Revista Òkòtó - Edição 20

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Revista EDIÇÃO

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09.JUN.2021

VERSÃO ESTENDIDA

te escapa!

Caminhos e descaminhos que o corpo dá


EDIÇÃO 20

REVISTA ÒKÒTÓ

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EQUIPE Editores

Bianca Melo Kianga Ziara Òkòtó Mata Rindo da Zumbiido Òkòtó Mayara Assunção Onnurb X Yakô Aba

Diagramação e Projeto Gráfico

TE ESCAPA!

Lisimba Dafari

Textos

Ayana Òkótò Bomani Mene Crash Kemet Òkótò Dessalín Ìdòwú Malúngu Òkòtó Ericles Ìhìlodò Iza Oliveira Jess Makandal Kianga Òkótò Marina Piedade Miguel Marimbondo Nicole Reis Onnurb X Yakô Aba Rodjeli Nyack Ra Tairine Lopes Zezi Masomakali

Fotos

Arquivo Lagos City Photo Blogspot

Freepik Izaias Oliveira Lisimba Dafari Vecteezy The Noun Project

É jeito que o corpo dá”

C

hegamos à vigésima edição estendida, da nossa Revista Òkòtó, trazendo o texto central “É o jeito que o corpo dá”, do Dessalín Ìdòwú Malúngu Òkòtó, que com certeza você já leu. Se não leu, Atenção, Contém Spoiler! É sobre capoeira, mas é principalmente sobre se antecipar. Sobre estar ligeiro e pronto para situações diversas. A partir da capoeira, o corpo que se forma (com sagacidade, malandragem, malemolência) e os caminhos que esse corpo escolhe caminhar (se antecipando e sabendo que tudo trará consequência). É saber que

vivendo nesta sociedade racista, haverá sempre perigo, mas como vamos responder às situações de violência é o diferencial e a preparação que só a capoeira traz. É sobre Movimentar. Sobre Movimento. E, por isso, essa edição traz também texto sobre Exú ou seria sobre comunicação (ou sobre confusão…) hahahaha! São 15 autores com textos sobre Educação, Autonomia, Assimilação, Comportamento e muito mais. É só chegar para ler e praticar os Caminhos e descaminhos que o corpo dá! Boa Leitura

Mayara Assunção

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Ilustrações

“Escorregar não é cair,


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AS TRETAS QUE EXÚ COLOCA

TIRAM O MELHOR DE MIM. DE VOCÊ, NÃO SEI

Iza Oliveira :

Em outras palavras, dizer que o diaspórico é menos afrikano do que o afrikano do continente, é atacar o antepassado em comum de ambos. Quem não reconhece linha temporal passada como sendo atual, é o yurugu. É o mesmo que encontrar um morador de rua com esquizofrenia que fala sozinho, e você dizer que é culpa dele mesmo. Ele não queria tá naquele inferno. E é fácil entender porque esse apontamento injusto acontece. Porque o mecanismo de funcionamento e pensamento desse mano acusador é igual o das feministas. É separatista pra quem é igual, e integracionista pra quem é diferente. Autoódio faz isso.

Rodjéli Nyack Ra

Quando acidentalmente entram em contato com a realidade, esperam um tapete vermelho, como se seu alvo de julgamento

Separatistas dizem “vocês dão as costas à Afrika pra viver bem aqui”. As feministas mudam pouca coisa: “vocês abandonaram a mulher preta”. As duas frases são ilusões da cabeça desse pessoal. Fantasias de dor que ficam afirmando como se fossem verdades pra que todo o resto faça sentido. Ambos são cegos para o fato de que todos os sujeitos descritos sofreram um violento processo colonizatório igual, que não deixa ninguém em débito com ninguém. A diaspóra mal conseguiu deter os 20 mil pretos mortos por ano aqui há décadas. Ainda querem que a gente salve os de lá. Também não faz sentido eu dizer que o continente deveria ajudar aqui, saca? Curiosamente, quem mais é cobrado por feministas e separatistas afrikanos é o homem preto. A comparação entre feministas e separatistas vai longe porque eles compartilham uma sensação de preterimento e atribuem vantagem onde não existe. O homem preto e o diaspórico estão em igual situação às mulheres pretas e aos irmãos do continente. Mas o sentimento da feminista e do separatista acusador sempre é de abandono. E quer saber mais? Se você explicar pra feministas e separatistas todo esse processo, eles parecem estar cagando absolutamente. Nos seus corações já decidiram que tudo que o outro fala é bobagem. Um sujeito assim jamais aceita ser corrigido ou cobrado em sua postura, porque ele já sente que foi prejudicado a vida inteira. Sente que o outro tem débito com ele. Foi convertido(a) pelas emoções. E porque existe essa sensação? Isso se responde com a resposta de outra pergunta: Quem são esses sujeitos que se sentem assim? Quais as características deles?

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Tanto feministas quanto esses continentalistas tem a sensação, uma certeza, de que são os maiores sofredores do mundo. Tem a sensação de que os diaspóricos se deram bem, vivem em gastura, se esbaldam em belezas. Feministas e acusadores desses não enxergam a desgraça que o racismo causou aqui. Acham que é pouca coisa o sofrimento do diaspórico, assim como as feministas que julgam o homem preto sempre injustamente. É o ponto de partida que está errado. Com premissas erradas, todo método e toda conclusão sempre estará errada.

estivesse em débito. No caso das feministas, o homem preto, já pros separatistas é o diásporico que ta em débito.

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EXPANSÃO É SEMPRE DOLOROSA, E DEVERÁ SER CONSTANTE PARA SER SUSTENTÁVEL

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uando um afrikano do continente diz pro diaspórico que ele não é “afrikano de verdade” ou coisas do tipo “nunca pisou na Áfrika”, ele está dizendo que nossos antepassados em comum que foram sequestrados são culpados pelo sequestro que sofreram. Ora, nem o antepassado nem o descendente, nenhum deles queria estar aqui nessa Senzala-BR moderna.


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Quem faz essas merdas de análise pautadas no próprio umbigo é sempre o mesmo perfil: pessoas que empilham diplomas universitários, classe média alta e classe alta. Pessoas que foram formadas para serem melhores em branquices que os próprios brancos. Dominam a linguagem da hipocrisia e da esquiva e jamais se dedicam a resolver os problemas que apontam. A culpa é sempre de alguém. O diploma branco lá faz ter certeza que não precisam se esforçar pra entender mais nada. Foram já eleitos explicadores da realidade. Cê não vê afrikanos pobres acusarem a diaspóra de nada, assim como sabemos que a feminista que desumaniza as dores do homem preto, é sempre a preta universitária, patrocinada por edital e bolsa FAPESP, e cheia das amiga branquinha do shop pra gerar concordância.

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Palavras-chave: Exú Pretagogia

Essa é que é a diferença entre verdadeira Afrika e Ocidente: enquanto o ocidente usa certidão de nascimento, diploma, cromossomo sExúal e qualquer outro dado estático pra chancelar sua suposta autoridade, o berço afrikano tem a vigilância da conduta cotidiana. Você é o que você vive como conduta. Nenhum dado estático te livra de justificar sua conduta. Vamo repetir porque as vezes tem burro lendo:

É

Bàbá àgbà olomo ki nsùn o màá sùn kì o màá gbàgbé ilè ma fi owo d’igi gbàgbé nù lorún

reverência para os nossos brabos tanto de linhagem direta (sanguínea) quanto os que tomam conta de uma comunidade no geral.

[Um pai ancestral que possui filhos e devotos não dorme e não esquece sua casa no Céu, meu pai, jamais abrace a árvore do esquecimento (não se esqueça de seus devotos)]

Podemos pegar como referência um grande Àgbà como Marcus Mosiah Garvey fez muito pela nosso povo enquanto ará àiyé (corpo da terra) e continua fazendo enquanto ará òrun (corpo do céu)temos a obrigação de dar orgulho a esse ancestre para que jamais caia na árvore do esquecimento...

fundamental pegar a visão do que é um ancestral quão importante é fazer

: Iza Oliveira

Nenhum dado estático te livra de justificar sua conduta.

Esses pretos separatistas aí não se importam nem com os pretos de lá nem com os daqui. Engraçado que 99% dos pretos daqui não tem mil dólares pra gastar com avião, e muitos desses 1% que tem, são os vendidos da Senzala-BR que também criticamos igualmente. São equivalentes aos de lá. Esses sim, tem mil dólares pra viajar justamente porque vendem seus irmãos.

É por isso também que apenas mudar de feminismo pra mulherismo não resolve, mesmo tendo conhecimento afrikano ali… mas e a conduta? Mudou, ou não aceita ser cobrada também tal como feminista?

