam no topo da Arca, expressavam a essência de uma Morada Divina: um portal para o mundo material através do qual brilha um raio da Luz Infinita de D’us. Se Nachmânides estiver correto – se o Santo dos Santos é o eixo central do Mishkan –, tudo o mais serve apenas para “preparar o terreno” para essa Revelação – para elevar o homem e o mundo a um estado de receptividade a essa Luz. Para Maimônides – o mestre da Halachá, possivelmente o maior de todos os legisladores judeus – a essência do Mishkan residia no Altar, onde eram oferecidos os sacrifícios, que representavam o empenho humano de oferecer, dia-a-dia, elementos materiais de sua vida a D’us. Todo o restante – a luz da Menorá, a fragrância do Ketoret (incenso), e o pão sagrado no Shulchan (a Mesa) – e mesmo as

O “ALTAR DE OURO” ONDE ERA QUEIMADO O INCENSO

Revelações Divinas que emanavam do Santo dos Santos – são secundárias: são o meio, e não o fim, e se prestam a permitir e ajudar no serviço do homem a seu Criador. Resumindo, Nachmânides defende que a função da Morada de D’us na Terra é servir como um portal onde o Altíssimo faça brilhar sua Luz sobre nós, seres humanos. Segundo Maimônides, no entanto, essa função é permitir que o homem finito cumpra a Vontade Divina, desta forma, ligando-se a Ele.

Onde D’us mora, atualmente? Na ausência do Mishkan e do Templo Sagrado de Jerusalém, onde reside D’us Infinito? Onde é Sua Morada na Terra? Ensina o Talmud: “Desde o dia em que o Templo foi destruído, o Santo, Bendito Seu Nome, nada tem neste mundo, exceto os quatro cúbitos da Halachá (a Lei Judaica)” (Talmud Bavli, Berachot 8a). Isso significa que D’us reside onde quer que o homem estude a Sua Torá e cumpra os Seus mandamentos. 10

Mas a Torá também contém mandamentos mais espirituais do que físicos, tais como amar e temer a D’us e orar a Ele; estudar e ensinar a Sua Torá; sentir angústia em Tishá b’Av e alegria em Purim. Esses são mandamentos que cumprimos com nossa alma e não com recursos físicos: com nosso coração e nossa mente – com pensamentos, sentimentos e palavras. Qual o nosso propósito neste mundo? Na ausência do Mishkan e do Templo Sagrado de Jerusalém, como o judeu se torna uma Morada para D’us na Terra? Servindo a Ele com nosso corpo e nossas posses materiais ou com nossa alma, mente e coração? Em outras palavras, o que é mais meritório perante o Altíssimo: doar ao pobre ou estudar a Torá? Comer casher ou orar profusa e sinceramente? Uma pergunta similar: Quem está mais próximo de D’us: o empresário filantropo ou o grande sábio? Em outras palavras, qual a parte mais sagrada em nós: nossos atos físicos, do cotidiano, ou nossas aspirações transcendentais? Poder-se-ia dizer que se D’us fosse um Ser físico, os mandamentos físicos seriam a forma preferencial de servi-Lo. Mas D’us é completamente isento de qualquer fisicalidade. Muitos presumem, erroneamente, que D’us é o Ser espiritual supremo. Acreditam, portanto, que a pessoa


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religiosa é espiritual: ou seja, que é mais importante colocar as palavras do Shemá Israel em nosso coração do que colocar Tefilin, que fisicamente as contém. No entanto, D’us está tão distante da espiritualidade como está da fisicalidade. D’us nem é espiritual nem físico. Ele apenas É. Portanto, nem os mandamentos físicos nem os espirituais da Torá gozam de qualquer forma de superioridade uns sobre os outros.

Tenda do Encontro com D’us “Estas e estas são as palavras do D’us Vivo”, afirma o Talmud sobre as disputas entre os Sábios sobre interpretações da Torá. Isso significa que todos os pontos de vista deles são válidos, mesmo se a Lei Judaica dá precedência a um sobre os demais. A visão mística, cabalista, expressa por Nachmânides e a perspectiva legal da Halachá apresentada por Maimônides são, ambas, componentes integrais da “Morada de D’us” construída no Deserto do Sinai, e a “Morada de D’us” que todo judeu tem o dever de construir em sua vida. Essa é a razão pela qual a Torá chama o Mishkan de Ohel Moed: “Tenda do Encontro”. Era nela que D’us – ao projetar Sua Luz Infinita sobre a Terra – e o humano e material, querendo chegar aos Céus – se encontravam. Isso nos ensina que cada vez que um judeu cumpre a Vontade de D’us, ele se torna receptivo à Luz Divina Infinita: ele próprio se torna uma Morada Divina nos mundos inferiores, realizando, assim, todo o propósito da Criação. Ao mesmo tempo, cada Revelação Divina que emana das Alturas capacita o homem a revelar a Divindade

Aharon HaKohen, o primeiro Sumo Sacerdote, acendendo a Menorá - o candelabro do Tabernáculo

presente, implicitamente, dentro da finitude e materialidade da existência. O Mishkan incluía três domínios – o Pátio, o Lugar Santo e o Santo dos Santos – porque a missão de “fazer para D’us uma morada nos mundos inferiores” abarca todas as áreas da nossa vida. Os judeus servem a D’us em seus momentos mais exaltados, tais como Yom Kipur (o Santo dos Santos). Eles também O servem em seus esforços para elevar e santificar o mundo, como no Shabat – um dia basicamente dedicado à espiritualidade (o Lugar Sagrado). Mas também devem empenhar-se em fazer uma Morada Divina em suas mais simples atividades do cotidiano, durante os seis dias da semana (o Pátio). 11

O Povo Judeu construiu o primeiro protótipo da Morada de D’us na Terra seguindo instruções muito detalhadas que o Altíssimo transmitiu a Moshé no Sinai. Quando a construção do Mishkan foi completada – quando o último pilar, tapeçaria e divisória foram colocados em seu lugar – D’us fez com que Sua Infinita Presença habitasse o Tabernáculo. Isso capacitou todas as futuras gerações de judeus, e cada judeu em particular, a replicar seus domínios nos recônditos de sua vida. BIBLIOGRAFIA

Rabi Tauber, Yanki,The Anatomy of a Dwelling - www.chabad.org Rabi Tauber, Yanki,Three Chambers - www.chabad.org junho 2017


SABEDORIA

A Essência de D’us, a Divina Providência e os Mandamentos O alicerce do judaísmo e base de toda a verdadeira religião é a existência de D’us. Ele é o Criador de toda a existência, física e espiritual. O primeiro verso da Torá assim o afirma: “No princípio, D’us criou os Céus e a Terra...” (Gênesis 1:1). Também está escrito: “Eu sou o Eterno, que cria todas as coisas” (Isaías 44:24).

C

omo Criador de todos os mundos e de tudo o que neles há, D’us é diferente de Sua criação. Assim sendo, o judaísmo categoricamente rejeita a filosofia do panteísmo. Além do mais, enquanto Criador do Universo, a existência de D’us precedeu e é independente de Suas criações.

Da mesma forma, quando a Torá afirma que D’us criou o homem à Sua imagem (Gênesis 1:27), não está insinuando que D’us se parece com o homem. O que significa é que o homem compartilha dos mesmos atributos – as Sefirot intelectuais e emocionais – que D’us emprega ao interagir com o mundo. É totalmente proibido comparar D’us a qualquer uma de Suas criaturas, mesmo ao mais elevado dos anjos. O profeta Isaías assim declarou: “A quem, pois, podeis comparar o Eterno? Ou a quem O podeis assemelhar?” (Isaías 40:18).

Como D’us é o Criador de tudo o que é matéria, obviamente Ele não é matéria. O Midrash e outras obras sagradas se referem a D’us como HaMakom, “O Lugar”, porque Ele é o lugar do mundo, mas o mundo não é o Seu lugar. Igualmente, os conceitos de tempo e espaço e seus atributos – corpo, forma e feição - são criações de D’us e não se aplicam a Ele. D’us é infinito e, portanto, incorpóreo. A Torá afirma: “E guardareis muito vossas almas, porque não vistes imagem alguma no dia em que o Eterno vos falou em Horeb...” (Deuteronômio 4:15). Em várias passagens, a Torá se refere a D’us como se Ele tivesse um corpo humano, usando linguagem antropomórfica, como em “a mão de D’us” (Êxodo 9:15), e “os olhos de D’us” (Deuteronômio 11:12). Contudo, a Torá não está afirmando, de forma alguma, que D’us tem um corpo, forma ou feição. Apenas emprega metáforas para expressar a relação de D’us com Sua criação.

Ainda que toda a existência seja permeada pela Divindade, D’us não pode ser associado com nenhuma de Suas criações. Além disso, o judaísmo rejeita qualquer definição de D’us como conceito abstrato, independentemente de quão elevado ou nobre seja. Portanto, D’us não pode ser definido como Amor, Verdade, Justiça ou Bondade, apesar de serem esses alguns de Seus atributos. Como Criador de todas as coisas terrenas e celestiais, D’us está num plano superior a toda a Sua Obra. A Ele, portanto, nos referimos como o Ser Supremo ou o “Altíssimo”. Ele é infinitamente superior e incomparável a qualquer coisa ou ser que exista. D’us está além de qualquer definição. 12


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Sefer Torá: o objeto mais sagrado do judaísmo. Os Cinco Livros da Torá foram escritos por D’us e transmitidos, letra por letra, a Moshé Rabenu

Apesar de D’us não poder ser definido e criatura alguma – nem mesmo o mais puro dos anjos – poder verdadeiramente conhecer Sua Essência, a Torá, que é a Sua Sabedoria e a Sua Vontade, permite que o homem capte algo do Divino. Por exemplo, a Torá nos ensina que D’us é Um e que Ele é a Unidade mais perfeita e absoluta. Como está escrito: “Escuta, Israel! O Eterno é nosso D’us, o Eterno é Um!” (Deuteronômio 6:4). A absoluta unicidade e unidade de D’us é um princípio central do judaísmo, que enfaticamente rejeita qualquer conceito de pluralidade no que se refere ao Divino. Enquanto Criador do Universo, o poder de D’us é ilimitado. Dizemos, então, que D’us é onipotente e nos referimos a Ele em nossas preces como “Rei do Universo”. No entanto, não atribuímos a D’us a possibilidade

de que Ele duplique, aniquile ou mude a Si Próprio de forma alguma. O judaísmo rejeita, expressamente, a ideia de que D’us possa assumir qualquer forma física – humana ou qualquer outra. Qualquer uma dessas tarefas envolveria uma mudança por parte do Divino – algo que não pode ocorrer – porque a mudança é um produto do tempo, e D’us, enquanto Criador do espaço e do tempo, existe fora de ambos. D’us é Eterno: o tempo não se aplica a Ele, apenas à Sua Criação. Assim sendo, D’us não tem início, idade nem fim, pois esses conceitos implicam uma estrutura de tempo. Ele é imutável e inalterável. E assim declara: “Porque Eu, o Eterno, não mudo” (Malaquias 3:6). Como Criador do tempo, D’us pode fazer uso do mesmo sem nele se envolver: Ele causa a mudança no mundo sem mudar a Si Próprio. D’us é, pois, chamado de o “Motor Imóvel”. 13

Há declarações na Torá que talvez pareçam sugerir que D’us se modifica. Por exemplo, certas passagens falam de D’us se enraivecendo ou se alegrando. Tais descrições não devem ser entendidas literalmente: a Torá usa linguagem metafórica para descrever a interação Divina com o mundo de forma que seja compreensível a todos. D’us, Todo Poderoso, nunca muda. Quando a Torá afirma que D’us se enfureceu, significa que Ele está emanando Sua luz através da Sefirá de Guevurá (Restrição, Severidade). Da mesma forma, quando a Torá nos fala que Ele se alegrou, significa que Ele está interagindo com o mundo através da Sefirá de Chessed (Bondade, Benevolência). Nada disso implica alguma mudança em D’us. O entendimento de que o Altíssimo é atemporal é a resposta para a questão paradoxal: D’us pode criar junho 2017


SABEDORIA

uma pedra que Ele Próprio não possa erguer? Essa pergunta é enganadora, porque emprega lógica humana – ou seja, limitada – para tentar entender um D’us ilimitado, que é incompreensível. E é, também, inútil, porque seria a mesma coisa perguntar se D’us pode suicidar-se ou limitar Seus próprios poderes. Como vimos, D’us é onipotente, mas também é atemporal e, portanto, não sujeito à mudança. Isso significa que a existência, a essência e a onipotência Divinas são imutáveis. Contudo, para quem não se satisfaz com essa resposta e continua intrigado com o paradoxo, a resposta é esta: Como D’us é onipotente, Ele pode criar uma pedra que Ele Próprio não pode erguer, e como Ele é onipotente, Ele pode sim erguer a pedra. Se tal paradoxo serve para algo, é para nos ensinar que a mente finita do homem não consegue e nunca conseguirá captar o Criador Infinito. Apesar de nossa incapacidade de entender o Divino, sabemos que

o relacionamento de D’us com este mundo é duplo, ou seja, Ele é imanente e também transcendental. Assim, Ele preenche e também envolve toda a Sua criação. Esse conceito é expresso nos cânticos dos anjos e na Kedushá que recitamos, de manhã e à tarde, durante a repetição da oração da Amidá. Diariamente os anjos nos Céus e os judeus, na Terra, recitam: “Santo, Santo, Santo é o Eterno dos Exércitos, o mundo todo está preenchido por Sua Glória” (Isaías 6:3). Isso indica que D’us é imanente, e preenche toda a criação. No entanto, os seres celestiais também proclamam, como o fazemos na Kedushá, “Bendita seja a glória do Eterno desde o Seu lugar” (Ezequiel 3:12). Esse versículo fala de D’us em Seu sentido transcendental, onde nem mesmo os anjos conseguem compreender o Seu “lugar”. Um alerta, contudo: essa aparente dualidade no relacionamento de D’us com o mundo – sendo imanente e transcendental – apenas se deve a nosso limitado e imperfeito

sefarim da sinagoga beit yaacov, são paulo

conhecimento de D’us, que também é dos anjos, pois Ele Próprio é a Unidade mais absoluta. A imanência Divina implica que não há lugar em toda a criação desprovido de Sua Presença. Ele é onipresente. Como nos ensina a Torá: “Toda a Terra está cheia de Sua Glória” (Números 14:21). E também está escrito: “Sua Glória se estende além dos Céus e da Terra” (Salmos 148:13). Em algumas de suas passagens, a Torá fala de D’us como estando em determinado lugar em determinada hora. Isso não significa que D’us esteja nesse lugar e não nos demais. Mas, sim, que D’us deseja conferir uma honra e atenção especial àquele lugar, ou que lá Suas ações são particularmente visíveis. Assim, dizse que D’us “habitava” o Mishkan, o Tabernáculo, e o Templo Sagrado de Jerusalém porque Ele conferiu especial honra e atenção a tais construções. Ensinam-nos, também, que D’us “habita” na Terra de Israel, Eretz Israel, e em Jerusalém. De modo similar, a Torá nos relata que D’us conduziu os judeus durante o Êxodo. Isso significa que Sua Presença e Sua Providência estavam especialmente visíveis a eles nesses momentos. Não é apenas a Presença Divina, mas também Sua Vontade, o que permeia toda a Criação. Um dos ensinamentos fundamentais da Cabalá é que nada pode existir que D’us não o deseje. A existência de toda a criação depende continuamente da Vontade Divina e de Seu poder criativo. Fosse esse poder removido da criação por um instante sequer, todas as coisas instantaneamente deixariam de existir. Nas preces matinais, dizemos: “Em Sua bondade, Ele renova, diariamente, o ato da Criação”.

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A Criação do Universo, portanto, não foi um evento único, mas um processo contínuo e incessante. D’us está continuamente recriando – e, portanto, sustentando – o Universo inteiro. Sua atenção está ininterruptamente direcionada à Sua Criação. Se Ele perdesse interesse em Sua Criação, ainda que por uma fração de segundo, tudo voltaria a inexistir. A noção de que D’us criou o Universo para, em seguida, o abandonar, é uma abominação para o judaísmo. É irônico que apesar de a Presença Divina preencher todos os mundos e Ele ser o único responsável pela Criação e contínua existência de todas as criaturas e seres, Sua própria existência seja indetectável para a maioria das pessoas e até mesmo negada por alguns. O profeta Isaías disse a D’us: “Em verdade, Tu és um D’us que Se oculta, ó D’us de Israel” (Isaías 45:15). Uma das razões para D’us não Se revelar é que se o fizesse, toda a Criação seria anulada perante Ele. Assim como a luz de uma vela seria anulada e perderia seu valor se fosse acesa à luz do sol, também a existência do Universo deixaria de existir se D’us revelasse de forma explícita Sua Luz Infinita. Ademais, D’us não pode ser visto, pois não há lugar algum despido de Sua Presença. Há uma analogia que nos ajuda a entender esse conceito: o ar não pode ser visto, mas é parte integral do ambiente que nos cerca, e o único momento em que nos apercebemos de sua presença é quando o vento sopra. Isso é ainda mais verdadeiro em se tratando de D’us. A razão para não podermos ver D’us não é devido à Sua transcendência, mas à Sua imanência, ou seja, o fato de Ele conter em Si Seu princípio e Seu fim. De forma similar, somente

Liadi, o Baal HaTanya: “Assim como um pensamento abstrato não pode ser captado pela mão, tampouco a Essência de D’us pode ser captada nem mesmo pelo pensamento” (Likutei Amarim, Shaar HaYichud VeHaEmuná). Nem os maiores sábios e profetas e os seres espirituais mais elevados podem captar a verdadeira Essência Divina. Portanto, cada nome e cada descrição que possamos atribuir a D’us somente se aplicam a Seu relacionamento com Sua Criação. Mesmo o Tetragrama, o Nome de D’us de Quatro Letras, que nos é proibido pronunciar, apenas denota Sua emanação mais alta na Criação. D’us é incompreensível, inominável e anônimo. Não há palavras que possam descrevê-Lo ou enaltecer todos os Seus louvores. temos conhecimento da Presença Divina quando Ele atua para manifestar Sua Presença. A Torá nos ensina que o conhecimento Divino é idêntico à Sua Essência Infinita, e, portanto, também infinito. Como está escrito: “Grande é nosso D’us, imenso é Seu poder e infinita a Sua sabedoria” (Salmos 147:5). D’us sabe o que está acontecendo a cada um dos átomos do Universo, a cada instante. Independentemente de quão grande o número de eventos simultâneos, isso nada é comparado à Infinita Sabedoria Divina. É importante enfatizar que apesar de a Torá dar ao homem um vislumbre do Divino, D’us está tão acima de nós que é impossível compreendêLo em Sua plenitude. Como ensina a Cabalá: “Não há pensamento que possa entendê-Lo completamente” (Tikunei Zohar, 17a). E como escreveu o Rabi Shneur Zalman de 15

A Divina Providência Como vimos acima, a natureza de D’us está além de tudo que possa ser concebido ou captado pelo ser humano: a distância entre a percepção humana e o Divino é infinita. Portanto, apenas temos ciência da impossibilidade de descrevê-Lo. Como então alegar que o Todo Poderoso, que é tão supremamente exaltado, irá “rebaixar-Se” ao ponto de cuidar dos detalhes mínimos da vida de Suas criaturas, por mais nobres e corretas que sejam? Muitos filósofos, entre os quais inúmeros pensadores judeus, argumentaram que apenas os que são verdadeiramente devotos a D’us são merecedores da Divina Providência, enquanto todos os demais seres humanos e criaturas são apenas cuidados, de forma generalizada, por uma Vontade Divina, que pode conduzir sua existência, mas que não se envolve com os mínimos detalhes de suas vidas. junho 2017


SABEDORIA

Essas noções e crenças filosóficas, apesar de oriundas de um reconhecimento da grandeza Divina, estão distantes da noção cabalística de Divina Providência. A Cabalá oferece um tipo diferente de percepção da conexão entre D’us e o mundo. A filosofia define D’us como o “Supremo Intelecto” – a Mente Divina, que, como repetidamente ensina Maimônides, não é, de forma alguma, comparável à mente humana, limitada e finita. No entanto, mesmo esse conceito é limitado. O Maharal de Praga, Rabi Yehudá Lowe, famoso por ter criado o Golem, insistia que o Divino não pode ser definido ou confinado, de nenhuma maneira. Nossos Sábios se referem ao Todo Poderoso como “O Santo, Bendito o Seu Nome”. Como o judaísmo define a santidade como a distinção, essa denominação significa que o Divino está além das definições ou limitações, quaisquer que sejam. Por conseguinte, em relação ao Divino, a mais elevada espiritualidade não é, de forma alguma, superior ao físico ou material. Comparado à Luz Divina, mesmo o que a nós parece puro e elevado, é finito e diminuto. Essa compreensão do Divino não nega a existência da Divina Providência em nível individual. Pelo contrário, leva a uma conscientização aumentada de quão pessoal é essa Providência. Quando entendemos que a grandeza de D’us ultrapassa os limites do espiritual e do físico, e que esses conceitos são vazios se comparados a Ele, não podemos mais alegar que a Divina Providência esteja confinada apenas a uns poucos – os grandes e elevados. Pois, de fato, quem e o que é elevado e grandioso comparado a D’us? Comparado ao Infinito,

qual a diferença entre o maior sábio ou profeta e o menor dos insetos? Comparada à Luz Infinita, tudo é igualmente insignificante. Assim, pois, a Divina Providência se estende tanto em direção dos maiores seres humanos, que devotam cada momento de sua vida a D’us, quanto em direção dos organismos mais inferiores que mal conseguem subsistir. Como vimos acima, D’us não está limitado por tempo nem espaço. Entender esse conceito nos leva à conclusão de que Sua Providência é abrangente, pois, a partir de Seu ponto de vista, o grande e o pequeno, a maior generalização e o menor detalhe, são todos iguais em sua infinita distância e total insignificância se comparados à infinitude Divina. Ao mesmo tempo, estão igualmente próximos a Ele como receptores do abrangente amor Divino. Ou seja, todos e tudo estão igualmente distantes e próximos de D’us. Em termos práticos, isso significa que D’us está ciente e também profundamente envolvido em tudo o que concerne Sua Criação e interessado até mesmo nos detalhes da vida de cada um de nós. Muitos cometem o erro teológico de supor que como D’us é tão grandioso – como Ele habita nas Alturas – Ele não está interessado no que comemos – se é casher ou não – ou se fizemos a berachá antes de comer um pedaço de chocolate. A resposta a tais questões teológicas e outras similares – se D’us se preocupa com nossas necessidades materiais e espirituais e se Ele tem conhecimento e interesse em todos os detalhes de nossa vida cotidiana – é que D’us se preocupa com tudo ou com nada. Perante o Infinito, não existe o grande ou o pequeno. Ou tudo é importante para D’us ou nada o é. 16

Será que D’us se preocupa com tudo ou com nada? É verdade que a infinitude Divina não se restringe ao mundo físico, mas vai além de todos os mundos espirituais e todos os conceitos intelectuais. No entanto, se D’us criou o mundo e continua a sustentá-lo, é evidente que Ele se importa com o mesmo. Assim sendo, a resposta cabalística a essa pergunta é que D’us se preocupa com tudo – com cada detalhe ínfimo de toda a Sua Criação. Isso, portanto, é a base do ensinamento Chassídico que a Divina Providência se aplica a todos e a tudo. D’us não apenas “determina os passos do homem” (Salmos 37:23), mas também provê a cada uma das criaturas do mundo, direcionando-as ao objetivo prédeterminado a cada uma delas. O Baal Shem Tov, fundador do Movimento Chassídico, ensinava que cada um dos objetos deste mundo – mesmo um grão de areia – está sob as asas da Divina Providência: está vinculado à Vontade Divina, que determina seu lugar e seu papel no mundo. Negar o papel da Divina Providência sobre o mais insignificante dos detalhes da vida é o mesmo que negar a ideia da Divina Providência como um todo. Reconhecer o papel da Divina Providência sobre os indivíduos e os pequenos detalhes atesta a grandeza de D’us e a profundidade e intensidade da crença do ser humano n’Ele. O Baal Shem Tov ilustrou esse ponto com o seguinte exemplo: uma grande tempestade irrompe numa floresta, quebrando galhos e arrancando mudas. Isso é produto da Divina Providência: D’us quis que isso acontecesse por um determinado propósito. Talvez esse propósito


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fosse levar uma folha mais perto da boca de uma certa minhoca na mata. A Divina Providência cuida de todas as necessidades de cada uma das criaturas, mesmo daquelas primitivas como as minhocas – que, no plano perfeito da Criação, têm seu lugar e um papel a cumprir.

