Revista Naipe 007

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QUEM TEM MEDO DA LUZ VERMELHA? UNIVERSITÁRIAS VÃO À CASA DE SHOWS

O QUE DIZEM OS KOXIXOS TRÊS DÉCADAS DE BARULHO, LAZER E DEPRECIAÇÃO

SOMOS BANANAS. E NÃO SOMOS PONTO E CONTRAPONTO DA CONECTADA E DESINTERESSADA GERAÇÃO Y

COLETIVOS DIÁRIOS BASURAS DUBLIN REVISTANAIPE.COM

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Geringonças 0990 saçnognireG Chorumes 1221 semurohC Loucurinhas 1661 s ahnirucuoL Yogosofias 2002 s aifosogoY Disfuncionalismos 2222 somsilanoicnufsiD Bananas 2442 sananaB Koxixo’s 3663 s’oxixoK Coletivos 4224 soviteloC Clássicos 4664 socissálC Dublin 5005 nilbuD

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A Naipe é uma publicação da editora Naipe Comunicações Ltda. Redação, administração, publicidade e correspondência à rua Victor Meirelles, 600, Kobrasol, São José. Diretor executivo: Marlos Momm; Diretor administrativo e de publicidade: Thiago Steiner; Editor-chefe: Thiago Momm, thiagomomm@ revistanaipe.com; Editor: Jerônimo Rubim, jeronimo@revistanaipe.com; Repórteres: Iana Lua e Rosielle Machado, Gerente comercial: Eloy Machado, eloy@revistanaipe.com; Direção de arte: Lobotomáticos, info@lobotomaticos.com; webdesign revistanaipe.com: In Vitro Digital. Ilustração da capa: Lobotomáticos. Impressão: Coan. Jornalista responsável: Thiago Momm, MTB 45919/SP. Todas as fotos nãocreditadas nas matérias são de divulgação ou foram feitas pela redação da Naipe

FALE REALMENTE CONOSCO: Para resmungos e sugestões, fale com nossos editores pelos tels. (48) 3035 4969 e 9632 8866 ou o e-mail naipe@ revistanaipe.com Assinaturas: assinatura@ revistanaipe.com Para anunciar, fale com nosso diretor de publicidade Thiago Steiner, (48) 9632 8855, thiagosteiner@ revistanaipe.com

VISÕES OPOSTAS Não é para fazer média que a matéria de capa da Naipe 7 vem dividida em dois textos. Falar de gerações é sempre se arriscar a simplificar, como provam as revistas semanais, que uma hora veem nas pessoas mais novas superdotados que salvarão o planeta, outra veem nas mesmas pessoas estúpidos desligados de tudo. Conciliar visões opostas, se não é algo tão fácil em um jornalismo mais rápido, é obrigação para revistas com periodicidade maior como a Naipe. Ao mesmo tempo em que há mudanças perceptíveis nos comportamentos, nem tudo são singularidades. Prova disso é o visitante europeu que viu na universidade americana estudantes “pensando e fazendo as mesmas coisas”, tendo “praticamente os mesmos interesses”. Em 1923. E que tal um grego que reclamou – há mais de dois milênios – que as crianças amavam o luxo, eram tiranas, desprezavam a autoridade? A única certeza com que a Naipe começou a matéria sobre a Geração Y foi a de que ela merecia ser feita. Não sabíamos, de resto, exatamente aonde iríamos chegar. Só soubemos depois de um mês e muitos livros e artigos da internet depois: somos e não somos bananas, uma constatação que só fica devidamente traduzida com dois textos correndo em paralelo. Boa leitura! Thiago Momm, editor-chefe


CARTAS E QUEM FA Z

Te surpreendemos? Aborrecemos? Manifeste-se via Twitter, Facebook, revistanaipe.com ou naipe@revistanaipe.com

Réquiem para um Bozo http://tiny.cc/upvwy Uma história de vida escrita com a sensibilidade de quem parou, olhou e escutou. Parabéns também para o Wandeko por ter assumido as rédeas da sua vida. Rita, via site

Orelhões, esses invisíveis http://tiny.cc/luw3x Hoje em dia os orelhões servem só para duas coisas: a) adolescentes passarem trote pros bombeiros e pra polícia; b) obstáculo para cegos, onde batem com a cabeça. Rogério, via site 1/3 sumirá, sendo que outro 1/3 não funciona; teremos apenas 1/3 do original funcionando, e sempre, eu digo sempre, onde você não conseguirá localizar. Johnathan, via site

Play it again, Sam! http://tiny.cc/rz0hw Excelente matéria, principalmente no tocante à “mais canções sobre o que é viver em Florianópolis em 2011”. Convivo com amigos que fazem composições sinistramente boas e a única oportunidade que têm de apresentá-las é em festinhas universitárias pedindo cinco minutos do microfone emprestado. Uma pena. Guilherme Pedroso, via site Matéria sobre algo que eu nunca tinha parado para pensar. Respeito o trabalho das bandas autorais, mas é que a gente chega numa idade em que já não tem mais saco/vontade de sair por aí descobrindo sons e bandas novas. Quando saio, quero mais é ouvir bandas cover. Rodolfo, via site

Sopa sem letrinhas http://tiny.cc/5261m Filmes dublados são e sempre serão feitos para analfabetos e preguiçosos mentais. Cláudio Pinheiro, via site E eu que achava que essa nova geração estava arrebentando em idiomas estrangeiros, principalmente o inglês! Ledo engano. Estão cada vez mais preguiçosos. Daniel, via site Não é preguiça de ler. Ouvir é muito mais natural, confortável e favorece a imersão na história. Você presta atenção melhor nos detalhes das cenas quando não tem que ficar olhando pra baixo da tela e ler. Com os filmes tendo cada vez mais efeitos especiais visuais, é mais importante ver do que ouvir a fala. Marcelo, via site


O bicho-grilismo contra-ataca http://tiny.cc/v06n3 Ótima matéria!!! Como o Rao falou, também analiso muito o perfil da pessoa que me pede "couch" [couchsurfing], interesses de balada, culturais, modo de vida, enfim, a personalidade. Aceito as pessoas que querem mesmo é trocar experiências. Erich Nunes, via site

Pelas pogovias: http://tiny.cc/msl02 Criticar o óbvio sempre é fácil; difícil é apresentar soluções reais. O protesto é válido. A ironia/sarcasmo implícitos na matéria não têm força política nenhuma, trata-se apenas de uma brincadeira de crianças sobre um problema de adultos. Fred, via site Eu acho um absurdo uma estudante de universidade fazer uma proposta destas, onde ficam os perigos com os automóveis, motocicletas, ônibus e caminhões? Quem vai pagar o custo com os ortopedistas? Sem falar no mico, imagina mil alunos ou trabalhadores pulando por pogovias iguais a cangurus na Austrália. Everaldo, via site Será que vai ser necessário fazer uma nova matéria pra explicar para os "inteligentes de plantão" o sentido

dessa? E ainda não têm nem vergonha de criticar uma matéria inusitada assim! Quanta gente burra, meu deus! Parabéns, Naipe. Seu Saraiva, via site Esses jovens não têm o que inventar, as ruas de Floripa não comportam mais carros e essa garota preocupada com pogobol. Vamos pensar numa maneira melhor para o trânsito e não nesse canguru biônico. Isso deve ser ótimo como exercício, mas não em vias públicas. Lucio, via site Não tô acreditando, isso só pode ser deboche. Tanto problema em Floripa com o trânsito e tem uns loucos achando que isso é solução! Tão querendo queimar nossa imagem, né? Só falta aparecer no Jornal Nacional e no Fantástico. Patricia, via site Deixem de ser idiotas e hipócritas! Vocês acham que alguém em plena consciência vai ficar pulando igual a um maluco nessa besteira de pogobol? Tem que incentivar o ciclismo, fazer ciclovias. Eu vejo cada uma! Rafael, via site Parabéns, muito boa forma de questionar a mobilidade urbana de Florianópolis, mas infelizmente nem todas as pessoas têm capacidade pra entender que o vídeo é uma provocação e não uma coisa séria. Camila, via site

TAPECEIROS DESTA EDIÇÃO Thiago Momm, editor-chefe de Naipe, escreveu Nós somos bananas (p.24).

Vico Parcias, jornalista em Dublin, escreveu O mundo na fila do caixa (p.50).

Jerônimo Rubim, editor de Naipe, perfilou o lendário Koxixos (p.36).

Bruno Ropelato é colaborador de Naipe. Nesta edição fotografou o Koxixos.

Rosielle Machado, repórter de Naipe, observou Florianópolis a partir do lixo (p.12).

João Matoso respira tecnologia. São dele os textos da p. 9.

Iana Lua, nova repórter de Naipe, traduziu o universo dos coletivos urbanos (p.42).

Leo T. Motta é colaborador do blog Pirão, da Naipe, e escreveu Salvações bárbaras (p.40).

Gabriel Vanini, fotógrafo, fez as imagens de O lixo fala (p.12) e de Mouse desgovernado (p.22).

Esta edição teve, ainda, colaboradores que preferem (ou têm que) ficar no anonimato.

Diogo Araújo, filósofo, escreveu Filosofia com três toppings (p.20). Leandro Pitz, designer gráfico e ilustrador, fez as ilustrações de Quem tem medo da luz vermelha? (p. 16).

O sempre elogiado visual da Naipe, assim como as ilustrações da matéria de capa, cabe ao Lobotomáticos, estúdio de criação dos irmãos-sinapse Bruno e Diogo Rinaldi.


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AGITO NA MANELÂNDIA Em julho e agosto, Naipe inquietou Florianópolis com várias questões culturais Bebericando com Prata http://bit.ly/p7xwss A partir do filme Quebrando o tabu, o escritor nacional Mário Prata falou à Naipe sobre drogas e prós e contras marijuânicos.

Não gosto http://bit.ly/qaCnng Segundo enquete Naipe, 79% acham Florianópolis superestimada. Escrevemos a respeito e 6,3 mil pessoas leram o texto.

O que fazem os que nada fazem? http://bit.ly/p53bsW O que permite alguém a ousadia de lagartear pela Lagoa terça à tarde, enquanto você trabalha?

Música trash: até quando? http://bit.ly/ofT2nr Inspirada na Folha de S.Paulo, a Naipe começou uma série de debates perguntando a DJs da ilha sobre a maldição de Gretchen na noite.