Nós do Kilumbû Ókòtò não. Aqui quem esboçar fazer 10% disso toma no meio das pernas, toma pesado.

Suportar o constrangimento e se corrigir é o melhor atestado de moralidade, sendo que o atestado só dura até a próxima cobrança. Quem reage mal à cobrança, é definitivamente imoral e antiafricano. Saber entender essa conduta, depois da melanina, é o principal ingrediente de afrika. Não é o Global Positioning System. Nenhum dado estático te livra de justificar sua conduta.

Conheço pessoalmente alguns desses que gastaram esses mil dólares pra vir pra cá, (uma grana que 99% dos irmãos de lá não tem) esses separatistas aí ganham mais que 99% dos pretos daqui (mais de 3 mil nessa Senzala-BR).

ÁRVORE DO ESQUECIMENTO

Ah, tu é retinto? Tu nasceu no Congo? Então tu acha que pode patrocinar genocídio no Brasil e no Congo sem ser cobrado, é isso?

Ericles Ìjìlodò Palavras-chave: Pretagogia

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Os que apontam a si mesmos de serem “afrikanos de verdade”, são tão melhores que os daqui, que pagam cerca de 1.000 dólares de passagem aérea pra vir pegar emprego em multinacional branca aqui na diáspora. (As vezes a mesma empresa patrocina genocidio de pretos daqui e de lá ao mesmo tempo).

Tudo cristão até ano passado, aprenderam aqui mesmo que preto-cristão é uma contradição brutal, mas porque nasceram no continente acham que são autoridade moral. Cê não vê fulano postar uma foto da família, mas já vi texto de um deles falando que os irmãos de Angola são interesseiros porque quando aterrissam de volta lá os irmãos “ficam pedindo um tênis”. Não querem ser cobrados por ninguém. Não gostam de sentir culpa e constrangimento, e vão colocar todas as fichas em negativar qualquer um que os constranja com verdades duras demais.

JAMAIS ABRACE A

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O Kilumbû Ókòtò percebeu isso há anos, e já é protocolo que é preciso escrotizar essa galera. Não reconhecemos explicadores que falam merda e vivem como merdados hipócritas, independente de gênero ou geografia. Serão apontados pelo conteúdo e pela forma.

Fazem tudo isso e usam suas habilidades pra engordar cada vez mais essas empresas brancas racistas que patrocinam assassinatos de pretos do morro daqui. Assim como tem preto aqui na Senzala-BR usando suas habilidades pra engordar empresa branca que extrai minério no Congo, tem pretos de classe média-alta lá do continente patrocinando genocídio aqui pra tirar o seu salário individual, e ainda pagam o custo de ficar longe da família de boas.

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E é aqui que o texto divide as pessoas. Porque ele implica pessoas reais que não vão gostar de serem descritas aqui.


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TUDO SE PERDEU QUANDO O MERTHIOLATE

PAROU DE ARDER

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Zezi Masomakali

Dia desses uma garota no Entendendo perguntou sobre como lidar com a família, como fazer com as pessoas pretas consanguíneas que insistiam em agir como brancos, serem maus, reproduzir racismo e tudo mais. Na hora eu quis responder pra deixar pra lá, pra ela não carregar tranqueira numa vida que já é complicada demais sozinho, imagina com família de sobrepeso?! Mas acabei respondendo que iria acompanhar a situação, porque na segunda leitura que eu fiz, ficou

Fiquei semanas com esse questionamento na cabeça, passei a observar mais a minha família e outros núcleos familiares ao meu redor. Pretos e até brancos. Eu me lembro de fazer essa relação com Mercúrio e Merthiolate com a minha família desde que entendia a diferença dos dois. Por isso citei essa coisa. O Mercúrio não ardia mas na minha cabeça ele não valia de nada, demorava a curar e se caísse na roupa manchava. Tomei mais bronca usando mercúrio porque vivia com roupa suja desse troço sem nem saber como aconteceu. Então relacionei isso com os parentes ruins, chatos, que falavam demais, faziam de tudo pra me deixar mal e me desrespeitar, estava lá também a parte que eu não gostava e a que eu tinha pouco contato. Meus pais e irmão sempre estavam na coluna do Merthiolate. Mesmo ardendo ele não manchou minha roupa e mesmo que doesse eu sabia que eu tava passando aquilo porque havia me divertido, ele ia fazer cicatrizar real e rapidamente. Então mesmo eles sendo chatos às vezes, eles supriam toda necessidade de afeto, eram legais, eu não precisava fingir que gostava. Era de verdade, sabe?! Cabeça de criança né?!

Não sei como era pra você, mas carregar o mesmo DNA, só servia pra pessoas terem aval para desrespeitar as outras e quando a coisa apertava pro lado delas sempre vinham algum boboca da turma do deixa disso e dizer “ain não briga não, fulano é sua vó/tia”. Então o jeito mais tecnológico que arranjei foi: separar as pessoas boas e queridas como família e as que não gostava coloquei como parentes. Fiz essas duas coisas virarem duas espécies de colunas, e assim eu poderia movimentá-las e movimentar cada indivíduo dentro delas de acordo com o seu próprio comportamento comigo e o meu para com elas. Antes de tudo isso, eu precisei me auto conhecer, saber minha parcela de culpa nas coisas que eu fazia e o que e como eu fazia essas pessoas se sentirem em relação a mim, precisei abandonar alguns ranços e rever algumas coisas e posturas, morder um ou dois metros de língua e coração. Foi doloroso. Tive que reiniciar algumas dessas relações, eram os primeiros passos pro mecanismo funcionar sendo dados. Certa vez tirei meus pais do grupo família e coloquei no grupo parentes. Foi por conta de uma interferência crucial na organização de uma casa em que eles não

Depois que passou, sentamos e conversamos sobre a situação e sobre o sistema, precisei contar que ele existia e como funcionava porque sem isso eles não iriam entender que eu não estaria disposta a ficar na mão deles e deixar passar pelo simples laço de sangue. Mesmo sendo meus pais eles estavam errados e foi uma coisa tão grandiosa que quase os tirou de um lugar importante dentro de mim. Meu pai achou ridículo e a mãe achou hilário todo o sistema. Conversamos sobre o quanto isso me salvou de confusão, lembramos algumas situações e falamos sobre algumas pessoas pra saberem onde elas estavam e acabamos rindo da situação e dos motivos. No fim eles até entendem sobre como é saudável não dever obrigação por tabela, coisas pelas quais os dois vinham passando há décadas. Cada fofoca… Não posso dizer que não doeu não ir mais nas festinhas, não estar mais nas reuniões, nos aniversários, nas confraternizações e até nos enterros. Não poder comemorar conquistas e rir junto, nem chorar. Mas doeu até parar também. Um não quer dois não brigam. Se no momento de festa ou de dor a pessoa te enxerga como da família e no dia a dia não é assim, isso vale de quê? Acertei e errei várias vezes, mas com o tempo tudo foi funcionando e pra mim deu muito certo. Eu não precisei me desgastar querendo levar todo mundo comigo, querendo que, pelo laço de sangue as pessoas me considerassem, me respeitassem. Daí retornei ao questionamento, de como fazer com a família que é má e tentei relacionar

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Parecia ser a mesma coisa, mas cada um com sua característica. Lógico que geral gostava do que não ardia, do que aparentava não fazer mal. Mesmo que ambos tivessem a mesma função.

subentendido que as pessoas eram ruins exatamente por serem pretas e não por já serem ruins APESAR de serem pretas.

moravam mais, a minha. Foram quinze dias de afastamento quase completo. Pra quem mantinha um vínculo muito estreito mesmo com a distância (eles moram em outra cidade), estavam acostumados a se ligar todo dia, mandar mensagem, se ver por vídeo chamada, foi difícil.

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uem tava ali pelo final dos anos 80 e início dos anos 90 vai se lembrar de dois remédios pra feridas, o Mercúrio e o Merthiolate. Eu lembro que toda vez que alguém se machucava aqui em casa, eram essas duas coisas que salvavam. Se fosse coisa do dia a dia, acidente mesmo, mãe passava mercúrio, porque ele não ardia e parecia cuidar da ferida. Não tinha castigo nem conversa, afinal de contas tinha sido sem querer. Se fosse joelho ralado brincando de descer a rampa sentado na garrafa, machucado no cotovelo e canela correndo no quintal atrás do cachorro, era Merthiolate. Esse ardia mais que limão no olho e vinha com o brinde de escoriação espontânea via chinelo, mas ele curava de verdade.

