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Angela Vilela
Angela Vilela Psicóloga clínica CRP 02-17536 Especialista em Saúde Pública Treinadora de Equipes
Contato: (81) 99785-3769 @angelavilelaoficial
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ODESPERDÍCIODEALIMENTOS EASOLIDARIEDADEHUMANA
Atualmente, no mundo, são desperdiçadas em média 1,3 bilhão de toneladas de alimentos. Dos países que mais desperdiçam, o Brasil tem dados significativos de 26,3 milhões de toneladas por ano. Do montante de alimentos desperdiçados cerca de 30 a 40% são produtos, verduras, folhas e frutos. Todos nós perdemos com o desperdício, devido ao custo para a natureza, para o produtor e comerciante dos alimentos, que tem um esforço para tornar a cadeia mais eficiente do ponto de vista econômico ou, em outras palavras, mais lucrativa. Ou seja, a redução do desperdício pode diminuir as consequências da fome, e ao mesmo tempo significar um aumento na lucratividade dos negócios.
Geralmente temos dois principais modos de descarte de alimentos: a perda, quando o descarte não é intencional, e ocorre por conta da falta de estrutura apropriada, como problemas na colheita, armazenamento ou transporte inadequado dos alimentos; e o desperdício, que é o descarte dos alimentos com data de validade vencida, esbanjamento e desaproveitamento. Sabe-se que o desperdício e a fome no Brasil existiam bem antes da pandemia, sendo uma consequência do processo histórico político e da formação econômica, que não aloca os recursos de forma eficiente. A insegurança alimentar é sistematizada pelas falhas nas políticas públicas voltadas a minimizar as diferenças socioeconômicas existentes no país, em especial na Região Norte e Nordeste.
A Lei Federal Nº 14.016/2020, de 23 de junho de 2020, foi criada durante a pandemia da Covid-19. Nela está autorizada a doação de alimentos e refeições não comercializados por parte de supermercados, restaurantes, hospitais, cooperativas, lanchonetes e todos os estabelecimentos que forneçam alimentos prontos para o consumo de trabalhadores, de colaboradores, de parceiros, de pacientes e de clientes em geral. A doação pode ser de alimentos in natura, produtos industrializados e refeições prontas, todos ainda próprios para o consumo humano, com as propriedades nutricionais mantidas, mesmo que tenham sofrido dano parcial ou apresentem aspecto comercialmente indesejável; os itens devem estar dentro do prazo de validade e em condições de conservação especificadas pelo fabricante, quando aplicável, e a integridade e segurança sanitária não podem ter sido comprometidas.
A doação deverá ser gratuita e, em nenhuma hipótese, configurará relação de consumo. A lei prevê que sejam beneficiadas pessoas, famílias ou grupos em situação de vulnerabilidade ou de risco alimentar ou nutricional. Pelo texto, essa doação poderá ser feita diretamente, em colaboração com o poder público, por meio de bancos de alimentos, de outras entidades beneficentes de assistência social certificadas na forma da lei ou de entidades religiosas.
A medida além de combater o desperdício de alimentos, tem o objetivo de atender a demanda da fome e desnutrição, valorizar a responsabilidade social, a solidariedade e auxiliar a superação da crise econômica e social que se agravou pela atual pandemia no Brasil.
Antes da lei Nº 14.016/2020 ser estabelecida, uma das preocupações por parte das empresas era, portanto, a implicação por danos que os alimentos pudessem causar à saúde de quem se beneficiava, mas a lei estabeleceu ainda que, caso aconteça, tanto o doador como o intermediário somente serão responsabilizados, nas esferas civil e administrativa se tiverem agido com essa intenção.
Os princípios da proposta do banco de alimentos estão baseados na dádiva da divisão, na gratuidade das contribuições e na luta contra o desperdício de produtos alimentícios. Os primeiros bancos de alimentos no Brasil datam de 1988. Uma experiência excepcional na região Nordeste do Brasil, é o banco de alimentos do Serviço Social do Comércio - SESC, que teve início em 2002, com a finalidade de receber os alimentos das concedentes (variadas empresas, fábricas, produtores), armazená-los e distribuí-los aos beneficiários. Desde o início de suas atividades, foi formada uma rede de doadores e receptores dos alimentos que hoje atende a 402 instituições filantrópicas que beneficiam famílias, crianças, jovens e adultos. Por outro lado, há algumas dificuldades, visto que as instituições são filantrópicas e possuem recursos limitados, até mesmo para retirar os alimentos doados pelo banco, pois nem todas as entidades beneficiadas estão localizadas próximas a ele.
O banco de alimentos é uma ferramenta fundamental que, de modo estruturado e organizado, opera como uma rede de solidariedade, privilegia o melhor aproveitamento e recuperação dos alimentos danificados ao longo da cadeia produtiva, sem desqualificá-los ao consumo humano.
Uma forma das indústrias de alimentos, varejistas, supermercadistas contribuírem para o atual momento de pandemia, em que percebemos o aumento da pobreza e da fome devido à escassez de recurso da população carente, é destinar os produtos como frutas, verduras e legumes que não sejam vendíveis, para um banco de alimentos. Outro modo é doar diretamente para as entidades favorecendo a produção de almoços em refeitórios institucionais e escolares; utilizar os alimentos não perecíveis na efetivação de cestas básicas, beneficiando os seus próprios colaboradores. As empresas que estão atentas a uma economia colaborativa, que impacta de modo positivo a sociedade, o meio ambiente, e o bem-estar das pessoas, devem priorizar tanto o público que produz quanto os que consomem.
A economia solidária carrega pilares bem atrelados ao momento de dificuldade que atravessamos, exigindo autogestão, solidariedade, cooperação, respeito ao meio ambiente, comércio que promova preço justo e consumo consciente resultando num impacto social local satisfatório. Quanto à doação, sabemos que a sua principal motivação é o princípio ou filosofia da partilha, do papel social de cada cidadão/organização, pois empresas são formadas por grupos de humanos cooperativos, que possuem valores gregários. Os valores humanos propiciam o envolvimento de diversos segmentos da sociedade no trabalho voluntário, a cooperação de grandes corporações em torno de um sentido comum, o combate à insegurança alimentar. A existência de um conjunto de valores e princípios são de grande aceitação na sociedade e favorece a formação de redes formais, regionais ou nacionais.
Parece intrigante que, diante das tragédias humanas e ambientais, o ser humano tende a cooperar com indivíduos que nunca viram e com os quais, provavelmente, jamais irão se relacionar ao longo da vida, arcando com custos de tempo, dinheiro ou riscos pessoais. Ajudar alguém que talvez nunca retribua a nossa solidariedade é igualmente tão surpreendente quanto estar à disposição de ajudar uma criança indefesa. Menos surpreendente, mas não menos interessante, é a nossa generosidade em relação a pessoas da nossa casa, o que pode chegar ao extremo de arriscarmos nossas vidas, caso um familiar esteja em perigo. Esse comum do humano é o que provavelmente move nossa consciência às vítimas da pandemia, assim faz sentido canalizar a empatia com o compromisso da solidariedade. Possivelmente além de bem-estar, esses valores nos credenciam como parceiros confiáveis para a vida.
LEGENDA