Overdose de stand-up http://bit.ly/nIPvo6 "A proliferação do stand up estimula, banaliza ou exclusiviza o humor?". O assunto interessou muito mais gente do que imaginávamos.

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SOPÃO•MUNDO RAITÉQUI

NETFLIX NO BRASIL. por João Matoso Somos reféns de TVs por assinatura com programações engessadas que nunca batem com os nossos horários. Mas com a popularização da banda larga podemos ter uma programação de TV personalizada e disponível 24 horas. É o que a Netflix, a maior locadora virtual do mundo, já oferece em muitos países e agora no Brasil. A Netflix existe nos EUA desde 1999. Antes funcionava assim: o assinante escolhia um filme pela web e recebia o DVD pelo correio. Hoje, parte do catálogo está disponível online sob demanda. No Brasil o serviço já chega só na opção virtual. São

filmes e programas de TV que podem ser assistidos em computadores, tablets e TVs conectadas à internet. Existem outros serviços do tipo por aí, como o brasileiro NetMovies, mas o Netflix pode ser acessado também por videogames como Xbox e Wii e tem muito mais títulos – nos EUA, são 75 mil. Em www.netflix.com você pode se cadastrar para experimentar 30 dias grátis. Para assinar, o pacote mensal sai por r$ 14,99.

TABLET, A compra impulsiva diminuiu e o mercado já recebe uma avalanche de outros produtos. Então é a hora certa para perguntar: qual o real uso para o tablet? A principal vantagem é o tamanho, entre um notebook e um smartphone. O tablet tem a melhor combinação portabilidade/ eficiência - e sua bateria dura 10 horas. Alguns fazem ligações e enviam SMS. Ler livros e revistas digitais, jogar videogames e assistir vídeos em melhor qualidade são outras vantagens. Resumindo: não esperando que o tablet substitua o notebook (pela falta de mouse e mais memória) ou o smartphone (que afinal cabe no bolso), ele pode ser um grande aliado. Dois deles despontam, o Apple Ipad2 3G e o Motorola Xoom, que custam de r$ 1.649 a r$ 2.599. Nada como uma degustação antes para escolher o melhor para seu uso. (JM)

VALE VALE BAIXAR BAIXAR Evernote – Anotações salvas na nuvem, sincronizadas entre vários dispositivos. Seesmic – Twitter, Facebook e Google Buzz reunidos. Dropbox – Arquivos salvos que podem ser acessados de qualquer lugar. N A I P E • 09


Inspirada em Globo.com 2030, chiste do kibeloco.com, a Naipe antevê o noticiário local daqui a 19 anos MASSA

• PAULISTAS VOTAM NECESSIDADE DE VISTO PARA MANEZINHOS NA ILHA

O escritor e oráculo Xico Sá em quatro momentos recentes

• ÚLTIMO REDUTO HÉTERO, PRAIA DO SAQUINHO TERÁ PROTESTO GAY CONTRA A HOMOFOBIA

“O brasileiro só é solidário no cadarço desamarrado”

• UNANIMIDADE ENTRE A CRÍTICA LOCAL, A CARTOMANTE, 6° LONGA DE ZECA PIRES, TEM PONTE HERCÍLIO LUZ MUTANTE

Em uma atualização de Nelson Rodrigues

“Ninguém conseguiu encontrar um mendigo autenticamente careca no Brasil” Em busca de um careca pelo país

“Que cases comigo, Luiza, e terás massagens nos pés e no ego. Serei teu banco 24 horas de dengos e cafunés” Em um pedido de casamento a Luiza Brunet

“Só os cults e metidos não amam” Em uma crônica amanteigada

10• N A I P E

• PREFEITA, LAINE VALGAS AUTORIZA PROZAC NA MERENDA DE ESCOLAS PÚBLICAS • PRÓXIMO CLIPE DE SNOOP DOGG SERÁ FILMADO NA FEIJOADA DO CACAU • ESCAVAÇÃO ARQUEOLÓGICA ACHA CD DAS SPICE GIRLS EM TERRENO DE ANTIGA BALADA INDIE • THOR BATISTA PROMOVE BALADA PSYNEJO COM OPEN CRACK NA SPACE ANHATOMIRIM

Foto Bruno Ropelato

SOPÃO•FRASES & VISÕES


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SOPÃO•INHACA

O LIXO FALA. E NUNCA MENTE Naipe banca arqueóloga e cavuca na sujeira para conhecer as histórias que o lixo de Florianópolis conta por Rosielle Machado, com fotos de Gabriel Vanini Como se faz num caso desses, o funcionário da Comcap coçou a cabeça. Ali estava uma dupla de traficantes exigindo urgentes informações sobre a última remessa de lixo que havia passado pelo CTReS (Centro de Transferência de Resíduos Sólidos), no Itacorubi. Sem querer, os geniozinhos haviam jogado quilos de maconha fora, e na esperança de localizá-los imploravam por informações. Uma mãozinha aí, guerrêro, negócio tá difícil. Mas não teve jeito. A droga, àquela hora, já devia estar no aterro sanitário de Biguaçu. 12• N A I P E

A sede do CTReS é um dos lugares que mais têm histórias sobre Florianópolis. Lá, o material reciclável passa por triagem e o lixo comum é transferido para caminhões maiores, que fazem o transporte até o aterro. É por aqueles galpões que, todos os dias, passam cachorros-quentes mordidos, bergamotas podres, fotos rasgadas, alfaces moribundos, saquinhos de Ki-Suco e caixas de TV 50 polegadas. Tudo misturado, pingando caldo de chorume enquanto os caminhões descarregam na carreta toda a inhaca que a ilha descartou.


O lixo fala. Conta causos, passa informações, esclarece dúvidas. Nunca mente. Por isso se diz que a melhor forma de conhecer uma pessoa é analisando o que ela joga fora. Nos Estados Unidos, nos anos 1970, surgiu até um termo para isso: garbology. Inspirada nisso, a Naipe foi parar em uma plataforma de metal cinco metros acima do lixo, ouvindo histórias dos funcionários da Comcap e se perguntando: caso cavucasse nos resíduos ilhéus, o que um arqueólogo diria? Só de dar uma olhada no material, diria que a ilha descarta muito mais garrafas pet do que papéis – os manezinhos parecem mais interessados em beber Coca-Cola do que em ler jornais. Observaria que Floripa não é tão saudável quanto prega a mitologia: não há um caminhão de lixo sem caixas de pizza despencando. Também apontaria que a cidade ainda recicla muito pouco. Boa parte do que vai fora com os resíduos orgânicos poderia ser reaproveitada, mas acaba indo direto para o aterro por não estar separada.

Sacolinha branca No galpão do CTReS há caminhões desovando lixo de cinco em cinco minutos. Dois chegam ao mesmo tempo. O primeiro, que transborda duas caixas de cortes suínos nobres Aurora, uma caixa de televisão 42 polegadas e uma cadeira de praia, veio de Canasvieiras; o segundo, abastecido de sacolinhas do supermercado Xandi e nenhuma caixa de papelão, acabou de passar pelo morro da Mariquinha. O lixo também aponta diferenças. “A gente nota se a pessoa é rica só pela embalagem e o tipo do produto”, diz o presidente da associação de recicladores da coleta seletiva do CTReS, Nelson Jantara. Para ele, os melhores lixos para reciclagem são os dos bairros Santa Mônica e Jurerê, que têm mais embalagens de plástico e já vêm bem separados: “Também, lá eles têm espaço pra ter quatro ou cinco lixeiras.”


Nelson não imagina, mas ele e as outras pessoas que trabalham com o lixo reciclado ou orgânico são o mais próximo que Florianópolis tem de garbologistas. Eles que sabem a marca de margarina preferida dos manés (a julgar pelo número de embalagens, é a Qualy). Percebem, no amontoar do lixo orgânico, o nível de desperdício dos moradores de cada bairro. Sentem, pelo cheiro, a quantidade de suco de laranja que se bebeu naquele dia em cada parte da cidade. Medem até o nível de distração dos cidadãos: de velhinha que perdeu produtos da Avon aos traficantes

desatentos, são visitados por todo o tipo de gente. O diálogo já virou até rotina: – Mas eu deixei meus r$ 4 mil numa caixa de sapatos e foi fora em uma sacolinha branca! Se você me deixar procurar ali no caminhão eu tenho certeza que acho! – Ah, minha senhora, se você soubesse a quantidade de sacolinha branca que passa por aqui todo dia. Leia sobre Florianópolis

.com na seção Na rua



SOPÃO•SUADA É A NOITE

QUEM TEM MEDO DA LUZ VERMELHA? Três universitárias mergulham em um universo de strips, chiquititas jessica rabbits e devassas por Anônimas, com ilustrações de Leandro Pitz O nariz da loira explora a curva entre o pescoço e o ombro do quarentão enquanto os dois se esfregam no ritmo do sertanejo universitário. Não fossem os pole dance eretos no palco, aquela poderia ser uma pista de dança qualquer. Mas havia o insistente cheiro de 212 Sexy no ar, lembrando que lá a conquista é uma tarefa feminina: são sempre as bocas aveludadas que iniciam a aproximação. É por esse momento que todos esperam, exceto as três garotas que cochicham num canto, descobrindo como funcionam as coisas em uma das mais famosas casas de show da cidade. Sim, a Naipe levou três universitárias lá. Vinte e um aninhos cada, elas toparam eufóricas o convite para mostrar a visão de quem nunca havia pisado em nada do gênero. A maior preocupação, claro, era a roupa – o que vestir num lugar desses pra não ser confundida? Não imaginavam que seriam solenemente ignoradas pela ala masculina. O homem que mais lhes deu atenção ao longo da noite foi o garçom. Desde que chegaram no lugar, lá estava ele querendo saber o que as senhoritas gostariam de beber. Um pouco emocionadas, elas pediram vodca com refrigerante. Amadoras.


Quando os três narizes torcidos entraram no salão da pista de dança, farejaram um lugar bem distante da esperada atmosfera Moulin Rouge. Parecia uma casa noturna como outras. Mas os três queixos caíram quando a atenção se voltou para a clientela: “Nossa expectativa era ver muitos carecas, alguns normais e nenhum gato. Mas tinha um gordo careca, muitos normais e vários caras gatos: cinco olháveis e dois que dava até pra fazer um desconto”, analisou uma delas, entrando no clima.

