Revista Naipe 004

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A DÁDIVA UNIVERSITÁRIA

UFSC E UDESC LEVAM ALUNOS PARA SARACOTEAR POR BRASIL E VIZINHANÇAS

A RESISTÊNCIA JURUBEBA NAIPE DIVIDE OSTRAS COM O ESCRITOR E ORÁCULO XICO SÁ

O AMOR NOS TEMPOS DA BOLHA RELACIONAMENTOS SE MOLDAM AO TEFLON DOS TEMPOS

SARAMAGO SEU MADRUGA ENSAIOS DIÁRIOS INDIANOS




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O G E I D N SA

*Valores sujeitos à alterações até o pagamento, variação na paridade da moeda e câmbio (câmbio referencial em 15/10/2010), valores não incluem: passagem aérea, taxas de embarque, visto consular e passaporte, taxa administrativa, seguro saúde e despesas pessoais.

A C as fé a par

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EDITORIAL NAIPE TRADUZIDA Volta e meia as revistas se sentem perfeitamente traduzidas por alguém. O escritor e colunista da Folha de S.Paulo Xico Sá é a perfeita tradução da Naipe. Claro que podemos ser acusados de oportunismo. A Naipe levou Xico Sá para comer ostras em Florianópolis e ele criou uma conexão com a equipe – recomendou a revista no Twitter, elogiou o conteúdo por email e até nos ligou de um boteco paulistano para nos agradecer pelo passeio, as ostras, as cervejas, a conversa, o sol (?). O leitor mais atento, porém, lembrará que rasgamos elogios a ele já na edição número um, com uma breve mas babada resenha do seu livro Chabadabadá. Xico Sá personifica a Naipe porque é pop e tem conteúdo. Suas crônicas sobre relacionamentos misturam alta e baixa cultura de maneira espontânea e fluente. Uma mesma frase sua contém referências ao cancioneiro brega nacional e à literatura clássica francesa. Assim seu texto se tornou um dos melhores entre os jornalistas do país. Se seus livros não estão na lista de best-sellers, vendem o suficiente para que ele seja requisitado pelas grandes editoras. Seu nome sempre rende reverências entre leitores, seu Twitter já acumula mais de 30 mil seguidores. Enfim, Xico Sá é uma personalidade que prospera muito mais à base de credibilidade que de aparições gratuitas. Como se sabe, hoje em dia aparecer é muito mais fácil que permanecer. Quanto mais a Naipe for confundida com o jeito Xico Sá de trabalhar, portanto, mais ficaremos orgulhosos.

Boa leitura, abraços! Thiago Momm, editor-chefe

A Naipe é uma publicação da editora Naipe Comunicações Ltda. Redação, administração, publicidade e correspondência à rua Victor Meirelles, 600, Kobrasol, São José. Diretor executivo: Marlos Momm; Diretor administrativo e de publicidade: Thiago Steiner; Editor-chefe: Thiago Momm, thiagomomm@ revistanaipe.com; Repórter fotográfico e editor: Jerônimo Rubim, jeronimo@revistanaipe.com; Repórter: Rosielle Machado, rosielle@revistanaipe.com; Comercial: Daniele Marchi, comercial@revistanaipe. com; Gerente comercial: Moriani Baptista, moriani@ revistanaipe.com Direção de arte: Lobotomáticos, info@lobotomaticos.com; webdesign revistanaipe.com: In Vitro Digital. Foto da capa: Gabriel Rinaldi. Impressão: Coan. Jornalista responsável: Thiago Momm, MTB 45919/SP.

FALE REALMENTE CONOSCO: Para resmungos e sugestões, fale com nossos editores pelo tel. (48) 3035-4969 ou o e-mail naipe@ revistanaipe.com. Assinaturas: assinatura@ revistanaipe.com Para anunciar, fale com nosso diretor de publicidade Thiago Steiner, (48) 7811 4700, thiagosteiner@ revistanaipe.com.


A FAMA ESTÁ CHAMANDO. OUÇA E APROVEITE.

SUA BANDA VAI FICAR FAMOSA. ::: Concorra a um vídeo clipe ::: Use seu link do YouTube ::: Acesse www.bandmeup.com.br www.yazigi.com.br - 0800 728 3166


CARTAS

NAIPE 03, O RETORNO Sobre Panfletagem safada “Excelente reportagem. Mas não são só os homens que estão sendo abordados no centro de Florianópolis. Outro dia recebi um panfleto também. A concorrência deve ser menor ou o mercado não é tão lucrativo para os garotos de programa.”

Comente as matérias desta edição via revistanaipe.com ou pelo email naipe@revistanaipe.com

“O perfil tá muito foda. Informativo afetivo” Xico Sá, por email “A figuríssima de Floripa / Balneário Camboriú, ‘o corno’, é muito mais que o perfil da revista Naipe.” @jusakae, via Twitter

Marinês Barboza, via site

Sobre a Naipe

Sobre Carlos é invisível

“Conheci a Naipe por dica de minha namorada. Fico muito grato de achar uma publicação deste nível circulando no Estado. Parabéns!”

“Sensacional! Eu cresci vendo Carlos pelas ruas da cidade. Um prazer conhecê-lo um pouco mais depois de tanto tempo de ‘convivência’.” Carla, via site

Ana Carla Batista é uma fotógrafa de apenas 18 anos que faz Artes Visuais na UDESC. São dela as fotos de A resistência jurubeba (p.38).

Luiz Christiano Nunes, editor TV Globo – SporTV

CULPADOS DA NAIPE 04

Bruno Ropelato é um fotógrafo prodígio de 21 anos. São dele as imagens da matéria de capa, O amor nos tempos da bolha (p.28). Bia Carminati e Julie Fernandes mantém o blog Donde estás corazón e escreveram a seção Estilera (p.20) Jerônimo Rubim é editor de Naipe. Nesta edição, escreveu Sambalanço, Sagatiba e Wi-Fi (p.14). Mauktik Kulkarni é neurocirurgião. É dele Diários de um indiano (p.47), sobre viagem de moto pela América do Sul. Rosielle Machado é repórter de Naipe. Entre outras, escreveu Sassaricando (p.24) e Rebordosa revisitada (p.44). Thiago Momm é editor-chefe de Naipe. Escreveu O amor nos tempos da bolha e A resistência jurubeba. Xico Sá é escritor, colunista da Folha de S.Paulo e macho-jurubeba. É dele a crônica A gente se vê (p.36). O sempre elogiado visual da Naipe cabe ao Lobotomáticos, estúdio de criação dos irmãos-sinapse Bruno e Diogo Rinaldi. Bruno foi diretor de arte por sete anos em agências publicitárias dos EUA. Diogo trabalhou como desenhista industrial nos EUA e no Brasil.


afroreggae.org.br twitter.com/jjafroreggae

multishow.com.br twitter.com/multishow

a GENTE MOSTRa a REaLIDaDE DE QUEM vIvE ENCaRCERaDO. SEJa EM BaNGU 1, SEJa Na av. aTLaNTICa. 3a TEMpORaDa DO CONExOES URBaNaS. apRESENTaCaO: JOSE JUNIOR, DO afROREGGaE. TODa QUaRTa-fEIRa, aS 23h, NO MULTIShOw.


10• N A I P E

Diversos formadores de opinião locais e alguns nacionais apontam a Naipe como a revista mais inovadora dos últimos anos em Santa Catarina. Comentários e números do Twitter, Facebook e do site da Naipe mostram que muitos leitores concordam.

NA I UE PE ? NA IPE

?

Longe de se pavonear com isso, a Naipe sabe o quanto tem para crescer e melhorar. Críticas são muito bem-vindas. Todas as resmungadas, estilingadas e pedradas podem ser enviadas para naipe@revistanaipe.com. Claro, também aceitamos cafunés.

Conheça nossa equipe na seção A Naipe / Quem faz do revistanaipe.com.

Revista

revistanaipe.com

A distribuição da Naipe é gratuita e dirigida. A revista é entregue para universitários da Grande Florianópolis, de Balneário Camboriú e de Itajaí, nos campi da UFSC, Univali, Unisul, Estácio de Sá, Udesc, Assesc e outras. Parte dos exemplares destina-se a bares, cafés e lojas de shoppings ou bairros de grande movimentação universitária.

Com conteúdo novo diariamente, o site da Naipe vai muito além de um site comum de revista mensal. O site cresce cerca de 60% ao mês. Em outubro foram mais de 12 mil acessos

Projetos especiais

A Naipe envolvida com causas diversas, como aproveitamento da sobra do papel utilizado na impressão da revista.