Simplifica tudo. Cria coisas simples para lidar com o que os adultos ficam dando voltas e batendo cabeça. Com o passar do tempo entendi que nem tudo era laço de sangue, tinha amigos e pessoas com as quais eu me identificava que eram muito mais chegados que algum consanguíneo. Percebi então, que eu precisava alterar e melhorar o sistema que a Eu criança havia criado. Já tava passando da hora, eu nunca concordei com essa organização da árvore genealógica, alguns galhos eu queria que tivessem sido partidos por um raio ou uma motosserra e dado fruto em outro lugar que não aqui no meu quintal.


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com a gestão que vinha fazendo. Adicionei a questão da raça. O negócio voou. Tá afinadinho. Ficou tão escurecido na minha cabeça que eu fiquei rindo durante um tempo, de alegria e surpresa. Núcleos familiares tem muito disso: vamos nos apoiar porque somos família, vamos aceitar tudo e qualquer coisa por termos o mesmo sangue. E eu percebi isso é regra nos núcleos de famílias brancas. Não é uma ordem nos núcleos pretos, mas existe. Elas acabam reproduzindo, acredito que fazem isso como cada pessoa que individualmente reproduz racismos batidos e antigos.

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Isso é morrer um pouquinho todo dia. É injusto, é sujo, é triste. Tinha disso aqui em casa, pessoas que são más, e eu nunca botei esse preço na conta de raça, nem antes e nem depois de aprofundar nessa questão. E eu não acho que elas sejam más porque são pretas, nunca vou conseguir pensar assim. Talvez elas sejam assim por viverem em espaços brancos? Talvez. São más apesar de serem pretas. Já oyinbos são mal porque são oyinbos, eles por si só representam o mal.

Palavras-chave: Pretagogia

O lance é se movimentar e ter que fazer sua parte. Consciência é importante, mas achar que por ela vamos ser os alecrins dourados, é errado. Se pensar que “é preto” já vale, já pode botar pra dentro, ninguém morreria de traição por aí como já vimos em diversas histórias do nosso povo. Nem devemos pensar “ah mas o branco

O sistema da mini Zezi nunca errou, sem ele eu teria morrido cedo. Só através dele que eu pude recriar algo que funcionasse melhor e me mudar também. Não sou perfeita em tudo que faço, vaso. Hoje o meu grupo família é muito pequeno e bem seleto, por não ser alguém fácil de lidar eu também não deixo as pessoas entrarem pra não acabar fazendo com o outro o que eu não quero que façam comigo. Não boto a culpa das pessoas pretas da minha família serem deficientes e ignorantes afetiva e emocionalmente na raça, mas também entendo que não devo levá-las à força comigo. Fui conversar com uma irmã postiça sobre essas lembranças desses dois remédios da época, chegamos a falar que o Mercúrio foi descontinuado, foi identificado alguns traços tóxicos, apesar dele ser um remédio. Sua composição, que possuía um ativo de mesmo nome, poderia causar uma série de complicações, como dormência, fraqueza nas mãos e até algumas doenças. O Merthiolate segue aí, trocou de embalagem e continua tratando feridas, nem arde mais e foi aqui que tudo tenha se perdido, talvez rs. Vou contar isso pra Eu erezinha, pra ela saber que me salvou.

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Mas eu acredito na terceira hipótese, de cada um ser o que é, no mundo que agente tá, e que vamos ter que melhorar com o que temos e não com o que sonhamos ter ou poderíamos ter tido.

Xô contar um fato: existem pessoas pretas más, com o poder de condenar e matar as outras. E isso não se deve só a elas serem ruins. Mas se deve também a nós, eu e você, ficarmos no deixa que deixa, se deve ao fato de abrirmos mão da nossa intuição e do nosso instinto, que largamos o auto cuidado apenas por essa pessoa ter nosso sangue. Confiamos que ela não vai nos machucar por isso.

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Eu observei as pessoas acabarem se mutilando, cortando um pedaço de si um pouquinho todo dia pra caber num lugar que ninguém nunca vai colocá-las, mas que por obrigação e porque árvores genealógicas assim demandam, elas tomam como obrigação estar ali.

se defende e não larga a mão de ninguém dos dele”, pois é, e olha a que preço ele consegue as coisas. Se quer olhar o que eles fazem direito seu,mas ao menos faz diferente, porque se não é reproduzir erro e é feião.


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A ILUSÃO DO TEMPO

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Essa frase de Kobe Bryant me fez pensar na relação que estabelecemos com o tempo, a primeira coisa que temos que ter em mente é que tempo é recurso, tempo é algo de muito valor porque todo o tempo que gastamos com algo estamos deixando de gastar com outra coisa, tempo é investimento e não se faz nada sem tempo. Partindo disso, o tempo das pessoas pretas é algo muito caro e valioso, uma vez que ainda ( de uma forma geral) gastamos uma parte (ou grande parte) do nosso tempo com o branco, e toda vez que usamos do nosso tempo com eles, estamos deixando de usar com a gente. Pense aí, quantas necessidades e carências nosso povo tem? Quantas coisas ainda precisam ser feitas e organizadas para garantir vida, nos nossos moldes e com as nossas referências? Nós ainda não chegamos em um momento de

A frase de Kobe me faz brisaaar em como a mídia branca propaga essas idéias de pessoas que nunca crescem e não assumem responsabilidades, nós absorvemos isso e acabamos prejudicando nosso próprio povo, nessa idéia desse tempo inesgotável, de um tempo que é utilizado com propósito de não se criar nada, de zero movimentação, e que tem muito a ver também com uma idéia de juventude e possibilidades eternas, coisa que não é a nossa realidade. Tudo isso são idéias brancas e para brancos, eles podem considerar e querer esse tipo de coisa, que além de ter sido pensada para eles, é assim que a sociedade yurugu funciona, e se serve para eles não serve para a gente, nós temos que ir pelo caminho inverso, temos que entender que já perdemos muito tempo, já perdemos muito e continuamos a perder tempo e a perder muito. É achar que nosso tempo pode ser desperdiçado e que ele e nossas escolhas individuais não refletem no coletivo. Eu não estou dizendo que vamos resolver tudo com o tempo que temos, nem que temos que fazer as coisas de qualquer jeito, pelo contrário, é importante respeitar o tempo dos processos para que possamos construir coisas consistentes. O custo da nossa displicência com o tempo é grande, ainda estamos no prejuízo, e tudo que a comunidade não precisa é desse tipo de coisa, pelo contrário essas idéias ferram a gente, porque quem não se compromete não consegue estar em coletivo, sem comunidade não se constrói nada e achar que sempre haverá um amanhã, faz com que a gente não se movimente hoje. Nesse jogo que vivemos não é hora de descansar, é hora de agir porque ainda tem muito a se fazer.

Palavras-chave: Pretagogia

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Marina Piedade

ssa frase de Kobe Bryant me fez pensar na relação que estabelecemos com o tempo, a primeira coisa que temos que ter em mente é que tempo é recurso, tempo é algo de muito valor porque todo o tempo que gastamos com algo estamos deixando de gastar com outra coisa, tempo é investimento e não se faz nada sem tempo. Partindo disso, o tempo das pessoas pretas é algo muito caro e valioso, uma vez que ainda ( de uma forma geral) gastamos uma parte (ou grande parte) do nosso tempo com o branco, e toda vez que usamos do nosso tempo com eles, estamos deixando de usar com a gente. Pense aí, quantas necessidades e carências nosso povo tem? Quantas coisas ainda precisam ser feitas e organizadas para garantir vida, nos nossos moldes e com as nossas referências? Nós ainda não chegamos em um momento de descansar, de parar, de “ter tempo”.

descansar, de parar, de “ter tempo”.

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Iza Oliveira :

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“O maior erro que cometemos em vida é achar que temos tempo”.


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mexicanos), de qualquer lugar poderia ir até lá e garantir uma parte das terras pra si.

BLACK WALL STREET!

Quando essa corrida maluca aconteceu, a escravatura já havia sido “abolida” nós EUA, então, os negros também puderam participar e garantir lotes de terra para si. Então naquela altura do campeonato, já havia pretos estabelecidos naquela região por terem ido com os nativos e depois mais negros chegaram com a corrida pra se estabelecerem. Com as leis de segregação racial em pleno funcionamento, esses negros que garantiram seus pedacinhos de terra, eram proibidos de residirem nas áreas dos Yurugus, e olha só, essa foi a melhor coisa que aconteceu aos negros da época! (Vocês devem estar pensando: “Minha nossa Garouta, que horror”. Mas é real).

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Iza Oliveira:

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uantos aqui conhecem uma cidade, ou até mesmo um bairro aqui na diáspora, que seja totalmente preto? Com escolas e universidades pretas, biblioteca, cinema, hotéis e diversos comércios, tudo ali na base da autonomia, de preto pra preto? Pois é, parece meio impossível de se ver na diáspora, né? Mas aconteceu e foi sucesso!