Os Mandamentos: Fisicalidade e espiritualidade Entender alguns conceitos fundamentais sobre D’us e sobre a Divina Providência permite-nos uma compreensão mais profunda e significativa de Seus Mandamentos. O cumprimento dos mandamentos da Torá tradicionalmente é concebido como um imperativo duplo: por um lado, a contemplação e apreciação do conteúdo e do significado intrínseco dos mandamentos; por outro, sua expressão física. Os escritos judaicos trataram extensamente das questões resultantes dessa dualidade, pesando o valor da ação contra o da intenção e buscando o relacionamento entre ambos. Por exemplo, dada a opção, seria preferível colocar Tefilin mesmo se a pessoa não estiver intelectual e emocionalmente envolvida com esse mandamento, ou seria melhor meditar sobre D’us e estimular o amor e a reverência a Ele? Tais questões foram ponderadas através dos tempos por muitos sábios e pensadores. Por um lado, pode-se argumentar que o importante é a intenção: qual o sentido de se cumprir um Mandamento Divino se a pessoa o fizer sem intenção ou sentimento? Por outro lado, enquanto uma ação sem intenção é como um corpo sem alma, a intenção sem ação também é imperfeita. É como uma aparição fugaz, que existe, mas não

tem substância. Para uma pessoa verdadeiramente comprometida com os Mandamentos Divinos, não pode haver ação sem intenção, mas tampouco intenção sem ação. Essa discussão sobre ação ou intenção é primordial como produto das diferenças no ponto de vista religioso. Para solucionar tais dilemas, é necessário ter-se uma compreensão adequada da relação entre D’us e o homem e da essência da Divindade. Ainda que uma discussão filosófica profunda sobre teologia esteja além do escopo deste artigo, é relevante entender a essência da Divindade como é percebida pela maioria das pessoas. Vejamos a seguinte relação: tinta, couro, caixa; ideia, sonho, amor. Em que categoria D’us deveria ser inserido? Na dos objetos concretos - tinta, couro, caixa – ou na dos conceitos abstratos – ideia, sonho, amor? A maioria

das pessoas, religiosas ou não, provavelmente colocaria D’us na categoria dos abstratos ou espirituais. Tal classificação tem um significado de longo alcance. Com certeza, não se pode atribuir a D’us nada sequer remotamente físico. No entanto, se a Divindade é uma abstração – uma ideia sem substância – podese questionar o grau de realidade de D’us e questionar Sua Própria existência. O D’us dessas pessoas é uma sombra cuja existência é, por vezes, sujeita a incertezas. Tratase de uma Divindade intelectual ou emocionalmente vivenciada. Se D’us é concebido dessa forma, certas consequências religiosas são inevitáveis. Se D’us é um conceito espiritual, como o Amor e a Justiça, faz todo o sentido que Ele seja cultuado com ideias, orações silenciosas, meditações e boas intenções. Pois, se D’us é um Ser espiritual abstrato, pode ser uma contradição servi-Lo por meio de ações físicas concretas.

Imagem de um Tefilin. A colocação dos Tefilin constitui um dos principais mandamentos do judaísmo

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SABEDORIA

O Kotel: o Muro Ocidental - a única estrutura que remanesce do Templo Sagrado de Jerusalém

No entanto, todos os pensadores e filósofos judeus rejeitam a ideia de que D’us é um Ser espiritual. Enfatizam que assim como D’us está infinitamente acima do universo físico, Ele também está infinitamente distante do espiritual – mesmo em suas formas mais elevadas. É, portanto, tanto um sacrilégio atribuir qualidades espirituais a D’us quanto atribuirLhe qualidades físicas. Surge, então, naturalmente, a pergunta: se D’us não é fisicalidade nem espiritualidade, o que Ele é? A resposta é que o homem não pode nem mesmo começar a conhecer a essência de D’us. Pode apenas ansiar por vivenciar a realidade de Sua existência. Tal experiência de Divindade não pode provir de uma análise lógica ou inferencial de aspectos de Sua existência. Pelo contrário, baseia-se na experiência real de Sua Presença. D’us, então, é uma realidade e não há realidade fora de Sua existência. A compreensão de que D’us não é um ser físico nem espiritual explica o problema da preferência

da intenção sobre a ação. As intenções espirituais do homem, não importa quão puras, nobres ou verdadeiras, não estão, necessariamente, mais próximas da Vontade Divina do que as mais concretas ações físicas. Como as qualidades da fisicalidade e espiritualidade não se aplicam a D’us de forma alguma, Ele está tão próximo ou distante do espiritual quanto do físico. O que importa é a Vontade de D’us, independentemente de como a pessoa a cumpra. Portanto, um mandamento físico, simples, tem tanta relevância religiosa quanto um espiritual. A essência dessa concepção é a percepção de que como D’us preenche Seu mundo, para Ele não há dicotomia entre o físico e o espiritual. A Vontade Divina é encontrada tanto no cumprimento físico de um mandamento quanto nos pensamentos e emoções com os quais o mesmo é cumprido. Quando o homem amarra as tiras do Tefilin em seu braço, ele deve estar tão cioso de cumprir a Vontade Divina quanto quando se empenha espiritualmente para 18

dirigir seu pensamento e seu coração a D’us: “...para amar o Eterno teu D’us com todo o teu coração, com toda a tua alma, e com toda a tua força”. O judeu que assim age está em verdadeira harmonia com a Vontade Divina. Os mandamentos da Torá, tanto os físicos como os espirituais, portanto, podem ser comparados a uma ponte criada por D’us, que permite ao homem conectar-se a Ele. Os mandamentos Divinos, que são cumpridos física e espiritualmente, são os meios pelos quais as criaturas finitas podem vivenciar o Santo, Bendito é Seu Nome.

BIBLIOGRAFIA

Rabi Steinsaltz, Adin (Even Israel), Deed and Intention, The Mystery of You, Hybrid Publishers Rabi Steinsaltz, Adin (Even Israel), Divine Providence and Faith, The Mystery of You, Hybrid Publishers Rabbi Kaplan, Aryeh, The Handbook of Jewish Thought, Volume 2, Moznaim Publishers Rabi Shneur Zalman m’Liad, Shaar HaYichud VeHaEmunah


DESTAQUE

Macron, otimismo vindo da França POR JAIME SPITZCOVSKY

A posse de Emmanuel Macron, como novo presidente da França, alimenta uma onda de alívio e de otimismo na comunidade judaica francesa, ainda preocupada com o avanço da extrema direita, com ataques terroristas e a deterioração dos laços entre Paris e Jerusalém, nos últimos anos.

C

om o triunfo nas eleições de 7 de maio, ao amealhar 66% dos votos no segundo turno, Emmanuel Macron consolidou a esperada vitória do chamado “campo republicano”, responsável por unir diversas forças políticas interessadas em barrar Marine Le Pen, líder da extrema direita. A candidata derrotada, no entanto, alcançou 34% dos votos, recorde histórico para seu partido, o Front National, em aumento expressivo quando se compara aos 18% obtidos por seu pai, Jean-Marie Le Pen, no segundo turno das eleições presidenciais de 2002.

A possibilidade de chegada ao poder, inédita na história do Front National, levou Marine a tentar implementar um discurso mais moderado em comparação com a plataforma do pai, Jean-Marie, com quem chegou a romper politicamente. As promessas de moderação, no entanto, não resistiram a declarações de Marine Le Pen durante a campanha eleitoral. A 9 de abril, ela afirmou que a “França não é responsável por Vel d’Hiv”, referindo-se à tragédia ocorrida em 1942, em Paris. Naquela ocasião, mais de 13 mil judeus foram enviados a campos nazistas de extermínio, depois de ficarem presos em um estádio da capital francesa.

Criado na década de 1970, o Front National se notabilizou por posições racistas e antissemitas, vociferadas sobretudo por seu fundador, Jean-Marie Le Pen. A onda antiglobalização, em curso principalmente na Europa e nos EUA, impulsionou grupos populistas e de extrema direita, apoiados em nacionalismo e xenofobia.

Apenas em 1995, o governo da França, então liderado pelo presidente Jacques Chirac, admitiu claramente a responsabilidade das autoridades locais no episódio. “Sim, é verdade que a insanidade criminosa das forças de ocupação foi apoiada por alguns franceses e pelo Estado francês”, discursou Chirac, no estádio de Vel d´Hiv.

Na França, Marine Le Pen buscou catalisar o sentimento de insatisfação de setores da sociedade francesa, pressionados por desafios como o desemprego, na casa dos 10%, terrorismo e crise de refugiados.

O Front National não preocupa a comunidade judaica francesa apenas por suas ligações históricas com correntes que negam o Holocausto. Pontos da plataforma 19

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DESTAQUE

Palais-Royal, sede do conselho de estado. paris

de Marine Le Pen, embebidos em intolerância, também causam protestos, como a proibição ao abate ritual, judaico ou muçulmano, e ao fornecimento de merendas escolares sem carne suína.

pairam sobre França e Israel é o terrorismo. “Tenho a convicção”, acrescentou Netanyahu,”de que os dois países intensificarão seus laços bilaterais”.

A vitória de Macron representou uma “vitória contra o ódio e contra o extremismo”, afirmou Moshe Kantor, presidente do Congresso Judaico Europeu, ecoando declarações de diversos líderes comunitários franceses. Kantor ainda destacou: “Permanecemos extremamente preocupados pelo ainda significativo apoio a partidos de extrema direita, não apenas na França, mas pela Europa”. O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, parabenizou Macron logo após o triunfo eleitoral e, na nota oficial, observou que uma das maiores ameaças que

Aos 39 anos, o presidente mais jovem a assumir o cargo na história da república francesa, Emmanuel Macron carece de experiência em áreas como política externa. Construiu trajetória no mercado financeiro e foi ministro da Economia e da Indústria no governo socialista de François Hollande, entre 2014 e 2016. Em 2015, o então ministro Macron desembarcou em solo israelense, numa visita que, segundo a embaixadora francesa Hélène Le Gal, impressionou o futuro presidente. Em entrevista a uma emissora de rádio israelense, Le Gal afirmou que Macron não esconde a admiração pelo universo israelense das start-ups e das companhias de tecnologia.

presidente EMMANUEL MACRON

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Empenhado em resgatar a economia francesa da estagnação, Emmanuel Macron costuma enfatizar a opção


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por incentivar a inovação e os investimentos em tecnologia. A cooperação com Israel poderia se intensificar nessas áreas da atividade econômica. Maior ênfase numa agenda comercial contribuiria para amenizar o desgaste registrado recentemente, no campo político, entre Israel e França. Enfraquecido no cenário doméstico e terminando sua gestão com níveis recordes de desaprovação popular, François Hollande buscou diversas vezes, no campo da diplomacia, iniciativas que, em seu cálculo, pudessem se traduzir em maior apoio da opinião pública francesa. E, muitas vezes, entrou em rota de colisão com o premiê Netanyahu. No primeiro semestre deste ano, numa tentativa de resgatar prestígio diplomático, Hollande organizou em Paris uma conferência internacional sobre o Oriente Médio. A iniciativa representou um fiasco. Macron, embora não tenha detalhado sua abordagem para a questão israelo-palestina, declarou ser contrário a um reconhecimento unilateral de um eventual Estado palestino. Também criticou o BDS, movimento que propõe boicote a Israel em diversos planos, como politico, econômico e acadêmico. O combate ao terror também aproxima França e Israel, como observou Netanyahu. “A França estará na linha de frente da luta contra o terrorismo”, afirmou Macron no discurso da vitória, em 7 de maio. A intensificação de ataques terroristas e do antissemitismo, num cenário de estagnação econômica e desemprego crescente, impulsionou a mudança de judeus franceses a Israel, que atingiu nível recorde

macron em visita ao memorial da shoá em paris, 30 abril 2017

COM François Hollande

pôster do então candidato à entrada do consulado francês em jerusalém

em 2014 e 2015. Nesse período, desembarcaram 15 mil imigrantes em solo israelense. Importante também ressaltar a forte tradição sionista na comunidade judaica francesa, a maior da Europa, com cerca de 500 mil integrantes.

devido a mensagens racistas, disparadas anos atrás, pelo Twitter.

No início da campanha para as eleições legislativas de junho, fundamentais para Macron obter apoio parlamentar e conseguir a governabilidade necessária para implantar reformas econômicas e sociais, o partido do novo presidente demonstrou estar atento no combate ao antissemitismo. O jornalista Christian Gerin foi obrigado a retirar sua candidatura 21

A chegada de Macron ao poder representa uma opção francesa pela manutenção da globalização e da União Europeia e pelo combate ao terrorismo valorizando trabalho de inteligência e cooperação internacional. Sua vitória eleitoral significou também um golpe contra o avanço do populismo e do nacionalismo no velho continente. Resta saber se o jovem líder conseguirá corresponder às expectativas de seus eleitores. Jaime Spitzcovsky foi editor internacional e correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou e em Pequim

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PERSONALIDADE

Ayelet Shaked, uma mulher à frente da Justiça de Israel Ela é uma mulher que se sobressaiu num cenário político liderado por homens, a maioria deles egressos das unidades de elite das FDI. Secular, ela ocupa importante papel nas fileiras do partido sionista religioso, HaBait HaYehudi. É uma engenheira de computação que, após uma meteórica e controvertida ascensão política, foi nomeada, em 2015, Ministra da Justiça.

E

ssa jovem bonita de olhos claros, oriunda do norte de Tel Aviv, que vem das indústrias de alta tecnologia que transformaram a economia israelense, com ideias feministas, é o novo ícone do HaBait HaYehudi (Lar Judaico) em seus esforços de ir além de sua base sionista religiosa. O intuito do partido presidido por Naftali Bennett é alcançar novos eleitores, vencendo os estereótipos de colonos e seus defensores como religiosos fanáticos.

Nos dois anos em que está à frente do Ministério da Justiça, Shaked não se afastou de suas ideias e tem proposto uma série de medidas extremamente polêmicas. Entre outras, a revogação da cidadania dos árabes israelenses condenados por terrorismo, o escrutínio das organizações sem fins lucrativos que atuam em Israel e que recebem grandes somas de dinheiro dos governos europeus para promover causas tão negativas ao Estado como o BDS.

Hoje, aos 40 anos, Ayelet Shaked é considerada uma das legisladoras mais ativas dos últimos anos. Articulada (em hebraico e inglês), enérgica e implacável, ela é a líder política feminina mais carismática e ambiciosa surgida em Israel em muitos e muitos anos. Suas opiniões duras e francas e seu estilo confiante lhe proporcionaram um assento no Knesset (Parlamento) e um ministério, a fúria da Esquerda israelense e a crítica de muitos na mídia e nas elites acadêmicas israelenses. E, quem sabe no futuro, o posto de primeiro-ministro. No dia Internacional da Mulher deste ano de 2017, ela se sentiu confiante ao ponto de anunciar que se vê, tranquilamente, disputando, algum dia, o cargo de primeiro-ministro – naturalmente após o presidente do partido HaBayit HaYehudi, o atual ministro da Educação Naftali Bennett, tê-lo feito.

Uma de suas propostas era tornar mais conservadora a Suprema Corte de Israel, e inibir seu envolvimento na atuação do Knesset e nas decisões governamentais – o que aparentemente conseguiu, em 22 de fevereiro último, quando três dos quatro novos ministros do Supremo, indicados pelo Comitê de Seleção de Juízes para a Corte, tinham uma abordagem mais conservadora às leis e estavam entre os que a ministra considerava aceitáveis para assumir o cargo. No tocante à Lei Fundamental do Knesset, que reza ser Israel um estado judaico democrático, o que Shaked mais almeja é “fortalecer a identidade judaica do país para que se tenha um Estado judeu, democrático e forte”. Ela afirma constantemente que “se opõe à ideia 22


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de que os dois valores sejam de alguma maneira incompatíveis. Essas identidades claramente não se contradizem; pelo contrário, acredito que se fortalecem mutuamente”. A verdade é que não importa a concordância ou não com suas ideias políticas, algumas inegavelmente de linha dura. As pessoas podem admirála, discordar ou desprezar sua opinião, mas o que ninguém pode ignorar ou sequer minimizar é sua influência sobre o sistema político israelense – fato comprovado pelas últimas decisões do Knesset. A atuação de Ayelet já lhe rendeu inúmeras honrarias. Em 2012, o jornal Globes a incluiu na lista das 50 mulheres mais influentes de Israel; em 2015, The Jerusalem Post a listou como a 33ª personalidade

judia mais importante; a Forbes Israel a escolheu como a quinta mulher mais importante do país e foi, ainda, eleita a “Mulher do Ano” de Israel, pela revista Lady Globe. Enquanto as propostas de Ayelet Shaked e sua atuação fizeram

Lady Globes nomeia Ayelet Shaked “mulher do ano”

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dela o centro das atenções, sua aparência se tornou um alvo tentador para aqueles que desaprovam aquilo que ela representa. Inúmeras foram as reações sexistas a uma mulher jovem e atraente em uma posição de destaque nacional. O fato de terem as críticas à sua política sido inegavelmente permeadas de uma grande dose de discriminação sexual tem levado mulheres, inclusive as que são nitidamente suas inimigas ideológicas, a sair claramente em sua defesa. “Discordo profundamente das opiniões de Shaked, dos membros do HaBait HaYehudi e do novo governo, de modo geral”, disse a ex-ministra da Justiça Tzipi Livni. “Mas condeno enfaticamente a atitude sexista em torno dela”. Até a líder do partido Meretz, Zehava Galon, JUNHO 2017


PERSONALIDADE

Estudou balé e se tornou uma das principais chefes-bandeirantes do Movimento de Escoteiros de Israel. Na escola, era excelente aluna, sempre se destacando em matemática. Enquanto cursava o Ensino Médio, não era politicamente ativa, apesar de suas posições serem sempre a favor da direita israelense.

o falecido presidente shimon Peres, com Ayelet Shaked, então membro do knesset, 2014

saiu em sua defesa declarando que estava “farta dos comentários sexistas e misóginos sobre Ayelet Shaked. Ela é uma política inteligente e trabalhadora... Não me furtarei a criticá-la severamente sempre que ela tirar proveito de sua posição para prejudicar nosso sistema jurídico, mas não permanecerei em silêncio sempre que alguém poluir a arena pública com declarações infames sobre ela. Esse tipo de declaração manda uma mensagem às mulheres de que não importa o quanto tenham sucesso, nem mesmo quando cheguem a um alto posto no Governo – elas serão julgadas, primeiro e principalmente, por sua aparência física”.

Sua avó paterna chegou a Israel em 1950 e a ministra costuma dizer que é meio iraquiana, o que é motivo de muito orgulho para ela. A mãe, professora de Torá, que sempre votou nos partidos de centroesquerda, é de origem asquenazita. Sua família chegou a Israel com a primeira aliá, que veio da Rússia e Romênia na década de 1880. Shaked conta que em sua casa não se discutia política, mas se recorda perfeitamente que tinha apenas oito anos quando assistiu a um debate na televisão entre Shimon Peres e Yitzhak Shamir, e que ficou encantada com a fala forte de Shamir.

Sua vida Ayelet Ben-Shaul nasceu em 7 de maio de 1976 em Tel Aviv, em uma família de classe média alta. Cresceu no bairro de Bavli, onde mora até hoje. Suas origens são típicas de uma israelense de terceira geração, meio asquenazi meio sefaradi, liberal e conservadora, mesclando elementos seculares e religiosos.

Fortaleceu sua posição nesse partido durante o serviço militar nas FDI. Tornou-se instrutora na Brigada Golani no 12º Batalhão Barak e na famosa Sayeret Golani (unidade de forças especiais da Brigada Golani). Serviu em Hebron, e suas posições políticas foram altamente influenciadas pelos colonos sionistas religiosos, ao lado de quem serviu nas FDI, e que, hoje em dia, formam o núcleo de seu eleitorado. Em suas próprias palavras, “Percebi na época que a solução para o conflito palestino não viria agora”. Após terminar o serviço militar, estudou Engenharia Elétrica e Ciências da Computação na Universidade de Tel Aviv. Começou sua vida profissional no setor de alta tecnologia, trabalhando na área de engenharia de software na Texas Instruments. Casou-se com um piloto de caça, que ainda trabalha para o Exército de Israel como instrutor de pilotos civis, com quem tem um filho e uma filha. A hoje ministra da Justiça poderia facilmente ter feito uma bela carreira empresarial entre a elite de viés esquerdista de Tel Aviv. No entanto, já tinha feito do judaísmo, do sionismo e do Estado de Israel o cerne de seu interesse e sua perspectiva gravitava em torno da política de centro-direita.

O pai de Shaked, iraquiano nascido no Irã, sempre votou pelo Likud. 24


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Vida política Entrou na vida política em 2006 quando foi convidada por Binyamin (“Bibi”) Netanyahu, para ser diretora de seu Gabinete, cargo que ocupou até 2008. Aos 30 anos, ela já dirigia o Gabinete do primeiroministro e parecia destinada a uma carreira estelar no Likud. Foi ela quem levou Naftali Bennett para o Gabinete de Netanyahu, onde ele serviu como chefe de Gabinete de 2006 a 2008. Após deixar o Likud, criou, em 2010, junto com Bennett, o movimento e website Israel Sheli. Liderado por Shaked até 2012, o Israel Sheli é um movimento que trata das relações públicas pela internet e em especial pelas redes sociais, organizando também protestos e passeatas contra atividades antissionistas na sociedade e na mídia. Em 2012, ela recebeu o Prêmio Abramowitz de Israel pela Crítica à Mídia. Esse prêmio é outorgado anualmente a duas pessoas que tenham dado uma “contribuição especialmente valiosa, significativa e qualitativa à crítica à mídia em Israel”. Em janeiro de 2012 foi eleita membro do Comitê Central do Likud, mas renunciou em junho. Demonstrou a ousadia que se tornaria sua marca registrada – sabendo ser impossível não manifestar abertamente suas críticas ao Likud, preferiu abandoná-lo e se juntar ao HaBait HaYehudi, o partido sionista religioso liderado por Naftali Bennett. Ela recorda: “Quando Bennett e eu decidimos juntar-nos ao HaBait HaYehudi, eu era membro do Likud, e as pessoas me perguntavam: ‘Você enlouqueceu? Você é mulher e sequer é religiosa... Que chances tem

de ser eleita? Ninguém votará em você. Isso é suicídio político’”. Nas primárias do HaBait HaYehudi ficou em terceiro lugar, algo extraordinário se lembrarmos que ela é mulher e não é religiosa. Ela venceu candidatos homens muito mais conhecidos e admirados no meio religioso nacionalista, e membros veteranos do partido. Ficou em quinto lugar na lista dos membros desse partido que ocupariam um assento no Knesset caso o partido ganhasse cadeiras.

na aprovação da lei que pôs fim às isenções do serviço militar para os judeus haredim, ultra-religiosos, atitude que provocou a ira de alguns segmentos da comunidade haredi. Shaked possui uma visão clara sobre a economia israelense, que, a seu ver, não é capitalista o suficiente para a realidade e necessidades do país. Ela foi também uma das principais vozes contra a imigração da África. Uma mulher extremamente ativa, ela ficou em primeiro lugar juntamente

legisladora, no knesset, 2014

Nas eleições de 2013, obtiveram 12 assentos, vitória que definitivamente a colocou na Casa. Pouco depois, ela se integrou a inúmeros comitês: Assuntos Econômicos, Trabalhadores Estrangeiros e Finanças. Presidiu, ainda, o Comitê de Aplicação da Lei dos Serviços de Segurança e da Lei do Serviço Nacional de Civis. Ela é feminista, e apesar de ser membro de um partido religioso defende políticas seculares. Teve, por exemplo, um papel decisivo 25

com Shelly Yachimovich como membro de destaque do Knesset durante a legislatura de verão, numa indicação do Canal da Knesset; em 2014, ficou em segundo lugar na legislatura de inverno.

Atuação como Ministra Ayelet Shaked completou 39 anos em 7 de maio de 2015, dia em que seu partido assinou um acordo garantindo o quarto mandato do primeiro-ministro Bibi Netanyahu, e, no dia 14 de maio JUNHO 2017


PERSONALIDADE

Outra preocupação é a nomeação de novos juízes para a Suprema Corte. A batalha sobre o futuro dessa Casa que levou à nomeação de três, dentre quatro juízes conservadores, iniciou-se em novembro do ano passado quando a presidente do Supremo, a ministra Miriam Naor, cortou relações com Ayelet Shaked em virtude das negociações sobre a indicação dos novos ministros do Supremo.

brinde na sua posse no ministério da justiça. com o procurador geral de israel Yehuda Weinstein, maio 2015

assumiu o Ministério da Justiça. Nesses dois anos, tem procurado dar continuidade a pautas que já defendia enquanto membro do Knesset. De modo geral, os israelenses não se interessam muito pela escolha do ministro da Justiça, mas desde que o nome de Shaked foi anunciado, o debate se polarizou em todo o país.

Corte em determinadas questões. Respondendo aos que dizem que quer limitar o poder do Judiciário, Ayelet Shaked afirma que “os novos rumos que deseja seguir visam definir de forma mais precisa os caminhos de cada um dos poderes – legislativo, executivo e judiciário”.