Naipe promo

Um canal direto entre os universitários e os produtos dos anunciantes da Naipe.


REVISTANAIPE.COM

MISSÃO CUMPRIDA

Matéria da Naipe cai na rede como email viral

Entre outras missões, o revistanaipe.com tem a de flagrar e incentivar uma nova Florianópolis. Às vezes, porém, basta apontar coisas desconhecidas que estão aí na ilha há muito. Foi o caso da biblioteca escondida que a repórter Rosielle Machado descobriu atrás da nababesca Igreja Universal da Avenida Mauro Ramos, no centro.

Siga a Naipe no twitter: @revistanaipe Adicione a Naipe no Facebook procurando por naipe sc Leia a revista em versão digital no revistanaipe.com

A biblioteca reproduz a do filme My Fair Lady e tem 15 mil livros, bananas no jardim e leituras ao som de bem-te-vis. O achado espantou muita gente: a matéria foi acessada por mais de 6 mil computadores. Mais de cem pessoas visitaram o lugar antes ignorado, muitos citando a Naipe. Outros veículos de comunicação saíram correndo atrás da responsável pelo lugar para entrevistá-la. Maria, a atendente, resmunga sorrindo que não consegue mais nem tomar café. Uma matéria sobre chapeiros, pizzaiolos, motoboys e garçons que jogam futebol entre 2h e 5h da manhã, no entanto, não comoveu. O editor-chefe da revista Thiago Momm passou frio para fazer a reportagem jurando ter outra pepita coruscante em mãos. Resultado: menos de 300 computadores. Quase ninguém quis saber.


SOPÃO•ALÔ, BLUMENAU

BAGUNÇA TEUTÔNICA Frases medonhas que ouvimos na última Oktoberfest

“Não batam as canecas na película. O resto é bagunça” Motorista da excursão da Naipe

“Tem que achar uma parceria massa. Senão, encontrando duas meninas, sempre acabo ficando com a Obelix” Bergamota, um bêbado

“Tá pensando que eu sou o Brad Pitt? Não sou, porra! Então para de ter ciúmes de mim” Um gordinho ao telefone

“Vocês querem cantar o Zic Zac?” Vocalista da Banda do Caneco

12• N A I P E

BRILHO ETERNO DE UMA OKTOBER SEM LEMBRANÇAS Naipe tenta recompor quadro surrealista pintado na bagunça alemã O líquido é rosa, e o copo, prateado. No seu fundo se vê alguma coisa, espera-se que não o seu futuro. O microônibus vai para a Oktoberfest. As cores se esmaecem e embaralham, o tom tende para Polaroid. Vagamente, cones e um posto de polícia do outro lado das janelas com película. As pessoas de chapéu e canecos apoiados nas alças amolecem no corredor. Um caminho confuso e comprido me separa dos isopores com Santo Graal. Sentadas juntas, quatro amigas universitárias parecem quatrocentas. Pelo menos sob a epifania pós-goladas. Não são raras, revelações a caminho de Blumenau em outubro. A dificuldade é lembrar que revelações foram essas. Bêbados são bregas, emotivos, superlativos. As revelações têm a ver com novas potencialidades da vida; com o brilho eterno de uma mente agora sem lembranças, tela em branco do microônibus em diante preenchida por uma pintura surrealista. As primeiras tintas surreais, delirantes, salvadordalirianas vêm de estudantes de Administração sacolejando os

Leia sobre bagunças

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shortinhos jeans para o refrão “solteiro sim, sozinho nunca”, sertanejo universitário esgoelado nas caixas de som completamente estouradas do busão. As tintas se misturam. Você inscrito no chope em metro e às 22h esquecendo de voltar para participar do concurso. Um som que mistura uma espécie de Raimundos teutônico e cancã. Um amigo detido pelo segurança ao invadir o palco. A justaposição confusa dos seus conhecimentos de história alemã aos músicos que, de shorts de veludo preto e suspensório, batem as mãos no joelho e em palmas acima da

cabeça. “Vocês querem ouvir o Zic Zac?”, pergunta, sotaque carregado, o vocalista. Às 5h, as cabeças dos baladeiros nas calçadas caem para frente e são apoiadas nos antebraços. A cena remete ao resgate na praia de Dunquerque, quando 300 mil ingleses fugiram pra casa escapando do exército alemão. Volte sóbrio e velhinho à praça de alimentação do shopping blumenauense Neumarkt, em meados do século 21, e você resgatará esse quadro surrealista intacto, no fundo do seu ateliê mental. (Thiago Momm)


SOPÃO•BOTECOS & BOCADAS

SAMBALANÇO, SAGATIBA E WI-FI Bar Canto do Noel, botequim em histórica travessa de Florianópolis, mantém a chama nas tardes de sábado


Antes mesmo de chegar à pequena viela já dá para ouvir o nobre e antigo samba ecoando pela cidade vazia. Seu Lidinho, 70 anos, sapatos brancos e cartola, recepciona quem se aproxima com um empolgado sambalanço. Nos sábados de tempo bom, até que o último breaco resista, a histórica Travessa Ratclif oferece tardes de encontros etílico-sambísticos no quase fantasmagórico centro de Florianópolis. O beco de 50 metros é um dos pontos mais antigos e tradicionais da capital, como provam as fotos e matérias penduradas nas paredes do sobrado que hoje se chama Bar Canto do Noel. Revitalizado pelo samba ao vivo das 13h às 17h e pela substanciosa feijoada, hoje o bar tem Wi-Fi e desde o começo do ano reúne de old time manezinhos a barbudos indies, democrático como todo botequim sonha ser. “Hoje isso aqui é um boteco sofisticado”, avalia, na fila do único banheiro, o bem vestido senhor que frequenta a viela há 30 anos. Nessa mesma fila as chances de fazer um amigo baiano ou reencontrar um chapa não visto há 10 anos – como aconteceu com a Naipe – são grandes. O clima é tal que mães trazem bebês ainda no canguru porque “um amigo indicou” o lugar. O cardápio do Bar do Noel ajuda a estender a visita. Além de nove tipos de cachaça e seis de caipirinhas (tem de Raiska, de Sagatiba, de vinho...), lanches, pastéis de camarão, bolinhos de aipim ou bacalhau, petiscos e salaminho estão à disposição para manter a chama acesa. Chegue cedo para garantir alguma das poucas mesas espalhadas pela travessa – e prepare seu melhor sapateado: enquanto sambistas da velha guarda ilhoa se revezam nos instrumentos, seu Lidinho recruta companhia para o calçadão de dança. (Jerônimo Rubim) Vai lá: A travessa Ratclif fica ao lado do Terminal Cidade de Florianópolis, no centro. Leia sobre achados da

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Foto Gabriel Rinaldi


SOPÃO•CONSUMO•COFRINHO SOPÃO•OUVIDOS

INVESTIMENTOS DE ÉDIPO Empolgados com a economia, brasileiros se metem a decifrar bolsa de valores Até pouco tempo atrás o brasileiro médio via a bolsa de valores como uma espécie de Esfinge de Tebas, do livro Édipo Rei, de Sófocles – uma besta misteriosa que postava enigmas e devorava quem não os decifrasse. Empolgada com a valorização histórica da bolsa e a estabilidade da economia nacional, a brasileirada agora ataca de Édipo: vem desvendando as charadas do mercado e garantindo boas rendas extras. O risco ainda é grande, claro. Mas as possibilidades de ganho são as maiores do mercado: r$ 10 mil investidos em ações da Gerdau em 1995 e mantidos intactos hoje seriam polpudos r$ 640 mil. Talvez por isso, a Bovespa tenha registrado 630.895 contas de pessoas físicas em setembro, um recorde histórico.

viver apenas de aplicações, mas lhe falta tempo. “É só aprender como as coisas funcionam. Mas quando tudo começa a parecer um cassino é hora de parar.”

O estudante de Administração da ESAG Nathan Silva, 19, estuda antes de se tornar um investidor. Conseguiu arrancar r$ 465 mensais do pai para pagar um curso de 80 horas que forma analistas de investimentos – ainda que ele não tenha um centavo aplicado. “Muita gente se joga na bolsa primeiro e depois estuda, acaba perdendo dinheiro.”