Jess Makandal

Remoção Indígena, um processo de realocação de cinco tribos indígenas americanas, elas foram removidas do lado oeste para o leste do Rio Mississipi, onde hoje é Oklahoma.

A guerra civil americana, rendeu tantas baixas que enfraqueceu a defesa das fronteiras nacionais, e pra evitar a perda de território para os indígenas e mexicanos (que por sinal, eram os verdadeiros donos das terras), em 1889, os EUA fizeram uma outra parada, chamada A Corrida de Oklahoma, onde qualquer um (exceto indígenas e

O brabo era autodidata, foi professor, trabalhou no serviço postal americano, foi diretor escolar e várias outras paradas. Em 1905 ele saiu do condado de Noble onde já tinha muitas terras e se mudou para Tulsa, lá ele ele comprou cerca de 40 acres de terra, parece pouco falando

Seu sócio John “The Baptist” Stradford, mais conhecido como JB Stradford, morou em vários estados dos EUA, onde administrava casas de banho, salões de bilhar e pensões. Em 1899 quando migrou para Tulsa, assim como Gurley, ele já era um grande empresário. Um detalhe interessante a se observar sobre OW Gurley e JB Stradford, é que eles se apresentavam apenas com as iniciais dos nomes, pois naquela época homens adultos eram chamados por seus sobrenomes, e somente meninos por seus primeiros nomes, então como forma de inferiorizar e ridicularizar os homens negros, os brankkkos os chamavam por seus primeiros nomes, assim como os meninos. Mas sagacidade era o nome do meio desses dois, então OW e JB usaram suas iniciais para evitar serem chamados por seus primeiros nomes. Juntos eles dividiram o terreno em lotes residenciais e comerciais, e assim Greenwood começou a tomar forma. Esses lotes eram vendidos e locados apenas para negros. O boom do petróleo ajudou Greenwood a prosperar rápido, já que muitos outros negros do sul migraram pra lá, fugindo da repressão política e econômica. Assim, de acordo com os dados da cidade, 1920 Greenwood já contava com cerca de 10.000 residentes e mais de 200 estabelecimentos comerciais de negros para negros. Nesse período Greenwood já contava com 2 jornais, 41 mercearias e mercados de carne, 30 cafés e restaurantes, escritórios para profissionais, incluindo médicos e advogados, além de casas funerárias, salões, barbearias, hotéis, alfaiates, cabeleireiros, sapateiros, boates e dois cinemas. As escolas de Greenwood eram descritas como excepcionais, assim como as universidades.

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Greenwood é um distrito de Tulsa, em Oklahoma e pra gente entender melhor como ele surgiu, temos que voltar lá no século 19. Entre os anos de 1828 a 1838, rolou uma parada nos EUA, chamada

Nesse processo de remoção, grandes lotes de terra foram “concedidos” para as tribos que fizeram a migração forçada, o que acontece é que essas tribos indígenas também escravizaram pessoas pretas, logo muitos negros escravizados e libertos acompanharam os indígenas nesse processo. Essa migração não foi nada pacífica e rendeu muitas mortes, tanto dos indígenas quanto dos negros que os acompanharam.

Greenwood não era o único distrito negro da região de Tulsa, existia uma concentração tão grande de cidades pretas naquela região, que em 1890 foi sugerido por Edwin P. McCabe, fundador de Langston, uma outra cidade preta, que todo o território de Oklahoma fosse transformado em um estado totalmente negro. Imagina só, se Greenwood que era apenas um distrito menor foi absurdamente próspero, o que não teria acontecido com um estado inteiro totalmente preto? Mas vocês devem estar se perguntando, se existiam tantas outras cidades pretas na região, por que só Greenwood teve esse destaque? Pra entender isso, precisamos conhecer um pouco sobre os brabos, Ottowa Gurley e John “The Baptist” Stradford, eles fizeram toda a diferença nesse processo. Ottowa ou Ow Gurley, foi um empresário visionário e Garveísta, já começou com essa porrada né? Pois bem.

Assim que se mudou e adquiriu essas terras, OW Gurley abriu seu primeiro empreendimento em Tulsa, uma pensão em uma estrada, que mais tarde se tornaria Greenwood Avenue.

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Com essa separação, começaram a surgir os distritos negros e entre eles, Greenwood, a nossa maravigold Black Wall Street.

assim né? Mas pensa que dois acres é um espaço maior que um estádio de futebol, agora imagina 40!!


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Viram só o que o verdadeiro Black Money pode fazer? Black Wall Street, a grande potência negra de Oklahoma, estava a todo vapor. Um pequeno distrito que era comparado a grandes cidades devido a qualidade de vida e poder econômico. Os negros de Greenwood eram bem sucedidos e já não dependiam nem dos empregos e nem dos estabelecimentos dos brancos.Possuíam casas luxuosas e os serviços de hotéis, salões, cinemas possuíam um alto padrão.

Palavras-chave: Aqué Autonomia Massapê

Após a acusação, a história foi se espalhando e tomando proporções muito grandes, no dia seguinte a polícia prendeu o rapaz mas não foi o suficiente para os yurugus. A comunidade negra esteve com Rowland desde o início, vários homens se mantiveram do lado de fora do tribunal para garantir que ele não fosse agredido ou até mesmo, morto, até porque, já sabiam muito bem que a proteção dele e dos outros negros, dependia apenas deles mesmos, nenhuma “justiça” branca tomaria o partido dos negros naquela situação. Mas infelizmente os brancos que também estavam lá, eram maioria, então as agressões e até mesmo os tiros foram inevitáveis, isso fez com que os negros voltassem para Greenwood.

A guarda nacional de Oklahoma também participou do ataque, não defendendo a população de Greenwood, mas também atacando, até mesmo um avião da guarda nacional foi usado para disparar contra a população residente.35 quarteirões foram destruídos, viraram cinzas, mais de 800 pessoas feridas, e 300 mortas. Essa é a história de Greenwood que vocês encontraram na maioria dos artigos sobre esse distrito, porém não foi só uma reação a uma suspeita de assédio, esse genocídio aconteceu muito mais por Greenwood ser um distrito preto, auto sustentável que causava a inveja e a ira do brancos. Toda vez que o preto se levanta causa esse tipo de reação no branco. Esse ataque aconteceria de qualquer maneira, cedo ou tarde, eles só estava esperando algo pra usar como desculpa. A confirmação disso é que, mesmo antes do ataque acontecer, os ânimos já estavam aflorados, muitos grupos hostis estavam se formando, e nenhum governante fez questão de tentar acalmar a situação, muito pelo contrário inclusive, as autoridades brancas do local, selecionaram homens que participavam desses grupos para fazer deles deputados da região, esses mesmos homens e outros funcionários públicos distribuíram armas de fogo para quem quisesse ajudar na invasão de Greenwood. Muitas pessoas foram presas, e pasmem (ou não), a grande maioria foi de residentes Greenwood. E para que fossem libertos, precisavam ser tutelados por pessoas brancas que ficariam responsáveis pelo “comportamento” do negro tutelado. Anos depois, Greenwood foi reconstruída, mas não foi mais a mesma, as leis de segregação foram abolidas e com isso a integração. Os brancos agora podiam e queriam residir em Greenwood, e assim como a segregação foi a melhor coisa que aconteceu aos residentes de Greenwood, a integração foi a pior delas. O distrito nunca mais foi tão próspero quanto antes, e Greenwood deixou de ser a Black Wall Street.

s t r a p o t o m o a far faraomoto 1 1 7 8 2 2 9 4 11 9 m o c . l i a m g @ l a i c i f o s o t o m . o a far 09.JUN.21

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O acontece é que quando negros se levantam em comunidade, o Yurugu fica incomodado, e foi exatamente isso que aconteceu com Greenwood. Na manhã de 30 de maio de 1921 um jovem negro morador de Greenwood, chamado Dick Rowland esteve sozinho em um elevador com uma mulher branca. Não é muito difícil imaginar o que houve depois, não é mesmo? A desbotada acusou o jovem Rowland de assédio, o resultado disso foi catastrófico.

No dia 01 de Junho, logo pela manhã, Greenwood foi invadida por uma multidão de brancos, todos os comércios foram saqueados e queimados. Eles atracam fogo ou atiravam em todo e qualquer negro que vissem na frente.

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A autoconfiança dos negros em Greenwood era tão grande, que mesmo em meio a segregação, os desbotados que frequentavam o distrito tinham que manter o respeito. Há relatos de brancos que tentaram ofender os negros de Greenwood, e foram expulsos pela comunidade ou apanharam lá dentro mesmo.