A maior preocupação de seus críticos é sua visão sobre o sistema judiciário israelense e o poder que passou a acumular à frente da pasta da Justiça, cargo que a tornou chefe do poderoso Comitê Ministerial para Legislação, responsável pela decisão sobre quais projetos deverão ou não ser enviados ao Knesset. Como presidente desse Comitê, mesmo não decidindo sozinha o destino das propostas, tem grande influência sobre o conteúdo das leis e, em última instância, sobre o funcionamento da democracia israelense. Em relação ao sistema judiciário, entre os pontos mais delicados está a autonomia da Suprema

já ministra da justiça, maio 2016

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Shaked alertou a ministra Naor que caso não voltasse às negociações, ela iria conseguir a aprovação no Knesset para um projeto de lei apresentado pelo Israel Beitenu, que permitiria que ela e o escalão político superior indicassem juízes do Supremo, mesmo contra a vontade da Suprema Corte. (O projeto do Israel Beitenu, apresentado no ano passado, previa uma mudança no sistema de nomeação dos juízes da Suprema Corte: para ser aprovado o candidato precisaria apenas de maioria simples no Comitê de Seleção Judicial, que conta com nove membros.) A ministra Naor decidiu fazer o acordo que levou à nomeação dos três juízes conservadores, evitando que o projeto fosse reapresentado. Na realidade, a nomeação não mudaria a Suprema Corte da noite para o dia. Hoje, dois ou três dos atuais ministros, dentre um total de 14, são vistos como conservadores, então o número passaria para cinco ou seis, o que continuaria sendo minoria. O principal significado disso só seria percebido no longo prazo, se um número maior de ministros conservadores fossem substituir os atuais juízes. A verdade é que é muito mais difícil mudar o sistema judiciário israelense do que pode parecer; e Shaked não possui a força política necessária para impor medidas radicais.


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Os assentamentos Um tema importante na agenda da atual ministra da Justiça são os assentamentos, um dos principais pontos de atrito tanto internamente quanto entre Israel e a comunidade internacional. A ministra afirmou em uma entrevista: “Creio que à nossa volta, em todo o Oriente Médio, estamos testemunhando eventos muito significativos e turbulentos. Eu até diria que o Oriente Médio passou por mudanças profundas nos últimos anos... Toda a região está mudando, e todos os estadosnação desmoronaram. Temos, hoje, uma paisagem tribal, e todo pedacinho de terra que não está sob influência do Ocidente é sequestrado pelo Islã radical. Portanto, não resta a Israel outra opção a não ser seguir em frente e gerenciar o conflito. O problema são os norte-americanos e europeus que continuam insistindo neste paradigma de um estado palestino aqui e agora, e que continuam insistindo que os assentamentos são a raiz do conflito... o que é uma completa falta de entendimento histórico sobre o que, de fato, significa este conflito”. A ministra defende a aplicação da lei israelense ao invés da lei militar em algumas regiões da Judeia e Samaria (denominação adotada pelo governo de Israel para a Cisjordânia), como vem acontecendo há décadas, tema que poderá aumentar os problemas de Israel na arena internacional. Esta seria uma das principais razões pelas quais ex-primeiros ministros, como Menachem Begin e Yitzhak Shamir, que se opunham à retirada israelense da região, jamais adotaram as medidas atualmente sugeridas por Shaked.

com o rabino Yisrael Meir Lau, no campo de Auschwitz-Birkenau, na marcha da vida. maio 2016

Ela afirma que “há muitas áreas na Judeia e na Samaria cujo status legal é indefinido. É chegada a hora de acabar com a ambiguidade legal e permitir que os residentes da região, muitos dos quais em assentamentos construídos pelo governo israelense, vivam sem o temor constante em relação aos seus direitos de propriedade”.

de governos estrangeiros e, na verdade, representam os interesses destes governos”. Shaked deseja forçar essas organizações a se identificarem como tal. Apesar de insistir que se trata de total transparência, seus críticos alegam que ela planeja encerrar as atividades de tais entidades, que são essencialmente antissionistas e próPalestina.

ONGs e redes sociais

Em 9 de fevereiro último, a ministra declarou que iria encaminhar uma lei que imporia pesadas multas às redes sociais que se recusassem a remover conteúdo que incitava à execução de ataques terroristas. Falando à Rádio do Exército, ela afirmou que durante a recente onda de ataques a veículos e esfaqueamentos por lobos solitários, ao longo do último ano e meio, Israel conseguiu frustrar fisicamente os ataques, mas não conseguiu evitar uma onda de incitação nas mídias sociais – que ela chama de “motor” da onda de terror. “Sentimos que a soberania de Israel tinha realmente sido prejudicada”, foram suas palavras.

Ela está na linha de frente na luta contra o BDS. Como vimos acima, a sua agenda de trabalho da ministra inclui uma análise sobre a origem dos recursos das Organizações não governamentais (ONGs) e, em janeiro de 2016, ela apoiou um projeto apresentado no Knesset que exige a identificação dessas ONGs que recebem a maior parte de seus recursos de “governos e entidades estrangeiras”. Em uma entrevista concedida ao The Washington Post, ela afirmou que o público tem o direito de “saber quais ONGs recebem a maior parte de suas verbas 27

JUNHO 2017


ISRAEL

As cores e a magia dos mercados de Israel Flores, doces, verduras, roupas, souvenires, artesanatos, bijuterias e muito mais podeM ser encontradoS nos diferentes mercados espalhados por Israel. Com seus cheiros e cores, maiores ou menores, simples ou mais sofisticados, são pontos de visitação obrigatória para os turistas que chegam ao país, além dos tradicionais marcos históricos, religiosos e arqueológicos.

D

entre as cidades israelenses, Jerusalém e Tel Aviv são as que concentram maior número de mercados para os visitantes de todos os gostos. O mosaico de línguas e etnias – há décadas, Israel recebe imigrantes de diferentes continentes – é um reflexo da diversidade que hoje caracteriza o país. Para garantir a proliferação de mercados ao ar livre, Israel conta com quase nove meses ensolarados, ao longo do ano.

Machané Yehuda é anterior à dominação otomana na região. Surgiu quando camponeses da região, no século 19, começaram a vender seus produtos em uma área abandonada. Gradativamente, as vendas informais acabaram por se transformar em um mercado organizado, que se tornou um sucesso principalmente pela sua localização mais próxima dos bairros e pequenos povoados fora da Cidade Velha. O local passou por uma mudança importante durante o Mandato Britânico na então Palestina, entre 1917 e 1948, quando o primeiro governador da cidade, Sir Ronald Storrs, percebeu a importância do mercado para a atmosfera singular da cidade. Ele contratou o urbanista Charles Robert Ashbee para fazer um projeto no local, incluindo uma ampla reforma com a implantação de infraestrutura de esgotos, sistemas de coleta de lixo, iluminação e água encanada. Ele planejava erguer um grande mercado cercado por muros de todos os lados, com portões em estilo oriental e domos em arco.

O viajante pode começar seu roteiro por Jerusalém, sagrada para as três grandes religiões monoteístas, que anualmente atrai milhares e milhares de peregrinos. Lá, o Mercado Machané Yehuda é mais uma atração que se soma aos tradicionais sítios históricos e religiosos da cidade. São mais de 250 lojas espalhadas por vários quarteirões que vendem de tudo que se possa imaginar – verduras, frutas, laticínios, carnes, peixes, legumes e a longa lista de produtos é quase interminável. Quase todos os legumes e verduras vendidos são produzidos em Israel. Há ainda pequenos bares e restaurantes, que oferecem pratos e sanduíches rápidos. Frequentado por moradores da região e turistas, é um marco na cidade e as horas de maior movimento são as que antecedem o Shabat.

No entanto, apesar de todo o seu empenho, o projeto de Ashbee não foi executado principalmente em função das limitações financeiras – e o mercado continuou com a aparência que tinha até então. Com o passar do tempo, 28


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o famoso mercado Machané yehudá, no centro de jerusalém

mais e mais habitantes passaram a frequentar o local. O perfil dos mercadores começou a mudar e muitos árabes venderam seu espaço para os imigrantes judeus. Na época, a Yeshivá Etz Chaim, localizada no meio do mercado, abriu uma série de lojas ao longo do seu muro e alugouas aos interessados, aumentando sua renda e também atraindo a recémchegada população judaica. Visando estender o mercado, em 1930, os mercadores se uniram e, com o auxílio do Comitê Municipal de Jerusalém, compraram uma área localizada ao sul da Rua Ha’Agás, onde estabeleceram um novo mercado. Os britânicos criaram uma série de exigências em relação ao design das lojas, mas a Prefeitura assumiu a responsabilidade pelas condições sanitárias e limpeza do novo local. Cerca de um ano depois, alguns comerciantes e proprietários

decidiram pedir auxílio financeiro às autoridades para construir lojas permanentes. Assim, em 1931, foi comprada mais uma área no lado ocidental do mercado original para ampliá-lo. Muitos dos novos imigrantes eram oriundos do Iraque e essa área ainda hoje é conhecida como Mercado Iraquiano.

foto antiga do “shuk” (mercado), início do séc. 20

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Machané Yehuda continuou a se desenvolver ao longo das décadas seguintes e, atualmente, cobre uma área que vai da Yeshivá Etz Chaim até a Yeshivá Bet Yaacov, e da Rua Yaffo até a Agrippas. Muitas coisas mudaram desde os primeiros anos de informalidade e, atualmente, o mercado é uma empresa organizada, com representantes indicados pelos lojistas. Machané Yehuda deixou de ser apenas um mercado para ser um local de eventos. Seus bares e restaurantes realizam uma série deles, como jantares temáticos, degustação de vinhos e alimentos, mostras de artes, além de tours organizados durante a semana e nos finais de semana para os interessados em conhecer com mais profundidade o local e sua história. São também realizados eventos diretamente ligados ao calendário judaico. junho 2017


ISRAEL

mercado da cidade velha de jerusalém

Entre os sucessos de público na agenda do mercado está o Tabula Rasa – Urban Art Project, em setembro, quando pintores, escultores, fotógrafos e artistas gráficos se unem para transformar o local e seus arredores em um amplo projeto de arte urbana. O interessante é que as obras à mostra são criadas em tempo real, diante dos visitantes, utilizando as mais diferentes matérias-primas, com ênfase em produtos recicláveis.

O projeto surgiu de uma parceria entre o Departamento de Arte da Prefeitura de Jerusalém, a Associação dos Vendedores do Shuk (mercado, em hebraico) e o Conselho Comunitário de Lev Ha’Ir (o “centrão”). Outra grande e imperdível atração de Jerusalém é o Mercado Árabe – Shouk Khan Ez-Zheit, ou simplesmente Shouk. A parte principal do Mercado da Cidade Velha de Jerusalém está localizada no bairro Muçulmano, mas na verdade seus becos intrincados podem sobrepor-se e percorrer as fronteiras de todos os quatro cantos da Cidade Velha: o bairro Cristão, o Armênio, o Muçulmano e o bairro Judeu. O Portão de Yaffo, nas proximidades do Hotel e Shopping Mamilla, é a melhor opção para se entrar no mercado e desvendar seus mistérios. Entre os locais religiosos cristãos, passa-se por lojinhas que vendem artigos religiosos. Os preços são muito parecidos, mas barganhar faz parte da diversão. O lugar é uma opção para comprar todo tipo de objetos de decoração e souvenires que fazem referência à Terra Santa.

Cores, aromas e sons abrangentes, vindos de diferentes direções, lojas e lojistas árabes marcam a atmosfera do local, fazendo do passeio pelo mercado da Cidade Velha uma experiência única e inesquecível. É também uma oportunidade para se descobrir a verdadeira culinária árabe entre as vielas do mercado, saboreando hummus, tahine, falafel e outros quitutes regionais. Para os visitantes interessados em prolongar sua aventura pelos mercados em Jerusalém, basta seguir em direção ao portão que, além de levar ao Monte do Templo, levará também ao Cardo, o mercado judaico da Cidade Velha. Localizado no que costumava ser uma das principais ruas de Jerusalém durante o Período Romano, é o espaço no qual se pode ter uma amostra da sofisticação e da criatividade dos designers israelenses contemporâneos em termos de joias e bijoux, esculturas e arte em geral, além de produtos religiosos com selo emitido pelas autoridades rabínicas do país que garantem sua procedência.

Desvendando Tel Aviv Tel Aviv, metrópole cosmopolita também conhecida como “a cidade que nunca dorme”, concentra, entre outros, quatro opções atraentes – duas mais antigas, como o Shuk Ha’Carmel – feira tradicional que reúne desde alimentos, roupas, CDs e muitas outras quinquilharias, e a Feira de Artes e Artesanato Nahalat Binyamin. O Porto de Tel Aviv é mais uma opção para alimentos saudáveis e diferentes. No entanto, a mais recente atração da cidade é o Sarona Market, que oferece as mais variadas opções da área de gastronomia – das mais simples às mais sofisticadas.

entrada do mercado Machané yehudá

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O Shuk Ha’Carmel está localizado em uma das principais avenidas da cidade, a Allenby, perpendicular à Hayarkon, avenida da praia, e se estende por centenas de metros em direção ao mar em uma trajetória não muito linear. O Ha’Carmel é a maior feira de frutas e vegetais da cidade, mas não é apenas isso. Ali, em meio a um universo multicultural de idiomas e costumes, os visitantes têm a oportunidade de conhecer alimentos típicos, como a bureka (folhado salgado de queijo, cogumelos, espinafre e outros recheios), oriunda da Turquia e que em Israel ganhou mil e uma variações, além de barracas de comidas orientais (muito comuns hoje em Israel) como o sushi, o yakissoba e muito mais. Além do tradicional falafel, bolinho de grão de bico servido no pão sírio (pita) e acompanhado de hummus, tahine, saladas e batatas fritas – e que faz a alegria de todos que se lambuzam com a deliciosa iguaria. Barracas de bijuterias ao lado de capas para celulares, camisetas de times internacionais e israelenses, chapéus e bolsas das mais variadas cores e tamanhos, sapatos, cáftans multicoloridos, calças saruel, blusas e pantalonas estampadas com o rosto de Bob Marley fazem a diversão de quem tira algumas horas de suas férias para se familiarizar com o diaa-dia de Israel. Sim, apesar de ser uma opção para turistas, este é um mercado para a população israelense. Pechinchar, ali, não é tão simples como em outros locais turísticos do país. Um alerta importante aos visitantes: mãos gesticulando e vozes cada vez mais altas, diferentemente do que se possa imaginar, não são sinais de briga ou desentendimento. É apenas uma das características da forma como os israelenses se comunicam.

Binyamin, que leva este nome por causa da rua onde se localiza. Funcionando apenas na quinta e sexta-feira, é o retrato da criatividade israelense em todas as suas manifestações. Para expor seus produtos, artistas e artesãos devem ser aprovados por um comitê, que, segundo os organizadores, garante o alto padrão do evento. Ali são encontrados produtos mais sofisticados, realmente feitos um a um e não em escala industrial, como no mercado vizinho. Almíscar e outras essências aromáticas

Imperdíveis também são os sucos naturais feitos a partir da variedade de frutas produzidas no país com a mais alta tecnologia – melões, limões, mamões, laranjas, romãs – dão um toque todo especial à caminhada, seja pelas várias artérias que formam o Ha’ Carmel quanto pelo calçadão que cobre a orla de Tel Aviv de ponta a ponta – em qualquer estação do ano. Próxima ao Carmel está a Feira de Arte e Artesanato Nahalat

Para complementar, é muito comum músicos, artistas circenses e dançarinos aproveitarem o espaço para também mostrar sua arte. Na mesma rua, vários cafés e restaurantes possuem mesas ao ar livre, aproveitando a atmosfera diferenciada que a presença de tantas expressões artísticas cria na região. A feira da Nahalat Binyamin, como é simplesmente conhecida, é uma ótima pedida para quem quer vivenciar um pouco da tão falada Tel Aviv cosmopolita. Lá, como no mercado vizinho, também se ouve um mosaico de idiomas.

tel aviv - o barulhento e sempre lotado shuk ha-carmel, no bairro iemenita

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junho 2017


ISRAEL

às quintas-feiras à noite, os donos dos quiosques costumam expor suas mercadorias nas ruas, como também o fazem bares e cafés. Grupos amadores aproveitam a ocasião para mostrar suas habilidades artísticas.

Mercado das pulgas em Yaffo antiga, Tel Aviv

O Porto de Tel Aviv, em hebraico Namal Tel Aviv, que passou por um amplo processo de revitalização nos últimos anos e atualmente é um dos principais points da cidade – de dia e de noite – mantém um mercado de produtos alimentícios orgânicos que se tornou rapidamente um dos principais atrativos da área, com sessões de degustação. É a primeira feira coberta de verduras, legumes e frutas da cidade e está localizada no extremo oposto ao antigo Porto de Yaffo, que também passa por um processo de transformação. Cerejas, romãs, abacates e muito mais criam um arco íris de cores que enfeitam a paisagem. Revitalização, aliás, é a palavra de ordem na cosmopolita Tel Aviv. A área de Yaffo é um exemplo claro deste processo. Lá, ao lado de restaurantes, cafés e lojas sofisticadas, está localizado o Mercado de Pulgas, em hebraico, Shuk Hapishpishim, onde ao lado das bancas repletas de jeans de grife usados, vestidos vintage, potes de cobre e outras bugigangas encontram-se várias pequenas butiques com produtos de grife e

artesanato de artistas israelenses famosos, como Michal Negrin e Ayala Bar. No passado um reduto quase exclusivo de comerciantes árabes, hoje já registra a presença significativa de judeus, incluindo inúmeros religiosos. Ali, barganhar faz parte do processo de compra e venda, diferentemente do que acontece no Shouk Ha’Carmel. No verão,

Almoçando em moderna lanchonete de cozinha aberta, no Sarona Market

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Em junho de 2015, Tel Aviv ganhou mais um mercado, que reúne restaurantes, lojas de produtos alimentícios, entre as quais nomes famosos como Marinado, Ika e Fauchon. É considerado um dos maiores mercados de culinária e gastronomia do país e, desde sua abertura, é um sucesso de público, tanto pela variedade de seus quiosques quanto pelos preços, considerados justos pelos visitantes. Segundo os frequentadores locais e do exterior, o Sarona Market pode ser comparado ao tradicional mercado La Boqueria, em Barcelona; o Chelsea Market, em Nova York; e o Bourough Market, em Londres. O Complexo Sarona, erguido em uma antiga colônia dos templários, ocupa uma área de 8.700 metros quadrados e oferece uma variedade de produtos de todo o mundo, desde queijos holandeses a especiarias asiáticas. No total, são mais de 100 empreendimentos incluindo 40 quiosques de alimentação com nomes famosos no país como Hummus Abu Hassan, de Yaffo, e Basher Fromagerie, de Jerusalém, além de chefes famosos, como Israel Aharoni e Segev Concept. Do lado de fora, livrarias, lojas de roupas e sapatos, além de uma ampla área verde e brinquedos para o lazer das crianças. Israel, terra do leite e do mel... e dos mercados com produção farta, em todas as estações do ano.


HISTÓRIA

SEIS DIAS QUE FIZERAM HISTÓRIA - A GUERRA DE 1967 Há 50 anos, em maio de 1967, os judeus no mundo todo prenderam a respiração. Israel tinha sua existência ameaçada, cercado por exércitos árabes. em 5 de junho, aviões israelenses realizaram um ataque preventivo destruindo o poder aéreo inimigo e abrindo o caminho para uma fulminante vitória. No dia 10, quando o armistício entrou em vigor, Israel conquistara o Sinai, Golã, a “Margem Ocidental”, Gaza e a Cidade Velha de Jerusalém.

A

vitória esmagadora de Israel em apenas seis dias mudou o cenário geopolítico do Oriente Médio. Emergindo como a potência regional, enterrava as esperanças dos que queriam “varrer Israel do mapa”. Para todos os judeus, lá ou na Diáspora, era uma experiência transformadora que, após séculos de insultos e violência, enchia-os de orgulho e confiança.

Um ato de legítima defesa Um dos principais mitos é a afirmação de que a Guerra decorreu de um ato de agressão bélica por parte de Israel, quando, de fato, foi um ato de legítima defesa, tomado após semanas de agonizante indecisão. Nas semanas que antecederam o conflito, Israel estava cercado por exércitos de Egito, Jordânia e Síria, com o apoio do Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Argélia e Sudão, postados ao longo das linhas de armistício. Se eles atacassem simultaneamente, as FDI (Forças de Defesa de Israel) teriam que lutar em três frentes, tendo que dividir suas forças quando mal tinham o número de homens e armas necessários para enfrentar o Egito. Israel não queria a guerra, pois mesmo a vitória custaria a vida de milhares de cidadãos. Mas, para o Estado Judeu, não havia, e não há alternativa à vitória. Como sempre, precisava lutar e vencer, pois uma derrota militar poderia significar o fim da soberania de Medinat Israel.

Nas cinco décadas que se seguiram, historiadores e cientistas políticos têm analisado os eventos que levaram à Guerra de 1967 e suas consequências. Entre eles há os que tentam reescrever a História. Mitos substituíram fatos. “Uma mentira muitas vezes repetida se torna uma verdade“, dizia um dos maiores inimigos do Povo Judeu, gênio da propaganda. Esses mitos estão firmemente arraigados entre acadêmicos e universitários, jornalistas, diplomatas, líderes políticos e, mesmo, entre judeus e israelenses. Nas últimas semanas, alguns jornais conceituados, como o Washington Post, publicaram artigos acusando Israel e demonizando suas ações em relação à Guerra de 1967. É, portanto, imperativo relembrar, ainda que de forma resumida, os motivos e eventos que levaram à Guerra dos Seis Dias, como o conflito se tornou conhecido.

Sim, afirmam os que querem reescrever a História, é fato que uma coalizão de exércitos árabes armados pela URSS cercava Israel e o propósito de seus líderes era “erradicar a entidade sionista”, pondo um fim à presença judaica na região. Mas, diziam eles, os árabes não pretendiam atacar 33

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HISTÓRIA

Israel. Uma afirmação que não se sustenta perante os fatos. A questão central desse e de todo conflito árabe-israelense é a recusa dos países árabes em reconhecer Israel. Desde sua fundação, e até antes, a intenção dos árabes era destruir o Estado Judeu, visto como uma pedra em seu sapato. Essa intenção estava presente nas declarações da Liga Árabe, nos discursos de políticos, intelectuais e líderes religiosos nas mesquitas, assim como em editoriais de jornais e programas de rádio e televisão, e nas ruas. Nas semanas que antecederam a Guerra, líderes árabes gabavamse publicamente de que dariam “um fim pela espada” às pretensões sionistas. “Israel será erradicado e os poucos israelenses que, porventura, sobreviverem, serão expulsos do Oriente Médio”. Multidões ensandecidas pelas promessas de vitória gritavam nas ruas “morte aos judeus”, “morte aos sionistas”. As ameaças gelaram o sangue judaico. Ninguém podia esquecer a promessa de Hitler de livrar a

O pano de fundo Em meados da década de 1960, uma população quase 2,5 milhões de israelenses vivia cercada de 122 milhões de árabes. A área total de Eretz Israel era de 18.700 km2 – 0,1% do total das terras do Oriente Médio.

abba eban nas nações unidas

Europa de todo e qualquer judeu – promessa que custou a vida de mais de seis milhões de nossos irmãos. A história não se repetiria. Israelenses iriam lutar até o último homem, sabendo que a sobrevivência da Nação, de suas famílias e de seus filhos estava em suas mãos. Na Diáspora, a identificação com Israel era total. Mobilizou-se um maciço suporte financeiro e político e milhares de jovens foram até embaixadas e consulados israelenses querendo alistar-se e perfilando-se para serem enviados a Israel para lutar ou ajudar no que fosse preciso.

EM VISITA A UNIDADES DO EXÉRCITO NO NEGUEV, O PRIMEIRO-MINISTRO LEVY ESHKOL, TERCEIRO À DIREITA, COM O CHEFE DO ESTADO MAIOR, YITZHAK RABIN, E O MINISTRO YIGAL ALLON

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Entre Israel, Síria, Egito e Jordânia não havia, como muitos costumam afirmar, fronteiras efetivas, limites territoriais reconhecidos; havia apenas linhas de armistício criadas em 1949, traçadas quando cessaram os combates e tendo como único parâmetro a posição das forças de Israel e dos árabes. Após 1949, estavam em mãos egípcias o Estreito de Tirã, no Golfo de Ácaba, e a Faixa de Gaza. A Síria dominava o Lago Kineret (Mar da Galileia), principal fonte de água do país, e as Colinas de Golã, ao norte de Israel, de onde bombardeava os kibutzim do vale. Pertenciam à Jordânia as Colinas da Cisjordânia (Samaria e Judeia), consequentemente, a planície costeira e a Cidade Velha de Jerusalém, que a Jordânia tomara militarmente em 1948. De acordo com a determinação das Nações Unidas para a Partilha, de 1947, a cidade seria internacional. O país possuía meros 15 km de largura e seus centros populacionais estavam ao alcance da artilharia inimiga. Qualquer combate, portanto, devia ser levado para território inimigo. E, em Jerusalém, poucos metros dividiam as forças inimigas da população israelense. Se Israel fosse cercado por nações amigas, fronteiras desse tipo já seriam inconvenientes; mas cercado de inimigos, eram um pesadelo. Um ataque repentino poderia dividir o país ao meio.