Na prática, quanto mais risco, mais retorno – e quanto mais conhecimento, menos risco. Dar uma de Gordon Gekko, do filme Wall Street, é coisa para quem manja muito e tem os nervos no lugar. “Ações são investimentos de médio a longo prazo, não dá para pensar num retorno em poucos meses”, aconselha Jailon Giacomelli, um dos sócios da Loginvest, empresa que administra contas na bolsa. “Não há certezas nesse mercado, mas com algum conhecimento já é possível começar a ganhar dinheiro”, afirma Deonir Tomaselli, especialista do instituto de ensino e pesquisa em finanças Traders em Ação.

O empresário Célio Oliveira, 31, é mais rodado. Aplica há cinco anos. Começou por curiosidade, fez cursos gratuitos e já perdeu r$ 35 mil em um mês para ganhar r$ 50 mil no seguinte. Sonhou

Firme defensor dos investimentos variáveis, ele define o mercado de uma maneira interessante: “Há dinheiro em abundância e a bolsa é uma maneira bacana de socializar a riqueza.” (Jerônimo Rubim)


Brasileiros descobrem, ninam e agarram a bolsa

Estude e seja curioso. A bibliografia sobre o assunto é extensa e a internet oferece milhões de sites com aulas, vídeos, dicas, teses, análises. Dois livros para começar: Os Super Sinais da Análise Técnica, de Carlos Martins, e Como se Transformar em um Operador e Investidor de Sucesso, de Alexander Elder. Simuladores reproduzem o sobe e desce da bolsa e ajudam a entender o mercado. O site da Bovespa oferece cinco deles. O atalho: http://tiny.cc/k6uii Acompanhe sites como o leandrostormer.com.br, que possibilita seguir o pregão da bolsa por vídeo. Especialistas fazem análises e dão dicas em tempo real. Cursos e palestras orientam no universo de informações novas. Muitas empresas os oferecem gratuitamente para atrair novos clientes. Procure uma corretora cadastrada pela Bovespa para tirar dúvidas e saber qual o melhor tipo de investimento para o seu perfil e bolso. Fontes: Jailon Giacomelli, Deonir Tomaselli e Célio Oliveira

ESTUDE, SIMULE, ACOMPANHE


SOPÃO•CONSUMO•COFRINHO

R$ 945, DUAS DIREÇÕES Estudante de Odonto da UFSC, Rubia Venturi lista suas últimas compras. A Naipe sugere o que faria com a mesma quantia Rubia Venturi “Não sou tão consumista quanto gostaria”, lamenta Rubia, obrigada a investir bastante em material na faculdade. Suas últimas cinco compras: 1. Vestido estampado: “Comprei pra ir no P12” r$ 120, na Someday 2. Taças: “Eu tinha um jantar romântico com o meu namorado” r$ 16 cada, na Roka Móveis e Decoração

3. Notebook Acer Aspire One: “O meu antigo estragou e eu não consigo viver sem” us$ 375, comprado pela irmã nos EUA 4. Brincos: “Gostei do modelo, adoro rosa” r$ 50, feitos por uma amiga 5. Sapato: “Comprei pra ir numa formatura, precisava de um modelo básico preto” r$ 110, da marca Tanara

SERVIÇO: 1. someday.com.br; 2. rokanet.com.br; 3. modelo de 1 Gb, HD de 160 Gb; 5. lojatanara.com.br


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Naipe Com os mesmos r$ 945, passe 24h na Argentina e, de bem durável, volte apenas com uma quinquilharia qualquer do free shop. 1. Passagem pra Buenos Aires: Ainda o melhor custo-benefício de viagem r$ 563 com taxas, na Gol; r$ 50 para táxis 2. Luigi Bosca: Vinho argentino de alto naipe r$ 30 em qualquer adega portenha 3. Kika: Bebendo o vinho no gargalo, passeie por Palermo e baile no Kika r$ 60 para ingresso, bebidas pós-vinho e boa comida ao final da noite 4. Hi Hostels Suites Palermo: Um albergue porque claro, depois de beber você não pode dormir na rua r$ 27 a cama no quarto coletivo, com café da manhã 5. Free shop: O dinheiro que sobra vai aí r$ 215; não dá um laptop, mas dá algo batuta

ESCAMBO LITERÁRIO Troque livros – é fácil, indolor e econômico

No trocandolivros.com.br, quem achar o primeiro Gabriel García Márquez capa-dura-letradourada-edição-1968-em-perfeito-estado clica. Dez dias depois o livro aterrissa na sua caixa de correio, sem que você pague nada. A lógica do site é simples, linda e eficiente. Cadastre os livros empoeirados que você não quer mais na prateleira e espere até outro usuário solicitá-los. Após o envio pelo correio, você recebe um crédito para escolher qualquer obra entre as milhares disponíveis. Enviar um livro custa entre r$ 6 e r$ 8. Receber é de graça.

SERVIÇO: 1. voegol.com.br; 3. kikaclub.com.ar; 4. hihostels.com

Há uma política de deixar claro se os livros estão em bom estado. Em caso de amarelados ou orelhas detestáveis, é de bom tom especificar isso na descrição do livro no site. Seja querido.


SOPÃO•ESTILERA

PARA BUÁTIS E PIQUENIQUES

Há um ano o espirituoso blog Donde estás corazón? fala de moda e cobre as noitadas da ilha com um ar descompromissado; Bia Carminati e Julie Fernandes, as blogueiras, indicam peças indispensáveis

Oversized T-Shirt: “O vulgo camisetão. Para um look largadinho durante o dia, combine com um shorts jeans e sapatilha. Mas se o caso for brilhar muito na buáti, se joga numa legging de lamé e vai ser bonita.” Blusa Belmondo, r$ 65; belmondostore.com

Anéis: “Quanto maiores, melhores. Anéis grandes são lindíssimos e têm muita personalidade. Com pedras únicas ou várias pedras menores, assimétricos, coloridos, foscos, tudo pode ficar bacana.” Mosaico, r$ 42,90 Gota, r$ 44,90 Mega torcido, r$ 42,90; da Imaginarium (imaginarium.com.br)


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Camiseta old-school: “Esqueça as frases engraçadinhas, as cores flúor, as logomarcas gigantescas e os ‘Since 1965’. Às vezes tudo o que um cara quer é uma camiseta com estampa de macho. Ser xucro em paz, sabe?” Camiseta Tião, r$ 49,90 na Garagem Korova; korova.com.br

O EPITÁFIO DO DDD Não custa mais que r$ 15 no Mercado Livre o adaptador dual-sim card, útil para quem carrega dois celulares ou quer um chip a mais para abusar das tarifas promocionais. É o caso da Inifinity, da TIM, r$ 0,25 a ligação nacional, desbancando DDDs Embratel. A maioria dos kits vem com uma forminha para cortar seus chips (sim, é necessário). Quase todos os celulares aceitam o adaptador. Os modelos xingling (camelô) nem dele precisam, mas apresentam uma série de desvantagens – falta de garantia e de peças de reposição, interface pobre etc.

Dockside: “Sabe aquele sapato cafona daquele seu tio meio coxinha? Então, tá na moda. Vai lá roubar agora. Se for colorido então, melhor ainda. [A Naipe não engoliu e foi tirar a dúvida com outra consultora, Beatriz De Luca, que também recomendou o sapatênis].” Dockside Iódice, preço sob consulta na Viés (espacovies.blogspot.com)

Óculos: “Jackie Onassis sabia das coisas: nada como um bom par de óculos escuros pra esconder a cara de acabada e chegar bem linda naquele piquenique de domingo. Afinal, ‘ser alguém no dia’ é o novo ‘ser alguém na noite’.” Óculos Chilli Beans, preço sob consulta

SKYPE NO CELULAR Para enterrar de vez o DDD, que tal ligar para o mundo todo, via celular, a partir de r$ 0,02 o minuto? Baixe e instale o Im+Talk, que permite ligações pelo celular via Skype usando a rede 3G (plano de navegação) ou um simples wi-fi de cybercafe. É preciso, claro, ser usuário do Skype e comprar créditos – o melhor custo/benefício é um plano de 720 minutos mensais por r$ 19,99. O software tem um custo baixo e funciona nos principais smartphones: Nokia, Iphone, BlackBerry.