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Parte dos residentes ainda trabalhavam para brancos, mas como os estabelecimentos deles não atendiam negros, todo o dinheiro recebido era gasto nos comércios de Greenwood.


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DISPOSIÇÃO

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E

ssas palavras são o papo que trago comigo. É o pilar que me mantém de pé pra ficar sempre forte na caminhada. Meu papo se baseia em cima disso então não tenho medo de não sustentar meu papo. O racismo usa a inferiorização de corpos e mentes pretas para se manter no poder. “Quebrar correntes da mente” parece frase de efeito quando se está minimamente letrado em questão racial. Mas à medida que se aprofunda no objetivo, à medida que a cobrança é maior, muitos se depararam ainda com aqueles bloqueios e inseguranças.

Bomani Gus

Isso a gente sabe o mal que faz. Pretos são os que mais sofrem com depressão e são os que mais cometem suicídio.

: Iza Oliveira

Disposição é o aditivo que acelera o coração. Tenhamos disposição pra construir/ manter um alicerce forte para deixarmos as gerações futuras cada vez mais autônomas. Durante um programa de tv, onde estava sendo entrevistado o grande Dr. Khalid Muhammad. O entrevistador proferiu o seguinte comentário: você foi condenado pela Câmara dos deputados dos EUA, eu imagino que esteja lisonjeado com isso. Dr. Khalid Muhammad responde: Eu acredito na minha ancestralidade. Eu acredito que o sangue clamando das covas dos meus ancestrais de intocáveis tempos de morte pelas mãos dos escravocratas mais perversos. Eu acredito que eles clamam. Seus espíritos estão à minha volta. Seus espíritos emanam de mim. Acredito como um homem honrado de Deus, como um revolucionário e combatente pela liberdade, essa condenação é uma das maiores honras. Então, meu grandioso povo abençoado pela melanina, tenhamos em organização a disposição e confiança para que possamos fazer do tormento dos racistas nossas maiores honrarias.

Palavras-chave: Brabos Organizçação

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A grande maioria tem gravado na memória aquele comentário ou situação ou insinuação onde foi totalmente desacreditado do sucesso. Quem aqui nunca escutou da vizinha “ nossa, tá bunito, achei que você nem ia chegar aos 18 anos”

Aos que conseguem superar doença e morte muitos sofrem com a falta de confiança em si mesmo, se sentem inseguros em arriscar algo mais ousado, principalmente se o assunto for combater no “toma lá dá cá” no “olho por olho,dente por dente” toda a estrutura racista.

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“É daqui pra frente meu parceiro. Não dá pra voltar atrás. Elas dependem de mim. Eles dependem de mim. A comunidade espera algo de mim. Os mais antigos se orgulham de onde cheguei. Não vou decepcioná-los. Quero fazer jus ao seu nome. Quero ser lembrado assim com todo respeito e admiração que lembro deles. Quero ser brabo pra quem eu considero brabo, e estar sempre no ápice da minha disposição pronto pra chegar junto no que for”


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É SOBRE MANIPULAÇÃO Iza Oliveira:

A

John Henry Clarke já deu o papo que educação deve ser útil para a manutenção da cultura de um povo, é a passagem de um legado. É sobre ensinar o modo de vida, os princípios e ferramentas para a sobrevivência. E isso é muito importante, porque quando se trata de crianças pretas, precisamos pensar em uma educação que se paute no Nacionalismo preto. Uma educação que seja para a sobrevivência do povo preto. É sobre ter visão política, econômica, cultural, militar. Não tem nada a ver, com a questão rasa e superficial de representatividade nas escolas brancas.

Nicole Reis

“Manipular a história é manipular consciência. Manipular consciência é manipular possibilidades. E manipular possibilidades é manipular poder” — Amos Wilson

Mas a gente só vomita o que come. Então, como educar as crianças, se a gente mesmo tá deseducado? É preciso que a gente, os adultos, se reeduquem baseado em referências pretas e de forma preta. É o lance da pretagogia, é o lance da capoeira. Dr. Clarke, Malcolm e Garvey foram autodidatas. Não aprenderam nada pelo ensino branco. É preciso aprender por nós mesmos sobre nós mesmos. Não dá pra acreditar e confiar que o outro não vai te dá uma rasteira só porque você pediu. Não dá para esperar nada do outro. Palavras-chave: Educação

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Porque não adianta o conteúdo preto e a forma ser branca. Isso não é educação, é manipulação.

Precisamos criar crianças poderosas, com consciência e autoconfiança. E uma das formas, é a não atrofia do corpo. As escolas brancas cultuam a mente e ignoram o corpo, aí nossas crianças crescem e normalizam o não botar o corpo pra jogo. Precisamos de crianças que tenham reação, que não vão dá a outra face. Que tenham disposição e que coloquem a mão na massa sem precisar depender do outro. Porque como disse Amos Wilson imaginação é sobre imaginar e colocar em ação.

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NÃO É SOBRE EDUCAÇÃO,

gente se preocupa muito com o futuro das crianças. E não tem como pensar em crianças e não pensar em educação. Mas que tipo de educação você se baseia? Que tipo de educação é a ideal? Melhor, o que é educação para você?


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É JEITO QUE O CORPO DÁ Lisimba Dafari :

“Vamos jogar capoeira Enquanto a polícia não vem Mas se a polícia chegar, ô iaiá Nós quebra a polícia também”

S

REVISTA ÒKÒTÓ

Conforme eu fui andando mais como homem (me apresentando mais segundo essa tal heteronormatividade masculina), o assédio da polícia voltou a acontecer progressivamente. Mesmo sendo preto e jovem, quando eu metia de andar no perfil universitário, bixa preta ou artistazinho, passava liso pela polícia em qualquer lugar. Mesmo em periferia e favela. O tom claro de pele sempre deu passabilidade nos rolês. E observo geral repetir estratégia parecida para também passar ileso nas facetas mais violentas do racismo. E depois essa galera quer vir dizer que essas condições, essas variáveis na equação não nos dão vantagem frente ao racismo. Vai vendo.

Dessalín Ìdòwú Malûngu Òkótó

Lá no Rio, em janeiro do ano passado, eu tava na Lapa andando de bike e berimbau no guidão pois tinha acabado de treinar. Dois policiais do “Lapa Presente”

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DEIXA EU CONTAR UM CAUSO

Eles querendo que eu provasse que não roubei a bike e eu indagando o porquê deles acharem isso. Sabemos porquê, mas queria mostrar o elefante branco na sala. E eu também já falava altão pra obrigar a galera que tava na varanda do Ximenes olhar para a situação toda. Os samango querendo meu documento, eu dizendo que nem tava com ele e, nisso, o outro policial parando entregadores de bike que estavam vindo enquanto o segundo pegava meus dados. Eu fui falando, dado por dado, mais alto ainda. No final, ainda olhei pra galera no bar (àquela altura já tinha virado a plateia pro meu show) e soltei um “ninguém vai usar pra fazer merda com meu nome, depois, não hein!” Aí o que tava com os entregadores veio com “alá, os seus amig… eles tão agradecendo deu parar eles porque um deles já foi roubado semana passada” eu só virei e disse “Ué, problema é deles. Eu tenho nada a ver com isso, não. Agora eu preciso pegar

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abe, galera, uma parada que a capoeira vai ensinando conforme a gente vai incorporando e pensando nela, é a capacidade de se antecipar ao jogo do outro e não entrar no jogo dele. E isso fala muito sobre autodefesa e saber andar em lugares arriscados para se safar de violências. O lance da capoeira é você sacar que você vai receber uma investida mais cedo ou mais tarde. Isso é dado. O papo é você se antecipar a como responder e alimentar repertórios para se safar de situações de risco e violência.

me deram batida. Arrumei um causo com eles. Eles tavam numa esquina da Joaquim Silva com a escadaria Selaron, eu subi pela rua da Sala Cecília Meireles e virei em direção aos arcos. Quando parei pra ver se meu namorado tava no Bar dos Ximenes, um deles assoviou. Eu nem olhei. Aí o outro gritou “ei” e eu ignorei de novo. Armei de levantar pra continuar meu caminho, aí um deles veio até mim. Parou na minha frente. Já chegou perguntando se a bike era minha. Eu disse que não. “É da Itaú”. Depois vieram perguntando se eu tinha roubado, eu disse que não. “aluguei”. Já tava sem tempo e comecei a andar com a bike, quando o segundo parou na minha frente. Caminho fechado, quem tranca a rua sou eu. Cruzei a bike bem no meio da rua. Aí foi um rolê dos diabos.