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Soldados israelenses numa trincheira

Após a Campanha do Sinai de 1956, uma área desmilitarizada havia sido instituída entre Israel e o Egito. URSS e os Estados Unidos haviam obrigado Israel a devolver o Sinai ao Egito, garantindo em troca que a península ficaria desmilitarizada e as Forças de Emergência das Nações Unidas (UNEF) garantiriam uma zona-tampão de 200 km entre os dois países. Garantiram ainda que o Estreito de Tirã estaria aberto a navios israelenses. O Estreito é a única ligação de Israel com o Mar Vermelho, através do Golfo de Ácaba. Não há dúvidas de que um dos principais responsáveis pela Guerra foi Gamal Abdel Nasser, ditador do Egito que tomara o poder em 1952. Líder carismático, Nasser queria a união de todos os países árabes sob sua liderança. Mas, em 1967, seu prestígio estava abalado. Um de seus erros fora enviar soldados egípcios para lutar na guerra civil no Iêmen ao lado dos rebeldes republicanos. Além de não conseguir uma vitória, os egípcios tiveram que enfrentar

forças jordanianas e sauditas que apoiavam os monarquistas. As relações com a Jordânia e a Arábia Saudita estavam, pois, em vias de ruptura e, com a Síria, estavam estremecidas após os sírios abandonarem a união com o Egito, a República Árabe Unida, fundada em 1958. Os ataques de terroristas palestinos contra alvos israelenses, instigados ou tolerados pela Síria, Jordânia e pelo Egito, haviam-se intensificado entre abril de 1966 e abril de 1967, assim como os ataques sírios contra os kibutzim que estavam na linha de fogo de sua artilharia. Os ataques inimigos não cessavam, apesar de conscientes de que seriam duramente retaliados por Israel, que buscava impingir-lhes as consequências de seus atos. Em 1965, em apoio aos ataques, Nasser declarou, “Não entraremos na Palestina com seu solo coberto de areia; lá entraremos com seu solo saturado em sangue”. Para se entender o pano de fundo da Guerra, é preciso lembrar que 35

os refugiados palestinos viveram praticamente 20 anos, de 1948 a 1967, sob domínio da Jordânia e Egito. São chamados de refugiados palestinos os árabes que deixaram o território, que após uma decisão da ONU sobre a Partilha, em 1947, tornara-se o Estado de Israel. Aqueles que viviam na Cisjordânia (“Margem Ocidental”) estavam sob domínio jordaniano e os que viviam em Gaza, sob os egípcios. Os dois territórios abocanhados pelas duas nações em 1948 faziam parte da área onde, ainda de acordo com a Partilha de 1947, deveria ter sido criado um estado árabe. É importante ressaltar que, em nenhum momento, Jordânia ou Egito cogitaram a criação de um estado palestino nessas áreas. Os interesses da União Soviética no Oriente Médio foram outro importante vetor. Egito e Síria eram países satélites da URSS e seus exércitos foram armados e treinados pelos soviéticos que procuravam solidificar sua presença no Oriente Médio. Para fomentar os ânimos egípcios, alguns dias antes do início JUNHO 2017


HISTÓRIA

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1. Uma jovem tenente fala de um telefone de campanha militar no Negev 2. Soldados israelenses no Sinai 3. Voluntários nos dias que antecederam a Guerra

da guerra, enquanto Anuar el-Sadat, então vice-presidente do Egito, estava em Moscou, os soviéticos lhe passaram uma informação falsa, desmentida pela própria Inteligência egípcia, de que os israelenses se preparavam para invadir a Síria. E asseguraram que a URSS entraria em uma guerra do lado árabe se os EUA se envolvessem no conflito.

O FORTALECIMENTO MILITAR ÁRABE Na segunda metade de maio de 1967, fortalecido pelo apoio soviético e esperançoso de recuperar seu prestígio, Nasser passou abertamente a provocar Israel. No dia 16, exigiu a retirada das Forças da ONU do Sinai. O então secretário-geral das Nações Unidas, U Thant, acatou a exigência, e três dias mais tarde a UNEF deixava suas posições. Imediatamente tropas egípcias avançaram tomando posições ao longo da fronteira de Israel. No dia 20, 100 mil soldados egípcios e mais de mil tanques já estavam no Sinai.

alertou o governo de Israel de que a falta de uma resposta militar era vista por Nasser como um sinal de fraqueza. As provocações do ditador egípcio continuaram. No dia 26 de maio, por exemplo, em um discurso, afirmou que pretendia “destruir Israel”. Sua ousadia e as possiblidades de um ataque militar contra Israel fizeram vibrar de alegria o mundo árabe. Quando, no dia 30, o rei Hussein, da Jordânia, curva-se perante o Egito, Israel entendeu que não teria como evitar uma guerra. O rei voara até o Cairo para assinar uma aliança colocando seu exército sob o comando egípcio. Ao retornar, foi recebido por uma multidão entusiasmada e ele, também, foi contagiado pela euforia que

No dia 22, mais uma provocação. Nasser fechou o Estreito de Tirã à navegação israelense, isolando a cidade de Eilat. “A bandeira israelense não mais passará pelo Golfo de Ácaba”, declarou. Para Israel, o fechamento do Estreito era um casus belli, uma declaração de guerra. A Inteligência israelense

tomara conta do mundo árabe. Ao ser interpelado pelo embaixador americano em Amã sobre suas ações, Hussein respondeu que “o pacto era seu seguro de vida”. Logo em seguida, o Iraque assinou um acordo similar, e a Síria concordou em enviar à Jordânia uma brigada para lutar ao lado dos iraquianos, enquanto contingentes de outras nações árabes estavam a caminho. Nas palavras do presidente iraquiano Abdul Rahman Arif, “O mundo árabe foi unido por um denominador comum – riscar Israel do mapa”.

O período de espera As Forças de Defesa de Israel observavam com crescente preocupação a concentração de forças inimigas ao longo de suas fronteiras. Na época, Levi Eshkol acumulava os cargos de primeiroministro e ministro da Defesa. Para frustração e fúria dos israelenses, suas atitudes perante as provocações egípcias eram por demais moderadas. Eshkol relutava em tomar uma ação militar e, em busca de uma solução diplomática, enviou Abba Eban, então ministro das Relações Exteriores, à Europa e aos Estados Unidos. Mas, diante da grande possibilidade de estourar uma guerra, as FDI começaram a se preparar.

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Em 20 de maio o general Yitzhak Rabin, então Chefe do Estado Maior, inicia a mobilização dos reservistas, apesar de o fato significar a paralisação da economia. As FDI são fundamentalmente um exército de reservistas. Na época, os efetivos ficavam entre 50 – 60 mil soldados, mas mobilizando os reservistas chegariam a 264 mil. Durante o chamado “período de espera”, em hebraico, Hamtana, do dia 23 de maio a 4 de junho, o clima em Israel era de incerteza e preocupação. O noticiário era repleto de informações sobre as tropas de Nasser no Sinai e as declarações incendiárias dos líderes árabes. A TV do Cairo transmitia imagens de multidões gritando “Morte aos Judeus” e uma rádio egípcia, “a Voz do Trovão”, repetia ameaças do tipo “Façam as malas antes de serem mortos”. “O único método a ser aplicado contra Israel será uma guerra total que resultará na exterminação da existência sionista”. Ao relembrar aquelas semanas o general Yossi Peled, certa vez revelou: “Tínhamos visto imagens das vítimas de ataques egípcios a gás no Iêmen... estávamos começando a pensar em termos de aniquilação, tanto nacional quanto pessoal’. A seguinte declaração de oficial israelense revela o clima reinante: “Seria uma segunda Massada, não encontrariam ninguém vivo”. Era consenso entre os soldados que caso os egípcios entrassem em Israel era melhor matar-se e matar suas famílias do que cair em mãos inimigas. No final da guerra, os prisioneiros egípcios, estupefatos pelo bom tratamento que lhes fora dispensado, revelaram que a ordem recebida era “matar os homens e estuprar as mulheres”.

As peregrinações de Abba Eban em busca de uma solução diplomática foram inúteis. Enquanto a União Soviética armava o Egito e a Síria, tornou-se claro para Israel que nenhum país agiria em sua defesa. Era doloroso admitir, mas o mundo estava mais uma vez inerte diante do que muitos acreditavam ser a provável destruição do Estado Judeu. Os Estados Unidos não se prontificaram a ajudar, advertindo Israel de que não atacasse primeiro. As posições dos governos britânico e francês, aliados na Campanha do Sinai em 1956, foram decepcionantes. A Inglaterra, entre outros, temia o boicote dos países produtores de petróleo a qualquer país que ajudasse Israel. Charles de Gaulle havia adotado uma política pró-árabe, e simplesmente disse a Eban que o compromisso da França com Israel fora acordado “em 1957, e agora estamos em 1967”. Para piorar a situação, de Gaulle ordenou a suspensão de todos os embarques de armamentos para Israel. A decisão de Eshkol de tentar evitar uma resposta militar era condenada inclusive pela mídia mais liberal,

como o jornal Ha’aretz. Ele era visto como destituído das qualidades necessárias para conduzir o país em tal crise. A tensão cresceu na noite de 28 de maio após seu pronunciamento pelo rádio. Em tom vacilante, o primeiro-ministro pediu paciência e disse que continuaria a trilhar o caminho da diplomacia. Não era a mensagem que a Nação esperava. No dia seguinte, abismados com o fato de que governo continuava paralisado pela indecisão, a mídia e a opinião pública clamaram por ação. Exigiam a formação de um governo de unidade nacional e a renúncia de Eshkol do cargo do ministro da Defesa. O nome mais cogitado para substituí-lo era Moshé Dayan, para os israelenses um sinônimo de vitória. Logo após o discurso de Eshkol, foi realizada uma reunião de emergência da qual participaram generais das FDI e o Gabinete. Os líderes militares queriam que o primeiro-ministro e seu Gabinete entendessem ser necessário uma resposta aos desafios lançados por Nasser. Disseram que entre 1956 e 1967 todo oficial das FDI sabia

Blindados israelenses em prontidão no Neguev, 1967

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HISTÓRIA

que outra guerra com o Egito era só questão de tempo, e que haviam sido traçados minuciosos planos de guerra. As FDI tinham sido treinadas para enfrentar todo tipo de crise. Os generais da Força Aérea e do Exército expressavam sua confiança em uma vitória caso Israel atacasse primeiro. Um ataque aéreo preventivo era fundamental para diminuir a esmagadora superioridade numérica árabe. Mas Eshkol ainda hesitava em tomar uma decisão militar, e

Dois dias mais tarde, após Hussein e Nasser assinarem a aliança, Eshkol se convenceu de que a guerra era inevitável. No dia 1º de junho, ele se rendeu às pressões, inclusive do próprio Ben-Gurion, de Shimon Peres e de Menachem Begin, líder da oposição, e nomeou Moshe Dayan ministro da Defesa. Foi formado um governo de união nacional e Menahem Begin foi integrado ao Gabinete. Em 31 de maio, o Secretário de Estado Norte-americano, Dean

Ariel Sharon (no centro) no comando de sua divisão de blindados. Sinai, 1967

respondeu que daria aos norteamericanos o tempo que haviam pedido. A atitude enfureceu os generais, abismados com que o governo confiasse na possível ajuda externa, que sabiam que não viria, ao invés de em suas próprias Forças Armadas. ”A sobrevivência do Estado está ameaçada”, disse-lhe um general, expressando o sentimento de perigo sobre o qual a maioria hesitava em falar. E lhe avisaram que cada dia a mais que os inimigos tinham para se preparar significava mais 200 israelenses mortos quando a guerra eclodisse.

Rusk, relatou a um Comitê do Congresso que os Estados Unidos não planejavam uma intervenção militar em separado no Oriente Médio, “mas apenas dentro do arcabouço das Nações Unidas...”. Em outras palavras, não haveria tal intervenção. Rusk foi além, dizendo: “Não creio que seja nosso interesse refrear nenhum dos lados”.

A mobilização de toda a sociedade “Se querem guerra”, desafiara Nasser, “estamos prontos para vocês”. Israel 38

não queria a guerra, pois mesmo a vitória teria um alto custo. O general Rabin estimava que o número de israelenses mortos poderia chegar a dez mil. As estimativas de Moshe Dayan eram ainda mais pessimistas, dizendo que se Israel não atacasse preventivamente seriam dezenas de milhares de mortos... Ao contrário do que Nasser esperava as ameaças não abateram o espírito dos israelenses, despertando, pelo contrário, os mais profundos instintos de autopreservação. Quaisquer diferenças pessoais ou políticas desapareceram perante a convicção de que, para Israel, havia apenas uma saída agora, e teria que ser pela espada. A frase que estava na boca de todo israelense era “Ein brerá”, não há alternativa, estamos cercados por inimigos de todos os lados; é vencer ou vencer”. O setor civil se mobilizou. Milhares de voluntários – homens, mulheres, velhos e jovens que não estavam no exército cavavam trincheiras e preparavam escolas e edifícios públicos para serem centros de evacuação, e estádios de futebol e parques para serem cemitérios. Nos hospitais, pacientes que não corriam perigo receberam alta; os médicos precisavam dos leitos. Nos prédios havia listas de doadores de sangue e seu tipo sanguíneo. O Rabinato declarou que a crise então enfrentada era uma situação de Pikuach Nefesh (uma questão de vida ou morte), pois a sobrevivência de Israel estava sendo ameaçada, e advertiu que no Shabat não apenas era permitido trabalhar na defesa do país, mas obrigatório. Os alunos mais velhos da Ieshivá do Rabino Kook deixaram as salas de estudo e se apresentaram em seus batalhões, pois muitos eram comandantes das tropas de elite das FDI.


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A decisão de atacar Os eventos tomaram um impulso próprio. O que as FDI mais temiam era um ataque surpresa e o bombardeio da central nuclear de Dimona. Temiam, também, o uso por parte dos egípcios de agentes químicos, especialmente gás nervoso, como acontecera no Iêmen, e a Inteligência de Israel reportara que o Egito levara cartuchos e bombas de gás para o Sinai. Os meios de comunicação árabe anunciavam um iminente ataque. No Sinai, as forças egípcias já estavam na fronteira israelense; o exército iraquiano preparavase para reforçar a frente oriental jordaniana, e a Síria apontava sua artilharia do alto do Golã. O general Aharon Yariv, então chefe da Inteligência, advertiu o governo de que a situação era extremamente delicada: o general egípcio Riadh estava em Amã implantando um posto de comando avançado. Mesmo assim, o Gabinete relutava em tomar a decisão de atacar. Quando o general Mordechai Hod, comandante da Força Aérea, revelou que Israel poderia destruir a Força Aérea do Egito e de qualquer outro país árabe que interferisse sem colocar Tel Aviv em perigo, ninguém no governo acreditou. Mas, com a inclusão de Dayan no Gabinete, havia alguém no governo que compreendia tanto a situação política de Israel quanto a militar. Juntamente com os generais Ezer Weizmann e Mordechai Hod, ele era um dos poucos que sabia que a Força Aérea de Israel (FAI) poderia entregar o prometido.

avião de guerra egípcio destruído no solo após ataque da Força AÉREA DE ISRAEL (FAI). junho 1967

Desviando as atenções

mídia recebeu fotos de unidades de folga nas praias.

Ironicamente, um dos fatores que permitiu aos israelenses realizar o ataque preventivo foi o fato de Israel ter recuperado o “elemento surpresa”, devido às semanas de espera. Observadores no Oriente Médio, fossem jornalistas, diplomatas, estrategistas militares, quase sem nenhuma exceção, acreditavam que a posição estratégica de Israel tinha-se agravado.

No Cairo, após dias de tensão, os círculos governamentais começavam a relaxar e a acreditar que já tinham ganho a guerra.

Um plano de dissimulação foi posto em ação. Sábado, 3 de junho, em seu primeiro pronunciamento público como ministro da Defesa, Dayan afirmou que era “muito tarde para uma reação militar espontânea ao bloqueio egípcio do Estreito de Tirã – e ainda muito cedo para se tirar qualquer conclusão dos possíveis resultados de uma ação diplomática. Nosso Governo – antes de que eu me tornasse parte dele – optou pela diplomacia: temos que dar-lhe uma chance”. Naquele final de semana, milhares de soldados foram dispensados e a 39

Operação Moked Em uma reunião secreta na manhã de domingo, 4 de junho, o governo tomou a decisão de atacar. Naquela altura, Israel já estava cercado e teria que lutar em duas ou três frentes, dependendo das ações da Jordânia. O Egito tinha 210 mil homens, 100 mil deles no Sinai. Ao Norte, a Síria tinha 63 mil homens, e, a Leste, a Jordânia contava com 55 mil soldados. Após a mobilização, Israel tinha 250 mil combatentes. Os inimigos tinham mais do que o dobro de tanques e 682 aviões de combate. Compunham a Força Aérea de Israel 202 aviões. Na manhã do dia 5 de junho, no bunker do Comando Geral das FDI, em Tel Aviv, Yitzhak Rabin, Chefe do Estado Maior; Ezer Weizman, Chefe de Operações; Yaakov ‘Yak’ Nevo, planejador da Operação; JUNHO 2017


HISTÓRIA

e Motti Hod, Comandante da Força Aérea, aguardavam o início da Mivtzá Moked, Operação Foco. Até então, Hod revelara um único elemento da operação – a hora zero, 7h45. O comandante de uma das companhias, enquanto seus homens estavam em formação prontos para decolar, citou duas passagens dos Salmos: “Não confieis em príncipes” (146:3) e “Israel, confia no Eterno, que é teu amparo e teu escudo” (115:10). Para os soldados, a mensagem era clara: “Não podemos confiar na ajuda de outras nações. Estejam preparados”. Precisamente às 7h451 da manhã, hora de Israel, nove bases aéreas egípcias foram simultaneamente atingidas por aviões israelenses, a décima ainda encoberta por névoa alguns minutos depois. O objetivo era liquidar a Força Aérea egípcia no solo, sendo os principais alvos as pistas de decolagem e os aviões. Todos os esquadrões participaram, ficando apenas 12 aviões para defender os céus de Israel. Os pilotos sabiam que a sobrevivência da Nação dependia deles.

Sobrevoaram o Mar Mediterrâneo a uma altitude de 30 metros.

foram aprisionados e um foi linchado pelos egípcios.

Por que o horário de 7h45 foi escolhido para o ataque? O plano havia sido traçado após a Inteligência militar israelense obter informações precisas e detalhadas de seus alvos: o layout das bases, a rotina dos comandantes e pilotos egípcios, e assim por diante. Israel sabia, por exemplo, que aviões egípcios patrulhavam os céus até às 7 h, pois supunham que qualquer ataque israelense ocorreria ao amanhecer. Às 7h45 os pilotos egípcios já estavam em terra, indo tomar café da manha. Os comandantes da Força Aérea chegavam às bases por volta das 8 h; às 7h45, estariam a caminho, sem condições de tomar nenhuma decisão. E, de modo geral, às 7h45, o tempo e a visibilidade sobre o Nilo, o Delta e o Canal do Suez eram ótimos por causa do ângulo do sol.

A batalha em terra

Com o ataque surpresa, a maior parte da Força Aérea do Egito foi destruída no solo. Em menos de três horas foram arrasados 300 dos 340 aviões de combate do país. Israel perdeu 19, alguns pilotos

Assim que a primeira onda de aviões atingiu as bases aéreas egípcias, o exército atacou. Dayan determinara que a maior parte dos recursos militares israelenses fossem utilizados contra o Egito, o inimigo mais perigoso. Na manhã daquele dia mais uma mensagem foi enviada ao rei da Jordânia para não entrar no conflito. Dayan queria evitar que Israel tivesse que lutar em mais uma frente, tendo inclusive instruído o exército a mostrar contenção diante dos jordanianos, e não entrar na Cisjordânia. Tampouco se cogitava tomar a Cidade Velha de Jerusalém. (ver “A batalha por Jerusalém”, pág. 67) No Sinai, os soldados de Israel esperavam o sinal verde para atacar. Às 8 h, o Comando do Sul, sob a liderança do general Yeshayahu Gavish, deu ordem para avançar. Três divisões de blindados, comandadas pelos generais Ariel

Para a operação ter sucesso era imprescindível manter o elemento surpresa o máximo de tempo possível. O planejamento e treinamento dos pilotos haviam sido minuciosos. O horário da decolagem fora cronometrado para que todos os esquadrões atingissem seus alvos ao mesmo tempo. As rotas foram definidas de modo a não serem detectadas pelos radares árabes e os pilotos teriam que voar a altitudes extremamente baixas e sem nenhum contato de rádio. 8h30 Hora do Cairo

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Tropas das FDI chegam ao Canal de Suez - 40 dia da guerra

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Sharon, Israel Tal e Abraham Joffe atacaram sete brigadas egípcias e mil tanques. Não demorou para que as divisões blindadas rompessem as defesas egípcias e seguissem em direção oeste. O rei Hussein viu-se em meio a um dilema: permitir que a Jordânia fosse arrastada para a Guerra e aguentar o impacto da força da resposta israelense, ou continuar neutra, arriscando-se a uma insurreição em alta escala entre seu próprio povo. Decidiu não atender os apelos de Israel. Na manhã do 1º dia da guerra, forças jordanianas abriram fogo, atingindo povoados e cidades israelenses, inclusive os arredores de Tel Aviv e Jerusalém. As forças de Israel partiram ao ataque. Jerusalém ficou, assim, ao alcance de Israel. Na tarde do dia 5, Dayan realocara a 55ª Brigada de paraquedistas para defender a Jerusalém judaica e após 48 horas a Bandeira de Israel estava içada no Muro das Lamentações. Uma vitória gloriosa – e totalmente inesperada. Quando forças sírias atacaram Tiberíades e Megido, as FDI reagiram. Aviões israelenses atacaram as Forças Aéreas síria e jordaniana e um campo de pouso no Iraque. No final do primeiro dia, a Força Aérea jordaniana e mais do que a metade da síria haviam tido o mesmo destino que a egípcia, tendo sido destruídas em solo. Enquanto a maioria das unidades das FDI lutavam contra os egípcios e os jordanianos, poucos soldados restaram na defesa da fronteira Norte contra os sírios. Somente após os jordanianos e egípcios terem sido dominados, pôdese enviar reforços às Colinas do Golã, onde os atiradores sírios, que

SOBRE O MONTE DAS OLIVEIRAS, MOTTA GUR DÁ A ORDEM PARA ENTRAREM NA CIDADE VELHA

detinham a posição estratégica elevada, dificultavam ao máximo a penetração das forças israelenses. Em 9 de junho, após dois dias de pesado bombardeio aéreo e muitas mortes as FDI conseguiram romper as linhas sírias e atacaram o Golã. Na manhã daquele mesmo dia 9, às 5h45, o chefe do Comando do Sul informou ao Chefe do Estado Maior: “As FDI estão às margens do Canal do Suez e do Mar Vermelho! A Península do

Sinai está em nossas mãos...”. Após meros seis dias de luta, Israel estava em uma posição que lhe permitia marchar, triunfal, sobre o Cairo, Damasco e Amã. Em 10 de junho, Israel aceitou o armistício, contabilizando 777 mortos, 115 dos quais no Golã; e 2.586 feridos. Ao término da guerra, Israel conquistara territórios que triplicavam o tamanho de seu território – o Sinai, as Colinas do Golã, a Faixa de Gaza e a Margem Ocidental (Cisjordânia). Mas, a maior de todas as conquistas foi ter possibilitado a reunificação de Jerusalém, Capital Eterna do Povo Judeu.

BIBLIOGRAFIA

Churchill, Randolph S. e Churchill, Winston S, The Six Day War, eBook Kindle Pressfield, Steven, A Porta dos Leões, Editora Contexto

O Ministro da Defesa Moshé Dayan e o Chefe do Estado Maior Yitzhak Rabin voltando do campo de batalha, após a Guerra dos Seis Dias

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Rabinovich, Abraham, The Battle for Jerusalem: An Unintended Conquest (50th Anniversary Edition), ebook Kindle Webb, Ryan, David v. Goliath: What Caused the 1967 Arab-Israeli War?, ebook Kindle JUNHO 2017


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vida judaica na escócia Há referências históricas da presença judaica na Escócia no final do século 17, mas a primeira comunidade foi criada em Edimburgo, em 1816, e a segunda, em Glasgow, sete anos mais tarde. A população judaica foi crescendo no século 19 com a chegada de judeus vindos da Europa do Leste. Em meados do século 20, viviam no país cerca de 20 mil de nossos irmãos, mas hoje são cerca de seis mil.