Chiquititas Quando começam a curtir a vibe meio balada, elas são levadas pela gerência para conhecer as entranhas do clube. Descendo as escadas do camarote, à direita, uma porta esconde o corredor apertado onde ficam as salas para showzinhos particulares. Os narizes universitários se metem em uma que acaba de ser usada. Sofás pretos, paredes espelhadas, almofadas vermelhas. No chão, três toalhas brancas emboladas. Alguns passos depois, no fim do corredor, uma porta aberta revela um lugar à parte. O 212 Sexy dá vez a um suave aroma de comida no fogo. O som da TV deixa a música vinda do salão em segundo plano. É lá que muitas das funcionárias moram. “A novela já começou?”, pergunta a gerente para a garota que come em uma mesa de 12 lugares. “Ainda não.” Adiante ficam os dormitórios das dançarinas. O longo corredor de madeira e os 20 quartos equipados com armários e beliches lembram um cenário da novela Chiquititas. Nas paredes, os cartazes que alertam sobre não correr, não gritar e não brigar também parecem os de um orfanato, exceto pelo que indica o excêntrico horário de silêncio: das 5h às 14h. As profissionais não pagam hospedagem e alimentação. A única obrigação é a de estarem prontinhas, lindas e cheirosas no salão às 21h. N A I P E • 17


Devassas De volta ao camarote, as voluntárias da Naipe pousam os terceiros copos vazios na bandeja do garçom boa-praça. Uma delas se aproxima da ruiva maquiada até os cotovelos que está ali de bobeira, apoiada no parapeito. Beijinho, beijinho, clima de comadres, a mulher conta da sua vida de viagens entre Curitiba e Florianópolis, sabe como é, para dar uma circulada. Anunciou que logo faria um show. “Vou colocar um vestido vermelho para ficar igual aquele desenho da Disney, sabe?”, se referindo à boazuda Jessica Rabbit, de Uma cilada para Roger Rabbit. Por cada strip, ela leva de uma a três centenas de reais. E as atrações da noite finalmente começam. No palco, uma odalisca de meia-tigela faz movimentos preguiçosos, nem strip nem dança do ventre. As universitárias, esperando performances à la Demi Moore, quase bocejam: “Rebolar assim, até eu”. Em seguida, é a vez de uma colegial que abaixa a calcinha igual as meninas de oito anos antes do banho, deixando aquele anelzinho enrolado no chão. Para compensar, surgem na sequência duas adeptas do Madonna style de sedução. Para tirar o fio dental, roçam a estreita tira de tecido para frente e para trás no vão das pernas, provocando expressões de dor no rosto de nossas meninas. Depois da Jessica Rabbit do Desterro e de uma dançarina pudica que, encarrapitada no pole, sobe o vestido tomara-que-caia, vem o grande momento da noite: o sorteio de devassas. A administração pesca dois números de comanda aleatórios e “os sortudos levam a devassa na faixa!”. Os prêmios sobem no palco: uma morena madura com cabelão volumoso e uma ninfetinha que as universitárias juram conhecer de algum

lugar. “Se eu fosse um cara, estivesse de boa aqui e ganhasse uma devassa por conta da casa, seria o dia mais feliz da minha vida”, reflete uma das observadoras. As devassas, elas sim, dão um show convincente. Ordenham o pole, fazem caras e bocas, se tocam, se esfregam. A mais novinha é sorteada primeiro. Sozinha no palco, tira a lingerie branca e, granfinale, derrama a cerveja da promoção pelo corpo.

Reflitam As convidas desenvolvem, em silêncio, sob o brilho da vodca, teorias antropológicas. “Chegamos lá achando que o trabalho das garotas ali era uma coisa muito última opção, mas no fim vimos que não deve ser uma vida tão dura assim.”


SOPÃO•BOKARRA

Mais tarde repensam. Mesmo sabendo que as funcionárias não pagam moradia e alimentação, ganham porcentagem das bebidas, só trabalham de segunda a sexta, escolhem os clientes e ainda abocanham toda a grana que faturam com eles, a profissão não parece lá muito atraente: “Como nos disseram, não é um dinheiro fácil, é um dinheiro rápido”. E suado, concluem: “Que tipo de vida é essa em que você tem que estar sempre depilada? E a menstruação? Sério, reflitam.” O quarto copo de bebida se vai na bandeja do garçom-queridão. O clima meio baixaria de fim de noite, comum a todas as baladas, começa a tomar conta. Em uma das poltronas do camarote, um homem com ares de executivo experiente se roça – meio desmaiado, meio acordado – no colo da devassa dos cabelos volumosos. Ela pede ao garçom que traga uma água para o ébrio senhor claramente sem condições de desfrutar o banquete, mas insistente. É nessa altura da noite que o editor da Naipe chega – tal qual pai que espera as filhas na porta da night – para buscar as três universitárias. O cheiro forte de perfume adocicado toma conta do carro. Preocupado, ele quer saber se elas estão bem, se tudo transcorreu como o planejado. A resposta vem em forma de gritinhos histéricos: “Adoramos!”, “É o máximo!”. As três universitárias de calça jeans, blusa e sapatilhas (foi esse o look escolhido, afinal) berram em uníssono: – A gente pode voltar outro dia?

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SOPÃO•YOGOSOFIA

FILOSOFIA COM TRÊS TOPPINGS

Nesta edição a Naipe traz dois diários. Neste, leia os devaneios de um philosòphus enquanto ele fatia morangos como funcionário de uma iogurteria; na página 22, acompanhe o existencialismo de uma funcionária pública por Diogo Araujo*

*Diogo Araújo é formado em Filosofia pela UFSC e colaborador do blog Pirão, do revistanaipe.com


15/07/11 “Como ultrapassamos as coisas pequenas, acreditamo-nos mais capazes de possuí-las; entretanto, não nos falta menos capacidade para chegar ao nada do que para chegar ao todo”. Esta frase, tirada do meio do meu aforismo preferido do Pascal, diz tudo sobre o aprendizado que me domina nos últimos meses: o aprendizado do presente. Um mundo assombrado pela frase de Borges “eu poderia ter visto o rosto de Deus em um sonho” é um mundo com a intensidade dos abismos, mas tranquilo e perdoado. Perdemos e ganhamos o rosto de Deus a cada instante, pelo próprio respirar da vida. Sobra um alerta em forma de êxtase. E tudo começa do chão. O que a simplicidade ensina? Que os grandes esforços não tocam todos os segredos. Aqui na Lagoa há os vagabundos que trazem explicitamente nos gestos uma saudade imensa de fantásticas grandes batalhas, atos heroicos e estrondosos, cumplicidade viril com camaradas de grande caráter. Ainda ardem de horror em perder a imagem do grande homem. Enquanto o playboy acredita piamente na imagem da grande mulher.

17/07/11 Este morango traz o rosto daquele que traiu o exército, foi morar no deserto e lá aprendeu que para ser perdoado teria de amar com o risco do Nada. Este encontrou um cavalo, de fato nu, à beira de uma lagoa, e acompanhando-o por alguns instantes sentiu que a única condição da beleza é cair no tempo. Em 1202 este morango apaixonado ajoelhou-se na frente de um rio ordinário e disse, tendo juntado todas as suas forças: “Amor, me leva como ao tempo”. Seu próximo passo era superar a explosão nuclear. Este morango se parece com o monge que escreveu: “Só se pode aprender sobre o perdão e o gozo”. Morreu rindo diante da espada. 500 anos depois, um relojoeiro holandês proferiu: “Amaria a renúncia, arderia da superstição somente num mundo em que cada centímetro de carne não tivesse todos os perfumes.”

19/07/11 Último dia trabalhando na Lagoa. Esta loja ficará fechada até novembro, quando vem o calor e Florianópolis experimenta

o mundo. Hoje pensei que não há maior contestador do “mal estar da civilização” do que o sujeito que na rua me pede r$ 2. Sem precisar dizer, e para todos os que não nasceram com essa invejável habilidade de inventar uma falsa surdez, ele está dizendo: “Aqui, por r$ 2, tua mansão, teu trabalho, tuas roupas, mesmo tua infância. r$ 2 é o preço do teu esconderijo, tuas certezas, tua incerta religião, teu sarcasmo inatacável. Por r$ 2 te causo um assombro, ainda que passageiro. Cais no presente. Estavas prestes a conquistar tesouros definitivos, êxtases sensíveis, tua mulher gostosa vestida de lingerie vermelha. Tudo o que gozaste e estudaste em livros, discos e sermões aplica agora: amigo, tem r$ 2? Este é o preço, a gravidade, a física do meu perdão, quer o aceite ou não. E o teu, quanto sai?”

20/07/11 Primeiro dia no Floripa Shopping. No Egito toca uma música cristalina e pulsante, um mantra a indicar guerreiras verdes gritando que estamos próximos. A areia é azul, as pirâmides descem da eternidade para nos servirem licores de cereja, manga ou chás ácidos. As egípcias se abraçam a suas amigas de outra espécie, brancas, extraordinárias. Índias brasileiras vestem-se de aeromoças. O voo é o trabalho diário da poesia. O céu é próximo. Milhares descansam, ausentam-se, milhares amam. E um corredor de ar diz: “Por aqui”. Chegar ao outro lado é, no entanto, impossível, diz-se. O que há são estes passos e um globo a girar no pensamento possibilidades de ver um mundo em que todos os tamanhos, todas as alturas são possíveis. Ganha na loto quem esquece de rezar.