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Ali na Lapa é cheio de turista, aí aproveitei que tinha um casal de velhos muito brancos, cabelos brancos, olhos claros e perguntei se eles sabiam o que era “Data Check”. Eles fizeram cara de desentendido. Aí o policial disse que eles não sabiam português. Aí eu disse “Não seja por isso”, virei pro casal “Do you know what’s Data Check?”. Os gringo apavorado balançaram a cabeça que não e meteram o pé. Nisso chega um uber e pede passagem. O policial manda eu ir pro canto. Eu me recuso, viro pro Uber e grito “Posso sair não, pois o policial mandou eu parar aqui. Bem aqui.” O Uber começa a buzinar. Aí o primeiro policial já puto da vida perguntou pro segundo se tinha conferido meu dado. Eu olhei pro segundo, o segundo disse que o sistema não respondeu ainda. Eu ofereci de novo minha internet. Aí o primeiro mandou esquecer e me liberar que já tava dando confusão demais pra eles ali. Fui dispensado e segui meu rumo pra barca.

AOS FATOS…

Lá pra abril do ano passado eu tava em quarentena lá em São Paulo. Um dia eu tava indo botar o lixo pra fora quando tinha dois policiais aqui na esquina da

Outra coisa, a capoeira ensina a jogar com o terreno que você está pisando. Tanto no caso da Lapa quanto no do Bixiga, em São Paulo, eu tô em territórios

Tanto num caso quanto no outro, a polícia chegou com uma série de procedimentos e roteiros na cabeça. A gente já sabe como eles são bem como os seus argumentos pra fazerem o que fazem. Então é papo de se antecipar e impor outro roteiro para a situação e se antecipar a esses mesmos argumentos. Isso tudo, em casos onde é possível fazer. Eu não vou dizer que isso, também, vale pra toda e qualquer ocasião. Eu não vou dizer que alguém lá na favela Costa Barros ou Paraisópolis, às três da manhã, aparece o Bope ou a Rocam e a saída é meter esse loko que vai ter o mesmo desfecho. Nem todo bobo é bom por fazer rir. Por outro lado, entender que ação e reação é cambiada por custos e ver até onde estão dispostos a pagar os seus. É bom vocês sacarem, também, o seguinte: sabendo mudar o roteiro, o lance é ir para onde eles não têm instrução de como agir e a gente sabe por onde argumentar. Com condução e antecipação da situação/ discussão, aí é papo de ter tranquilidade pra chegar e conduzir a situação toda. Outra parada, na roda de capoeira, ninguém costuma se meter no jogo. Ninguém pode entrar na roda e se meter num jogo duro esperando que alguém vai se condoer e depois comprar seu barulho pra te ajudar. A mesma coisa na vida. Não dá pra sair na rua achando que a polícia ou seguranças estão lá para te proteger. Como também não dá pra achar que as outras pessoas, mesmo sendo pretas, vão te proteger ou comprar teu barulho em meio a uma batida. Quanto mais distante do branco e daqueles signos que emulam delicadeza e proteção — a mulher e a criança branca -, mais sujeitas à violência e indiferença as pessoas estão. Eu não ia contar com as pessoas do bar do Ximenes

ou do bar para comprarem meu barulho. Mas eu usava eles como escudo físico e moral na situação toda. Por outro lado, a roda de capoeira é justa. E ninguém acha bonito ou até tolerável alguém fazer covardia além da impalpável medida do “tolerável”. Isso muda de lugar pra lugar, de pessoa pra pessoa. Diante disso, vai sair na rua contando com algo tão movediço? Mais fácil sair calçado pra andar onde for, como ensina o Tàìwó. Uma última coisa sobre antecipação é a parada de se criar repertórios antes que as situações aconteçam de fato. Quanto tempo do seu dia ou da sua semana você gasta para pensar em situações hipotéticas de perigo ou adversidade? Quanto do seu intelecto e criatividade se voltam para a sua autoproteção? Quando a gente treina uma luta, a gente aprende várias entradas e saídas conforme as filosofias de cada modalidade. Quanto do tempo que vocês despendem assistindo vídeos e tal é voltado para uma luta ou exemplos de saídas pras mais diversas circunstâncias? O quanto vocês já simularam isso para que, quando venha a acontecer de fato, saiba de antemão qual seu limite físico e, sobretudo, emocional para lidar com as paradas. E aí descobrirem esses limites, o que fazem para eles serem temporários e vocês os quebrarem amanhã? Por fim, tem uma última parada que a capoeira me devolveu, e isso ficou mais forte ainda quando estive morando em São Paulo: a tranquilidade de ir para qualquer lugar que eu decida ir a hora que eu quiser. Quando você entende que qualquer caminho é caminho, que cada caminho demanda um ebó, e que também cada um tem seu ebó… mainha!… o mundo vira um parque de diversões. É claro que isso também não significa que a gente vira Superman, que a gente vai se enfiar em tudo que é lugar e com qualquer tipo de companhia. Muito pelo contrário. Você não vai se expor ao perigo desnecessariamente, mas também não vai paralisar diante dele. O mesmo diante das companhias. Não necessariamente vai se expor a qualquer uma, mas também não vai se privar de ver o que elas têm. Como a gente lida com o que nos dão é o grande lance da malandragem de pisar sem medo. Pois segurança não é sobre não correr perigo, mas ter condições de responder a qualquer violência que lhe aconteça.

Palavras-chave: Capoeira Pretagogia

09.JUN.21

DEIXA EU CONTAR OUTRO CAUSO

Quando eu sacaneei o episódio do Lamarçal, as shakotas do Quilomboche vieram me zoar de volta perguntando se, diante de uma arma eu ia soltar uma ginga e golpe de capoeira pra me defender. O que as shakotas não sacaram é que a capoeira não tá aqui pra ensinar a dar uma armada numa pistola ou gingar e desviar de um fuzil. Pode ensinar, mas até tu terminar o giro, já te deram um teco. Mas a capoeira ensina a ter tranquilidade diante da adversidade e do perigo; virar uma labareda por fora e um rio por dentro; a botar a cabeça a todo vapor pra pensar em artimanhas de sair de maneira indireta e fazer com que o outro entre no seu jogo e não você se desesperar jogando o jogo dele.

centrais. Eles são cheios de gente em volta e a polícia tenta fingir a civilidade sueca que ela não tem. Eu não vou bater de frente com policial. Não tenho dois metros de altura e um fuzil no colo. Mas eu sou ator, mano. Toda pessoa preta tem que ser faceira pra viver nesse mundo cão. Eu tenho como criar um caso todinho e fazer com que tudo ali aconteça de acordo com um roteiro que eu estabeleça. Quem dá o texto, define o desfecho, a entrada e a saída de cada um em cena é a minha direção da situação como um todo. E não os protocolos e venetas deles.

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Rapaz…. se eu não estivesse ali no meio da Lapa, cheio de turista em volta e mostrando que ia dar trabalho, o cara catava na porrada! Hahaha! Mas o otário só ficou vermelho de raiva, mesmo. Aí o que tava com os entregadores liberou os outros, voltou e perguntou se tinha conferido meus dados. O segundo disse que o sistema tava demorando. Eu fui e perguntei se queriam que eu roteasse a internet do meu celular, já que a secretaria de segurança não dava internet decente pra eles. Rapaz! A cara dos samango ficou quente. Uma galera no bar já rindo. O primeiro veio me falar que o nome do procedimento era “data check” eu fingi que não entendi. Aí ele veio no deboche “Ué, você é cidadão e não sabe dos seus direitos? Tem que saber” eu respondi desde quando eu tinha que saber o nome do procedimento policial.

Major Diogo com a 14 de Julho, bairro do Bixiga, dando dura num ciclista. Moleque mais alto e escuro que eu. Aí eu parei pra ficar olhando. Eles viram. Voltaram à “conversa” e o moleque lá, constrangidão com a situação. Geral passando, olhando e fazendo nada. Seguindo o rumo. Nisso, um dos policiais atravessou a rua e veio até mim já perguntando o que que eu estava olhando e metendo a mão pra me revistar. Eu recuei já soltando um “ô, ô, ô,, mermão … sem máscara e luva vai meter a mão em mim, não!”. Novamente um bar atrás de mim cheio de caras bebendo. Eu fiquei recuando em direção a eles. Aí o policial já veio querendo insistir e eu zigue-zagueando dizendo que, se quisesse saber, que era pra perguntar com dois metros de distância. Tão o dia todo rodando a cidade toda, que eu não queria ser infectado. Aí ele tentou mais uma vez chegar perto, eu continuei recuando em direção aos caras do bar. Eles já pararam de fingir que não estavam vendo e ficaram quieto observando tudo. O outro policial que estava com o ciclista chamou o que estava comigo. O que veio até mim atravessou me encarando puto, me ameaçou e entrou na viatura. O irmão que estava tomando batida picou mula. Eu, de máscara de estampa afro, cabelo oxigenado e 1,68m de deboche olhando tudo rindo. Os caras do bar dizendo que dei sorte. Eu olhei pra eles com indiferença e entrei de volta pra casa.