P

aís de deslumbrantes paisagens, a Escócia cobre o terço norte da ilha da Grã-Bretanha e, desde o início do século 18, quando se uniu com a Inglaterra, é um dos países do Reino Unido1. A Escócia faz fronteira ao sul com a Inglaterra e o Oceano Atlântico, ao leste com o Mar do Norte e a sudeste com o Canal do Norte e o Mar da Irlanda.

xadrez – especial para o “clã judaico”, encomendado pelo rabino do Chabad de Glasgow, e certificado pela Autoridade de Tartans da Escócia. Na Escócia, os membros dos diferentes clãs são reconhecidos pela padronagem de xadrez geralmente utilizada na confecção dos kilts. Cada clã tem seu próprio conjunto de cores e uma trama diferente. As cores do xadrez do “clã judaico” são azul, branco, prateado, vermelho e dourado. De acordo com o rabino: “Os azuis e brancos representam as cores das bandeiras da Escócia e de Israel; a linha central dourada representa o ouro do Tabernáculo, a Arca da Aliança; o prateado, a decoração que enfeita os Rolos da Lei e o vermelho representa o tradicional vinho do Kidush”.

Em termos numéricos, a presença judaica jamais foi significativa, sempre representando menos de 1% da população, mas seus membros contribuíram amplamente para o desenvolvimento econômico da nação. Em uma sociedade em que não havia barreiras legais, eles deram significativa contribuição em todos os campos, produzindo cientistas e doutores, juízes e membros do Parlamento, ministros do Governo, artistas, escritores e músicos famosos e campeões nos esportes e destiladores de whisky.

O Reino da Escócia A Escócia é uma nação cuja história é tão fascinante quanto violenta. Os primeiros registros remontam à ocupação do Sul e do Centro da ilha da Grã-Bretanha pelo Império Romano. O território que equivale atualmente à Inglaterra e ao País de Gales passou a ser a província romana da Britânia, no século 1, mas os romanos não conseguiram dominar o norte da ilha, habitado pelos pictos, e no século 5 deixaram a região.

Os judeus se tornaram a maior minoria não cristã a viver na Escócia, “um clã judaico” entre os muitos clãs que compõem a sociedade tradicional escocesa. Em março de 2008 foi desenhado um tartan – um padrão de trama 1

O Reino Unido é uma união política de quatro “países constituintes”: Escócia, Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales.

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interior da sinagoga de Garnethill, GLASGOW

Segundo a tradição, o Reino da Escócia foi fundado em 843 com a união das tribos dos pictos e dos escotos, e, nos séculos seguintes, os escoceses lutaram ferozmente contra quem quer que fosse – vikings, anglo-saxões e ingleses – para manter sua independência. O que se sabe sobre a presença judaica na Escócia no período que vai da Antiguidade e até o final da Idade Media são suposições históricas, pois são escassas as evidências concretas. É provável que os judeus se aventurassem na Britânia na época em que Roma dominava a região, pois eles costumavam se deslocar para comercializar em praticamente toda a extensão do Império. E, durante a Idade Média, sabese que mantinham interesses comerciais na região sem, porém, lá se estabelecer. Na época, o

comércio entre a Escócia e a Europa Continental era intenso, e mercadores de Aberdeen e Dundee mantinham fortes vínculos com os portos bálticos na Polônia e Lituânia. É, portanto, provável que comerciantes judeus tenham ido à Escócia para fazer negócios. Os judeus são mencionados, em 1180, numa regulamentação oficial 47

do bispo de Glasgow que proibia os cristãos de “contabilizar os benefícios auferidos com dinheiro tomado emprestado aos judeus”. Há dúvidas se esta determinação oficial se refere a judeus que viviam na Inglaterra e emprestavam dinheiro aos escoceses, ou se foi promulgada após a chegada em Glasgow de judeus em fuga face aos distúrbios antissemitas que estavam ocorrendo na Inglaterra. No século 13, os judeus ingleses enfrentavam perseguições por parte da Coroa que culminaram com o Édito de Expulsão de 1290, outorgado pelo rei Eduardo I. É provável que alguns se tenham refugiado na Escócia, na época um reino independente e inimigo dos ingleses. Praticamente quatro séculos vão-se passar sem que haja evidências da presença judaica na Escócia. junho 2017


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importantes do mundo. Em 1740 viviam na cidade cerca de 20 mil habitantes; 60 anos depois, eram mais de 84 mil.

A Escócia nos século 17 e 18 A história da Escócia deu uma guinada no século 17. Em 1603, o rei da Escócia, James VI, torna-se também rei da Inglaterra, com o nome de James I, e passa a governar as duas Coroas embora as nações permaneçam independentes. Ainda no século 17 acontecimentos econômicos e políticos mudam o curso da história mundial e pavimentam o surgimento do mundo moderno. Na Europa, Estados Nacionais entram numa acirrada competição econômica, política e colonial. As nações ibéricas perdem sua hegemonia e a França surge como nação dominante, mas, no final do século, a Holanda e a Inglaterra passam a rivalizar seu poder. Ademais, na Inglaterra estavam ocorrendo profundas mudanças agrícolas e comerciais que abriram o caminho para a Revolução Industrial da qual o país foi pioneiro. No início do século 18, a Escócia era um dos países mais atrasados e pobres da Europa Ocidental. Suas classes dirigentes estavam cientes de que não haveria o desenvolvimento econômico sem a participação da Escócia no comércio internacional. Além de não ter domínios coloniais, o país tampouco possuía uma Marinha capaz de dar assistência a seus navios mercantes. Essas considerações os levaram a aceitar, apesar de a medida ser altamente impopular, uma união política com a Inglaterra. A união trazia vantagens para os dois lados. Dava aos ingleses o tão almejado controle político da Escócia e abria aos escoceses o comércio em todas as regiões sob influência inglesa.

Os primeiros judeus

O RabiNO Dr. Salis Daiches (1880-1945)

A União foi oficializada em 1707. Os reinos da Inglaterra e Escócia deixaram de ser independentes, sendo criado um novo Estado: o “Reino da Grã-Bretanha”. A Escócia manteve a religião presbiteriana, não adotando a anglicana, e um sistema jurídico independente. Para os judeus, isso significava que quem fosse se estabelecer na Escócia estaria sujeito às leis que regiam a vida judaica na Inglaterra. Em 1656, os judeus haviam recebido a permissão de voltar a viver na Inglaterra, porém seu status civil e jurídico se manteve informal e ambíguo até 1664, quando novas leis foram criadas para limitar o acesso à vida pública a qualquer cidadão, judeu ou cristão, que não fosse protestante. Durante todo o século 18 a Escócia floresce, tornando-se uma das potências econômicas e intelectuais da Europa. A industrialização, principalmente do setor têxtil, o comércio de tabaco, açúcar e algodão, a mineração e a construção naval levaram o país a um rápido crescimento econômico e à urbanização. Glasgow tornouse um dos polos industriais mais 48

Apenas no final do século 17 um pequeno número de judeus se estabeleceu em Edimburgo. Em 1691, as minutas do Conselho Municipal da cidade registraram o pedido do judeu David Brown para lá se estabelecer e comerciar. Havia também um pequeno número de estudantes e professores que gravitavam em torno da Universidade de Edimburgo, atraídos por sua reputação nas áreas científicas e médicas. E, diferentemente do que acontecia nas universidades na Inglaterra e em outros países da Europa, na Escócia os estudantes não eram obrigados a fazer um juramento religioso (cristão). Durante todo o século 18,19 e 20 a Escócia abrigou estudantes judeus de medicina. Mas, é no século 19 que realmente aumenta o número de judeus que se estabelecem na Escócia. As primeiras levas vieram da Alemanha e da Holanda e, a partir de 1860, da Rússia, Lituânia e Polônia, crescendo ainda mais na década de 1890, à medida que as perseguições na Europa Oriental tornavam a vida judaica cada vez mais sofrida e precária. O fluxo migratório continuou ao longo do século 20, principalmente após 1914. As empresas escocesas de navegação atuavam cada vez mais no lucrativo transporte de imigrantes judeus e não judeus da Europa, através da Escócia, rumo à América. Para os milhares de judeus que chegavam aos portos de Leith, perto de Edimburgo, e Dundee, na costa


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leste, a Escócia era apenas uma escala. As condições de viagem não eram fáceis e muitos chegavam fracos e doentes. Muitos tiveram que ficar no país, pois não tinham condições de seguir viagem, ou de atender os requisitos de saúde exigidos na entrada aos Estados Unidos pelas autoridades norteamericanas. Havia os que, sem recursos suficientes para pagar uma viagem até o Novo Mundo, compravam uma passagem até a Escócia para, em seguida, trabalhar e economizar o suficiente para continuar a viagem. Outros desembarcaram enganados por capitães que os faziam acreditar que já tinham chegado a seu destino final na América. Qualquer que fosse o motivo, milhares ficaram na Escócia. Edimburgo e Glasgow eram as cidades escolhidas pela maioria dos judeus. Até meados do século 19, essas duas comunidades eram numericamente semelhantes, mas o desenvolvimento comercial e econômico de Glasgow começou a atrair um número cada vez maior de judeus.

Agência Nacional de Mapas da GrãBretanha, como “Sepultura do Judeu”. Duas décadas vão se passar antes de ser criada, em 1816, a primeira comunidade judaica organizada da Escócia: a Edinburgh Hebrew Congregation, composta por 20 famílias. Em 1817 foi estabelecida a primeira sinagoga na Escócia, em um quarto alugado em Richmond Street. E, três anos mais tarde, a comunidade comprou o terreno para o cemitério.

até a inauguração da sinagoga em Park Place, próxima à Universidade de Edimburgo. Os judeus, principalmente imigrantes, cuja condição social não era privilegiada e não tinham condições financeiras de viver nas ruas em torno da Universidade de Edimburgo, estabeleceram-se no porto de Leith e Dalry, na parte oeste da cidade. Como ocorre em toda parte, a sinagoga era o eixo central de cada comunidade.

Edimburgo Após a permissão dada ao judeu David Brown, em 1691, para viver e comerciar livremente, outros judeus tiveram permissão de fazer transações comerciais na cidade. Entre outros, Moses Mosias, em 1698, e Isaac Queen, em 1717. Em 1795, Herman Lyon adquiriu um lugar para sepultamento, em Edimburgo. Oriundo da Alemanha, ele se mudara para a Escócia e prosperara. Ainda que o local da sepultura original, em Calton Hill, já não se possa encontrar, pois apenas restam alguns escombros e pedras, está marcado no mapa de 1852 da

a Royal Mile, Edimburgo

A maioria dos judeus que viviam na época em Edimburgo eram abastados comerciantes de origem alemã ou holandesa, mas o perfil da comunidade iria mudar com a chegada, nas décadas finais do século 19, de judeus vindos da Europa Oriental. Em 1825, a Edinburgh Hebrew Congregation mudou-se para novas instalações, em Richmond Court, onde permaneceu durante 43 anos, 49

sinagoga de graham street, edimburgo

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O número de sinagogas e as mudanças na sua capacidade efetivamente marcam o crescimento e o declínio da população judaica em Edimburgo. A sinagoga conhecida como Blecheneh Shul foi inaugurada em Dalry por artífices e operários, muitos vindos de Manchester. Em 1898, a Edinburgh Hebrew Congregation abriu mais uma sinagoga na Rua Graham e, em 1913, foi ampliada. Em 1914 viviam na cidade 1.500 judeus. Essa sinagoga permaneceu sendo a principal até a inauguração da atualmente localizada na Rua Salisbury e aberta em 1932. Esta é a primeira e única sinagoga especialmente construída para esse propósito em Edimburgo. Acomoda 1.500 pessoas e representou a união das duas principais congregações judaicas locais. A nova construção era a prova da prosperidade e ascensão social dos membros da comunidade, cuja maioria à época já vivia nos subúrbios ao sul de Edimburgo.

Glasgow Embora durante o século 18 vivessem em Glasgow alguns judeus – comerciantes e alunos da Universidade de medicina, não há nenhum registro de judeus que se tenham estabelecido permanentemente na cidade até 1812. A imigração judaica para Glasgow faz parte de uma tendência mais ampla em que eles eram um dos inúmeros grupos que fizeram da cidade seu novo lar no século 19. Apesar de hoje ser a maior cidade da Escócia, e ter a maior comunidade judaica do país, a Glasgow do século 18 era uma cidade provinciana, com uma população de cerca de 20 mil habitantes, chegando a 80 mil no início do século 19. A população cresceu à medida que florescia o comércio com a América do Norte. A localização da cidade, com acesso à costa oeste da Escócia, é fator de atração para os comerciantes e empresários. O primeiro judeu admitido como residente da cidade foi Isaac Cohen,

soldados judeus na sinagoga de graham STREET, Edimburgo. Pessach 1917

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um chapeleiro vindo de Londres. De acordo com uma lenda local, foi Cohen quem introduziu o chapéu de seda na Escócia. Nos anos seguintes, outros judeus foramse estabelecendo em Glasgow, a maioria de origem alemã, holandesa ou londrina. Em 1850 havia apenas 200 judeus em Glasgow, mas à medida que a cidade crescia, o mesmo acontecia com o número de judeus. Em 1879, eram cerca de mil; em 1891, por volta de 2 mil; e, em 1914, já perfaziam 12 mil. A florescente indústria da Glasgow vitoriana gerava oportunidades para os judeus recém-chegados, que ajudaram no rápido desenvolvimento industrial e comercial, em especial na fabricação de roupas, móveis e cigarros. Parte significativa dos membros da comunidade de Glasgow, assim como ocorria em outros locais, trabalhavam como mascates vendendo vários produtos para as comunidades da área de mineração. Em 1823 foi aberta a primeira sinagoga, em um pequeno apartamento de dois quartos, na High Street. À medida que a comunidade crescia, ia realizando seus serviços religiosos em diferentes locais. Em 1832 foi comprado o terreno para o primeiro cemitério. Em 1859 foi aberta uma sinagoga para abrigar 200 fiéis, na George Street. Vinte anos mais tarde, em 1879, foi inaugurada uma suntuosa sinagoga em Garnethill. Era a primeira na Escócia construída especialmente com esse fim – um empreendimento de grandes proporções para uma comunidade de apenas mil membros. O interior da Sinagoga Garnethill era típico do estilo de “sinagogas catedrais”,


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vista de Glasgow

construídos no período vitoriano. Predominantemente romanesco, seu estilo é um exemplo do ecletismo do período. A sinagoga tem uma entrada espaçosa e sensacionais janelas em vitral, com painéis florais em cores vívidas. A área central de orações é praticamente uma basílica; o púlpito imponente colocado no centro da plataforma em arco. O armário sagrado para os Sifrei Torá, o Aron HaCodesh, é em madeira folheada a ouro, com uma cúpula e torres.

de importação de frutas, foi eleito para o Conselho de Glasgow, em 1880. Acredita-se que sua posição de destaque tenha influenciado na aceitação da comunidade judaica na sociedade maior. Ao longo do século 20, Glasgow foi uma das principais comunidades judaicas da Grã-Bretanha, sendo superada apenas por Londres, Manchester e Leeds.

Dundee, Greenock, Ayr e Aberdeen Apesar de sempre a vida judaica escocesa ter-se concentrado em Edimburgo e Glasgow, comunidades menores surgiram em Dundee, Greenock, Ayr e Aberdeen. O cemitério judaico em Dundee indica ter havido uma congregação na cidade desde o século 19. Aliás, várias indústrias têxteis instaladas em

A maioria dos judeus vivia no Distrito de Gorbals, ao longo do Rio Clyde. Era a parte mais pobre da cidade, uma área habitada principalmente por imigrantes italianos e irlandeses. Foi em Gorbals que surgiu uma comunidade mais tradicional, cujo idioma principal era o iídiche. Em 1901, no coração dos Gorbals, foi aberta a Glascow Central Synagogue, a maior em toda a Escócia. Os judeus se integraram à vida local e participavam das atividades da política. Michael Simons, um membro proeminente da comunidade de Garnethill e diretor de uma das principais empresas

sinagoga de Garnethill, Glasgow

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acomodações temporárias para os recém-chegados e para os viajantes em trânsito, e criadas sociedades de autoajuda ao custo de um penny semanal.

CONCERTO DO MOVIMENTO Habonim, Ayr, 1950

Hamburgo, na Alemanha, abriram seus escritórios em Dundee, no início do século 19. Em Aberdeen, a então recém-criada comunidade judaica foi o centro da atenção nacional poucas semanas após sua fundação, em 1893, quando defendeu com sucesso uma ação contra a aplicação da shechitá2 movida pelo departamento local da Sociedade de Prevenção a Crueldade contra Animais.

Instituições de ajuda comunitária A comunidade judaica escocesa sempre foi unida, com seus membros apoiando-se uns os outros. Além de fundarem sinagogas e escolas, Abate ritual judaico

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Aliens Act, Lei dos Estrangeiros, promulgada pelo Parlamento Britânico em 1905 restringia a imigração à Grã Bretanha vinda de áreas fora do Império Britânico. Destinava-se a evitar que indigentes ou criminosos entrassem no país, mas acreditava-se que fosse, em grande medida, uma resposta à imigração da Europa Oriental e- especialmente – controlar a imigração judaica dessa parte da Europa. Restrições bem mais severas foram introduzidas em 1914 e 1919.

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Igreja da Escócia, em inglês, Church of Scotland, a religião nacional da Escócia, filiada ao Presbiterianismo.

criaram uma ampla rede de bemestar social. As instituições de assistência social comunitária assumiram a responsabilidade pela parcela mais carente da comunidade, principalmente os imigrantes recém-chegados. Embora com a Lei para Estrangeiros de 19053 a GrãBretanha tenha limitado o número de imigrantes pobres autorizados no país, um número cada vez maior de judeus continuavam a chegar à Escócia nos anos que antecederam a 1ª Guerra Mundial. O número crescente de recémchegados levou ao estabelecimento de todo tipo de atividades assistenciais, muitas das quais coordenadas pelos próprios imigrantes. As instituições davam ajuda financeira, além de assistência médica e social. A primeira instituição assistencial judaica foi fundada em Edimburgo, em 1838. Em Glasgow, em 1858, criou-se a Sociedade Hebraica Filantrópica, que possuía sua própria equipe médica e, em 1899, o Fundo Hospitalar Judaico. A partir do final do século 19, tanto em Edimburgo quando em Glasgow, foram abertos abrigos gratuitos judaicos e 52

Um dos problemas enfrentados pela comunidade judaica escocesa foi o advento das missões cristãs escocesas para os judeus. A Igreja da Escócia4 desencadeara uma campanha acirrada para conseguir a conversão dos judeus, e investia somas consideráveis nesse “projeto”. Até a década de 1880 as missões focavam seu trabalho na evangelização dos judeus fora da Escócia, mas a partir desse período, passaram a atuar também dentro do próprio país. A conversão dos judeus tornou-se um dos mais importantes objetivos dos missionários, que ofereciam aos judeus, principalmente aos recém-chegados, ajuda financeira e assistência médica em instalações bem-equipadas, com médicos que falavam iídiche. Embora não obtivessem êxito em suas tentativas de conversão, estavam determinados a perseguir a evangelização dos judeus, provocando protestos e a ira da comunidade judaica.

JOVENS DIANTE DA SINAGOGA Garnethill, glasgow


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1. MORÉ ENSINANDO A TORÁ AOS JOVENS BNEI MITZVÁ, LOCHGILPHEAD, 2013 2. JOGADOR DA PREMIER LEAGUE DE FUTEBOL DE ISRAEL DÁ AUTÓGRAFOS NAS CELEBRAÇÕES DE YOM HAATZMAUT, GLASGOW, 2013 3. PURIM, LEITURA DA MEGUILÁ, ABERDEEN, 2013

Séculos 20 e 21 A comunidade judaica escocesa sempre foi ativa politicamente, tanto internamente quanto em relação aos acontecimentos mundiais, acima de tudo em relação ao destino de nosso povo. Na década de 1890, o sionismo era a ideologia política dominante entre os judeus. Os grupos sionistas organizavam atividades sociais e esportivas. Foram criadas, também, sociedades de autoajuda, cujos encontros em Glasgow atraíam grandes públicos – até mil pessoas por evento, além de grupos sionistas para mulheres e jovens. As salas de leitura organizadas pelos movimentos sionistas forneciam um espaço para a comunidade se encontrar, aprender sobre Eretz Israel e os primeiros pioneiros, além de oferecer aulas de hebraico. Os pogroms perpetrados na Rússia, principalmente o ocorrido em Kishinev em 1905, deram um forte impulso aos esforços sionistas.

A Declaração Balfour, de novembro de 1917, indicando o apoio do governo britânico à criação de um Lar Nacional judaico na então Palestina, foi recebida com muito entusiasmo, fortalecendo ainda mais as atividades sionistas e aumentando a arrecadação de recursos para assentamentos judaicos em Eretz Israel.

AGUARDANDO A NOIVA... SINAGOGA GARNETHILL. GLASGOW, 2013

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Após a ascensão nazista na Alemanha, em 1933, os esforços comunitários foram direcionados a ajudar refugiados judeus. E estimase que em 1939, com a chegada dos refugiados da Europa, havia cerca de 15 mil judeus vivendo em Glasgow e pouco mais de 2 mil em Edimburgo. A Escócia tornou-se lar para algumas das crianças do chamado Kindertransport, organizado para retirar crianças judias da Alemanha, Áustria e Checoslováquia. A evacuação temporária acabou por se transformar, tragicamente, em permanente. Ao término da 2ª Guerra chegaram ao país os sobreviventes da Shoá, um horror cuja realidade chocaria a comunidade, dando-lhe novos incentivos para seu apoio à causa de Israel. A fundação do Estado de Israel e a vitória na Guerra dos Seis Dias, em 1967, influenciaram de forma positiva a comunidade e a arrecadação de fundos para instituições israelenses tornou-se uma prioridade. junho 2017


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das constantes demonstrações e atividades contra o Estado Judeu. Há relatos de estudantes intimados a prestar exames no Shabat ou então serem reprovados. Outros revelam que não têm mais estudado nas bibliotecas por medo de serem atacados, seja verbal seja fisicamente.

CASTELO Eilean Donan EM DORNIE

Situação atual Na metade do século 20, viviam no país por volta de 20 mil judeus, a maioria de origem asquenazita. Mas a comunidade foi encolhendo e, no início do século 21, eram apenas 6.500. A maioria, por volta de 4.200, vivem em Glasgow, 950 em Edimburgo, a capital, e uma minoria em Dundee e em outras cidades do país. A Escócia está assistindo o crescimento do antissemitismo, tendo dobrado em 2015 o número de incidentes contra judeus, de acordo com a Community Security Trust. Isso é muito perturbador num país que, como escreveu David Daiches, renomado historiador judeu escocês, em sua autobiografia, Two Worlds: An Edinburgh Jewish Childhood, é o único, em toda a Europa, que não tem uma história de perseguição oficial aos judeus. Não há atos de expulsão, como os ocorridos na Inglaterra e outras nações europeias, nem legislações discriminatórias. A atuação do Parlamento nacional escocês está no centro das preocupações das lideranças comunitárias, pois o Partido

Nacional Escocês (SNO), o principal do país, com 63 das 120 cadeiras do Parlamento, apoia os palestinos e conseguiu aprovar um grande número de moções anti-Israel. Entre maio de 2011 até o final do ano passado, das 355 resoluções sobre assuntos internacionais, 65 envolviam Israel, e, por exemplo, apenas 13 se referiam à Síria. Em 2015, a primeira-ministra Nicola Sturgeon reuniu-se com a liderança comunitária, tentando tranquilizar seus membros e garantindo que não serão tolerados no país incidentes antissemitas. O Conselho Escocês de Comunidades Judaicas (Scottish Council of Jewish CommunitiesScojec), após ter realizado inquéritos, em 2012 e 2014, concluiu que a forma como alguns pesquisadores e acadêmicos expressam seus pontos de vista sobre o Oriente Médio em sala de aula, em palestras e na mídia contribui para que estudantes judeus se sintam discriminados. Ademais, o movimento BDS e a Campanha Escocesa de Solidariedade à Palestina têm conseguido infiltrarse em muitos setores da sociedade civil e nos campi universitários. Muitos estudantes judeus dizem esconder a sua religião em virtude 54

Em 2015 dez professores escoceses integraram uma lista de 300 professores universitários que anunciaram um boicote às instituições israelenses. O pastor Arthur O’Malley, grande defensor de Israel, chegou a afirmar que “BDS e outros grupos palestinos aproveitam todas as vantagens e invadem ativamente as universidades, conselhos municipais e espaços públicos, e têm obtido grande apoio no seio dos movimentos sindicalistas”. E continua: “Quando nossas principais cidades escolhem hastear a bandeira palestina em demonstração de solidariedade...isso demonstra o impacto que está sendo conseguido por esses grupos”, explica o pastor cristão, referindo-se a um incidente ocorrido em agosto de 2016 quando um setor inteiro de fãs no estádio do Celtic, em Glasgow, levantou bandeiras palestinas para protestar contra a “ocupação israelense”.