SOPÃO•ÓLHÓ

Namoradas testam lado sapeca em ensaios insinuantes

COELHINHAS PRIVADAS

Fotos Nuebelle


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A fronteira entre o sensual e o vem-cá-meunêgo é tênue, mas encontra-se o eixo do bom gosto. Vencidos os ciúmes masculinos, mulheres encolhem a barriga, respiram fundo e encaram desconhecidos com lentes apontadas para suas intimidades. Amanda*, 26 anos, encolheu, respirou, encarou, pagou e entregou o resultado para o namorado. Que certamente não foi o único a ganhar esse tipo de presente. Corre pela boca de fotógrafos que orçamentos do gênero só perdem para os de festinhas infantis e casamentos. O serviço custa algo entre r$ 400 e r$ 5000, dependendo do número de fotos, locação, produção e acabamento do material – que pode render de álbuns simples a revistas frufruzentas. Apesar da tentadora ideia de uma Playboy personalizada, Amanda decidiu pelo álbum. “Tive a ideia quando vi o de uma amiga. Depois que eu fiz, outras também se inspiraram”, conta ela, que leva jeito pra coisa. “Comecei envergonhada, mas no final já tava tomando cafezinho de calcinha e sutiã.” Ela achou a experiência incrível, glamourosa, sublime. Pena que dá dor nas costas. “Cansa bastante manter a postura e ficar parada, ainda mais dando aquela encolhidinha na barriga”. Suas fotos ficaram mais para insinuantes que escancaradas, aquele mostra-não-mostra maroto e funcional: “Deu um gás na relação”, sorri. * O nome de Amanda, claro, não é Amanda

Sem girafas Fica a gosto da freguesa escolher algo menos ou mais explícito, explica o fotógrafo Guilherme Mattos, dono de estúdio próprio. Ele recomenda dosar a sensualidade na base do conta-gotas. Também alerta, com voz de pai preocupado, sobre a importância de cuidar com o que se mostra e para quem. “Às vezes a cliente é um pouco bobinha.” Para evitar o vulgar a Nuebelle, empresa especializada, tem uma regra: nada de oncinhas, zebrinhas, girafinhas ou outros animais. As roupas e lingeries são simples, brancas, imaculadas. O conceito dos ensaios é romântico, mas as fotografadas não resistem a tirar tudo. “Elas são tímidas no começo, mas vão descontraindo e logo já estão pedindo pra ficar sem roupa”, conta a fotógrafa da Nuebelle Graciela Lindner. “O seio a gente mostra, mas o seio é algo bonito, né? A parte de baixo não aparece diretamente.” Depois de mais de 50 ensaios, Guilherme arrisca teorias sobre a psicologia das retratadas: “Apesar de muitas fazerem para presentear homens, a maior parte se despe e se veste pra ela mesma”. Mas não são só os fotógrafos que refletem a respeito.Existem médicos por aí receitando sessões de fotos para pessoas em busca de auto-estimas perdidas. “Agora imagina se eu deixo aparecer uma celulite numa mulher dessas”, aflige-se Guilherme. (Rosielle Machado)


SA SSA SSSA RICANDO A universidade faz viajar; na sua garupa, alunos saracoteiam por Brasil e América do Sul por Rosielle Machado

Leia sobre a vida universitária

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Nem tudo é tão divertido e higiênico quanto poderia ser: às vezes o ônibus quebra, um caminhoneiro assanhado surge no banheiro mais próximo e nenhum chuveiro aparece em 72 horas de estrada. Viajar às custas da universidade tem seus perrengues e alegrias, mas no fim das contas vale pela chance de sassaricar Brasil (e América do Sul) afora pagando, no caminho, apenas o lanchinho da rodoviária.


Everson, mesmo formado, segue viajando para Encontros Nacionais de Estudantes de Arquitetura, o Enea; já foi a tantos que virou Eneverson

A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) da UFSC, que avalia os pedidos de ônibus, quase não dá conta do entra e sai de alunos atrás de financiamento para as viagens. Por mês, estima gastar algo entre r$ 100 mil e r$ 300 mil. Em setembro, foram 104 pedidos de passagens individuais ou de ônibus fretados para lugares como Manaus, Córdoba, Natal, Campos do Jordão, Gramado e Recife. Mas nem sempre o percurso é lindo. Você pode sair de Santa Catarina num dia e só ter contato com águasabonete no Tocantins, dois dias e 2336 km depois, em um chuveiro muito semelhante a uma baia de cavalos. Em quatro anos de viagens pela Geografia da Udesc para eventos em Belém, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Montevidéu, Cauê Marques passou por esse tipo de coisa. “É uma experiência bem antropológica”, reflete. “Faria de novo.” Há quem continue fazendo. Everson Martins se formou há um ano em Arquitetura na UFSC, mas segue aproveitando as oportunidades. De tanto frequentar o Encontro Nacional de Estudantes de Arquitetura (o Enea), recebeu a alcunha de Eneverson. Com a experiência de 31 encontros em nove anos, fez até TCC sobre o assunto. “Foi o terceiro

trabalho de conclusão de curso sobre isso”, diz, orgulhoso do quase ineditismo da sua ideia no Brasil (quiçá no universo). Tirou 8,5. A transformação de Everson em Eneverson aconteceu durante a primeira viagem com o curso. Rumo a João Pessoa em um ônibus pago pela UFSC, se emocionou ao perceber que o mundo era maior do que supunha – e o transporte subsidiado, mais comum do que imaginava. Depois disso, aproveitou todas as possibilidades de viajar para encontros regionais, nacionais e latino-americanos. Mesmo diplomado, ainda usufrui dos arregos. Em outubro, participou do Elea (Encontro Latino de Estudantes de Arquitetura), em Brasília. Com transporte pago pela UFSC, Everson e outras 39 pessoas saíram de mochilas nas costas, álcool nas sacolas e planos de gastar menos de r$ 150 em uma semana.

Hum, congresso? Às vezes, pena-se para conseguir o financiamento. Além da burocracia, de vez em quando é preciso recorrer à ousadia para fazer a viagem acontecer. Para irem ao Encontro de Geógrafos da América Latina 2009 em Montevidéu, estudantes e professores da Udesc agiram em conjunto. Por lei, a universidade estadual não pode pagar viagens para fora do país. Logo, o ônibus foi gratuito até o Chuí e custou r$ 50 por pessoa até Montevidéu.


26 • N A I P E

“Acho que sou um profissional melhor depois das viagens. Óbvio, turistei pra caralho, conheci lugares paradisíacos, mas também participei dos eventos, troquei informação e assisti palestras”, anima-se Cauê Marques. “É um dinheiro bem empregado [pela universidade], porque pra muita gente é a única forma de viajar”, argumenta Everson. “Pra mim foi fundamental, ainda mais porque Arquitetura é muito visual, você tem que conhecer as coisas e não só ver fotos em revistas”. Não é à toa que a Arquitetura tem fama de ser o curso que mais viaja na UFSC. Na sexta fase, qualquer aluno já teve a chance de visitar, só em saídas de estudo, cidades como Curitiba, Porto Alegre, São Paulo e Buenos Aires. A capital argentina é um dos destinos mais requisitados. Os cursos de Design e Psicologia

da UFSC têm caravanas anuais para congressos por lá. Hum, congresso? “Ah, eu participei um dia...”, confessa a estudante de Psicologia Aline Barros, que encarou 36 horas de ônibus no ano passado. Foram r$ 500 com hospedagem, alimentação, turismo, táxi, compras. Se tivesse financiado também o próprio transporte, teria gasto cerca de r$ 400 a mais com ônibus ou r$ 550 com avião. “Só não vou este ano de novo porque tenho muitos trabalhos do curso, não posso perder uma semana de aula”, suspira Aline, que na garupa da UFSC já foi também para o Rio de Janeiro e São Paulo – onde, aí sim, participou dos eventos e mostrou-se uma acadêmica exemplar. Mas em Buenos Aires, ah!, em Buenos Aires. “Fui no último dia só pra pegar o certificado e o convite pra festa de encerramento”, conta um aluno do Design, sem acanhamento. E quem o condena?