22/07/11 Qual a diferença entre fazer arte e fazer o instante? Entre enriquecer e viver num presente de renúncias e repetições? Estas diferenças nunca serão um dado. Pra mim, nenhuma questão da existência é respondível por meio de uma obra: nós somos a obra. O homem contemporâneo tem medo de ser dominado pela preguiça, pelo tédio, pela morbidez e pela loucura. Ou quer muito, histericamente, tudo isso. Por isso entrega, quase que impessoalmente, todas as suas energias para uma “exterioridade”, a obra. Ou a nega. Mas esta sensação de estar se doando para algo fora é uma ilusão. Assim como a negar. Nós somos a obra. Livre. N A I P E • 21


SOPÃO•DESFUNCIONALISMO

No segundo diário desta edição, funcionária pública que prefere não se identificar fala de ideias e equipamentos envelhecidos

MOUSE DESGOVERNADO 04/07/11 Cheguei por volta das 7h15, é meu primeiro dia depois das férias. Um colega estava sentado no lugar habitual; as divisórias da sala tinham sido ajustadas e ela ficou menor; há datas no mural indicando aniversários; meu monitor foi trocado, mas o computador continuava lento, o mouse desgovernado, o teclado empoeirado; a mesa que antes ninguém ocupava continua vazia, mas agora tem um computador – que não funciona – em cima dela, como que para enfeitar. Tentei ficar por dentro das novidades e percebi que nada mudou. No pequeno quadro de avisos havia uma data qualquer, equivocada. Descobri isso conferindo na internet. Ah, fiz uma nota bacana e depois descobri que o ‘pessoal do gabinete’ não tem um bom relacionamento com o órgão do qual eu falava: trabalho desperdiçado. Hoje não vi nem falei com a minha chefe.

06/07/11 Desde ontem, três assuntos estampam um quadro de pautas inaugurado durante as minhas férias. Escolhi um deles e fiz alguns contatos. Liguei para mais de seis números até conseguir marcar uma

reunião, só para a próxima semana. Atendemos uma solicitação hoje que deve empacar, simplesmente porque não há resposta, como em muitos casos. Perguntei para um colega o que poderia ser feito. “Escreve no papelzinho e empurra pro gabinetinho”, ele me disse.

07/07/11 Me dei ao luxo de ficar mais dez minutos debaixo das cobertas. Cheguei atrasada, mas é costume por aqui não cumprir horários. Pelo contrário, são exceções. Fiquei por duas horas lendo jornal e vendo TV, não porque não tinha nada pra fazer, mas porque a moleza reina. O ritmo deveria ser parecido com o de uma redação de jornal, mas não chega nem perto disso. Não acho justo que apenas uma pessoa de seis faça o trabalho pelo grupo todo. Prefiro não interferir com a minha opinião, comentários maldosos sobre meus colegas e até sobre a minha chefe. E fico imaginando o que falam de mim depois que eu vou embora.

18/07/11 Mesmo tendo chegado de viagem de madrugada, com uma crise de rinite que me deixa muitas vezes sem respirar, cumpri


Foto Gabriel Vanini

minha obrigação com o trabalho. Levantei mais tarde, chovia, peguei um ônibus lotado com as janelas fechadas, o trânsito congestionado, mas cheguei a tempo de cumprir um compromisso. Só que levei um bolo do setor de transportes porque, mesmo tendo enviado solicitação com antecedência, não tinha carro pra me levar!

20/07/11 Parece mentira. Após ter ficado fora um dia sem ninguém ter notado minha ausência, chego e não posso trabalhar. Primeiro porque mais uma vez não tem carro pra me deslocar até o local onde eu faria uma entrevista, segundo porque o telefone ficou mudo. A matéria, que comecei há mais de uma semana, vai continuar esperando por um desfecho.

21/07/11 Ocorre aqui uma disputa a fim de saber quem manda mais. Recém-chegados cheios de razão versus servidores antigos que não querem dar o braço a torcer, muito menos tomar a iniciativa para reverter a situação. Não se pode falar mais claramente do

assunto, porque tudo se passa de um jeito obscuro. Há um tempo eu fazia questão de esbravejar, hoje não emito opiniões.

22/07/11 Quando é de interesse pessoal, as coisas andam rápido, e como! Ontem preparei um documento para fazer um curso de capacitação custeado pela secretaria em Brasília, que precisaria ser assinado pela minha chefe. Ela não só assinou como pediu pra incluir o nome dela pra fazer o curso comigo. Se faltasse interesse, o papel rolaria na mesa dela pelo menos uma semana, tenho certeza – como aconteceu com a solicitação de alguns colegas para fazer hora extra e receber gratificações. É meio-dia, todos assistem ao jornal antes de ir pra casa.

Final de julho “Caminhando e cantando e seguindo a canção / somos todos iguais, braços dados ou não”. A música de Vandré certamente não foi escrita com o mesmo propósito para o qual uso agora. Mas se aproxima muito da tradução que eu gostaria de dar ao serviço que presto, ou tento prestar. No serviço público apenas seguimos a canção, que já está musicada, letrada e arranjada desde quando começamos. N A I P E • 23


NÓS SOMOS BANANAS. E NÃO SOMOS 24•C APA


Com um tablet usamos dez ferramentas ao mesmo tempo. Com um mundo cheio de problemas não sabemos o que fazer, porque não há aplicativo para isso. Inteligentes mas aparentemente desinteressados, somos a nova geração perdida – ou apenas a nova geração incompreendida por Thiago Momm, com colaboração de Iana Lua e Jerônimo Rubim. Ilustrações: Lobotomáticos B A N A N A S • 25


Nós somos bananas No palco, uma multidão distraída, mimada, petulante, ingrata, estranha, superficial abre rachaduras nos alicerces de uma casa. A peça: Geração Y, aquela das pessoas nascidas entre 1978 e 1990. A casa: o mundo deixado pelas gerações anteriores. Os alicerces racham e enquanto isso a multidão se cutuca e curte comentários sobre amigdalites, luas cheias, auto-ajudas, frases atribuídas aos autores errados. As tolices de sempre agora amplificadas, em níveis provavelmente inéditos. “Sem nunca terem reconhecido sua responsabilidade em relação ao passado, eles abriram uma rachadura em nossos alicerces sociais”, protesta Mark Bauerlein, no canto do palco, apontando para a multidão. “Nenhum grupo na história da humanidade abriu tamanha fissura entre suas condições materiais e seus feitos intelectuais. Nenhum grupo desfrutou de tantos avanços tecnológicos e produziu tão pouco progresso mental.” Por quê? Porque as fontes do conhecimento estão por tudo, mas a Geração Y está acampada no deserto, trocando músicas, fotos e informações apenas entre si, falando de si mesma e recusando “a herança cívica e cultural que nos fez como somos hoje”. Bauerlein, professor americano, em 2008 publicou The dumbest generation, ainda sem edição brasileira.

Aplicativo Falar de “geração” é sempre simplificar. Havia grupos de amigos que passavam seus dias em 1968 interessados apenas em futebol. Há grupos de amigos que passam seus dias em 2011 reunidos em ONGs ou coletivos culturais (ver pág. 42). Mas não é porque as gerações têm muitas fatias (inclusive variáveis entre países e cidades) que é inválido falar nelas. Se a de 1945 tinha inclinação ao conservadorismo e a dos anos 1960 às reivindicações sociais, nós, da Y, tendemos à bananice. Mesmo que sejamos, em geral, mais educados, preparados e prósperos que nossos pais. CONTINUE A LEITURA PELAS PÁGINAS DA ESQUERDA


Nós não somos bananas No palco, uma multidão troca os móveis, mudando completamente o cenário. A peça: Geração Y, a dos nascidos entre 1978 e 1990. Os móveis: as ideias das gerações anteriores. A juventude nunca havia dominado, como na escala atual, um conhecimento tão importante para o mundo – a internet. Ciente disso a Finlândia, 16º melhor IDH do mundo, escolheu 5 mil jovens para ensinar os professores do país a usar computadores. “Este é um período extraordinário da história humana. Pela primeira vez, a geração que está amadurecendo pode nos ensinar como preparar o nosso mundo para o futuro”, vibra o canadense Don Tapscott, se dirigindo à plateia da peça. Ele refuta a ideia de que vem sendo criada uma geração de pessoas “estranhas e gordas”. Quem diz coisas assim está enquadrando o novo com critérios antigos. Facebook? Apenas o lazer de sempre. Só o intervalo para o cafezinho de ontem, e quando a vida está realmente valendo, a Geração Y representa um avanço incrível em relação às que a precederam. Aliás: “Na questão digital, os filhos são a autoridade. A sociedade jamais passou maciçamente por esse fenômeno, no qual a hierarquia do conhecimento é tão eficazmente virada de cabeça para baixo.” Tapscott publicou, no ano passado, A hora da geração digital, uma resposta aos cibercéticos e críticos da geração multitarefas. Uma equipe de Tapscott fez um abrangente estudo da era digital, com quase 10 mil jovens do que chama de Geração Internet, praticamente o mesmo recorte de idade da geração Y.

Débito ou crédito? Para inúmeros adultos, a Geração Y, exceções de sempre à parte, é uma geração banana. Um dos cascudos recentes veio do consagrado jornalista político Clovis Rossi, 68 anos. “Os estudantes brasileiros se mobilizam? Sim, para exigir meiaCONTINUE A LEITURA PELAS PÁGINAS DA DIREITA


Nos dão um tablet e usamos dez ferramentas simultaneamente. Nos dão um mundo cheio de problemas e nem tentamos resolvê-los – porque não há um aplicativo para isso. “A última vez que um grupo de jovens expressou comparável desânimo pelo vazio de suas vidas e da frustrante falta de sentido do mundo foi nos anos 1920: não por acaso os historiadores falam de [outra] ‘geração perdida’”, escreveu o historiador inglês Tony Judt no último livro que publicou, O mal ronda a terra, antes de morrer precocemente, aos 62. E há muitos problemas para serem resolvidos. Não só criminalidade, população carcerária, desemprego, corrupção, obesidade, subnutrição, gravidez na adolescência, drogas, insegurança econômica, endividamento. As questões vão além. Perder o senso coletivo só parece aumentar a nossa insatisfação privada. Em 2010 foram vendidas 18,5 milhões de caixinhas de ansiolíticos no Brasil, 36% a mais que em 2006. Também há tédio, apatia, insatisfação. Inclusive no Facebook. Pelo que conta o filme A rede social, Mark Zuckerberg só trocou a ansiedade de ter levado um pé-na-bunda na vida real pela de apertar F5 no site que criou – sofrendo diante do perfil da namorada que não quis mais nada com ele. Não é de espantar que algo tão complexo mas criado com um propósito tão mundano tenha se tornado principalmente um amplificador de bananalidades. “O Facebook serve pra alimentar inveja”, sorri a estudante de Direito da UFSC Priscila Pimont, 25 anos, que já cursou Relações Internacionais na UFRGS. De vez em quando, “entediada”, Priscila rola seu feed de notícias infinitamente para baixo – como fazemos tantos de nós, na expectativa de provocar uma reviravolta na peça, tornála mais significativa. Mas nada acontece. “Não sai mais suco dessa laranja”, desdenha o pós-graduando em Biologia da UFSC Rodrigo Arlissone, 29, um dinossauro do mundo digital – tem um MSN com meia dúzia de contatos e só. “O Facebook poderia ter uma finalidade, mas é um fim em si mesmo.” Pior: “Talvez toda a internet fique simplesmente parecida com o Facebook: falsamente alegre, falsamente amistosa, voltada principalmente para a autopromoção e engenhosamente dissimulada”, analisou a escritora inglesa Zadie Smith, 35, no artigo Generation Why?, publicado em The New York Review of Books.