BIBLIOGRAFIA

Shields, Jacqueline, Scotland Virtual Jewish History Tour, www.jewishvirtuallibrary.org Collins, Kenneth, Jews in Glasgow. www.theglasgowstory.com Jerusalem Post Diaspora Imber, Elizabeth E., Saving Jews:The History of Jewish-Christian Relations in Scotland, 1880-1948, A Master‘s Thesis Department of Near Eastern and Judaic Studies Brandeis University, 2010 Jaffe-Hoffman, Maayan, Seeing Scotland Through Its Jewish Community, artigo publicado no Jerusalem Post em18 de fevereiro de 2017


ISRAEL

DEPOIS DE MUNIQUE POR Zevi Ghivelder

A primeira semana de setembro de 2017 e alguns dias subsequentes assinalam a passagem de 45 anos desde o massacre de onze atletas e técnicos israelenses que participariam dos Jogos Olímpicos realizados na cidade de Munique, em 1972. A organização Setembro Negro impactou o mundo com sua ação terrorista. O governo de Israel, por sua vez, soube ocultar do mundo a punição imposta aos responsáveis por aquele atentado.

N

o dia 18 de agosto de 1972, a delegação israelense que deveria embarcar para os Jogos em Munique compareceu a uma reunião no Instituto Wingate, um magnífico centro esportivo, situado perto da costa do Mediterrâneo, entre Tel Aviv e Haifa. O chefe de segurança do Ministério da Educação Cultura e Esportes, ali designado, recomendou aos atletas e técnicos que, uma vez na Alemanha (então Ocidental), não falassem em voz alta em hebraico, não usassem como adornos eventuais símbolos judaicos e, de um modo geral, evitassem chamar atenção com seu comportamento. Foi-lhes informado, então, o endereço que ocupariam na Vila Olímpica: Rua Connolly, número 31, onde também estariam as delegações do Uruguai e de Hong Kong. A viagem para a Europa transcorreu, dias depois, sem maiores problemas.

da organização Setembro Negro já se encontravam no apartamento número 1 e já tinham atingido (o tiro que Lalkin ouvira) Yossef Gutfreund, um colosso de 130 quilos, praticante de luta livre. Ao mesmo tempo, Tuvia Sokolovsky, técnico de levantamento de peso, conseguiu quebrar uma janela e escapulir. Às cinco horas da manhã os terroristas já haviam sacrificado dois israelenses e feito nove reféns. Porém, nervosos e temerosos de imediatas represálias, os homens do Setembro Negro não investiram contra os apartamentos de números 2, 4 e 5, permitindo que outros israelenses escapassem. Em seguida, ante a perplexidade dos encarregados da segurança dos Jogos e do espanto que percorreu o mundo, os terroristas emitiram suas reivindicações em idioma inglês. Em troca dos reféns, exigiam a libertação de prisioneiros árabes em Israel e de perigosos elementos subversivos presos na própria Alemanha, compreendendo 234 nomes. Da lista faziam parte Ulrike Meinhof e Andreas Bader, líderes do nefasto grupo Bader-Meinhof, que convulsionara a Alemanha e estava preso desde junho daquele mesmo ano. O Setembro Negro também exigia que três aviões fossem colocados à sua disposição no aeroporto de Munique. Uma vez acertada a libertação dos prisioneiros, escolheriam um dos aviões que tomaria um destino não informado.

Às 4h15m da manhã do dia 5 de setembro, Shmuel Lalkin, chefe da delegação israelense, que ocupava o quarto número 5 no segundo andar do pequeno prédio da rua Connolly, teve a impressão de ter ouvido um estampido, como se fosse algo oriundo de uma arma de fogo. Foi até a janela, obervou as imediações, nada viu de anormal. Voltou para a cama. Àquela altura, terroristas 55

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ISRAEL

Em Jerusalém a primeira-ministra Golda Meir emitiu um comunicado conclamando todas as nações democráticas do mundo para que se unissem no resgate dos atletas mantidos como reféns em Munique e que condenassem “os inomináveis atos cometidos”. E acrescentou: “Se Israel ceder aos terroristas, nenhum cidadão israelense poderá sentir, em qualquer parte do mundo, que sua vida estará segura. Encontramo-nos perante uma chantagem da mais desprezível espécie”.

“Se Israel ceder aos terroristas, nenhum cidadão israelense poderá sentir, em qualquer parte do mundo, que sua vida estará segura. Encontramonos perante uma chantagem da mais desprezível espécie”

GOLDA MEIR

O rei Hussein, da Jordânia, único chefe de estado árabe a condenar o Setembro Negro, declarou publicamente: “Presenciamos um crime selvagem cometido contra a civilização, perpetrado por mentes doentias”. Em Washington, o presidente Richard Nixon convocou um pequeno comitê de emergência para avaliar a situação, inclinado a declarar um dia de luto oficial no que foi apoiado pelo secretário de Estado William P. Rogers. Durante a discussão do comitê, houve quem dissesse que Nixon talvez devesse se deslocar até Munique para acompanhar os rituais fúnebres dos israelenses assassinados. Essa sugestão, porém, foi logo descartada. Acabou prevalecendo a opinião de Henry Kissinger, endossada por Nixon, no sentido de pressionar as Nações Unidas para que esse organismo internacional tomasse medidas severas contra o terrorismo. Ou seja, panos quentes. Enquanto isso, em Jerusalém, Golda Meir mantinha contato telefônico permanente com o chefe do governo alemão, Willy Brandt, reiterando que Israel jamais faria qualquer negociação ou qualquer acordo com os terroristas, custasse o que custasse. Em face da determinação de Golda, o chefe da polícia de Munique, 56

Manfred Schneider, concluiu que uma tentativa de resgate dos reféns seria a única opção viável. Mas Golda se antecipou e mandou para a Alemanha Zvi Zamir, o chefe do Mossad (serviço secreto de Israel). Zamir propôs às autoridades alemãs que permitissem a vinda de Israel para Munique da tropa de elite Sayeret Matkal, que, no decorrer dos últimos vinte anos já havia comprovado sua capacidade operacional. Na verdade, essa tropa tinha sido bem sucedida em ações até mais difíceis do que aquela que teria de enfrentar na Vila Olímpica. (Quatro anos depois, a unidade Sayeret Matkal foi a responsável pelo espetacular resgate dos reféns israelenses presos no aeroporo de Entebe, Uganda). Os alemães recusaram o oferecimento de Zamir, aprovado por Willy Brandt, mas negado por seus companheiros de gabinete, por questão de orgulho, alegando que a intervenção de militares estrangeiros dentro de suas fronteiras equivaleria a uma ruptura na soberania do país. A partir desse ponto paira uma imensa interrogação, uma enorme dúvida, sobre o trágico desfecho ocorrido em Munique nas Olimpíadas de 1972. A polícia alemã mostrou que não tinha o menor preparo, nem planos primários ou secundários, para lidar com uma situação daquela magnitude e complexidade. O chefe Schneider, a cada hora mais nervoso e indeciso, por fim encaminhou para o aeroporto um comboio que conduzia tanto os terroristas como os reféns. No aeroporto, colocou em posições avaliadas às pressas cinco atiradores de elite que deveriam disparar suas armas contra cinco terroristas. Só que eles não eram cinco, eram oito. Schneider fizera uma conta errada


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Equipe olímpica de Israel logo após sua chegada. Munique, 1972

de forma primitiva. Tudo acabou dando errado porque a polícia alemã perdeu completamente o controle dos acontecimentos. Parte dos reféns foi levada para um helicóptero que foi atingido por uma granada atirada pelo Setembro Negro. Os israelenses morreram carbonizados. O mesmo aconteceu com os demais atletas dentro de um segundo helicóptero que explodiu ao ser alvejado por outra granada. Das cinzas de todo esse trágico cenário, restou uma interrogação que há de perdurar para sempre: como tudo poderia ter sido concluído se o resgate tivesse sido conduzido pelos impetuosos militares israelenses do Sayeret Matkal? Não há uma resposta objetiva para essa pergunta, mas é viável admitir, avaliando o retrospecto dessa tropa de elite, que aquelas vidas perdidas em solo alemão poderiam ter sido salvas.

Conforme escreve Aaron J. Klein em seu livro Striking Back, às 10 horas da manhã do dia 12 de setembro, o Parlamento de Israel fez um minuto de silêncio em memória das vítimas de Munique. Numa sala ao lado, Golda recebeu as famílias enlutadas dos técnicos e atletas e lhes disse: “Quero partilhar com vocês o que pretendo fazer. Vamos perseguir todos os terroristas. Nenhum deles que esteja envolvido nos acontecimentos de Munique vai andar livre por este mundo, por muito tempo. Todos serão implacavelmente caçados”. Em seguida, ela falou ao Parlamento reunido: “As ações terroristas evoluem a cada dia. Temos que nos preparar para esse tipo de guerra. A nação judaica tem uma história sangrenta e por isso mesmo já aprendemos que, quando a violência se configura tendo os judeus como alvo, essa violência se estende a todos 57

os povos. Não temos outra escolha a não ser combater as organizações terroristas onde quer que se encontrem”. Suas palavras foram endossadas pelo líder da oposição, Menachem Begin: “Precisamos eliminar esses criminosos. É preciso que eles sintam medo. Se há necessidade de uma unidade especial para isso, está na hora de formá-la”. Begin não sabia que essa unidade secreta já existia e tinha o nome de Caesarea. Uma das primeiras providências de Golda Meir foi nomear o exchefe do serviço de inteligência do exército, o competente general Aharon Yariv, como seu conselheiro especial para assuntos de contraterrorismo. Os dois, mais Zvi Zamir, se incumbiram de convencer o gabinete governamental sobre a necessidade da criação de um comitê ultrassecreto para o junho 2017


ISRAEL

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1. um dos terroristas 2. POLICIAIS ARMADOS SE POSICIONAM NO TERRAÇO LOGO ACIMA DOS APARTAMENTOS ONDE ESTAVAM OS REFÉNS 3. SANGUE E BURaCOS DE BALAS DO APARTAMENTO ONDE UM ISRAELENSE FOI MORTO

combate ao terrorismo. A sugestão foi aprovada e passou a contar em seguida com a presença ativa de Moshé Dayan. O grupo foi nomeado apenas como “Comitê X” e partiu de um consenso segundo o qual caberia ao Mossad implementar as ações contra-terroristas de modo a eliminar aqueles que haviam perpetrado o massacre de Munique. Não caberia ao Mossad a tarefa de promover capturas ou de investigar suspeitos. O objetivo ficara bem claro: o abatimento de integrantes do Setembro Negro e suas ramificações. Para dar andamento ao projeto, Yariv chamou o agente Michael “Mike” Harari que já havia formulado, no início dos anos 1970, as teorias e práticas da operação Caesarea. Mike Harari merece um capítulo à parte, tal sua dimensão e importância nos serviços de segurança do Estado de Israel desde os primórdios do país. Harari nasceu na antiga Palestina em 1927 e, com apenas dezesseis anos de idade, engajou-se na Haganá (organização militar clandestina judaica, ao tempo do Mandato Britânico). Passou a atuar, em seguida, no grupo Palmach, uma unidade de choque, mais ativa e dinâmica, dentro da própria Haganá. Foi preso diversas vezes pelos ingleses até que, em 1946, foi mandado para Marselha, no sul da França, com a incumbência de trazer

refugiados judeus da 2ª Guerra para a Palestina em navios clandestinos que tentavam furar o bloqueio naval britânico, sendo às vezes bemsucedidos. Após a independência passou a atuar no Shin Bet, o serviço de segurança interna de Israel. Em 1954 foi recrutado pelo Mossad, aonde chegou à condição de dirigente, reconhecido e admirado por sua excepcional criatividade e audaciosa capacidade operacional. No âmbito da Caesarea, Harari criara uma unidade chamada Kidon que fora treinada especificamente para ações definitivas. Nos meses seguintes, o Mossad se empenhou em elaborar a lista mais completa

possível com os nomes dos membros do Setembro Negro, e seus superiores, responsáveis pelo terror em Munique. Harari recrutou 15 agentes, homens e mulheres, para a missão chamada “Cólera de D’us”. Separou os agentes selecionados sob rigorosíssimo critério, conforme as letras do alfabeto hebraico. O primeiro grupo, o alef, era composto por dois especialistas em armas de fogo; o bet reunia dois agentes para dar retaguarda aos dois do alef; o het tinha dois homens encarregados das logísticas; o ayn compreendia de seis a oito agentes dedicados a diversas tarefas, além de apontar os alvos a serem atingidos e a assegurar as rotas de fuga para o

RESTOS DO HELICÓPTERO NO QUAL NOVE REFÉNS FORAM MORTOS APÓS UMA FRACASSADA TENTATIVA DE RESGATE

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pessoal do alef e do beit; finalmente, o kuf abrigava dois peritos em comunicações. O primeiro alvo da “Cólera de D’us” foi um palestino chamado Wael Suatyr, nascido em Nablus, havia seis anos radicado em Roma, onde trabalhava como tradutor. Antes de se radicar na Itália havia feito uma escala na Líbia. Em agosto de 1972, Suatyr foi preso pela polícia italiana acusado de participar de um grupo terrorista que colocara uma bomba numa refinaria de petróleo. O atentado foi reivindicado pelo Setembro Negro e, assim, Suatyr, embora liberado pelas autoridades de Roma, foi parar na lista de Harari. Pouco tempo depois, foi apontado pelo Mossad como um dos terroristas que tentaram explodir um Boeing da El Al enquanto o avião decolava do aeroporto Leonardo da Vinci, em Roma. Uma bomba foi detonada no compartimento de bagagens, mas a aeronave resistiu porque, dias antes, ali haviam sido instalados reforços moldados em placas de aço. O comandante do avião conseguiu fazer uma aterragem milagrosa nos arredores da capital italiana. Suatyr levava uma vida simples e anônima, trabalhando na embaixada da Líbia em Roma, mas os israelenses estavam convencidos de que se tratava de um lobo em pele de cordeiro. Decidiram monitorá-lo durante quinze dias e nada de anormal notaram em sua rotina. Mesmo assim, consideravam inequívoca sua ligação com o Setembro Negro. No dia 16 de outubro, Suatyr jantara num restaurante e seguira para seu apartamento onde os agentes do Mossad o aguardavam no escuro da portaria do prédio. Foi abatido com doze tiros de uma arma Beretta, calibre 22, às 9h30 da noite.

MIKE HARARI, COORDENADOR DA AÇÃO CONTRA O SETEMBRO NEGRO

A eliminação de Suatyr levou enorme preocupação aos membros do Setembro Negro e seus afiliados, espalhados entre a Europa e a África. Alguns terroristas aprimoraram seus sistemas de segurança e, a rigor, todos passaram a viver olhando para trás com medo de alguma emboscada. Em Paris, Mahamud Hamshari, representante da Organização de Libertação da Palestina, não sentia medo algum. Como detinha um status quase diplomático, julgava estar livre de ser admoestado. Como também imaginava que sua efetiva ligação com o Setembro Negro permaneceria na sombra, Hamshari gostava de aparecer em público e de dar entrevistas. Por isso não estranhou quando foi procurado por um jornalista italiano que o convidou para tomar um café dali a tantos dias. Harari precisava de algum tempo para contatar Zamir e lhe pedir que mandasse para Paris uma equipe da unidade Rainbow, especializada em arrombar edifícios, apartamentos, veículos e cofres sem deixar vestígios. A Rainbow era comandada por Zvika Malkin, meu amigo, que capturara Eichmann em Buenos Aires, e sobre o qual já escrevi aqui na Morashá. 59

O jornalista italiano era um agente do Mossad incumbido de estabelecer sem sombra de dúvida a identidade de Hamshari, de saber pormenores de sua atividade cotidiana e de entretê-lo enquanto Zvika colocava um explosivo dentro do telefone instalado em seu apartamento. O agente apurou que Hamshari era casado com uma francesa e o casal tinha uma filha pequena. Harari elaborou um plano no sentido de que a mulher e a menina nada sofressem. Às 8h30 do dia 8 de dezembro de 1972, as duas saíram de sua residência na Rua d’Alésia. Quinze minutos depois o telefone tocou e Hamshari o atendeu. Seguiu-se uma explosão que destruiu toda a sala de estar do apartamento. No organograma da organização terrorista Fatah um jovem chamado Abu Khair fazia a ligação permanente entre seus chefes e a KGB, o serviço secreto Soviético. Ele chegara no início do ano de 1973 à Nicósia, capital de Chipre, na qualidade de representante da OLP. O pessoal do “Cólera” seguiu-o durante duas semanas e constatou que ele não mantinha nenhum esquema especial de segurança. Coube a Zvika colocar um explosivo sob sua cama no quarto que ocupava no hotel Olympic, na avenida Presidente Makarios. Pouco antes da meia-noite do dia 25 de janeiro, o emissário da OLP entrou em seu quarto. Do lado de fora, dentro de um carro, um agente do Mossad só precisou apenas apertar o botão de um controle remoto. A explosão sacudiu o hotel inteiro. A chamada “Cólera de D’us” serviu como base para o filme “Munich”, de 2006, dirigido por Steven Spielberg que, por sua vez, baseou-se no livro “Vengeance”, escrito por George Jonas. Toda a junho 2017


ISRAEL

MEMBROS DELEGAÇÃO ISRAELENSE USAM FITAS PRETAS NO BOLSO EM HOMENAGEM AOS ATLETAS MORTOS PELOS TERRORISTAS ENQUANTO DEIXAM O ESTÁDIO OLÍMPICO DE MUNIQUE

narrativa do livro é feita a partir de um longo depoimento prestado ao autor por um dos principais elementos da equipe de Harari, que não revelou sua verdadeira identidade, escondendo-se atrás do pseudônimo Avner. O livro de Jonas peca pela glamorização de toda a operação e descreve situações, circunstâncias e fatos impossíveis de serem confirmados, sobretudo um capítulo no qual diversos agentes do Mossad pedem demissão por estarem emocionalmente arrasados em função da missão que lhes havia sido confiada. Além disso, no relato de Avner há repetidas menções aos contatos que manteve e a remunerações que repassou a uma organização clandestina francesa chamada Le Group, detentora de surpreendentes informações ultrassecretas, cuja existência jamais foi confirmada. Na verdade, todas as etapas que dizem respeito a esse assunto devem ficar restritas à área das suposições. Desde o massacre de Munique o governo de Israel apenas admite que ordenou, sim, uma série de operações contra o terrorismo, sem jamais fornecer pormenores referentes a recursos humanos, datas, métodos ou opções. As operações desenvolvidas pelo Mossad, desde sempre, continuam

arquivadas em pastas com os selos de “confidencial”. O fato é que uma ação de retaliação, tal como a empreendida pela equipe Caesarea, vem provocando há mais de quarenta anos uma inundação de reportagens em jornais e revistas, livros, documentários e filmes de ficção, fervilhando imaginações que decerto ainda se estenderão por muito tempo. Há quem diga, inclusive, que a expressão “Cólera de D’us” é uma invenção da mídia. A única ação documentada da equipe Caesarea, e, portanto, irrefutável, tem como cenário,

SHMUEL LALKIN, CHEFE DA DELEGAÇÃO ISRAELENSE NAS OLÍMPIADAS DE MUNIQUE

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em julho de 1973, uma pequena cidade turística da Noruega, chamada Lilehamme. Foi uma operação desastrada em busca de Ali Hassan Salameh, codinome Príncipe Vermelho, mentor do massacre de Munique e cérebro do Setembro Negro, o No 1 da lista de Harari. Depois de um ano de pesquisas minuciosas, o Mossad sentiu-se seguro com a informação de que Salameh se refugiara em Lilehammer. Uma agente secreta já estacionada na Noruega foi incumbida de monitorar os passos do dito Salameh, além de providenciar a logística da operação, consistindo no aluguel de veículos e de pelo menos duas casas que viriam a servir como esconderijos. Em seguida, Harari enviou para a Noruega cinco de seus melhores operadores que se hospedaram sob falsos nomes no Oppland Tourist Hotel. O primeiro contato visual com o alvo aconteceu na tarde do dia 21, quando o suposto terrorista se encontrava numa piscina pública ao lado de uma mulher grávida. Acompanharam-no o dia inteiro, até avistá-lo saindo de um cinema, junto com a mesma mulher, às oito horas da noite. Dois agentes do Mossad seguiram atrás do casal numa calçada e abateram o homem. A polícia chegou ao local minutos depois, mas os atiradores já haviam fugido num automóvel Mazda, abandonado adiante, trocado por um Peugeot que partiu em alta velocidade para uma das casas alugadas. Passantes pelo local testemunharam aquela súbita troca de automóveis e estranharam a disparada do Peugeot vermelho, comunicando o fato à polícia. As autoridades norueguesas identificaram a vítima como Ahmed Bouchiki, de nacionalidade


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marroquina, que trabalhava como garçom num restaurante da cidade. No Peugeot em fuga encontravamse os agentes Marianne Gladnikof e Dan Arbel. Eles passaram a noite no esconderijo e seguiram para o aeroporto na manhã seguinte. Foi, então, que cometeram um erro fatal: usaram o mesmo Peugeot vermelho que foi detectado pela polícia ao se aproximar do aeroporto. Ambos foram presos e, sob interrogatório, revelaram toda a verdade da situação, tendo Marianne cometido outro erro imperdoável: forneceu como seu endereço em Lilehammer uma das casas alugadas. Ali as autoridades prenderam os demais componentes da equipe. Os seis agentes israelenses foram levados a julgamento, tendo sido um absolvido e cinco condenados a penas de dois anos e meio a cinco anos e meio de reclusão. Por envolver outro país, no caso Israel, o caso foi tratado como sigilo de justiça, mas é sabido que o pessoal do Mossad foi libertado depois de 22 meses de encarceramento. A despeito do fracasso em Lilehammer, Harari e seus homens contabilizavam uma série de ações bem consumadas contra os terroristas do Setembro Negro, faltando, porém, no seu entender, o mais importante: justiçar o chamado Príncipe Vermelho, Hassan Ali Salameh. Este nasceu numa família abastada, em 1940, na pequena cidade de Qula, perto de Jaffa. O jovem foi educado na Alemanha e supõe-se que tenha recebido treinamento militar no Cairo e em Moscou. Era conhecido no âmbito da OLP como um gastador extravagante de dinheiro e um imbatível sedutor de mulheres. Embora os americanos neguem, Salameh manteve, desde o início dos anos de 1970, contato assíduo com

FAMiLIARES DAS VÍTIMAS DO MASSACRE EM MUNIQUE NO AEROPORTO DE LOD, EM ISRAEL

a CIA na qualidade de informante. Portanto, se sentia protegido e circulava à vontade pela Europa e pelo Oriente Médio. Em 1978 casou-se com Georgina Rizk, uma beldade libanesa que, anos antes, havia sido eleita Miss Universo. Salameh assumiu o comando da segurança do grupo terrorista Fatah, foi um dos formuladores e organizadores do Setembro Negro e principal mentor do ataque nas Olimpíadas de Munique. Todos os esforços da equipe de Harari para localizá-lo, ao longo de sete anos, tinham sido inúteis, até tomarem seguro conhecimento de que ele havia fixado residência em Beirute, no Líbano. No início de janeiro de 1979 chegou a Beirute uma turista inglesa, pintora amadora, levando uma maleta recheada de tintas e pincéis. A recémchegada alugou um apartamento na Rua Verdun, de cuja varanda tinha pleno visual, em diagonal, do apartamento de Salameh. Dali ela era capaz de observar e anotar toda a movimentação no apartamento do chefe terrorista, além do que os vizinhos não podiam suspeitar daquela moça pintando durante horas e horas na varanda. No dia 22 de janeiro, Salameh e seus guarda61

costas saíram num automóvel da Rua Verdun e dobraram na direção da Rua Marie Curie. A inofensiva pintora acionou um carro estacionado ali perto, onde um homem apertou o botão de um controle remoto. A explosão foi arrasadora. Michael “Mike” Harari aposentouse do Mossad no ano seguinte, depois de 26 anos de ininterruptos serviços. Foi condecorado pelo governo e voltou a ser chamado ocasionalmente pelo Mossad com a missão de avaliar as possibilidades do Irã na fabricação de artefatos nucleares. Harari faleceu no dia 21 de setembro de 2014. Deixou sua mulher, Pnina, e dois filhos.

BIBLIOGRAFIA

Klein, Aaron J., Striking Back, Random House Papaperbacks, 2007, EUA. Bar-Zohar, Michael, Mossad, Ecco Reprint, 2007, EUA. Reeve, Simon, One Day in September, Arcade Publishing, 2006, EUA. Jonas, George, Vengeance, Simon & Schuster, 2005, EUA Large, David Clay, Munich 1972, Rowman & Littlefield, 2012, EUA ZEVI GHIVELDER é escritor E JORNALISTA

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AS “STOLPERSTEINE” - ARTE E MEMÓRIA POR REUVEN FAINGOLD

“Uma pessoa só é esquecida quando seu nome cai no esquecimento”, afirma o Talmud. Há 20 anos, o artista alemão Gunter Demnig trabalha contra o esquecimento, instalando “stolpersteine”, pedras de recordação na calçada diante das casas onde moravam as vítimas do Nazismo.