O AMOR NOS TEMPOS DA BOLHA


Nos relacionamos mais, nos envolvemos menos; protegendo nossa liberdade acabamos protegendo nossa solid達o, avalia psicanalista por Thiago Momm, com fotos de Bruno Ropelato



N A I P E • 31

Competitivas e narcisistas, diz a blogueira. Mais exigentes, avalia a administradora. Histéricos, escreve o psicanalista. Eu zero reclamo, garante a universitária. Opiniões variam o tempo todo mas uma constatação se repete: os mergulhos nos relacionamentos são cada vez mais de superfície; competitivos, narcisistas, exigentes e histéricos ou não, estamos mais preocupados em testar nossa desejabilidade do que nossa habilidade de manter e melhorar namoros. E no que as opiniões variam? Primeiro, quanto aos porquês de os relacionamentos estarem assim, como fica evidente nas adjetivações. Depois, se o fato de os relacionamentos estarem assim é necessariamente um problema. Para a blogueira Janaina Cavalli, não muito. Para a universitária Lara Morais, nem um pouco. Blogueira do site da Naipe, Janaina tem 24 anos e namorou no máximo por 8 meses até hoje. Ela vê as novas gerações como competitivas e narcisistas por mais começarmos que prolongarmos namoros – mas gosta dessas conquistas em série. “O legal é conquistar alguém, sentir que a pessoa te acha bonita e inteligente. A segurança que vem depois mata [o relacionamento]”, diz, sem querer reverberando um parágrafo do escritor francês Stendhal no século 19: “Ela o abandona porque está segura demais de você. Você matou o temor, e as pequenas dúvidas do amor feliz já não podem nascer.” Ao ouvir Lara, 20, citando repetidamente o nome de dois homens em um happy hour, a Naipe quis saber se ela os criticava. Não. “Eu zero reclamo. Os homens são todos fofos, quero todos”, sorri. Entre outros, hoje ela sai com dois que são amigos entre si. Mais romântico, um a prepara macarrão ao molho branco com brócolis enquanto a obriga a escutar a cantora Céu; menos romântico, o outro é mais parecido com ela. Sua vontade, no entanto, não é namorar nenhum, mas seguir distribuindo as fichas pela mesa. “Todo mundo me agrada, tem uma qualidade”. Seu único namoro até hoje, “serião”, durou 8 meses.

Final broxante A psicóloga Valéria Herzberg observa que as pessoas estão sim moldando novas formas de se relacionar, mas pontua que não deixou de haver “uma parte da juventude que segue desde cedo por uma trilha mais tradicional” e que “as coisas vão mudando mais caoticamente, sem ordem pré-estabelecida”. É um sábio lembrete de que as formas de se relacionar se reconfiguram para muitas pessoas e aos poucos, mas não para todas nem repentinamente. Se em geral as relações estão mais descartáveis, afirma Valéria, isso se deve ao prolongamento da vida e a consequente expansão de todas suas fases – inclusive a que antecede os compromissos mais duradouros. Antigamente a economia estimulava a união precoce; hoje, estimula a solteirice espichada. Temos mais tempo sob o conforto da casa dos pais e mais possibilidades de festar, viajar, experimentar. “Há mais assédio consumista, não só no sentido pejorativo”, resume Valéria. “Toda vez que eu revejo Uma Linda Mulher eu choro”, conta Janaina Cavalli. “E broxo de ver o final feliz”. Agora quem ela reverbera é o psicanalista e colunista da Folha de S.Paulo Contardo Calligaris, que há nove anos escreveu que nos longasmetragens de Hollywood, “quando um casal consegue se juntar, a história acaba. Em suma, o que é idealizado nunca é o convívio, mas a perda, a saudade, o luto ou, no máximo, a procura”.


Calligaris, talvez o psicanalista mais respeitado do país hoje, é o responsável pelo “histéricos” na abertura deste texto e também o inspirador desta matéria. Em entrevistas mídia afora ou textos recentes na Folha, suas avaliações dos relacionamentos não prenunciam o apocalipse, mas indicam a tendência ao desapego. Para ele, “as pessoas estão tão preocupadas em preservar suas liberdades individuais que acabam por preservar a sua solidão”. Outro porém de cair no rodízio rápido do Ataliba: “Se você inventa um sistema de relações que na verdade é um sistema de não-relações, se priva do que há de melhor na vida.”

Sedução e correria No mesmo happy hour de Lara “zero reclamo” Morais, o universitário José Valério Júnior, 19 anos, sabe que não é apenas questão de querer, mas prefere só namorar de novo aos 25 anos. Terminou o último namoro porque estava “maluco de vontade de trair”, e na sua louvável sinceridade “por mais que dê resultado é mau mentir”. O porém da vida de solteiro? Ficar doente e não ter ninguém que nos visite. De resto, só alegria. Namorar nos impede de conhecer outras pessoas e até mesmo de nos tornarmos mais sociáveis, opina. Com essa cotação, os namoros não convencem mais. Quem propõe bafos matinais, programas caseiros, fidelidade e repetições parece estar de sacanagem. E às vezes está. Muitos namoros são um blefe de compromisso com óbvias conveniências: ser valorizado por outras pessoas e ter alguém fixo a quem recorrer diante de preguiças de sair à noite ou qualquer coisa parecida com carência. Muitos logo mergulham na próxima relação em vez de gastarem um tempo refletindo sobre o que houve de errado na última.


E isso nos leva à histeria. Grosso modo o histérico, segundo a psicanálise, é alguém que seduz mas depois sai correndo, não quer nada, já que busca alguém mais idealizado e os relacionamentos o assustam. Homens e mulheres, todos reconhecemos o caso que chegou ao consultório de Contardo Calligaris: um sujeito atormentado pela dúvida do que uma menina sentia por ele. Diante da confirmação de que ela o

queria houve um desapego súbito, ciclo que se repetiu com outras meninas ao longo dos anos. Na conclusão de Calligaris, em uma coluna sua na Folha em setembro: “Procuramos e testamos ansiosamente o desejo dos outros por nós, mas sem lhes dar uma chance de pegar (e prender) nossa mão. Esse é o roteiro padrão de nosso malestar amoroso. Para quem gosta de diagnóstico, é um roteiro que tem mais a ver com uma histeria sofrida do que com o hedonismo.”


Monogamia serial A impaciência com os outros é um sintoma óbvio dos relacionamentos atuais. O individualismo endurece, a vida fora do compromisso soa mais promissora, zerar problemas de um namoro começando outro parece tentador. Isso nos estimula menos a lapidarmos a rotina com alguém. Sempre se fala na coragem de deixar um relacionamento, não na coragem de salvá-lo. Para o bem ou para o mal, as gerações mais novas estão mais desprendidas. Mesmo quando as relações fogem da superfície, se aprofundam, não carregam o peso de ter que se eternizarem. A experiência já chegou

há tempo no Brasil, mas o seu nome só aterrissou recentemente: os sucessivos relacionamentos de anos são chamados de “monogamia serial”. “Acho mais sincero”, diz a blogueira Janaina Cavalli. “É uma solução feliz. Não estamos sendo tão subversivos para rejeitar totalmente a ideia de relações monogâmicas, mas também não estamos dispostos a manter relações enganosas por toda a vida”, avalia Allie Firestone, colunista de um site de relacionamentos americano.

Leia sobre relacionamentos

.com em blogs do revistanaipe.com


N A I P E • 35 A estudante de Administração da Unisul Thaís Vieira, 25, já bagunçou muito mas também já namorou 9 anos – dois namoros de quatro e outro de um ano. Quase não houve intervalo. Não foi uma escolha sua, apenas aconteceu – e foi positivo. “É melhor que nos tempos dos nossos pais. Cada relacionamento é completamente diferente, você experimenta diferentes pessoas e se descobre”, anima-se, depois ponderando: “Mas as pessoas passam a gostar demais de experimentar e não se apegam.” Que o diga sua amiga Lara: “Pego mesmo e não me apego”. Que o diga o recém-solteiro José Valério: “O ideal é uma parada mais casual, mais colorida”. Longe de serem

declarações exclusivas de 20 e 19 anos de idade, com a espichada de cada fase da vida elas podem ser ouvidas em qualquer happy hour, não só nos universitários. A maldição é o “mais exigentes”, dito por três entrevistadas. Após muitos anos beliscando o que passa nos espetos ficamos mais chatos, mais fechados nas nossas bolhas, menos aptos com a humanidade alheia, menos habilidosos em fundir nosso cotidiano ao de alguém. Depois de tanto adiar o relacionamento em que nos empenharemos pra valer, descobrimos que só as boas intenções não bastam. E dá-lhe galetos.