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minha barca pra Paquetá.” Aí catei olhar pro que verificava meus dados e perguntei: “Se eu perco a das 22hs, só meia-noite. Vão ligar pra CCR me esperar? Num vão!” Aí o que tava pegando os dados disse que iam. Eu soltei um “vão porra nenhuma”.


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A TEIA DE ARANHA

J

á repararam que o que mais a gente vê por aí é o combo mc lanche feliz ou negresco feliz da assimilação? É a acadêmica que ao mesmo tempo é de esquerda, que ao mesmo tempo é feminista, que ao mesmo tempo é do movimento LGBTetc. É tudo e ao mesmo tempo não é nada de útil. De fato, quem tá mais assimilado, mais está próximo de se deixar atrair por esses discursos brancos. A ATRAÇÃO PELA SEDUÇÃO

Kianga Ziara Òkòtó

Muitos negros se aproximaram do discurso marxista através da academia, tais branquisses são muito mais latentes dentro da academia. Dificilmente nas escolas públicas, veremos um debate aprofundado sobre a teoria marxista, por exemplo, eu mesmo mal conhecia esse homem branco feio. Os coletivos acadêmicos são um câncer, mas se mostram atraentes para nós como forma de fazer algum tipo de revolução, utilizando meios e métodos brancos. Cansei de ver psolistas na frente da UFF, ou fazendo eventos, a fim de

“Não se tem uma revolução quando se ama o inimigo; não se tem uma revolução quando se está implorando ao sistema de exploração para que ele te integre. Revoluções derrubam sistemas, revoluções destroem sistema”. — Malcolm X A FALSA ADEQUAÇÃO (A teia de aranha muda de formato de acordo com a carga eletrostática do inseto) Pintados de preto, oferecendo um quartinho de empregada para que pretos se sintam importantes e parte da luta, esses movimentos fingem se adequar às necessidades dos pretos, fingem entender o problema e ter a solução, quando na verdade é tudo uma falsa adequação para ficar mais atrativo o discurso de que teremos alguma vitória coletiva nos unindo à eles. Aí surgem as alas pretas dentro desses movimentos, ala preta do psol, feminismo negro, entre outras branquisses pintadas de preto.

“Os brancos podem ficar do nosso lado nas questões pequenas, mas jamais nas fundamentais”. — Malcolm X CAINDO NA TEIA (Depois que o inseto cai na teia, dificilmente ele conseguirá sair) Pois bem, depois de serem atraídos pelo discurso e rolar uma pseudoadequação às nossas pautas, o negresco acaba caindo na teia da assimilação, e para sair é complicado, pois eles são espertos, sabem como dar o bote, apelam para a emoção e para o controle emocional do negro, quando na verdade, eles só querem te engolir e usar nossas pautas como palanque. Os nossos problemas vão ser sempre deixados para segundo plano, a falsa preocupação é só para ajudar na manutenção do poder branco. “Historicamente, os brancos sempre foram assim em relação aos pretos, podemos estar com eles, mas jamais fomos considerados iguais a eles”. — Malcolm X

COMBO NEGRESCO FELIZ Cada um desses movimentos são apenas partes de uma mesma teia branca, daí surgem o combo negresco feliz que citei no começo do texto. Já tá todo cagado, já caiu na teia, mas ao invés de sair se afunda ainda mais na merda, vai virar marxista, esquerdista, feminista, motorista, taxista, e assim vai, cada vez mais branco. A assimilação começa ao nos colocarmos nesses espaços brancos, pois os discursos serão todos à partir deles, acabam por se moldar às formas brancas de ser e viver, atraídos por uma falsa promessa de luta que na verdade só atende aos interesses dos brancos. Se tentar falar um “ai” diferente do que eles esperam ouvir, não servirá mais aos planos deles e tu será descartado, ou como a aranha faz, será devorado por aquele que te atraiu à teia dele. “Muitos negros da chamada classe superior estão tão convencidos em impressionar os brancos, mostrando que são “diferentes” dos outros, que não percebem que estão ajudando o homem branco a manter sua opinião desdenhosa a respeito de todos os negros”. — Malcolm X

Palavras-chave: Brabos Negrescagem

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(Há aranhas que produzem teia, na qual os insetos enxergam uma luz ultravioleta que os atraem)

atrair mais gado para seu rebanho. O debate feminista também é bem forte nesses lugares, ou seja, uma branquisse acaba nos levando a outra.

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REVISTA ÒKÒTÓ

DA A SSIMILAÇÃO


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REVISTA ÒKÒTÓ

QUANDO E ONDE

PARAR DE SE MACHUCAR

Iza Oliveira:

N

Eles sabem muito bem que só serão aceitos no espacinho do cantinho da sala se reforçado conforme o branco quer, escondem por trás do discurso que o problema é social, daí os movimentos todos jogam como estatísticas altíssimas, porém em todas elas se tirarem a parte preta nem vai chamar a atenção, aquele discurso manso e fervoroso que não passa de um monte de palavras jogadas e que não faz sentido nenhum se parar para analisar bem.

Tairine Lopes

Eu fico impressionada com a dissimulação desses discursos, do tanto perverso e sujo é, no fim o racista não faz

Nesse capítulo do livro, Marcus Garvey nos diz que o negro está morrendo e apenas uma coisa salvará o negro, percepção imediata de suas responsabilidades. Somos descuidados, egoístas, aprendemos muito com a raça dominante e isso nos afasta cada vez mais do progresso. Aí fica aquele questionamento, você preto quer continuar sendo dominado e comemorando como migalhas que são jogadas, vivendo esse sonho totalmente branco, mantendo essas relações totalmente tóxicas e que só te suga, porque não quer se indispor? Ou prefere partir pra uma via totalmente contrária, que tá construindo a emancipação do nosso povo arrancando na marra tudo que há de colonizador em nós?

Palavras-chave: Autonomia Brabos

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Toda vez que para o pautado raça em primeiro vai ter um negresco pra vir com o sermão cristianizado, manipulado, para te falar que ser radical demais não vai te levar muito longe, se você se comportar direitinho vai continuar naquele trabalho, com aquele círculo de amizades, ou seja pra que se mostrar raivoso e generalizar que nem todos os brancos são racistas, poxa você até é o token preferido deles.

o papel de mal quem faz são os nossos, os caras são os cão sem mesmo mostrar os dentes, daí você vê como eles são organizados tem suas picuinhas porém quando é pra se unir e dominar a outra raça deles executam da melhor forma, até quando seremos o povo dominado?

EDIÇÃO 20

O NEGRO NÃO SABE

o livro Procure por mim na tempestade de Marcus Garvey ele fala o quão criminoso são os líderes negros pois são capazes de vender como almas de suas mães e de seus pais para benefício próprio, enfim os negrescos.


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DEFENDE ESTAR DENTRO

DAS INSTITUIÇÕES BRANCAS...

A

gente sabe que tudo que foi erguido pelo branco é na função de nos aniquilar. Quando os caras chegaram lá na África, eles tiveram acesso através de roubo aos conhecimentos que já tínhamos sobre nós, mais especificamente sobre nossa melanina, nossa composição total. Como a gente funciona, a gente já sabia. eles roubaram e agora eles sabem também, pouquíssimo, mas já é o suficiente pra dar andamento a nossa desgraça. Muito que bem! O racismo é dinâmico. Ele vem também com o termo de estudo chamado Química. Que é derivado do termo que usávamos na África1. QUÍMICA [CHEMISTRY]

Ayana Okô Anaya Òkòtó

Os brancos adicionaram a vogal (E) para a palavra dos pretos KMH.

KMH foi usado pelos antigos Pretos para se referir a seu povo. KHEM foi lançado pelos brancos para significar “Terra preta”. ISTRY - O estudo de um assunto particular. CHEMISTRY(QUÍMICA) - o estudo dos pretos ou negritude. A negritude (encontrada em pretos antigos e modernos) é causada pelos químicos melanina. Portanto o estudo da negritude = estudos da melanina. QUÍMICA - O ESTUDO DA MELANINA Na página da Eshe Afya lancei um texto do Llhaila Afrika falando que os brancos do mundo todo se reúnem para juntar todas as informações que eles conseguiram ao longo de um período, sobre nossa melanina. Enquanto os negros da casa briga para manter o sistema de ensino dos brancos em funcionamento. Os brancos usam o nosso conhecimento contra nós mesmos.