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entrada nos cinemas, atitude positivamente revolucionária. Difícil escapar à constatação de que não somos indignados e, sim, bananas”, lamentou na Folha de S.Paulo. A cobrança é válida, mas há razões históricas para sermos assim. No Brasil, após a ditadura as reivindicações sociais foram se fragmentando, como nos EUA e na Europa nos anos 1960. Direitos de minorias foram conquistados, mas a sociedade não encontra mais um objetivo comum para se aglutinar. Alguns protestam sobre não ganharem cutucadas, outros sobre a permanência de Ricardo Teixeira à frente da CBF, outros sobre os preços do transporte público. Em Florianópolis, uma greve reuniu 600 estudantes na reitoria da UFSC recentemente. Mas nada como se via antes. Colocar a culpa dessa desunião não é debitar demais na nossa conta? Diz à Naipe um homem de 5 décadas e 5 mil livros que prefere não se identificar: “Estão botando muita coisa na conta de vocês. Minha geração é extremamente vaidosa. Os pais que mimaram vocês dão as coisas pela vaidade de mostrar que podem.” E segue: “A geração de vocês vai acabar com o mundo? Não. Ele [o adulto que afirma isso] é que vai se acabar.” De fato, quando se olha a juventude com óculos novos, não com as riscadas lentes antigas, muitas percepções se modificam. A inteligência de muitas das crianças de hoje faz com que qualquer um nascido há mais de três décadas pareça um simplório taberneiro da Idade Média. Não são tão poucos os que antes de atingirem 1 metro de altura já são bilíngues, bons navegadores da internet e formuladores de ideias complexas. Nos EUA, a pontuação nos testes de QI aumenta a cada ano. Somos uma geração interativa, acostumada a customizar as coisas – adequá-las às nossas preferências. Isso logo é apontado como petulância, como reivindicação de mimados, mas em muitos casos estamos buscando soluções. Ao rejeitar hierarquia e horários rígidos no emprego, por exemplo, muitas vezes estamos propondo modelos de trabalho mais amigáveis e maleáveis, baseados na produtividade. Diversos especialistas afirmam que a Geração Y, com mais informações acessíveis, é mais preocupada com ética, meio ambiente e comportamento de empresas do que as gerações anteriores. Segundo pesquisa de 2002 do Banco Mundial com mais de 2 mil pessoas entre 15 e 30 anos, mais da metade já havia recompensado ou punido empresas com base no desempenho social percebido.

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De bom grado Estamos lavando nossos carros com som alto nas calçadas ensolaradas depois de épicas madrugadas de sábado. Ou escutando nosso som indie favorito no iPod em ruas europeias durante intercâmbios. Então o que há de tão errado nas coisas? Com a prosperidade, a juventude não deveria ser cada vez mais um experimentar estendido e descompromissado? Para virar adulto, não basta mudar repentinamente de postura? Aí está. O modelo de juventude atual até funciona muito bem enquanto o mundo em volta se mantém em um nível blockbuster, repleto de filtros condescendentes próprios e alheios. Mas quando ganhamos rotina, bochechas gordas e um chefe que não reconhece aquela aura especial que juramos ter, nos frustramos. A respeito, é imperdível o artigo Meu filho, você não merece nada (http://glo.bo/nrFODt), da colunista da revista Época Eliane Brum. Retuitado mais de 3,9 mil vezes, o texto é uma crítica excepcionalmente contundente ao sentimento “eu mereço”, inoculado por pais superprotetores – e aceito de bom grado por nós, geração Y. “Os pais sempre querem que seus filhos realizem o que não realizaram, sejam o que não foram”, afirma Eliane à Naipe. “Mas, neste momento histórico [agora], os pais querem algo bem maluco: que os filhos gozem o tempo todo, que sejam felizes o tempo todo. Que vivam uma vida sem ser marcados pela vida.” Ela ressalta que isso se aplica a muitas famílias, não a todas. E segue: “Nem pai nem filho querem perder a ilusão sobre a qual o [atual] jogo familiar foi estabelecido”, uma ilusão de que não há sofrimento – ou de que consumismo ou medicamentos podem calá-lo. Já na Grécia havia filósofo seriamente preocupado com a geração vindoura. Nem por isso críticas como a de Eliane Brum ou como aquela de que estamos rachando os alicerces sociais, de Mark Bauerlein, devem ser vistas como sirenes soadas à toa. Até pelas condições que nos foram dadas.

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Livrinho de 1980 Pensamos rápido e somos impacientes com a ineficiência. Como no caso da educação. “Tem professor que trabalha com livrinho de 1980 e giz”, se zanga em um happy hour o estudante de Engenharia de Produção Mecânica da UFSC Gabriel Borkenbrock, 22. Aluno da décima fase, ele nunca fez o cadastro na biblioteca – porque acessa tudo que precisa online. “O professor tem equipamento de r$ 5 mil e não utiliza.” “A escola é um depósito de gente, um pacto medíocre da sociedade como um todo”, bufa, entre goles em cervejas de litrão no mesmo bar, o pós-graduando em Biologia da UFSC Rodrigo Arlissone, 29. Ele já deu aula para os ensinos fundamental e médio: “Os alunos têm um potencial muito maior do que a escola oferece.” Sem dúvida, pensa Don Tapscott. A educação está 200 anos atrasada. Os mais novos estão apenas recebendo um modelo que as gerações anteriores não conseguiram revolucionar. “Ir a uma aula expositiva de um professor medíocre em um lugar e horário específicos, em uma sala na qual eles [alunos de hoje] são receptores passivos, parece estranhamente inadequado, ou até totalmente inapropriado”. Uma das iniciativas que combatem esse anacronismo é a Khan Academy (khanacademy. org), que disponibiliza mini-lições gratuitas e relaxadas de história a astronomia. O site foi chamado de “incrível” por Bill Gates. Para Tapscott, a Geração Internet começa fazendo coisas “que os jovens fazem”, jogar videogame, ouvir música, assistir TV, mas no momento em que seus primeiros integrantes completam 30 anos eles estão “causando impacto na vida cívica e na vida política”. Seu otimismo se apoia em exemplos como a participação dos mais novos – via mundo virtual – na campanha de Obama e em mobilização contra as FARC, ambas em 2008. A influência da juventude na eleição do presidente americano é mais que conhecida. No caso colombiano, o jovem engenheiro Oscar

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Herdamos problemas, mas também o resultado de grandes aspirações das gerações anteriores. Guerras, protestos, utopias, shows na lama e discursos sem-fim trouxeram resultados vitais que nem sempre percebemos e que não podem se perder. Assim como, no Brasil, não devemos esquecer nossa imensa dívida com os inúmeros pais que saíram do interior e abriram caminhos a facão. “Agora que eu tô pensando nisso. Porra”, se desaponta diante da Naipe, numa mesa amarela de happy hour, o estudante de Engenharia de Produção Mecânica da UFSC Gabriel Borkenbrock, 22. Gabriel é o típico universitário da Geração Y: conectado mas amplamente despreocupado, como quem não acredita realmente nos benefícios da intelectualidade.

Derretimento Em A idade da irracionalidade americana, publicado em 2008, a ensaísta Susan Jacoby afirmou que o anti-intelectualismo atinge níveis sem precedentes nos Estados Unidos – uma constatação perfeitamente transponível à realidade brasileira. Para ela, a preguiça mental generalizada se deve à convergência de fatores como “pseudociência, fundamentalismo, obsessão da mídia por celebridades, cultura de gangues urbanas, politicamente correto, declínio das bandeiras acadêmicas, relativismo moral, políticas interesseiras e enfraquecimento do jornalismo investigativo, entre outros fatores”. Também com o bolso cheio de Estalinhos Guri, o professor universitário Thomas Benton diz, em artigo no jornal americano The Chronicle of Higher Education, que seus alunos são “incapazes de seguir ou manter um argumento”, “hostis a qualquer coisa que não seja diretamente relevante para as suas carreiras”, “não realmente envergonhados da sua falta de habilidades e conhecimentos” e “convencidos de que não há opiniões piores que as outras: todas as visões se equivalem”. Um outro professor compara a inteligência mundial com as calotas de gelo polar: embora haja estatísticas muito alarmantes a respeito, sem dúvida há um derretimento. Também se diz que o nosso hábito de multitarefas diminuiu a qualidade das nossas reflexões, auto-expressão e até produtividade. Para Bauerlein, o mais pessimista de todos, “o futuro parece sombrio”. E a peça segue, repleta de som e fúria. 32•C APA


Morales criou, no Facebook, o grupo Um milhão de vozes contra as Farc. O resultado não foi atingido, mas foi relevante: 260 mil pessoas aderiram. E se isso poderia sugerir o apoiar-para-não-realmenteparticipar da internet, houve protestos simultâneos em 27 cidades colombianas e 104 ao redor do globo. Em dezembro de 2010, depois que o livro de Tapscott já havia sido publicado, vimos o começo de um caso ainda mais emblemático do bom uso das mídias sociais: ter ajudado a impulsionar a Primavera Árabe, primeira grande manifestação democrática da região neste século, com resultados efetivos.