G

unter Demnig pertence à geração pós-2ª Guerra. Nascido em 1947, estudou Artes e Desenho Industrial na Universidade de Berlim. Ele já disseminou suas pedras de recordação, as stolpersteine (em português, pedras-obstáculo) por toda a Europa. Seu moto é “one victim - one stone”, para cada vítima uma pedra, como se cada indivíduo ali tivesse seu túmulo. As primeiras 50 stolpersteine foram instaladas ilegalmente nas calçadas de Berlim, em 1996. Depois foi a vez de Colônia, com 600, e, assim, a ideia foi ganhando força e vigor. Hoje, seu projeto é o maior memorial descentralizado do mundo.

campos, nas câmaras de gás. Em maio de 2016 o sol brilhava no bairro de Scheunenviertel, Berlim. O lugar abrigava antigamente uma considerável população judaica, em sua maioria originária da Europa Central e Oriental. Ali, um grupo de pessoas vindas da Alemanha, Israel e Holanda e estudantes do Canadá (em viagem de pesquisa sobre a Shoá) estão prestes a iniciar uma cerimônia. Trajando seu chapéu típico, Gunter Demnig chega ao local. Ele carrega baldes de cimento, ferramentas e duas reluzentes placas em memória das vítimas judias, Erzsebet e Jakob Honig. Após uma curta introdução, ajoelha-se e começa a cavar. Atrás do público presente, crianças brincam onde antes havia numerosos prédios habitados por dezenas de famílias. Muitas foram forçadas a sair, para depois serem assassinadas em Auschwitz. O artista termina o trabalho em 10 minutos. Após inserir as placas na calçada, ele lhes dá uma polida, tira o chapéu e volta para o carro.

O que são as stolpersteine? Trata-se de paralelepípedos de concreto, de 10 cm x 10 cm, cimentados nas calçadas. Um lado é coberto por uma chapa de latão dourado, com uma inscrição. Geralmente, nela aparece: “Aqui morava” (hier wohnte) ou “aqui vivia” (hier lebte) ou “aqui atuou” (hier wirkte), tendo, logo depois, o nome da pessoa homenageada, data, lugar de nascimento e o destino que teve: suicídio (selbstmord) ou, na maioria dos casos, deportação e assassinato nos campos (deportation ou ermordet). O objetivo dessa intervenção artística é criar pequenos memoriais para relembrar as vítimas do nacional-socialismo, mortos nas deportações, nos

À noite, numa cerimônia para lembrar os 20 anos das stolpersteine, Demnig conta que naquele dia colocara pedras comemorativas em 17 endereços berlinenses. Em 2015, passou 258 dias viajando pela Europa, colocando placas em até três cidades num só dia. Algo inimaginável 62


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em 1996, quando depositou as primeiras “pedras-obstáculo” para os 50 moradores judeus do bairro de Kreuzberg, em Berlim, como parte de um projeto artístico intitulado “Künstler forschen nach Auschwitz” (Artistas pesquisam Auschwitz). Na ocasião, as stolpersteine eram ilegais e em sua colocação não havia imprensa, polícia ou parentes, apenas alguns curiosos. Agora são mais de 7 mil “pedrasobstáculo” somente na capital alemã e 60 mil pela Europa: de Trondheim (Noruega) até Salônica (Grécia); de Orel (Rússia) até l’Aiguillon-sur-Mer (França). Elas já se tornaram parte inseparável da paisagem urbana da Alemanha, Bélgica e Holanda. Há inclusive visitas guiadas especialmente para vê-las em cidades como Amsterdã, Budapeste e Roma.

o artista, gunter demnig

Hoje as placas são tantas que Demnig não tem mais tempo de produzi-las. Desde 2005, o escultor Michael Friedrichs-Friedländer as faz manualmente em seu ateliê na periferia de Berlim. O artista considera todas as “pedrasobstáculo” comoventes, mas ficou particularmente emocionado com 34 delas, fabricadas para 30 órfãos e seus quatro cuidadores, colocadas diante de um orfanato de Hamburgo. Com a voz embargada, ele desabafa: “Eles tinham entre três e cinco anos... Eu não pude dormir por semanas”.

Bloomfield, um destacado médico de quem os nazistas cassaram, assim como de todos os médicos judeus que viviam nas áreas sob seu domínio, o direito de exercer sua profissão. O caso Bloomfield difere dos outros, pois ele foi homenageado com duas “pedras-obstáculo”: uma colocada na sua casa e outra frente ao “Kinderkrankenhaus Park Schonnfeld”, uma clínica para crianças. A clínica infantil que funcionava existiu até pouco tempo. Atualmente virou um abrigo para refugiados sírios, iraquianos e afegãos.

Uma “stolpersteine” para o Dr. FÉLIX BLOOMFIELD O arquiteto Peter Bloomfield e sua família participaram em Kassel de uma cerimônia de colocação de “stolpersteine” em homenagem a uma vítima da Shoá, o avô de Peter, o Dr. Félix

Quinze anos atrás, Peter Bloomfield visitou o hospital pediátrico, que era também o primeiro de Kassel, no qual o Dr. Bloomfield desenvolvera importantes avanços na pediatria, obtendo a fórmula de um medicamento para combater os então altos índices de mortalidade infantil. Em 1933, já impedido 63

Stolpersteine diante da residência do dr. bloomfield

de exercer a medicina, o Dr. Félix ainda trabalhava no hospital que ele mesmo fundara. Patriota, negou-se a deixar Alemanha. Num primeiro momento, o círculo de conhecidos conseguiu evitar que fosse deportado. Mas, não podendo exercer a medicina para se sustentar, foi obrigado a trabalhar de gari, coletando o lixo da cidade. A humilhação, a falta de dignidade junho 2017


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e a retirada da cidadania alemã levaram Bloomfield a cometer suicídio em 1942, deixando uma carta onde relata os momentos de degradação vivenciados. No ano de 2012, voluntários da comunidade judaica de Kassel formaram um grupo que preparou uma lista de vítimas do Holocausto, candidatos a serem homenageados com uma das stolpersteine. A moradora de Kassel, Barbara Bahr, ajudou a família Bloomfield a obter informações sobre o Dr. Félix em artigos de revistas e jornais. Barbara explica, emocionada, que “não gostaria que os nomes das vítimas fossem esquecidos”. Peter Bloomfield comenta que logo percebeu que se tratava de um projeto sério, envolvendo Gunter Demnig, e que o dinheiro deveria vir de patrocínios privados. Peter Bloomfield chegou a Kassel com alguns membros de sua família direta. Na cerimônia também estavam presentes o irmão mais velho, Steven (68 anos) e seus familiares. Demnig queria que a cerimônia fosse realizada em um sábado, porém a pequena comunidade judaica de Kassel não concordou, ficando, então, a cerimônia para após o pôr do sol, em 1 de novembro de 2013. Emocionado, Steven Bloomfield disse: “É inacreditável que 70 pessoas entre membros da família, historiadores, médicos e boa parte da comunidade se fez presente numa noite tão fria e chuvosa”. Durante a cerimônia, médicos e funcionários do hospital renderam uma homenagem ao Dr. Félix Bloomfield. Uma senhora idosa relembrou seu encontro com o médico. Na época, ela tinha uma doença de pele que ninguém conseguia tratar. Sua mãe a levou ao

Charlotte e seu pai, Dr. Albert Salomon, Berlim 1938

Dr. Félix que aceitou tratá-la, mesmo já banido da prática médica pelos nazistas. Arriscando sua vida, ele a tratou e curou.

Uma stolpersteine para CHARLOTTE SALOMON Filha única de Albert e Fränze Salomon, Charlotte Salomon (1917-1943) foi uma artista plástica que expressou sua arte de uma forma sui-generis. Enquanto a 2a Guerra devastava a Europa e os nazistas matavam milhões de judeus, a artista criou uma opereta que, através da ficção, contava a verdadeira história de sua família desde a 1ª Guerra até 1941. Em sua obra, ela transformou a si mesma e a todos aqueles que fizeram parte de sua curta vida em personagens com nomes fictícios que aludiam a alguma de suas características pessoais. O resultado foi uma obra muito interessante e muito peculiar à qual deu o título tão pouco comum quanto a própria obra, “Leben? Oder Theater? Ein Singspiel”, ou seja: “Vida? Ou Teatro? Um Drama Musical”. Após deixar a Alemanha, em janeiro de 1939, Charlotte foi enviada por seus pais para Villefranche64

sur-Mer, sul da França, próximo a Nice, onde então viviam seus avós maternos. Encantada pela paisagem da Riviera francesa, tudo que ela queria era ficar sozinha e desenhar. Em setembro de 1939, estoura a 2a Guerra Mundial. Desesperada, a avó de Charlotte tenta o suicídio e, para alegrá-la, a jovem decide criar um livro de história, ilustrado, sobre o passado da família. Era a sua primeira tentativa na direção de Leben? Oder Theater?. Ela levava seu caderno de desenho para o ar livre e, assim, pintou mais de 1 mil guaches reproduzindo tragédias familiares reais e imaginárias, misturando-as com acontecimentos históricos. Os últimos guaches são compostos apenas por palavras, pois pressentia que o tempo lhe fugia e ela precisava terminar de contar sua história. No final, escolheu 760 guaches, organizando-os em atos e cenas, e introduziu um narrador. A história de “Charlotte Kann” será contada pela voz dela. Até o ano de 1942, a Riviera francesa estava sob domínio da Itália. Apesar de aliados de Hitler, os italianos não pretendiam deportar judeus, o que lhes permitiu viver dentro de certa normalidade até setembro de 1943 quando a área é ocupada pelos alemães. Eichmann envia para lá o SS Alois Brunner com a missão de deportar 1.800 judeus que ainda viviam na região. Fracassaram as tentativas de organizar o resgate desses judeus, pois Brunner foi mais rápido e, em 24 de setembro, prendeu centenas, entre eles, Charlotte Salomon e Alexander Nagler, seu marido. Os dois são deportados para Drancy e, em seguida, para


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Auschwitz. Charlotte, já grávida de cinco meses, não sobreviveu à primeira seleção, enquanto Nagler viveu até 1944. Pouco antes de ser deportada, Charlotte tinha uma única preocupação: salvar seu trabalho se não fosse possível salvar sua vida. Assim, entregou as mais de mil pinturas a um amigo próximo, o médico Dr. Moridis, pedindo-lhe: “Guarde isto em segurança, toda a minha vida está aqui”. Ela jamais poderia imaginar quão longe “sua vida” chegaria, após a guerra. Terminada a guerra, o Dr. Moridis entregou o trabalho de Charlotte a Ottilie Moore, velha amiga da família. Finalmente, o pai, Albert, e sua segunda esposa, Paula LindbergSalomon, foram a Villefranche-SurMer para reivindicar o que Charlotte pintara nos anos em que lá vivera. Ottilie, no entanto, só lhes entregou o pacote que continha os guaches de “Vida? Ou Teatro?”. Os stolpersteine de Albert Salomon, Paula Lindberg-Salomon e Charlotte Salomon, foram colocados na Wielandstrasse 15, Berlim, em 25 de agosto de 2012, por iniciativa de Gerhard Schoenberner, amigo da família.

camaradas uma ação para resgatar Otto Braun da prisão de Moabit.

Stolpersteine de charlotte salomon

filha única, a professora Anita Leocádia Prestes, nascida na prisão de Barnimstrasse, Berlim, em 1936, e arrancada dos braços de sua mãe 14 meses depois. Olga Benário nasceu em Munique e nos anos 1920 já era considerada pela República de Weimar como uma agitadora comunista. Juntamente com seu amigo, Otto Braun, mudou-se para Berlim, tornando-se membro da Juventude Comunista. Ocuparam um pequeno apartamento na Innstrasse, onde foram presos. Olga logo foi libertada, organizando junto com os

Uma stolpersteine para OLGA BENARIO Em 12 de fevereiro de 2008, Olga Benário Prestes completaria 100 anos. Como ponto alto das homenagens, a “Galeria Olga Benario”, de Berlim, inaugurou uma pedra-obstáculo em frente ao último endereço que esta revolucionária ocupou na capital alemã. Sua stolpersteine está instalada na calçada da Innstrasse 24, no bairro de Neukölln, e foi inaugurada por sua

Em abril de 1928, invadiram a sala do tribunal para onde Braun era conduzido, rendendo os policiais e libertando o preso. Após esta operação, Olga e Braun fugiram rumo a Moscou para trabalhar pelo “Movimento Trabalhista Internacional”. Em 1935, Olga conheceu Luiz Carlos Prestes nas fileiras do Partido Comunista Internacional. Logo se apaixonaram e partiram de Moscou para Rio de Janeiro, onde organizaram, sem sucesso, a Intentona Comunista de 1935. Em 1936, Olga foi presa, grávida, e entregue à Gestapo pelo presidente Getúlio Vargas. Em setembro do mesmo ano, foi enviada a Berlim, tendo a filha, Anita, na prisão. No começo de 1938 foi separada da criança e enviada para o campo de concentração de Lichtenburg. Olga passaria ainda três anos no campo de mulheres de Ravensbrück, antes de ser deportada, em 1942, para as câmaras de gás em Bernburg. Em 1984, a “Associação dos Perseguidos pelo Regime Nazista” fundou a Galeria Olga Benario. O espaço vem-se tornando nos últimos anos uma referência sobre a coragem feminina.

ITÁLIA COLOCA SUAS “STOLPERSTEINE”

Olga Benário em 1928, ainda na Alemanha

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A Itália se rendeu à ideia de Gunter Demnig, também homenageando dessa forma suas vítimas do Holocausto. Os italianos entenderam que a memória não se limita ao único dia comemorativo, como, por exemplo, o Dia da Deportação dos Judeus de Trieste, mas se torna parte inseparável do presente e do futuro. junho 2017


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O local onde as stolpersteine foram colocadas em Roma estão listados no site www.memoriedinciampo.it. Há sete instituições que participaram do projeto, dentre elas o Antigo Centro Histórico de Roma. O projeto de Demnig é financiado por inúmeras entidades e conta com o apoio do presidente da Itália. A Itália constituiu um comitê científico para dar suporte ao projeto das stolpersteine, com renomados historiadores. Em janeiro de 2012 foi agraciado com uma “pedra-obstáculo” o padre Pietro Pappagallo, que escondeu judeus durante a guerra. Traído por uma alemã, ele foi preso e condenado à morte em 1944. Um cubo de latão no chão da Via Urbana 2, em Roma, homenageia o sacerdote. Houve, na Itália, atos de vandalismo contra as stolpersteine. No início de 2012, em Santa Maria in Monticello, pessoas desconhecidas removeram e substituíram por pedras normais as comemorativas ali colocadas. Elas estavam dedicadas à memória das três irmãs Spizzichino: Graziela, Letizia e Elvira, judias mortas no Holocausto. Atos bárbaros, ultrajantes e vergonhosos como estes não apagarão jamais a memória destas três pessoas, pois a memória de um ser humano não está ligada à materialidade visível de uma placa, vivendo eternamente na mente e no coração daqueles que os valorizam.

PALAVRAS FINAIS As stolpersteine convidam à reflexão. Lidar com datas e acontecimentos históricos é emocionante, mas descobrir uma inesperada “pedraobstáculo”, começar a ler a sua inscrição e ver a casa onde a pessoa

viveu ou trabalhou, é totalmente diferente. O projeto stolpersteine devolve às vítimas o seu nome. Deixa evidente que se está diante do que foi um ser humano com nome, um lar, uma família e uma história única. Fatos cruéis vão adquirindo um rosto e se tornam tangíveis. Vizinhos se emocionam ao ver as pedras e, assim, tomam consciência dos seus destinos dramáticos. Descobre-se que o horror não poupou a cidade, o bairro ou a rua; mas que numa realidade triste houve também pessoas corajosas que arriscaram a vida contra o regime de terror. As pedras de Gunter Demnig são lápides. Elas relembram a morte de crianças, mães, avós, tios, parentes com nome e sobrenome. Registram a data em que cada um foi preso, humilhado, deportado, escravizado, morto, incinerado em nome das nefastas filosofias e políticas do Terceiro Reich. Apesar de sua tradução em português, estas pedras não devem representar um “obstáculo”. Elas testemunham o quanto um Estado totalitário conduzido por seres inescrupulosos, adeptos a filosofias imorais, pode converter-se numa máquina de destruição. Há também críticos do projeto stolpersteine, como Charlotte Knobloch, ex-presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha. Segundo ela, colocar pedras memoriais no chão é ofensivo, pois as vítimas judias voltam a ser pisoteadas. Gunter Demnig contesta a crítica afirmando: “Quem se abaixa para ler a inscrição na pedra-obstáculo, curva-se diante das vítimas”. Encerro este artigo registrando um poema anônimo intitulado “Stolpersteine”: 66

Me deparei com você, alma irmã transformada em pedra, gravada numa calçada pavimentada, transitada por milhares. Como dente dourado, extraído do passado urbano, reintegrado em espaços perdidos e inutilizados, ao longo do tempo. Quintal - Hinterhof, [mistura] de luto e culpa, que arde nos meus olhos, piscando com o brilho do sol, daquele último verão; mexendo no passado, agitando seu nome, dos pés à cabeça: Gisela e Elvira, Sofia, Edith e Kira. Uma memória brilhante, perdida, porém polida, lembrada nas calçadas, e nas “pedras-obstáculo”.

BIBLIOGRAFIA

Aquino, Felipe, As pedras de tropeço de Roma. Editora Cléofas, 2012. Charlotte Salomon, A obra de uma vida. Morashá, abril de 2012 http://www.stolpersteine.eu/en/home/ Festiner, Mary Lowenthal, To paint her life: Charlotte Salomon in the Nazi era. University of California Press, 1997 Morais, Fernando, Olga. 2ª edição. Companhia das Letras, 1993. http://stolpersteine.jimdo.com/ biografien/ dr-felix-blumenfeld/

Prof. Reuven Faingold é historiador e educador; PHD em História e História Judaica pela Universidade Hebraica de Jerusalém. É sócio fundador da “Sociedade Genealógica Judaica” do Brasil e, desde 1984, membro do “Congresso Mundial de Ciências Judaicas” em Jerusalém. Atualmente, é responsavel pelos projetos educacionais do “Memorial da Imigração Judaica” de São Paulo.


ISRAEL

A Batalha por Jerusalém A captura da Cidade Velha de Jerusalém, em 1967, foi, para todos os judeus, uma catarse emocional que é comparável e, em certos aspectos, até superior ao estabelecimento do Estado de Israel, em 1948. Sua reconquista foi um capítulo à parte na história da Guerra dos Seis Dias, o mais importante.

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urante dois milênios, o Povo Judeu pediu diariamente em suas orações que Jerusalém e seu ponto central espiritual, o Monte do Templo, voltassem às nossas mãos. “Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém...” escreveu o profeta Yirmiyáhu durante o exilio na Babilônia. O Povo Judeu nunca se esqueceu de sua capital eterna. A cidade de David sempre foi o foco do anseio de nosso povo da volta à Terra de Israel. O próprio termo “sionismo” advém da palavra “Tsion”, que é um dos nomes da cidade sagrada de Jerusalém.

dos jovens soldados será lembrado por gerações. Elie Wiesel, testemunha ocular da tomada de Jerusalém, escreveu: “O combate ainda perdurava em várias frentes... mas isso não impediu que as pessoas, num êxtase místico, acorressem em direção à Cidade Velha, que estivera inacessível a todos os judeus durante o domínio jordaniano... sobreviventes de todo tipo de inferno, rostos de todo tipo de destino - vi-os correndo, ofegantes... para tocar o Muro. E lá chegando, incrédulos e estupefatos, como crianças que temem o despertar por não querer o fim do sonho, detêm-se, de súbito. Eis que se ouve um choro convulsivo, preces sendo entoadas, enquanto outros dançam, dando vazão à emoção. O país inteiro dançou. A história judaica dançou. Explodindo de júbilo e gratidão pelo privilégio de testemunhar aquele momento, pensei: ‘É isto, Jerusalém, o lugar que atrai e irmana todos os judeus, a verdadeira cidade da saudade e promessa eternas’”.

No dia 7 de junho, apenas 48 horas após o início da Guerra dos Seis Dias, o sonho há muito acalentado se concretizou tão rápida quanto inesperadamente. Uma mensagem percorreu toda Israel: “Har Habait Beiadeinu” - o Monte do Templo está em nossas mãos!”. Naquele dia, o som do Shofar tocado ao pé do Kotel anunciava ao mundo que os Filhos de Israel haviam voltado para seu Muro. Jerusalém, o coração e alma de Eretz Israel e do Povo de Israel, finalmente reunificada, é a capital política do moderno Estado de Israel.

Em compasso de espera Em junho de 1967, mesmo quando Israel percebeu que não haveria como evitar um novo conflito contra o Egito e seus aliados, a reconquista de Jerusalém Oriental não estava entres os planos que traçaram. Moshé Dayan,

A reconquista foi uma luta árdua, muitos sacrificaram sua vida, outros tantos foram feridos, mas o heroísmo 67

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ISRAEL

então ministro da Defesa, e o Comando Supremo das Forças de Defesa de Israel (FDI) sabiam que para ganhar a guerra deviam, antes de tudo, derrotar o Egito e concentrar a maior parte de suas forças na frente egípcia. Dayan ordenara aos comandantes do Exército não se envolver em “ações militares que pudessem complicar a posição de Israel diante da Jordânia”. No dia 5 de junho, 45 minutos após os aviões israelenses iniciarem o ataque às bases egípcias, o general Odd Bull, comandante de Supervisão de Tréguas das Nações Unidas, recebeu um telefonema do Ministério das Relações Exteriores de Israel solicitando sua presença. Ao chegar ao Ministério, foi-lhe entregue a mensagem de Levi Eshkol para o rei Hussein. O primeiro-ministro pedia, mais uma vez, que a Jordânia não entrasse no conflito. “Se a Jordânia não fizer nenhum ato hostil, Israel tampouco o fará”. O rei da Jordânia ignorou os apelos, pois chegara à conclusão de que sua sobrevivência política dependia de ser visto como parte da coalizão na luta contra Israel. Durante 19 anos, jordanianos e israelenses tinham-se preparado para o dia em que voltassem a se enfrentar belicamente. Para Israel, a perda da parte oriental de Jerusalém, principalmente da Cidade Velha de Jerusalém, em 1948, na Guerra de Independência, foi um dia de luto. Nas palavras de Ben-Gurion, “um motivo para chorar por gerações”. A luta contra a Legião Jordaniana foi sangrenta; treinada e armada pelos britânicos, a Legião era a melhor do mundo árabe. Os judeus lutaram corajosamente, mas

A FOTO DOS TRÊS EX-PARAQUEDISTAS NA FRENTE DO KOTEL, SE TORNOU UMA IMAGEM ICÔNICA DA GUERRA. A IMAGEM FOI TIRADA PELO FOTÓGRAFO ISRAELENSE DAVID RUBINGER

tiveram que se render, e a Cidade Velha ficou sob a soberania da Jordânia. Conquistadores cruéis, os jordanianos mataram ou expulsaram todos os judeus da área, destruindo suas 60 sinagogas, incendiando-as ou profanando-as, e rasgando centenas de Sefarim. E, apesar dos acordos internacionais de cessar-fogo que garantiam a judeus e cristãos o livre acesso aos lugares sagrados, esse acesso foi proibido aos judeus. Os cristãos que apresentavam certificado de batismo podiam entrar durante certos feriados. Nas quase duas décadas os jordanianos haviam montado linhas de defesas praticamente intransponíveis: arame farpado, trincheiras profundas e campos minados corriam ao longo da Linha Vermelha, a linha do armistício de 1948 que separava as duas partes de Jerusalém. A linha estendia-se por pouco mais de 8 km de norte a sul. Para preocupação dos comandantes das Forças de Defesa de Israel (FDI), a muralha da Cidade Velha era o ponto central das defesas da Jordânia. Desde maio de 1967, perante a possibilidade de uma guerra contra 68

Israel, a população da Jerusalém jordaniana foi tomada por grande euforia. Os alto-falantes das mesquitas incitavam os fiéis a massacrarem os judeus. O líder da OLP, Ahmed Shukeiry, chegou à cidade na sexta-feira, 2 de junho, para participar das preces na Mesquita al-Aksa. Multidões o carregaram nos ombros. Em um discurso inflamado, ele disse: “Israel está às vésperas da destruição e haverá poucos sobreviventes”. Ironicamente, quando a Guerra eclodiu, Shukeiry estava entre os primeiros a fugir da cidade. Enquanto a Jerusalém jordaniana vivia uma histeria eufórica coletiva, a judaica se preparava para enfrentar uma batalha sangrenta, que teria que ser lutada rua por rua, de casa em casa. Nas semanas que antecederam a guerra foi intensa a mobilização do setor civil. As autoridades municipais implementaram planos tão detalhados quanto os dos militares. Desde o fechamento do Estreito de Tirã, a agência chamada PESACH (um acrônimo das palavras hebraicas para “evacuação, bemestar e enterro”) começou a preparar edifícios públicos para servirem de centros de evacuação. Temendo-se a ocorrência de milhares de mortos, foi preparado um monte ao lado do Monte Herzl para abrigar um novo cemitério. Havia estimativas que o número de mortos poderia chegaria a 2 mil, se aviões jordanianos não bombardeassem a cidade, caso contrário, a 6 mil. Como as FDI temiam o uso de gases mostarda e nervoso, usados pelo Egito no Iêmen, oficiais da Haga, defesa civil, receberam treinamento de como agir frente a tal eventualidade. Voluntariar-se tornou-se uma obsessão. Milhares ficavam em fila para doar sangue, outros tantos


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No dia 24 de maio – Yom Yerushalayim – Dia de Jerusalém, Israel festejou 500 aniversário da libertação e unificação da Cidade Sagrada sob soberania judaica

participavam de cursos de primeiros socorros das equipes de resgate da Magen David Adom, mais de 2 mil voluntários cavavam diariamente trincheiras perto de apartamentos e escolas que não possuíam abrigos próprios (40% das construções), entre eles 500 alunos de ieshivot. No Shabat após o fechamento do Estreito de Tirã, um dos comandantes da Haga viu alunos de ieshivot, liderados por dois rabinos ortodoxos, cavando trincheiras. Caberia ao general Uzi Narkiss, comandante das FDI na região Central, com sete brigadas sob suas ordens, enfrentar uma ofensiva jordaniana. Sua principal força de reservistas, a 10a Brigada Mecanizada, estava estacionada na planície costeira. Em caso de guerra, seus velhos tanques Sherman teriam que enfrentar uma brigada jordaniana de 88 modernos tanques Patton estacionados próximo a Jericó. A defesa de Jerusalém, em

particular, estava nas mãos da Brigada de Jerusalém, composta em sua maioria por reservistas, muitos com mais de 30 anos, enquanto os israelenses entre 45 e 49 anos compunham os quadros da Haga. Na noite de domingo, 4 de junho, Narkiss reuniu-se com seus comandantes e um oficial da Inteligência para examinar os deslocamentos das forças da Jordânia. O general estava preparado para a eventualidade de um ataque, mas não acreditava que seria muito mais do que uma troca de tiros transfronteiriços. Caso os jordanianos atacassem pesadamente em Jerusalém o plano de Narkiss era romper as linhas inimigas com sua Infantaria até o Monte Scopus, localizado na parte jordaniana, e levar seus blindados até um terreno elevado entre o Monte e o Palácio de Governo. O general Haim Bar-Lev, vicechefe do Estado Maior, porém, 69

o alertara de que suas forças não tinham autorização para atravessar a Linha Vermelha. As ordens do general Yitzhak Rabin, então chefe do Estado Maior, eram claras: “Nada deve ser feito para provocar os jordanianos. Caso a Jordânia abra fogo, Israel responderá, mas sempre tentando evitar a escalada do conflito”. Os eventos, no entanto, foram tomando vida própria.