A NAIPE RECOMENDA: O amor nos tempos do cólera, de Gabriel Garcia Márquez, Ed. Record, 429 p., r$ 52,90; Do amor, de Stendhal; L&PM, 328 p., r$ 18; A mulher do próximo, de Gay Talese; Companhia das Letras, 484 p., r$ 74; História da vida privada (pelos capítulos ligados a relacionamentos), em cinco volumes, Companhia de Bolso, r$ 37,90 cada


Em crônica, Xico Sá protesta sobre nossa covardia

A GENTE SE VÊ por Xico Sá

Em uma megalópole como São Paulo e outras tantas grandes cidades brasileiras, haja encontros e desencontros, alguns não tão graves, outros infinitamente dolorosos, que nos perturbam os sentidos, que fazem a gente maldizer os céus, os astros, o destino. Fica tudo na base do “a gente se vê”... E adeus! Não que fosse acontecer um casamento ou algo do gênero a partir daquele encontro, nada disso, mas foram encontros bonitos, fortes, que se acabam ali mesmo, na poeira da estrada, numa tarde fria, em um café da manhã, depois de uma cerveja com ostras, numa simples despedida. “A gente se vê.” Pronto, eis a senha para o terror, o “never more”, o nunca mais do corvo do Edgar A. Poe. A gente se vê. Corta para uma multidão saindo da Ressacada. A gente se vê. Corta para “onde está Wally”. Nada mais detestável de ouvir do que essa maldita frase. Logo depois a porta bate e nem por milagre. Jovens mancebos, evitem essa sentença mais sem graça. Raparigas em flor, esqueçam, esqueçam. Melhor dizer logo que vai comprar cigarro, o velho king size filtro do abandono. Melhor dizer que vai pra nunca mais. Melhor o silêncio, o telefone na caixa postal, o telefone desligado, o desprezo propriamente dito, o desprezo on the rocks.

A gente se vê uma ova. Seja homem, troque de palavras, use o código do bom-tom e da decência. A gente se vê é a mãe, ora, ora. Como canta o Rei, use a inteligência uma vez só, quantos idiotas vivem só... Esse “a gente se vê” deveria ser proibido por lei. Constar nos artigos constitucionais, ser crime inafiançável no Código Penal. A gente se vê é pior do que a gente se esbarra por ai. Pior do que deixar ao acaso, que jamais abolirá a saudade, que vira uma questão de azar e sorte. Melhor dizer logo “foi bom, meu bem, mas não te quero mais”. YO NO TE QUIERO MÁS, com acento de filmes do Almodóvar. A gente se vê é a bobeira-mor dos tempos do amor líquido e do sexo sem compromisso. A gente se vê é a vovozinha, ora! Seja homem, seja mulher, diga na lata. Não engane a moça, que a moça é fino trato, que não merece desdém ou quém quém de pato bossanovístico. A fila anda, jogue limpo, sem essa de beque da roça para cima do futebol arte da moça. A gente se vê. Corta para uma multidão na praia do verão de Floripa. A gente se vê. Então aproveita e vai olhar se eu estou na esquina!



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A RESISTÊNCIA JURUBEBA Xico Sá é a bandeira do bom senso sob metrossexualismo e miojos sentimentais por Thiago Momm, com fotos e ilustrações de Ana Carla Batista

“Tem quem ache muita invencionice”, avisa a Naipe, sobre as ostras gratinadas que aterrissam na mesa do Restinga Recanto, restaurante no Sambaqui, em Florianópolis. Aviso inútil. O garfo logo espeta uma das ostras, meleca-se no creme de leite com queijo parmesão e termina a viagem na boca de Xico Sá, que raspando a concha sorri: – Que invenção da porra!


N A I P E • 37 O escritor Xico Sá é o macho-jurubeba, ou o que resiste de bom senso em meio a emoções baratas, miojos sentimentais, amor nos tempos do Messenger, metrossexualismo. A mais nova bandeira dessa resistência é Chabadabadá – aventuras e desventuras do macho perdido e da fêmea que se acha, publicado em abril deste ano sob as trombetas de ser um “guia precioso para entender os tempos de homens frouxos, perdidos diante da modernidade da fêmea”. O macho-jurubeba é o que não se permite vaidades além do velho pote de Minâncora. É pelo “destravecamento das fêmeas musculosas da mídia” e contra o “fetiche da classe média por tudo que é de grife”. Lamenta nossa mania de aderir irrefletidamente às correntes, de deixarmos afogar percepções mais sinceras na maré publicitária, você finge que morar num loft e ter molhinhos de frutas na geladeira é o que há, eu finjo que acredito. Sendo ou não invencionice, aí as ostras gratinadas não se encaixam. Com queijo em exagero e pouco sabor de ostra propriamente, falsos refinamentos elas pelo menos não vendem.

Copos de requeijão Xico Sá, senhoras e senhores. “Noves fora o ‘homem de predinho antigo’”, aquela criatura que adora um pé-direito alto, um sofá de época e uma luz indireta, o macho solteiro é um desastre no capítulo decoração. Tem lá o seu sofá velho, a sua TV, a cama barulhenta, três ou quatro panelas – sem cabo – encarvoadas pelo tempo e copos de requeijão, muitos copos de requeijão, alguns deles ainda com um pedaço do rótulo. E quando a fofa, toda fina e fresca, nova namorada, chega lá no muquifo com a sua garrafa de champanhe?! Procura, procura as taças, para fazer uma graça com o marmanjo, e nada. O jeito é beber Veuve Cliquot em copo de extrato de tomate. Quem mandou apaixonarse por um macho-jurubeba autêntico, que vem a ser justamente o avesso do metrossexual, aquele mancebo da moda que se lambuza de creminhos da Lancôme e decora o loft, sim, ele mora num loft, de


acordo com as tendências da revista Wallpaper. ‘Uó-oque, rapaz, seje homi’, diria meu amigo Rinaldo (...)”

Lindas breguices Muitos caminhos levam a Xico Sá. O irresistível Chabadabadá, que contém o trecho acima; o programa de futebol Cartão Verde, na TV Cultura; o caderno de esportes da Folha de S.Paulo; outras colunas e colaborações jornais, revistas e internet afora; mesas de botecos do bairro paulistano Vila Madalena; o Twitter @xicosa, que já acumula mais de 30 mil seguidores. Em todos esses lugares está Xico Sá, que ainda pode ter aparecido na sua vida a partir de pontas no clipe Tenho, de Sidney Magal, e nos longas-metragens Árido Movie e O cheiro do ralo; co-autorias em roteiros; letras para o Mundo Livre S.A.; nove livros escritos além de Chabadabadá e dez outros em que colaborou; mais remotamente, a partir de coluna sentimental de uma rádio do interior cearense, nos anos 1970.

“Sem sequer conhecer uma mulher direito, eu fazia lindas breguices em conforto a moças balzaquianas entregues ao caritó amoroso”, declarou Xico, sobre o trabalho precoce. Nascido em 1962 no próprio Ceará, ele tinha 16 anos à época do emprego. Agora tem 47 e almoça no Sambaqui. Como o próprio ensinara a estudantes de Jornalismo em palestra na noite anterior, as melhores matérias surgem com gravadores desligados. Um bloquinho para um mínimo de anotações, no entanto, é preciso, mas nem isso a Naipe leva para o almoço. A atmosfera de trabalho pode estragar um sábado tão ensolarado. O sol incide sobre o cearense que ignorou os ventos ilhéus e, de manga curta, bermuda e Havaianas, passava frio. Aquecido, ele abre os trabalhos. Às cervejas seguem as ostras, e às ostras, peixe com pirão. À mesa estão Xico Sá e cinco integrantes Naipe, uma orgulhosa tietagem. Relacionamentos atuais não são o assunto que mais comove críticos literários e Xico Sá ainda não ganhou o demorado aplauso de pé que merece.


Boteco e Balzac “Acho que o grande épico da existência é evitar o encaretamento”, declara Xico Sá na palestra da 9ª Semana de Jornalismo da UFSC. Frases assim tão acuradas, quase com peso de aforismo, se repetem despretensiosamente. Xico Sá enfeitiça com uma segurança impressionante de ser quem é. Xico fala do seu desapego a livros na estante (não tem problema em doá-los com frequência), o único seriado que assiste (Mad Men) e o costume de viajar sempre que possível ao Recife, onde tem casa, para se aliviar um pouco da pegada paulistana. Ele se diverte ao saber dos nomes-trocadilhos de novos e antigos restaurantes e fazendas de cultivo do Ribeirão da Ilha, Ostradamus, Maria vai com as ostras, Umas e ostras, Ostraordinário. – Falta o Ostracismo, pra reunir os fracassados, sorri.