Estímulo mental Eles se vestem igual, fazem as mesmas coisas ao mesmo tempo, pensam e falam nos mesmos termos e têm praticamente os mesmos interesses. Quem é diferente é maluco, talvez uma traça de livro ou coisa parecida. Essas frases não são do autor deste texto aqui; são de um estudante europeu que visitou uma universidade americana. Mas não em 2011. Em 1923. Na mesma época, o romancista americano Robert Herrick – citando carros, cinema, sexo e bebidas – se perguntava se a vida da época oferecia aos jovens “suficiente estímulo mental”. Em texto recente, o colunista do jornal San Francisco Chronicle Mark Morford questionou essas eternas reclamações: “Esta parece ser a regra: quanto mais velhos ficamos, mais temos a tendência de ser vítimas da nossa própria visão de mundo fixa, incapaz de ver como as criaturas mais jovens da nossa espécie são e não são, ao mesmo tempo, um pouco como nós.” Oscar Wilde, um dos maiores escritores do planeta no século 19, já farejava isso. “É absurdo falar sobre a ignorância da juventude. As únicas pessoas cuja opinião eu escuto são as pessoas muito mais jovens que eu”, disse, além de argumentar que o progresso “sempre se deu pela desobediência”. As gerações mais novas e antigas sempre se criticaram, apontando as piores tendências umas das outras – uma cobrança que acaba sendo benéfica. Colocar na internet a culpa de todos os males modernos não faz sentido. É claro que ela escancara a ingenuidade de muita gente, mas seu bom uso também está aí, tornando obsoletas algumas maneiras de se ver e resolver as coisas. Talvez se faça muito barulho por nada. B A N A N A S • 33


SAIBA MAIS SOBRE A GERAÇÃO Y – E ALGUMAS OUTRAS Nas livrarias A hora da geração digital (Agir Negócios, 2010, 448 p., r$ 79,90), de Don Tapscott – Um dos principais manifestos a favor da Geração Internet, combina muitas estatísticas, bons argumentos e bastante otimismo. The dumbest generation (Penguin USA, 2008, 264 p., r$ 55,70), de Mark Bauerlein – O livro prenuncia o apocalipse de forma fluente, convincente e mal-humorada. O culto do amador (Zahar, 2009, 207 p., r$ 42), de Andrew Keen – O inferno é um lugar cheio de bloggers e podcasters, resmunga o autor, que quase nos deixa com vontade de nunca mais baixar um seriado. O novo século (Companhia de Bolso, 2009, 176 p., r$ 20,50), de Eric Hobsbawn – Em entrevista a um jornalista italiano, o maior historiador vivo avalia variados aspectos do presente e futuro do século 21. A criação da juventude (Rocco, 2009, 558 p., r$ 84), de Jon Savage – Conta a história da criação e consolidação da juventude como fase separada da vida, avaliando diferentes grupos urbanos. Este lado do paraíso (Best Bolso, 2011, 352 p., r$ 17,90), de Scott Fitzgerald – Focado na vida universitária da década de 1920, ajudou a consolidar uma nova ideia de juventude. Os belos e malditos (Best Bolso, 2011, 416 p., r$ 19,90) de Scott Fitzgerald – Imperdível, traz a travessia dos 20 aos 30 anos na visão do herdeiro de um milionário e da sua fútil, linda e inteligente namorada. Um dia (Intrínseca, 2011, 416 p., r$ 39,90), de David Nicholls – Também imperdível, tem como protagonistas um playboy e uma indie apegados um ao outro e fala de uma travessia maior – dos 20 aos quase 40. Como fazer inimigos e alienar pessoas (Record, 2004, 366 p., r$ 42,90), de Toby Young – Inteligência ou modelos com us$ 20 mil de silicone? Young traz uma reflexão engraçada sobre o conflito vida frívola vs. culta. 34•C APA

Na internet Meu filho, você não merece nada – A premiada jornalista brasileira Eliane Brum mostra o quanto somos, ao mesmo tempo, a geração mais e menos preparada: http://glo.bo/nrFODt Generation why? – A escritora inglesa Zadie Smith, 35, avalia Mark Zuckerberg, A rede social e o mundos nos tempos do Facebook: http://bit.ly/bAUO7Z American kids, dumber than dirt – O americano Mark Morford critica as gerações mais novas, mas diz que as antigas são vítimas de pontos de vista fixos: http://bit.ly/nZcXiA On stupidity – O professor de inglês Thomas Benton fala do anti-intelectualismo nos EUA a partir de livros e da sua experiência em sala de aula: http://bit.ly/7VCS2n Veja, em todo o site, o que

.com anda fazendo a Geração Y


Universitários, não é trote! na saraiva, tUdo fica mais fácil para você. os livros que você procura com descontos exclusivos estão aqui. apresente este anúncio na saraiva, GANHE 10% DE DESCONTO1 e ainda parcele suas compras em até 24X2 iguais no cartão de crédito.

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MIOLO•PERFIL

O QUE DIZEM OS KOXIXOS De barraquinha pós-praia a cenário de Velozes e Furiosos mané, o bolsão mais conhecido de Florianópolis é cada dia mais maldito por Jerônimo Rubim, com fotos de Bruno Ropelato

A ilha tinha trânsito em geral fluido e menos de 200 mil habitantes quando a jornalista Maristela Amorim parava na barraquinha de lanches do Koxixos para comer um queijo quente, depois de um domingo de praia. Eram os anos 80. Surfistas e cocotas, corredores de kart, motociclistas e turmas sem bandeiras curtiam rock no rádio dos carros. A maioria era filho de funcionários públicos, não havia uma clara distinção de classes sociais. A vista era perfeita para bitocas noturnas. Na metade dos anos 90, a classe média de 16 a 30 anos da Grande Florianópolis cantava pneu por lá. Jean Carlos da Silva, que prefere ser chamado de “Jean da Box” (por causa da sua loja de motos), ia todos os finais de semana pela bagunça mas principalmente pelas

meninas. Ao som alto, muito alto de Ace of Base, Só Pra Contrariar ou um batidão qualquer, ele e os amigos desfilavam seus Pioneers de 400 watts e Kadets ano 93 rebaixados e lustrados com cera Grand Prix. Era o point playboy da cidade para esquentas, rachas, bebedeiras e coisas como cartões de crédito pulando nos subwoofers, uma versão mané de Velozes e Furiosos. Era também o lugar preferido para o malho pós-night. Gustavo Dainez, que nunca empinou de moto só porque não tinha o dom, lembra de muitas noites com tantos carros em que ninguém conseguia entrar ou sair do estacionamento. Entre 2002 e 2008 foi assíduo devoto da bagunça, uma noite barata para ele e seus amigos do continente. A moda era competir tentando


“abafar” o som dos outros carros. Ele chegou a gastar r$ 3 mil em equipamento, mas nunca chegou perto dos r$ 20 mil ou mais que alguns sacrificaram nos seus Corsas. Bebia-se bastante, manobrava-se muito e apenas uns ou outros fumavam maconha, pelo que ele notou. Piriguetes dançavam até o chão ao som de funk. A Praça República da Grécia, aquele bolsão de estacionamento da Beira-Mar Norte que abriga o já lendário bar do Koxixos, sempre foi uma referência, um centro de agito, diversão e perdição na cidade. Também sempre flanaram por ali torcedores de futebol, bebedores de Gatorade, gays na Parada da Diversidade, famílias no Réveillon, amigos no happy hour. Jornais estimam que 10 mil pessoas comemoraram a subida do Avaí à série A em 2008 buzinando e enchendo a cara por lá.

* A Praça República da Grécia, o bolsão de estacionamento na Beira-Mar Norte que abriga o Koxixos Beer, é popularmente conhecida pelo nome do bar. Na matéria, a Naipe se dá a liberdade de chamar de Koxixos toda a área pública do estacionamento – sem qualquer relação com o estabelecimento comercial. Veja os perfis das Naipes anteriores na seção Revista

.com

Mas hoje o lugar não diz nada a Maristela Amorim. Jean da Box não iria lá nem se tivesse 18 anos de novo. Gustavo Dainez tem certeza de que só há malacos vestindo calça Cyclone, boné de aba reta e querendo problemas. Casqueira, morredouro, P E R F I L • 37


queimaceira, perigoso e lugar de favelado são os adjetivos escarrados nas conversas com diversas pessoas sobre o Koxixos. Como um lugar público visitado por milhares de pessoas, encravado numa das áreas mais nobres da cidade e com uma vista privilegiada adquire tamanha feiúra moral?

Mau hálito O volume do som é um problema desde os anos 90. A emergência da polícia já recebeu 80 reclamações em uma noite por causa da soma de watts esgoelados no estacionamento. Alguns dizem que dá para ouvir os graves no Estreito, do outro lado da baía. Essa empolgação, muitas vezes extrapolando as 22h, criou uma imagem baderneira. “Não tem lugar específico na cidade pra galera que curte colocar som alto e bagunçar, seria mais saudável [ter]. Rola bastante preconceito com quem gosta de som [na ilha]”, reclama Gustavo. Hoje a polícia controla fortemente os decibéis da região, fazendo rondas, autuações e apreensões constantemente. O Tenente Coronel Gomes Araújo – comandante do 4º BPM da capital e responsável pelo policiamento militar da área central de Florianópolis – concorda com Gustavo: “Realmente falta um espaço próprio para esse tipo de diversão. E às vezes, mesmo quando são respeitados os horários, há um pouco de intolerância.” Mas o maior algoz da imagem do Koxixos foi a onda de roubos, assaltos e sequestros relâmpagos na região a partir dos anos 2000. Criou-se uma fama terrível, e a maioria das pessoas que frequentava o lugar passou a evitálo – principalmente à noite. Há pouco tempo, depois de muita reclamação de moradores locais, as rondas foram intensificadas e hoje há poucos registros de ocorrências na área, segundo a Polícia Militar. Mas esses poucos casos são contundentes: na comemoração da vitória do Avaí sobre o Figueirense no final de agosto, um homem foi morto a tiros e outro gravemente ferido. Já há planos de instalação de câmeras de segurança na avenida. Assim, o mau hálito do lugar continua a aumentar. “A Beira-Mar Norte é um desses lugares sobre o qual a percepção pública é amplificada e desproporcional. Uma mesma ocorrência no Rio Tavares e no Koxixos vão ser percebidas de modos diferentes”, explica o Coronel Gomes. “O medo em áreas assim é resiliente.”


Com esse alarme de perigo soando alto, o espaço se abre cada vez mais a outros públicos e à criminalidade. Cria-se uma espiral de medo e o lugar se torna, inevitavelmente, uma boca maldita. É um processo cruel. A Naipe ficou por duas horas no Koxixos numa sexta-feira à noite, circulou entre o funk e os manos com correntes no pescoço – e em nenhum momento se sentiu ameaçada. Tampouco tentada a voltar. A segurança pública não acompanha a urbanização velocidade 5 de Florianópolis. Com o crescimento exponencial da população, a cidade ficou muito mais insegura – e é sempre mais racional pagar r$ 20 na entrada de um barzinho fechado. As pessoas são empurradas para espaços fechados, e os públicos são cada vez menos cogitados.