O ataque jordaniano Após o ataque surpresa de Israel, Nasser fez de tudo para manter a Jordânia como aliada. Ele sabia que alguns oficiais jordanianos haviam aconselhado ao rei que ao menos esperasse alguns dias para ver o andamento do conflito, antes de atacar Israel. O alto comando egípcio descaradamente “informou” a Hussein que ¾ da Força Aérea de Israel tinha sido destruída e que aviões e o exército egípcio estavam atacando Israel. E uma mensagem junho 2017


ISRAEL

TANQUES E CAMINHÕES ISRAELENSES A CAMINHO DA CONQUISTA DO LADO DE JERUSALÉM ATÉ ENTÃO SOB CONTROLE JORDANIANO

foi imediatamente enviada ao general egípcio que coordenava as forças árabes na frente jordaniana, ordenando-lhe iniciar a ofensiva. O que o rei não sabia era que Israel praticamente vencera a guerra três horas após seu início quando sua Força Aérea destruíra a egípcia. Na manhã de 5 de junho, o Comando Geral das FDI ainda pensava em termos de contenção do conflito, não em expandi-lo. Apesar de Hussein não atender ao apelo de Israel, poucos na alta hierarquia militar e política de Israel acreditavam que haveria uma guerra em grande escala com a Jordânia. A seu ver, caso Hussein interviesse, seria apenas proforma, para satisfazer seus aliados. Baseavamse, entre outros, no fato de que desde 1963 o rei mantinha reuniões secretas com israelenses para evitar mal-entendidos que pudessem levar a um conflito com o Estado Judeu.

e, o segundo, a notícia de que os jordanianos estavam atacando pesadamente alvos militares e civis, e que sua artilharia de longo alcance abrira um pesado fogo sobre Jerusalém Ocidental. Moshé Dayan, então, realocou a 55a Brigada de Paraquedistas – brigada de reserva sob o comando do então coronel Mordechai (Motta) Gur – para defender a Jerusalém judaica. À medida que as horas passavam tomava forma entre os membros da hierarquia militar e política a possiblidade, até então descartada, de tomar Jerusalém Oriental. O general Narkiss, o ministro Yigal Allon, Menachem Begin e o rabino-chefe do Exército, general Shlomo Goren,

A atitude em relação à Jordânia foi mudando a partir do final daquela manhã por dois fatores. O primeiro era a confirmação do sucesso do ataque aéreo preventivo, Marcado por uma intensa movimentação de tropas

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TROPAS ISRAELENSES ENTRAM NA CIDADE VELHA DE JeRUSALÉM PELa PORTa DOS LEÕES

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entre outros, começam a pressionar para que fosse autorizado inclusive um ataque à Cidade Velha. O general Narkiss não escondia o fato de que se Israel desse início, em Jerusalém, à guerra de movimento1, ele tentaria tomar a Cidade Velha. Sua motivação era tanto nacional como pessoal. Ele queria corrigir o que considerava a maior mancha em sua carreira militar – ter perdido a Cidade Velha 19 anos antes. Ele se considerava de certa forma responsável pelo fato de que os judeus não podiam rezar no Kotel. “Durante uma noite tive o Portão da Cidade em minhas mãos, mas me foi arrebatado”. A História parecia estar-lhe dando e dando a Israel uma segunda chance...

A batalha por Jerusalém Eram por volta das 8h30 quando as bombas jordanianas começaram a cair na parte judaica da Cidade. A Rádio de Amã anunciava que Israel atacara a Jordânia e, 20 minutos depois, o rei Hussein declarou pelo rádio: “A hora da vingança chegou...”. O general Narkiss, após ordenar alerta geral em toda a área do Comando Central e dar instruções para os alarmes de ataque aéreo, telefonou a Teddy Kollek, então prefeito de Jerusalém, dizendo: “Estamos em guerra, mas está tudo sob controle. Você está prestes a ser o prefeito de uma Jerusalém Unificada!”. Dois eventos aceleraram a decisão das FDI de avançar sobre a parte jordaniana de Jerusalém. O primeiro ocorreu por volta das 14 h. O comandante da Brigada de Jerusalém informou Narkiss que legionários jordanianos haviam


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ocupado o antigo Palácio de Governo onde ficava o Q.G. das Nações Unidas. O local era militarmente estratégico, pois domina a estrada BethlehemHebron pela qual os jordanianos podiam obter reforços. Israel teria que desalojar os legionários do prédio e ocupar os entroncamentos por onde tropas inimigas podiam se movimentar. Narkiss ligou ao comandante da 10a Brigada de Blindados. “Coloquem suas forças na estrada para Jerusalém. É a nossa chance de conquistá-la!”. Mas foi o anúncio da rádio egípcia afirmando que tropas jordanianas haviam capturado o Monte Scopus que mudou o curso do conflito. Israel sabia que o anúncio era falso, mas também, sabia que significava que um ataque jordaniano ao enclave israelense era iminente. Uma das preocupações das FDI sempre foi a segurança dos 122 soldados estacionados no Monte Scopus, no lado jordaniano da cidade. A Brigada de Jerusalém podia deter qualquer ataque, mas se o Monte caísse em mãos jordanianas, sozinha a Brigada não conseguiria furar as formidáveis defesas construídas em volta dele pelos inimigos. Com a chegada da 55a Brigada de Paraquedistas comandada pelo coronel Gur, a batalha por Jerusalém toma outras proporções. O Comando Geral autorizara Narkiss a iniciar um contrataque assim que o batalhão de paraquedistas chegasse a Jerusalém. A ordem era chegar até o Monte Scopus e libertar a guarnição de soldados israelenses que estavam cercados. Para consegui-lo, teriam que romper as defesas jordanianas, penetrar campos minados, destruindo sólidas defesas fronteiriças, e lutar através de pelo menos 1,5 km em uma

APÓS A RECONQUISTA DA CIDADE VELHA, SOLDADOS CHEGAM À MESQUITA DOMO DA ROCHA. 7 DE JUNHO 1967

cidade edificada, na qual ninhos de metralhadoras e homens armados com rifles estavam emboscados atrás de janelas. E, assim que o Monte Scopus estivesse em suas mãos, tomariam posições estratégicas na Jerusalém Oriental para criar uma situação que lhes permitisse irromper pela Cidade Velha. Gur estava ciente de que ele e sua brigada iriam enfrentar um combate difícil, mortal, mas estavam prontos. Tendo nascido em Jerusalém, assim como Yitzhak Rabin, Uzi Narkiss e Moshé Dayan, há anos Gur acalentava o sonho de tomar parte de uma batalha pela cidade.

Ao chegar a Jerusalém Gur incumbe os três comandantes de batalhão de sua Brigada, cada um com objetivo específico, para preparar um assalto cruzado à Linha Vermelha, ao longo de um setor demarcado ao norte pela Colina da Munição e pela Escola de Polícia da Jordânia, no centro pelos bairros Shaikh Jerrah e Wadi Joz, e ao sul pelo Hotel American Colony e pelo Museu Rockefeller. Os comandantes tinham uma hora para traçar seus planos para, em seguida, colocá-lo em prática. Os israelenses lutariam, à noite, num ambiente urbano desconhecido, pois

O Ministro da Defesa Moshe Dayan, o Chefe do Estado-Maior Yitzhak Rabin, o Gen. Rehavam Ze’evi (esq.) e o Gen. Uzi Narkiss caminham na Velha Jerusalém

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junho 2017


ISRAEL

muro ocidental é recapturado; a rádio do exército israelense anuncia: “o kotel está em nossas mãos”

há 19 anos nenhum judeu podia aventurar-se pelas ruas da Jerusalém Oriental e havia apenas meia dúzia de mapas mal feitos da parte jordaniana da cidade. Os soldados não poderiam contar com reforços, não teriam apoio de blindados e armamentos pesados, tampouco tinham alguma experiência em atacar uma cidade daquele porte ou de combate de casa em casa, ainda tendo que ter o cuidado para não danificar locais sagrados de três religiões. Uma missão que parecia impossível foi realizada: na manhã do dia 6 de junho, após uma luta impiedosa, estavam em mãos de Israel o Monte Scopus, assim como pontos estratégicos. Ainda estavam em mãos da Legião Árabe o Cume Augusta Victoria, o Monte das Oliveiras e a Cidade Velha. Mas, as Brigadas Harel e de Jerusalém já controlavam três dos quatro acessos à cidade. As vitórias custaram caro para Israel; muito sangue de jovens israelenses havia sido derramado durante a longa noite. Muitas vidas ceifadas. O número de feridos era imenso e as maiores baixas eram dos comandantes. Mas, graças ao heroísmo dos paraquedistas e dos outros soldados, naquele segundo dia

de guerra, era grande a possibilidade de uma Jerusalém unificada e israelense. Algo que até então estava além de qualquer esperança ou imaginação agora estava ao alcance de Israel. Israel, porém, encontrava-se perante um grande dilema de tomar ou não a Cidade Velha. As implicações políticas e diplomáticas eram muitas: o Vaticano, centenas de milhões de cristãos e de muçulmanos iriam aceitar que seus lugares sagrados ficassem em mãos de judeus? Mas não podíamos perder a possibilidade histórica, única, que se abria depois de dois mil anos de exílio de voltar a ter em nossas mãos o Kotel Hamaaravi. O rabino chefe das FDI, general Shlomo Goren, o general Narkiss, o coronel Motta Gur, Menachem Begin, Levi Eshkol, Abba Eban e tantos outros pressionaram Moshe Dayan que ainda relutava em ordenar a tomada da Cidade Velha. Pouco antes do amanhecer do segundo dia Begin ligara para Dayan informando que o Conselho de Segurança da ONU iria declarar um cessar-fogo. “Se isso acontecer”, disse Begin com voz perturbada, “a Cidade 72

Velha, o Muro das Lamentações e o Monte do Templo permanecerão em mãos árabes. Isso não podemos permitir”.

Tomando a Cidade Velha De acordo com o plano rapidamente traçado pelo Alto Comando, Israel iria tomar as colinas que circundam Jerusalém – além do Monte Scopus, o Cume Augusta e o Monte das Oliveiras - e manter as posições até segunda ordem. As forças de Israel iriam estabelecer um anel de aço ao redor da Cidade Velha, mas manteriam um corredor aberto para a Legião Árabe poder escapar. Era imprescindível preservar os Locais Sagrados. O que Israel pretendia era deixar a Cidade Velha cair por si só. Moshé Dayan ainda estava com dúvidas, temia a indignação da comunidade mundial caso os locais sagrados cristãos e muçulmanos fossem destruídos ou danificados pela ação israelense. Pior ainda seria tomar o Kotel e ter que devolvê-lo perante a pressão internacional, Dayan viu isso acontecer no Sinai. Toda relutância de Dayan se esvaiu ao receber o comunicado de que as forças jordanianas estavam abandonando o local, e que poucos ainda resistiam.


REVISTA MORASHÁ i 96

Os comandantes finalmente receberam o tão esperado sinal verde. Yitzhak Rabin ordenara a Gur: “Irrompam imediatamente pela Cidade Velha e a conquistem”. Gur aguardava por aquela ordem nas últimas 24 horas; de fato, durante toda a sua carreira militar. Ele sabia que a Nação Judaica vinha esperando ouvir aquela ordem há 19 séculos – a última vez que um exército judeu estivera nas muralhas da Cidade Velha fora durante o sítio de Jerusalém, comandado pelo general Tito, futuro imperador de Roma.Ironicamente, ainda que o exército tivesse planos de contingência para virtualmente cada alvo e circunstância concebíveis no Oriente Médio, não havia um sequer que cobrisse a tomada da Cidade Velha, mas com a possibilidade de um iminente cessar-fogo o ataque tinha que ser executado o mais rápido possível. Israel iria estrangular a Cidade Velha pelo Sul. Até então a ordem do Alto Comando era não atingir a Cidade Velha com artilharia, a despeito da provocação, mas com a iminência do ataque, foi dada permissão de bombardear a extremidade esquerda da cidade murada, por trás do ponto de entrada escolhido – a Porta dos Leões. Os canhoneiros precisavam tomar cuidado para evitar que se atingisse o Monte do Templo, a poucos metros à direita da Porta dos Leões. A decisão de irromper justamente por essa entrada, na muralha oriental da cidade, fora tomada ainda naquela manhã. Até o final da noite anterior o plano era avançar pela Porta de Herodes, na muralha norte. Foi do topo do Monte das Oliveiras que o coronel Motta Gur ordenou à sua Brigada de Paraquedistas para atacar. “55a Brigada de

frente, logo ao início da tarde. Gur se unira a seus homens. Os veículos militares aproximaramse da Porta dos Leões vindo pelo Norte, justo quando os tanques chegavam do Sul. Os tiros ainda vinham ao longo da muralha da Cidade Velha e os tanques respondiam com suas metralhadoras, abstendo-se de atirar bombas para evitar danificar o Domo da Rocha.

RABINO SHLOMO GOREN TOCA O SHOFAR NA ÁREA DO KOTEL

Paraquedistas”, disse Gur a seus homens, “estamos daqui de cima, com a Cidade Velha a nossos pés. Dentro em breve adentraremos na antiga cidade de Jerusalém, que por gerações foi o motivo de nossos sonhos e a razão de nossas aspirações. Nossa brigada recebeu o privilégio de ser a primeira a nela entrar.” Ordenou a seguir que todas as unidades se pusessem em marcha. As quatro companhias do batalhão atingiriam as quatro principais posições jordanianas na colina, de

O general Narkiss, que estava no Monte Scopus com seu grupo avançado de comandos, quando ouviu Gur ordenar o avanço, também seguiu em direção à Porta dos Leões. Com ele no jipe estava o general Haim Bar-Lev. Narkiss não conseguia esquecer sua última entrada na Cidade Velha, 19 anos antes. “Não deveríamos entrar se for para sair de novo”, bradou. “Daqui, nunca mais sairemos”, respondeu-lhe Bar-Lev. Uma vez aberto a Porta dos Leões, Gur ordenou a seu motorista ir em direção ao Monte do Templo. Este surgiu imponente, e vazio. Depois de uma luta ferrenha nenhum jordaniano parecia estar lá.

PAUSA PARA UM DESCANSO, APÓS A ÁRDUA BATALHA PELA RECONQUISTA DE JERUSALÉM

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junho 2017


ISRAEL

SOLDADOS COMEMORAM DIANTE DO KOTEL

Ordenou no radio a todas as unidades cessar-fogo e dirigindo-se ao general Narkiss disse: “O Monte do Templo está em nossas mãos. Repito. O Monte do Templo é nosso”. Ao chegar no topo do Monte ordenou que a Bandeira de Israel fosse hasteada sobre o Kotel HaMaaravi! O relógio marcava 10h21– 48 horas após o início do combate em Jerusalém. Os paraquedistas que iam chegando à então estreita rua diante do Muro ficavam em silêncio, conscientes de que eram os primeiros soldados de um exército judeu a lá chegar em dois milênios. O rabino-chefe das FDI, o general Goren, que avisara a Gur que ele desejava ser o primeiro homem a aproximar-se do Muro, adentrou a Cidade Velha carregando um Sefer Torá e um Shofar. Um dos comandantes da companhia de tanques o carregou e, do alto do tanque, o rabino Goren tocou bem alto o Shofar, continuando a

soprar, ele correu para o Monte do Templo. Lá, abraçou Gur e pediu vinho para fazerem o Kidush. Em seguida, ainda agarrado ao Sefer Torá, o rabino Goren puxou uma dança chassídica com os paraquedistas e começou a cantar o Hatikva, mas os soldados o interromperam entoando a nova canção de Naomi Shemer, “Yerushalaim shel Zahav”, Jerusalém de Ouro.

fazendo continência ao Kotel, eles recitaram chorando o Kadish pelos camaradas tombados na batalha. Enquanto o rabino Goren cantava o Hatikva, cada um deles sabia que a volta do Kotel HaMaaravi ao Povo Judeu era uma questão sobre a qual a opinião das Nações Unidas ou qualquer política regional eram totalmente irrelevantes, eles o haviam reconquistado e Israel aí ficaria.

Centenas de soldados, vindo por todos os lados com os rostos banhados de lágrimas acorriam à pequena ruela diante do Muro. Aproximavam-se do Kotel para tocar as pedras milenares, alguns comprimiam o rosto nas pedras. Durante dois dias tinham obedecido a ordens, lutado contra a dor e o medo; tinham sangrado, foram feridos, tinham visto tombar seus camaradas, mas agora estavam lá! Enquanto o suor da batalha ainda brilhava neles repetiram as palavras do rabino Goren: “Shehecheyanu… Aquele que nos manteve com vida, nos preservou, e nos permitiu chegar a este momento com vida...”. A seguir, em posição de sentido e

O general Dayan somente conseguiu chegar ao Monte do Templo no início da tarde entrando pela Porta dos Leões, acompanhado por Rabin. De pé, diante do Muro, escreveu um bilhete que inseriu no Muro: “Que a paz desça sobre a Casa de Israel”.

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BIBLIOGRAFIA

Pressfield, Steven, A Porta dos Leões, Editora Contexto Rabinovich,Abraham, The Battle for Jerusalem: An Unintended Conquest (50th Anniversary Edition), ebook Kindle Clifford, Irving, The Battle Of Jerusalem - A Short History Of The Six-Day War: June 1967, eBook Kindle


REVISTA MORASHÁ i 93

No dia que comemoramos a libertação de Jerusalém por Israel, há 50 anos, foi um bálsamo ler “Yom Yerushalayim”, a matéria que está on-line. Todos os artigos dessa edição são ótimos, mas queria destacar aquela sobre o grande Leonard Cohen, que poucos sabem era judeu e um amante de Israel, e também sobre a captura de Eichmann. Parabéns pelo trabalho fantástico que vocês fazem. Enrico Murani Rio de Janeiro - RJ

A revista Morashá é inegavelmente interessante, educativa e informativa. Sua leitura é tão boa como de um bom livro, se não melhor. A Morashá existe para a lembrança de quem somos. Nasci em Berlim, só aprendi que sou judeu quando vi de perto a queima das sinagogas, nas ruas o vidro das vitrinas quebradas das lojas judaicas, etc. Frequentei a Volksschule e depois o Juedische Real Gymnasium, onde aprendi bem mais sobre o nosso povo. Com o antissemitismo cada vez pior, a Inglaterra generosamente criou o famoso Kindertransport, e tive a tremenda sorte de ser uma destas crianças. Imagine a dor dos pais na estação do trem, certos que não veriam seus filhos nunca mais... Na Inglaterra fui tratado muito bem e tão logo tive idade suficiente, alistei-me no exército inglês. Quando ouvi falar da Brigada Judaica, pedi transferência e servi na Itália. Foi lá que aprendi a falar hebraico e que aprendi que havia 10 vezes mais judeus na Polônia do que na Alemanha. Para minha esposa, nascida em Viena, a história é exatamente a mesma, encontramo-nos na Inglaterra e casamos. Nossos filhos são os netos de quatro avós assassinados que nunca chegaram a conhecer. Recomendo a todos que leiam a revista.

Eu não leio a Morashá, eu mergulho na Morashá, eu estudo a Morashá. Volto às matérias de história duas e três vezes. Eu viajo no espaço e no tempo com a Morashá. Gostaria de uma matéria sobre a Ilha de Rhodes, no Mar Egeu. Toda minha família é de lá. Até o nome da avenida central da Judiaria leva meu sobrenome. Obrigada pelas matérias sempre interessantes, vibrantes, com bibliografia com as quais nos presenteiam a cada edição.

Trabalho com alguns parceiros em um projeto sobre Curaçau, a ilha do Caribe, e soube da excelente matéria publicada na edição 95 da Morashá sobre a ilha. Enviarei exemplar para nossos contatos da comunidade de Curaçau.

Morashá cumpre com excelência seus objetivos – artigos e produção impecáveis. Na edição 95, a revista nos brinda com o artigo “Os Judeus de Curaçau” trazendo respostas às várias indagações e reflexões ... Fugindo da inquisição, nosso povo mais uma vez, migrou. A ilha de Curaçau tornou-se um local de acolhimento. A beleza da história se mantém até hoje, quando vários imigrantes de diferentes países vieram se juntar à colônia judaica... esse é o espírito da nossa comunidade: a união! Destaco ainda Leonard Cohen, grande poeta e compositor com a música que se eternizou, “Aleluia”, e Naomi Shemer, com sua também poesia e música “Yerushalayim Shel Zahav”, que se tornou nossa referência, além do Hino de Israel: nunca perder esperança da Terra Prometida. Enfim, difícil selecionar um artigo. Parabéns à competente equipe.

Leonardo Libman São Paulo - SP

Janete Haber Fajntuch Rio de Janeiro - RJ

Minha família recebe a Morashá regularmente, leio com prazer, mas a edição 95 foi especial. O artigo de rabino Lorde Jonathan Sacks foi de uma sabedoria e profundidade que gostaria de ler em toda reunião da comunidade. É um chamado para as lideranças. Outro artigo que me tocou profundamente foi “O novo antissemitismo”. E que bela foto dos soldados de Israel no Muro Ocidental!

Agradeço o envio do exemplar da Morashá. Esta revista é simplesmente uma joia em papel.

Ernest G. Growald Por e-mail

Jayme Gudel Por e-mail

Silvia Aljadeff Kuffer Por e-mail

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Luis Gerardo Consulado Geral do México

Agradecemos a doação da Morashá, 2016, Ano 24, nº 94. Tal obra enriquecerá e muito o acervo de nossa Biblioteca. Centro Cultural São Paulo Supervisão Bibliotecas São Paulo - SP

JUNHO 2017



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