Mesmo que fosse possível combinar vivências, leituras, genes e raízes em laboratório não seria fácil recriar um Francisco Reginaldo de Sá Menezes. Suas crônicas tocam nos nervos dos comportamentos, especialmente os nacionais, porque ele resulta de uma rara combinação de cultura Roberto Carlos e Mangue Beat, causos cearenses e romances franceses, cabras nordestinos e paulistanos requintados, amores antigos e sob mídias sociais. Nos seus textos o velho se mistura ao novo, o brega ao cool, a baixa cultura à alta. Para cada gole de cerveja em copos de boteco, Xico Sá bebe um de Balzac. A NAIPE RECOMENDA:

Chabadabadá – aventuras e desventuras do macho perdido e da fêmea que se acha: Ed. Record, 2010, 183 p., r$ 37,90; Catecismo de intimidades, devoções e pornografias: Ed. Do Bispo, 2005, 341 p., r$ 32,90.


QUITUTES•QUE FAÇO EU DA VIDA SEM VOCÊ

FERIADÃO BULIÇOSO FOLIANÓPOLIS

Novembro será um mês irrequieto, e o feriadão no seu miolo, dia 15, mais ainda. No sábado, 14, nossos ouvidos decidem entre o DJ de trance Paul Van Dyk, a banda Creedence, a axezeira possuída Ivete Sangalo e a Orquestra Sinfônica de Florianópolis. Tudo bem, nossos ouvidos não decidirão sozinhos. Confira os principais eventos baladeiro-musicais do feriado.

Veja a cobertura de baladas

.com e shows em revistanaipe.com

Um abadá suarento e uma linda galega de Beagá que você nunca mais verá na vida. A maldita te beijou mas passou o telefone errado. A maldade humana desconhece limites. O quê: Três dias de destruição de namoros em série ao som de Ivete Sangalo, Banda Eva, Tomate, Asa de Águia, Chiclete com Banana e Batom na Cueca; quando: 13, 14 e 15; onde: na passarela Nêgo Quirido; quanto: a partir de r$ 230 o fem. e r$ 250 o masc. as três noites.

? O cantor Andre Eduardo, 10 anos de carreira, define seu estilo como surfneja. No dia, fará um show acústico que envolve a gravação de um DVD e “muitas surpresas”. O quê: Só estando lá para saber. quando: 15; onde: Teatro Pedro Ivo, em Florianópolis; quanto: r$ 40 a inteira, r$ 20 a meia-entrada. 42 • N A I P E

GREEN VALLEY Depois de ter recebido David Guetta no início do mês, o clube comemora três anos com duas noites de festa seguidas. No dia 13 toca o fodástico Groove Armada, e dia 14, Paul Van Dyk e Laidback Luke. O quê: Dois baladões eletrônicos para encarnados. quando: 13 e 14; onde: Green Valley, em Balneário; quanto: a partir de r$ 150.


WARUNG No mesmo final de semana do concorrente, o Warung completa 8 anos. Anuncia-se que a principal atração da noite, o DJ Sasha, que a Naipe viu na Pacha Floripa este ano e recomenda, tocará de 0h30 até “o raiar do sol”. O quê: Baladão para começar o feriadão em ritmo alucinado. quando: 12; onde: Warung, em Balneário; quanto: a partir de r$ 40 o fem. e r$ 80 o masc.

ORQUESTRA SINFÔNICA DE FLORIANÓPOLIS Como se colocasse um fone à prova de ruídos, aprecie a Orquestra Sinfônica de Florianópolis tocando peças de Strauss, Leroy Anderson, Mozart e outros. O quê: Tarde de enlevo no meio do feriadão. quando: 14, às 14h; onde: Casarão Bom, na Praça Nereu Ramos, 160, em Biguaçu; quanto: gratuito; info: 48 9638 0053

CREEDENCE A Naipe viu o show da banda em Tubarão, em 2006, e mais que recomenda. O Creedence Clearwater Revisited mantém 2 dos 5 integrantes da original, a Creedence Clearwater Revival. O quê: Creedence provando, para quem os conhece via bandas de formatura, que é muito mais que Have you ever seen the rain. Preste atenção no vocalista John Tristao, que tem a voz incrivelmente parecida com a do seu antecessor. quando: 14; onde: Floripa Music Hall; quanto: a partir de r$ 150.

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QUITUTES•LIVROS

Leia sobre livros novos e antigos em revistanaipe.com

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Perigo interno “Em algum nível, Morrison percebia que o perigo também era interno – que a geração do amor também tinha seus impulsos sombrios. Na realidade, Morrison parecia entender que qualquer geração disposta a ir tão longe também estava disposta à destruição.” (p.297)

REBORDOSA REVISITADA

Em Ponto final, autor viaja nos temperados anos 60 e especula sobre herança da época por Rosielle Machado

Já faz 50 anos, mas o mundo continua nostálgico. De tanto que os anos 1960 são revisitados, parece que muita gente com hoje 20 e poucos anos se lambuzou na lama em Woodstock, assistiu a apresentação dos Beatles no Ed Sullivan Show, viu um porco inflável num show do Pink Floyd. Mikail Gilmore realmente viu tudo isso. Estava lá, no olho do furacão. Em 1969, tinha 18 anos. Usou LSD, revoltou-se com a guerra do Vietnã, apaixonou-se pela contracultura. Mas, contra as expectativas, em Ponto Final – crônicas sobre os anos 1960 e suas desilusões ele não faz coro àquele papo de “olha só que época perfeita”. Gilmore na verdade diz

algo como “ok, foi um momento único na história, mas veja bem”. Em 428 páginas, ele disseca os tormentos e desilusões das personalidades que fizeram daqueles os anos incríveis. Boa parte das 19 histórias do livro foram publicadas entre 1990 e 2007 na Rolling Stone americana. Além de figurinhas fáceis como John Lennon, George Harrison, Bob Dylan, Hunter Thompson, Bob Marley, Johnny Cash e Jim Morrison, o livro também traz outros ilustres que escandalizaram o mundo há quase meio século, mas hoje não têm mais tanta fama.


QUITUTES•LIVROS Ponto final, de Mikail Gilmore; Companhia das Letras, 432 p., r$ 56

Quatro livros para injetar contracultura O teste do ácido do refresco elétrico, de Tom Wolfe; Rocco, 440 p., r$ 48,50 Contracultura através dos tempos, de Joy Dam e Key Goffman; Ediouro, 432 p., r$ 58,90 As portas da percepção, de Aldous Huxley; Globo, 170 p., r$ 29 Um estranho no ninho, de Ken Kesey; Best Bolso, 420 p., r$ 19,90

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É o caso de Timothy Leary, o psicólogo que convenceu Harvard a encomendar um lote de substâncias psicodélicas para estudos práticos. Ou Ken Kesey, que escreveu Um estranho no Ninho e promovia os acid tests – festas organizadas para ver o resultado de um monte de gente tomando LSD em ambientes não controlados.

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Freak Party As drogas estão presentes em todo o livro, unindo as 19 crônicas. Há álcool, anfetamina, maconha, LSD, depressão, desilusões e genialidade – não necessariamente nessa ordem. Cada história tem seu tempero: Johnny Cash teve uma casa na Jamaica, Bob Marley se envolveu com uma Miss Universo, Jim Morrison foi o primeiro cantor a ser preso num show de rock, Hunter Thompson fundou um partido político, o Freak Party. Foram anos loucos, e Ponto Final faz a pergunta que muitos nostálgicos (independente de terem vivido a época) não fazem por medo de soar conservadores: os anos 60 valeram o que custaram? Já na introdução do livro Gilmore diz que aquele ideal de liberdade aos poucos se transformou numa “licença para fazer cagadas”. Ele tenta evitar o saudosismo ou romantismo, mas sem perder a ternura: “Talvez tenha sido melhor que tudo tenha passado, embora poucas coisas desde então tenham sido tão boas.” N A I P E • 45


QUITUTES•LIVROS

AS PALAVRAS DE SARAMAGO A morte de José Saramago, este ano, deve gerar uma avalanche de livros a seu respeito. A Companhia das Letras, que publicou nada menos que 20 títulos do escritor, saiu na frente e já desovou As palavras de Saramago, que reúne declarações do único Nobel de língua portuguesa para jornais, revistas e livros entre a década de 1970 e 2009. O conteúdo é dividido em três partes: frases sobre a própria vida, sobre o ofício de escrever e sobre questões sociais e históricas em geral. Ainda não é a biografia que tantos esperam, mas já serve de tranquilizante para os fãs mais ansiosos.