Imbróglio Policiamento ostensivo não é a saída para tudo. O próprio Coronel Gomes lembra isso, e diz que é preciso criar propostas culturais que mudem a imagem do lugar e gerem dinâmica social. Um projeto desenvolvido pelo Departamento de Arquitetura da UFSC em parceria com o Fórum Criatividade e Imagem da Cidade tem esse viés. Sonha revitalizar toda a orla a partir do meio da Beira-Mar Norte até o CIC com um grande boulevard. A península ao lado do Koxixos, a Ponta do Coral, passa por um grande imbróglio legal – a permissão ou não da construção de um hotel na área, o que grande parte da população é contra. O espaço seria, no projeto chefiado pelo arquiteto e urbanista César Floriano, ideal para apresentações ao ar livre, feiras, eventos, teatro, concha acústica, praça de alimentação, centro de informações turísticas e restaurantes em uma grande parceria do setor público com o privado. O Koxixos ficaria como apoio e sem a parte do estacionamento em frente ao bar, o que ampliaria o espaço de mesas e de descanso. Um grande deque junto às pedras criaria uma relação mais direta com a borda d’água. “A segurança se dá pelo uso, e se a Ponta do Coral virasse uma praça pública toda essa área seria ativada intensamente”, avalia Floriano. Por enquanto, o Koxixos perde força como referência em Florianópolis. Maristela Amorim traduz um sentimento corrente do que o espaço representa hoje: “Pra mim, é só um vão pra quem quer furar a fila do semáforo." P E R F I L • 39


QUITUTES•DISCOS

SALVAÇÕES BÁRBARAS O segundo disco da banda Cassim & Barbária, lançado em agosto, merece ser comprado em loja, como no século passado. Uma pepita. No texto a seguir, colaborador da Naipe fala de supervalorizações publicitárias – para justamente dizer que o disco do Cassim não é o caso. por Leo T. Motta 40• N A I P E

Num mundo onde tudo é plus, todo lançamento é premium e toda garantia é estendida, parecemos esquecer a essência das coisas. Vivemos numa época em que todo e qualquer diferencial é explorado à exaustão em troca de dinheiro – ou fama, putaria, status, glamour e todas as outras coisas que, de um jeito ou de outro, se pode comprar com dinheiro. Nos perdemos nas curvas sensuais de iPhones alheios e nossas visões não são relevantes se não forem em Full HD. “Gimmick é uma característica única ou excêntrica que faz com que algo ‘se destaque’ de seus contemporâneos. No entanto, essa característica especial é tipicamente pouco relevante ou útil. Um gimmick é, basicamente, uma característica especial com o único propósito de se ter uma característica especial.” A maquiagem do Kiss, design de embalagem e produto, a (má) fama de Bukowski e Hunter


QUITUTES•DISCOS Thompson, os fiascos de Amy Winehouse, Elvis Presley branquelo requebrando como os negros da época. Gimmicks, mais que características especiais sem muita utilidade, são sobre a eterna e sempre atual inversão de valores. A música, por exemplo, deixa de ser uma expressão artística sincera quando se exploram vieses comerciais apelativos. Ou você acha que o rótulo de coloridos diz respeito à sonoridade do Cine, Restart e seus genéricos? O mundo anda tão cheio de special features falsos e meia-bocas que nem os percebemos, de tanto que os pintam como características imprescindíveis, valiosas. A crise de meia-idade já vem associada à imagem do Activia. Podemos apontar um culpado? Culpemos quem produz, quem maquia ou quem engole?

Barbaridades Poderia ser o Joy Division em viagem aos anos 2000, descobrindo o crack e os prazeres do queijo borbulhante, mas é autoral demais pra isso. Poderia ser o Pink Floyd

se deixando levar pela onda punk 77 e subvertendo o Tangerine Dream junto, mas é moderno demais pra isso. Poderia muito bem ser o encontro de Nick Cave, Nels Cline, Can, Magritte, Aretha Franklin e Mike Patton no purgatório, mas... É Floripa, 2011, e o nome é Cassim & Barbária II, para ser mais exato. Analisando particularidades que se destacam, a Cassim & Barbária é alvo fácil. Um guitarrista trajado feito gerente de hotel abusa de seus mil e um pedais de efeito enquanto batuques xamânicos ambientam o que o quarteto de três guitarras aponta como uma mistura de krautrock e soul angular. O inglês e um flerte com o alemão em meio a suites e revisits dão ao álbum

cara de full-length; a variedade nas composições é justamente o que aponta identidade no caminho que a banda vem trilhando. Ao mesmo tempo mais ousado e mais pop que o EP de estreia, C&B II exala espontaneidade e apresenta sons que poderiam tocar facilmente em qualquer lugar do mundo. Breve reflexão: temos uma banda que excursionou pela América do Norte, fazendo 13 shows incluindo Canadian Music Week e SXSW, de maneira independente; não tem e não aparenta precisar de um baixista; diz tocar dois dos gêneros mais estranhos aos ouvidos leigos; é formada por ex-membros de bandas famosas em toda região Sul e esgotou o primeiro lote de C&B II em poucas semanas. É uma banda que consegue gerar uma demanda fora do comum para os padrões do sul, ainda mais se tratando de música experimental. Isso tudo é bem verdade, mas pra não soar como lengalenga de mídia paternalista afirmo e assino embaixo

que o buzz todo se dá pelo charme e sinceridade do Zimmer, além da hospitalidade do Gabriel quando te recebe no hotel dele. O XuXu e o Cassim estão ali, claro, mas são só alma e cérebro da banda. "Vocês gostam de blues? Vocês gostam de ioga? Vocês gostam do dark side?" Acompanhe os textos de Leo Motta

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Cassim & Barbária II. Escute no Soundcloud da banda: http://bit.ly/pgEdsc


QUITUTES•ARRIBA Y ADELANTE

SACOLEJO CULTURAL Profissionalizados pelo mundo virtual, coletivos ganham eficiência no combate à mesmice por Iana Lua, com fotos de Rafael Pira Domingo, 19h, centro de Florianópolis. Uma chuva fina cai nos paralelepípedos que refletem a luz amarela dos postes. Ruas desertas, silêncio, um sobrado antigo. Atrás da alta e pesada porta de madeira, uma ruidosa escada leva ao andar de cima – onde um japonês de cabelo roxo e camisa do Corinthians entrega as comandas para um show de rock. Nas paredes, Rambo se exibe, Roberto Carlos sorri maroto e Johnny Cash mostra o dedo do meio. Nas pistas, oncinha e ankle boots, barba e óculos vintage, camisa pra dentro e barriguinha de chope. Tudo isso em um bar que se autojulga “honesto e aconchegante”. É nesse cenário, o Taliesyn Rock Bar, que a Naipe confere o som dos curitibanos da Humanish. A banda saiu da sua cidade natal para passar 12 dias na estrada – dez shows, três estados, 3099 km. O primeiro CD foi lançado há um mês e eles já estão por aí rodando o país.

Sanduíches, colchonetes, internet “Antes, pra uma banda independente fazer turnê, só se tivesse muitos amigos espalhados pelo Brasil”, conta Daniel Bruch, produtor da Humanish. Hoje, no lugar dos amigos estão os coletivos – grupos de pessoas que se unem para promover trabalhos culturais. A turnê do Humanish, uma das maiores iniciativas dos ainda tímidos coletivos do sul do país, mostra o quanto é possível se fazer com vontade de agitação cultural + 42• N A I P E

tecnologia digital. A viagem funcionou mais ou menos assim: em cada cidade, um coletivo alimentou e hospedou os artistas (leiam-se sanduíches e colchonetes espalhados pela sala), além de cuidar da divulgação e infra-estrutura do show. A logística fica por conta do Circuito Fora do Eixo – fundado no Brasil em 2006 por um pessoal de Cuiabá. Inconformados com a soberania cultural do Rio e São Paulo, eles resolveram unir coletivos em uma rede colaborativa para ajudar artistas independentes. Hoje, o circuito é representado em todos os estados brasileiros e em quatro países da América Latina, num total de 106 lugares. As turnês acontecem através da “brodagem sistematizada”– troca de favores disposta em complexas planilhas online. Você gasta 10 horas pra me fazer camisetas, eu gasto 20 horas pra divulgar o seu show. Resultado: você me deve 10 horas. Tá lá, explicadinho no Google Docs. Tinha tudo pra virar bagunça, mas não vira. Porque houve profissionalização. O Fora do Eixo nacional conta com colegiados, regimento interno, instâncias deliberativas, direitos, deveres, atas. Mas nada seria possível sem a internet. É ali que todos prestam contas, trocam informações, fazem reuniões via Skype e tornam possíveis mais de 5 mil shows em apenas um ano.



Toddy ao tédio Maranhão e Santa Catarina foram os últimos estados brasileiros a terem um coletivo representante do Fora do Eixo. Há quatro meses quem ocupa esse cargo por aqui é o Cardume Cultural, de Florianópolis, que de cara assumiu a responsabilidade de organizar o Grito Rock – evento simultâneo em mais de 130 cidades e que só na ilha já reuniu 4 mil pessoas. Originalmente, o Cardume era parte do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFSC. Após o sucesso do Ufsctock de 2010, resolveram ir além do movimento estudantil, aderiram ao Fora do Eixo e hoje contam com três pessoas trabalhando integralmente pelo coletivo. Entre elas está Júlia Abertoni, que até o ano passado se julgava uma simples universitária: “Eu estudava História, morava em uma república e vivia festando. Agora eu faço só uma disciplina, moro com os outros integrantes do Cardume e durmo e acordo pensando no trabalho.” Como a música é o que rende mais público, as outras artes ficam parasitando. “É mais fácil reunir pessoas num show de rock do que numa exposição”, diz uma das colaboradoras do Cardume enquanto pendura textos literários e pinturas na parede do Taliesyn Rock Bar. Tem de poesias a Escatológico, um texto que ludicamente sugere aos leitores que se pesem antes e depois de defecar para quantificar sua produção. Conteúdos artísticos tão variados só poderiam resultar em um público igualmente diversificado. “Prefiro Toddy ao tédio”, diz a camiseta de um sujeito que foi para o Taliesyn apenas para desfilar o presente ganho no Dia dos Pais – um chapéu Panamá. Outro, de uns 60 anos, foi assistir ao jogo de futebol na enorme TV de plasma. Outro, de mochila e camisa pólo, confessava ter vindo na esperança de encontrar a beldade que o entregou o flyer. Uma menina tuitava sobre a noite. Uma patricinha tentava se ambientar. A Humanish passava o som tocando uma música tantalizante da extinta banda americana Morphine. Acompanhe música e

.com coletivos no blog Pirão

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Alguns coletivos No Brasil Circuito Fora do Eixo: rede que une coletivos espalhados por todo país. foradoeixo.org.br Em Florianópolis Cardume Cultural: representante do Fora do Eixo em Santa Catarina, é mais focado em música. cardumecultural.wordpress.com Sem Fronteiras: entre outras ações, salva domingos com sagazes piqueniques. coletivosemfronteiras.wordpress.com Margot: faz experimentações com fotografia, texto, artes plásticas, cinema, vídeo. oblogdamargot.com


A infecção pelo vírus HPV é a DST mais frequente do mundo. Em Florianópolis, 25% das mulheres entre 15 e 55 anos estão infectadas. O vírus pode gerar verrugas e lesões pré-cancerosas – que muitas vezes evoluem para câncer de colo uterino. Recentemente, a vacina foi liberada para homens pela Anvisa. Vacine-se: você se previne e evita a transmissão do HPV. Saiba mais: imunizarvacinas.com.br (48) 3024 9263 (Centro) – 3035 1322 (Campinas) E, claro, não deixe de praticar sexo seguro.

Você sabia? 50% das pessoas vão encontrar o HPV pela sua frente.

Não repasse esse viral.


QUITUTES•LIVROS

UNPLUGGED Música erudita permanece desconectada dos ouvintes – mesmo dos melomaníacos por Rosielle Machado

Você conhece o tipo: cita a filmografia completa de Hitchcock, acha Tarantino um pouco overrated. Literatura? Nada como um romance russo, a geração beat decorada de trás pra frente, clássicos franceses. Na música, de Beatles a grunge polonês dos anos 1990. Música erudita? “Ah, conheço a quinta sinfonia de Beethoven – ou seria a sexta? É aquela que começa com tantantantan.” Eis aí um “não frequentador culturalmente consciente”. É assim que no livro Escuta só – do clássico ao pop, lançado em agosto, o crítico de música Alex Ross define esse fenômeno: pessoas que acompanham outras artes, leem romances, assistem filmes, conhecem bandas, mas quase se vangloriam em dizer: “Conheço muito pouco de Beethoven.” É quase regra: se a pessoa não teve contato com esse tipo de música no ambiente familiar ou escolar, raramente vai se interessar, aos 20 anos de idade, em fazer download de Mozart. É o caso do produtor e assessor da Trupe Sonora Casa de Orates, Léo Motta. Versado em música, ele é fã de Metallica, Animal Collective, Pink Floyd, Artic Monkeys. De erudito, numa escala de zero a dez diz que domina 2,2: algo de Vivaldi, Bach e Beethoven. Moonlight Sonata ele até reconhece – mas não sabe de quem é.

Não porque tenha ojeriza nem nada assim. A música erudita só nunca fez parte da sua vida. Para entender melhor do gênero, Léo acredita que seria necessário se dedicar, ouvir, estudar. Algo que ele não pretende. “Absolutamente não. Entendo que quanto mais se conhece o passado mais longe se pode ir numa análise do futuro, mas acho que não há tempo para se estudar uma música tão longe dos nossos formatos.” E a música erudita fica lá, feito uma velhinha vendendo flores no sinal. Para o músico e DJ Isaac Varzim, é essa a imagem quando ele pensa no quão desprezado o clássico parece se comparado ao pop inflado pela mídia. Isaac estudou música erudita na Escola de Música e Belas Artes do Paraná por quatro anos, é apaixonado por ela, mas consente:

Leia sobre livros novos e

.com clássicos no blog On the road

Escuta só, de Alex Ross. Companhia das Letras, 398 p., r$ 39,60 na Saraiva, com desconto.


De ouvidos abertos Escuta só é para ser lido de ouvidos abertos. De Bach a Björk, da música chinesa aos Beatles, de Brahms a Bob Dylan, o livro propõe um percurso pela música pop e clássica em 19 ensaios do crítico de música da New Yorker, Alex Ross. Com uma linguagem (até que) acessível o autor explica Mozart, Beethoven, Verdi e Schubert, ao mesmo tempo em que trata de Frank Sinatra, Kurt Cobain e Radiohead. Ross se recusa a aceitar que o erudito e o pop possuem uma fronteira instransponível, e que um acalmaria a mente enquanto o outro abrandaria a alma. Segundo defende o crítico em um dos ensaios do livro, “depende da mente de quem e da alma de quem”.

“Ela foi naturalmente se fechando em circuitos acadêmicos e se prendendo a salas de concerto”. E avalia: “Quando se fala em popularização, levam alunos de escola pública para um teatro, ensinando que só se deve aplaudir no final da apresentação. Isso populariza tanto quanto o Festival de Dança de Joinville, ou seja, nada.” Na opinião do professor de Música da Udesc Marcos Holler, o erudito é capaz de atingir qualquer tipo de ouvinte: “Obviamente existem obras altamente conceituais ou complexas, que demandam algum conhecimento prévio, mas isso não se aplica a todo o repertório.” Em Escuta só, Alex Ross procura atenuar a fronteira que separa o pop do clássico. A começar pela nomenclatura: em um dos ensaios, ele defende que termos como “música clássica” ou “erudita” aprisionam uma arte viva num parque temático do passado. E suspira: “Eu sempre

quis falar de música clássica como se fosse popular e de música popular como se fosse clássica.” E o caminho contrário? Radiohead pode incentivar alguém a ouvir Stravinsky? Quem sabe. Para Isaac Varzim, esta distância entre o popular e o clássico pode ser bem curta: “As harmonias que Bach desenvolveu lá em 1700 e poucos são as mesmas que o Luan Santana usa até hoje. A música sempre foi uma só. O cara que come um Big Mac não sabe nada sobre a criação das vacas que deram origem ao hambúrguer, mas mesmo assim é a origem da vaca que vai definir o sabor do sanduíche. Na música é a mesma coisa.” Para conhecer melhor a origem da vaca: Clássicos eruditos para audição e download: http://bit.ly/HRRJB Metropolitan Opera em streams gratuitos, a partir de 27/9: http://bit.ly/9K5zLY Guia ilustrado Zahar de música clássica (Editora Zahar, 512 p. r$ 79,90)

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QUITUTES•REXXXGATE

ESTANTE NAIPE

As escolhas atemporais da redação

Machete Robert Rodriguez, esse exagerado. Neste proposital filme B, o diretor transforma Danny Trejo (um ex-presidiário que você já viu levando tiros em muitas películas de ação por aí) em um anti-anti-herói macho-jurubeba na última e cria uma lenda latino-americana. A história é cretina, a produção é planejadamente tosca e o elenco, um primor – Steven Seagal, rei dos action movies intragáveis, é um dos vilões. Machete, o sanguinolento ogro mexicano de cara salpicada, mata geral, pega todas as gatas do filme (Jessica Alba, Lindsay Lohan, Michelle Rodriguez...) e ainda deixa tiradas sem preço: “Machete don’t text” é uma das que não cansamos de repetir aqui na redação. (Jerônimo Rubim)

Dear Photograph Taylor Jones, um canadense de 21 anos, remexia fotos antigas quando encontrou uma do seu irmão sentado numa cadeira. Olhou para cima e viu que essa mesma cadeira estava na sua frente. Levantou a foto para encaixar no cenário e veio a ideia: Take a picture of a picture from the past in the present – Tire uma foto de uma foto do passado no presente. Foi com essa proposta que Taylor criou o site Dear Photograph em maio deste ano. As quatro primeiras fotos postadas eram suas, mas hoje o site recebe mais de 30 fotos por dia. Dear Photograph já está na lista dos dez melhores sites de 2011 da revista Time Magazine e tem 42 mil seguidores no Facebook. Vai lá: dearphotograph.com. (Iana Lua)

Dubstep Quem gosta de grave põe a mão aqui! Gênero novo das gringa, o dubstep nasceu em Londres e mistura batidas de dub com espírito de 2-step e hip-hop. É o que robôs escutarão nos seus motéis em 2057. Comece com a música Lobegrinder, de Boreta, ou Cracks, do Flux Pavillion, e coloque o subwoofer pra cozinhar. (Bruno Rinaldi)


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ENQUANTO ISSO•EM DUBLIN

O MUNDO NA FILA DO CAIXA Em Dublin, todas as bandeiras – menos a irlandesa – economizam no Lidl por Vico Parcias, como foto de Bianca Chiaradia Eu poderia dizer que há um Brasil em Dublin. Que há uma Índia em Dublin. Uma Polônia. Uma Romênia... Ainda assim esqueceria os coreanos, chineses, albaneses, italianos, espanhóis, portugueses, alemães, eslovacos, eslovenos, estonianos, tchecos e franceses. Em oito meses perambulando pelas ruas de Dublin pude conversar, ou me comunicar em bad english – que aliás, dizem as más línguas, é o idioma mais falado no mundo – com sei lá quantas pessoas de diferentes nacionalidades. Isso que deixei de citar os latinos e os norte-americanos. Mesmo assim não estaria sendo de todo justo, pois deixaria de fora uns gatos-pingados nórdicos ou da Oceania. E com certeza devo ter renegado um ou outro marroquino ou libanês com quem trombei bêbado por aí. Caminhando pelo centro de Dublin encontram-se restaurantes tailandeses, chineses, italianos e indianos. Mercadinhos orientais e poloneses. E os gypsys. Oriundos da Romênia. São apenas pedintes. Mulheres que cobrem a cabeça com lenço e seguram um copo de papel almejando que alguma boa alma deposite moedas. Esse alvoroço de etnias tem uma coisa em comum. Economizam como podem. E por isso todos os dias se encontram no supermercado de nome Lidl. Onde acham-se coreanos, brasileiros, italianos... Menos irlandeses. Esses ainda não sei onde fazem compras. Vico Parcias é um jornalista tomador de Guinness perdido em Dublin

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