Organizado por Fernando Gomez Aguilera; Companhia das Letras, 480 p., r$ 53

SEU MADRUGA – VILA E OBRA Hit de camisetas alternativas, Seu Madruga ganha a eternidade em papel. O astucioso Seu Madruga – vila e obra é anunciado como um livro para “Madrugamaníacos” e dividido em 14 capítulos que vão sendo “quitados”, tentativa de ajudar o pai de Chiquinha a pagar seus eternos 14 meses de aluguel. Há depoimentos, músicas, compilação de frases e diálogos, teste para os adoradores do personagem, uma entrevista fictícia com ele e uma real com o Senhor Barriga. O livro também conta a trajetória de Ramón Valdes, que além de eternizar Seu Madruga participou de quase 100 filmes.

Escrito por Pablo Kaschner; Ed. Mirabolante, 128 p., r$ 33


ENQUANTO ISSO•¡ME VOY!

DIÁRIOS DE UM INDIANO Inspirado em Diários de Motocicleta, de Walter Salles, indiano percorre 8 mil quilômetros de moto pela América do Sul e publica livro sobre a viagem

texto e fotos de Mauktik Kulkarni*, exclusivo para a Naipe Até logo, amigos e família. Até logo, chefe. Até logo, minha vida nos EUA. Eu queria ir a um lugar onde ninguém me conhecesse. Não me entenda mal, eu amo as pessoas. Cresci em um país com um bilhão delas, onde o isolamento físico não estava no menu. Mas há momentos na vida em que você começa a se afogar no mar das vozes ao seu redor. Eu só queria voltar à terra por um momento e começar um novo capítulo no livro da minha própria história. Voei para Cuzco a aluguei uma moto. Não tinha planos e não falava espanhol, mas o relógio começou a bater. O Guia de viagens Lonely Planet indicou o sul e pra lá eu fui. Cobri 8 mil quilômetros em 40 dias. Lago Titicaca, o maior da América do Sul; Atacama, o deserto mais seco da Terra; Andes, as montanhas mais imponentes do planeta. Dirigir a moto foi fácil. Gasolina era tudo que ela precisava. Mas sem qualquer conhecimento de espanhol, como alimentar seu estômago? Como encontrar abrigo seguro? Como alimentar sua alma? Foi como ser criança de novo. Como pais responsáveis, peruanos, chilenos e argentinos me ensinaram tudo que eu precisava saber: pedir comida, achar um quarto de hotel, evitar perigo. Mas não perceberam a inocência, a simplicidade e a humanidade com que estavam alimentando minha alma. Então, se a sua estiver faminta, faça as malas, saque o mapa-múndi e simplesmente jogue um dardo nele.


ENQUANTO ISSO•¡ME VOY!

Leia abaixo, traduzido pela Naipe, o primeiro capítulo de The ghost of Che Alertas de tornado. Alertas de mau tempo. Sirenes. Eu estava me preparando para outro voo atrasado ou cancelado, outro capítulo na minha relação de amor e ódio com companhias aéreas e aeroportos. Por mais que eu os odeie, as companhias aéreas e os aeroportos simplesmente adoram que eu esteja por perto (...). Joguei minha mochila no porta-malas, peguei o guia América do Sul com pouco dinheiro da Lonely Planet e um guia de conversação inglês-espanhol em uma livraria local, e fui ao aeroporto. As ligações para me despedir de dois amigos se transformaram

em conversas de meia hora cada. “Espero que você morra em algum lugar da América do Sul e nunca mais volte”, um deles falou. Isso me fez pensar sobre a missão. Afinal, eu esperava por esse dia há três anos. Até o diretor de Diários de Motocicleta deve ter dito “droga, eu quero ser aquele cara na motocicleta!” depois da primeira exibição do filme. Três países em quarenta dias. Armado com uma barraca, um saco de dormir, dois pares de jeans, uma jaqueta, quinze barras energéticas, uma jarra de Gatorade em pó, uma garrafa de água, celular, dois cartões de crédito, meu passaporte e a linguagem dos sinais cheguei ao aeroporto. Dessa vez , o voo não estava atrasado. Beleza! Apertei o cinto de segurança e abri o Lonely Planet na seção Peru. Era a minha primeira viagem à América do Sul. Eu não tinha qualquer experiência na direção ou manutenção de motos de 400 cilindradas.


Meu vocabulário em espanhol consistia em dez palavras. Um amigo chileno me avisou repetidas vezes sobre os assaltos, roubos e saques em países sul-americanos. Soube que estava prestes a cruzar o deserto mais seco da terra. Não seria surpresa se eu não conseguisse voltar. Mas quantas vezes você tem oportunidades como esta? – sem família, obrigações, contas a pagar, um futuro seguro. Eu estava pronto para a prova de fogo (...). Eu conseguiria chegar a Moquegua antes de anoitecer. Enchi meu sedento tanque de combustível e decidi me apressar. Uma curva errada e em duas horas eu estava em uma rua suja. Outra meia hora e o breu se juntou à vazia rua suja. Mais quinze minutos e o córrego que atravessa a estrada me fez usar os freios. Eu podia quase ouvir o córrego rindo enquanto lutava pra não deixar a moto cair. Eu estava no meio dos Andes, a mais de 4 mil metros acima do nível do mar, em uma noite fria – em uma estrada suja e deserta, sem luzes, e uma moto pesada que pesava ainda mais por causa da minha mochila. O que estava fazendo? Eu estava desnorteado – atordoado e confuso. Depois de dez ou quinze minutos estava pronto para acampar ao lado da estrada. Por sorte, os peruanos tinham outros planos para mim. Um par de faróis altos quebrou a escuridão. Respirei com alívio. Com quinze pessoas e suas bagagens enfiadas dentro, a minivan sacolejava rumo a Puno. Comecei a acenar quando o carro chegou perto do córrego. O motorista cruzou o córrego, diminuiu a velocidade, botou a cabeça para fora da janela e falou alguma coisa em espanhol. Saquei meu dicionário, mas não conseguia enxergar uma palavra. Tudo que eu podia dizer depois que eles pararam era “Por favor, ayudáis” (...).


Seria mais seguro voltar a Puno com eles. Mas meu plano era bem ambicioso. Eu queria ir até o extremo sul e voltar. Não fazia sentido mudar de direção. Decidi ir em frente e passar a noite na cidade. Cheguei um pouco depois das oito da noite. Era uma vila de menos de 50 pessoas, com uma estrada suja e 10 cabanas de cada lado. Vi um casal andando pela estrada e perguntei a eles se havia um albergue na vila. Eles disseram que não havia nada parecido por lá. Apontaram para a única estrutura de concreto. Eu podia ver uma pequena luz brilhando na varanda. O casal me disse para ir para lá.

As pessoas na casa saíram antes que eu chegasse à varanda. Acho que não conseguiram evitar a curiosidade. Usei todo meu conhecimento em espanhol para dizer que eu era da Índia, queria ir a Moquegua e procurava por um lugar para passar a noite. Eles discutiram algo em espanhol (...). Me mostraram o quarto que cabia a mim. Tinha uma cama, um cilindro de oxigênio, uma mesa de exames e um par de gráficos sobre a saúde de recém-nascidos e cuidados odontológicos. O casal que eu encontrei na rua me trouxe dois cobertores. O homem que sabia algumas palavras em inglês abandonou o inglês e começou a usar sinais para falar comigo. Indicou

que não havia eletricidade na cidade depois das 21h – e que ficava muito frio por lá à noite. É claro que ficava! Estávamos 4 mil metros acima do nível do mar. Ele apontou para um pequeno aquecedor, do tamanho de uma tostadeira, me disse para fechar a porta e as janelas, e que deixasse o aquecedor funcionar até as 21h. É claro, senhor! Como desejar! Perguntei a ele se eu podia comprar comida em algum lugar. Não havia restaurante na cidade. Mas eles me deram um pedaço de pão e uma xícara de chá quente. Isso, meu Gatorade, barras energéticas e água fizeram meu primeiro jantar fora de Cuzco – um jantar inesquecível! Veja o primeiro capítulo de Ghost of

.com Che na íntegra em revistanaipe.com

* O mochileiro Mauktik é neurocirurgião e mora nos EUA. Todos os meses a Naipe publica, neste espaço, a experiência de um colaborador pelo mundo.




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