: Iza Oliveira

Por isso essa preocupação de nos afastar de tudo que é natural, o que hoje na sua vida cotidiana você consome? Saiba que a melanina não é só uma corzinha como eles falam, a melanina habita em todo o nosso corpo (dentro e fora) e principalmente no sistema nervoso , órgãos vitais e terceiro olho. Ela também age em todas as emoções e sentidos. Encaro hoje tudo que é branco como algo sintético e antinatural. No livro que estou lendo hoje, a mina lança lá que o consumo de drogas por ex, sempre vem com um código parecido com o da melanina pra que assim ele consiga neutralizar nossa composição química e assim fazer parte dela e isso gera a dependência e defeito na carga total de desempenho da melanina. O que quero trazer com isso? Por sermos seres que detém a maior

concentração de melanina no corpo, ganhamos um plus em relação a galera pálida, mas hoje eles conseguem usar o que ontem nos tornou divinos em seres patéticos e suicidas, como? Através da alienação (tem gente que mata e morre pelo branco e sua ideia de mundo) e consumo de cargas químicas que inflamam a melanina e se ela é muita ótimo se torna muito ruim.

Melanina : A chave química para a grandeza preta. Carol Barnes.

1

Cuidado com o que vê , cuidado com o que se ouve , cuidado com o que come, cuidado com o que toca , cuidado com quem te toca, cuidado com seu corpo, cuidado com o que fala, cuidado com seu povo... Porque ser divino não é como nos filmes.

Palavras-chave: Ancestralidade Continuidade

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QUIM [CHEM] - vem da palavra KHEM que os brancos chamaram de Egito. 30

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ENQUANTO A GALERA PRETA


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AMOS WILSON

E A MENTALIDADE DOS NEGRESCOS

N

a entrevista “Taking Back Our Minds”, disponível na Blackflix (se não assinou ainda, vai entender nada…), o nosso respeitável ancestral deu o papo, junto com o grande Dr. John Henrik Clarke, sobre o papel da educação numa sociedade e da importância da gente tomar nossa educação de volta da mão dos brancos. Os brancos não nos dão educação, eles nos dão “instruções de trabalho” para sermos bons escravos, bons crioulos. A gente é socialmente visto como aquele garoto do McDonalds com a camisa “treinamento”, para sempre. Treinamento pra fingir que é branco. Treinamento pra servir o branco. Porque trabalho, produção e riqueza são a base de qualquer povo, de qualquer nação. Não acúmulo de dinheiro adoidado e ostentação/isolamento do mundo em castelos de marfim, mas riqueza. Lidar com educação é lidar com poder! Quem te educa, quem te alimenta, te controla, Sankara bem disse.

Onnurb X Yakô Aba

Quem que ganha com isso? A galera fala tanto de racismo estrutural que esquece do básico. Quem que lucra com esses comportamentos sendo propagados para a massa de “bons crioulos” pela TV, pela internet, pela escola? Ora, os donos dessas merdas. Os brancos. Toda vez que a gente segue as regras ensinadas pela sociedade branca, a gente tá financiando a sociedade branca. Não importa se você tá todo dia na internet falando de Garvey e de Malcolm e de Autonomia se de frente com a encruza você age igual branco. Você está financiando a sociedade deles e o modelo de comportamento deles. Tem aquela outra frase “Você não pode consumir o seu caminho até a igualdade, você precisa produzir seu caminho até a

igualdade, você se move até a igualdade e além com uma mentalidade produtiva.” Me fala aí, se seu conteúdo “Garveyista Nacionalista Radical Autônomo Muito Brabo Mesmo “ vem junto com o comportamento do branco, do que vale? Qual comunidade você vai conseguir servir colocando suas individualidades acima do coletivo? Na primeira vontade de fazer bico, na primeira vez que suas vontades não são atendidas, bate a síndrome de cliente, síndrome de consumidor, e você quer reclamar com quem não atendeu suas vontades como se tivesse pagando por algum serviço? Me fala, onde você aprendeu isso? Foi com quem que tu aprendeu a agir como se tivesse numa loja cercado de atendentes, chorando pra fazerem suas vontades, chorando se não te atenderam, chorando se apontaram seus vacilos, chorando sempre que a coletividade não segue o que você considera melhor PRA você mesmo? Num foi com o preto né. Esse papo tem que ir além de “vou fazer coisas com pretos e pra pretos que tá tudo certo, Sou o Messias, o Salvador, o Alecrim dourado que não precisa melhorar”. Quem produz conteúdo “autônomo preto” mas se comporta que nem branco, tá mentindo pra si mesmo, pra quem tá consumindo o conteúdo dele, e tá alimentando justamente um monte de comportamento viciado da sociedade branca. Os pretos que se juntarem com esse proceder vão terminar se matando e se traindo igual o branco, igual

quem coloca a si mesmo acima de todos. É cheque, presta atenção. Galera começa projeto novo e fode o bagulho com uma facilidade inacreditável. É coisa de quem não tem uma mentalidade produtiva, mas sim consumidora. Tá tão acostumado a consumir que prefere produzir algo que só atenda a si mesmo, sem ligar pro coletivo. É igual os pretos de esquerda e de direita da faculdade, da política, eles preferem fazer aquelas politicagens em linguagem difícil que fazer algo prático pro povo. Sempre vai ser sobre eles não serem ruins, eles serem os salvadores, eles reclamarem mais que todo mundo pros brancos. Eles, eles, eles. Nunca Nós. Nunca todos nós. Se depois dessa leitura você não souber o que fazer com afro171 que só pratica EUtonomia, procura o documentário 1804 — a história oculta o Haiti que lá ensinaram o que fazer com Bafioti. Por isso a gente precisa fazer nossas próprias escolas, para ensinar nossos adultos e nossas crianças a fugir desses comportamentos que só enriquecem o branco e matam a comunidade preta. Precisamos nos reeducar. Ou estamos só sendo mais estagiários e supervisores da educação do branco. Igual o capitão do mato.

Palavras-chave: Brabos Educação Papo de Blackflix

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P

recisamos ir além dos discursos vazios de black money e amor preto, e começarmos a pensar nos comportamentos viciados que fomos treinados pra ter, na escola, nas repartições públicas, pelos policiais, juízes, médicos e também pelos

professores. Quais comportamentos eles colocam na nossa cabeça lá dentro? Fique quieto, não questione, não fale alto, não fale palavrão, não faça movimentos bruscos, e se alguém fizer alguma coisa com você, chore para alguma instituição branca superior resolver seu problema. Caso não consiga, chore mais. Só não pare de trabalhar, de seguir suas vontades individuais, de seguir o modo de vida do branco. Só chore mesmo. Mate Exú em você. Mate a sua comunicação, a recíproca, o movimento, a vida. Que se você não matar, a gente mata por você. O troco espera o pretinho que num seguir bem essas regras.

EDIÇÃO 20

REVISTA ÒKÒTÓ

“Por que o homem preto diz “Liberdade é fazer o que eu quero fazer”? Por que tudo que “ele quer fazer” enriquece o Europeu?” — Dr. Amos N. Wilson


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SENSO DE JUSTIÇA S.f. Virtude moral pela qual se atribui a cada indivíduo o que lhe compete: praticar a justiça. Direito: ter a justiça a seu lado. Ação ou poder de julgar alguém, punindo ou recompensando: administração da justiça.

Q

uem criou o senso de justiça em qual nós nos fundamentamos? E quem é o inimigo dessa tal justiça ?

REVISTA ÒKÒTÓ

Iza Oliveira :

Muito simples, só fazer um contraste com o caso de Saudades (SC), onde o um fdp chamado: Fabiano Kipper Mai, 18 anos invadiu uma creche e assassinou a golpes de faca aumenos 3 crianças e duas professoras, em coletiva da polícia com a imprensa o delegado do caso descreve o perfil do fdp como um “jovem problemático” que sofria bullying, maltratava alguns animais e jogava muitos jogos violentos na internet – sim, ele chama esse fdp que foi pego em flagrante de “jovem problemático” e isso não é tudo. O fdp foi contido por populares ao tentar se suicidar e conduzido numa ambulância por cerca de 69Km, escoltado pela polícia para evitar possíveis agressões até o hospital onde foi muito bem atendido. O fdp se encontra preso e a defesa tenta encontrar uma justificativa baseada na falta de sanidade do assassino que não foi comprovada. Outro caso recente é o do fdp vereador dr. Jairinho que matou o próprio enteado e agrediu outras crianças anteriormente.

Izaias Oliveira

E aí eu penso, em relação ao caso do jacarezinho, que a polícia civil matou “28” pessoas, e a mesma convoca no dia seguinte uma coletiva pra dizer que os “24” eram criminosos e não vítimas, “não eram nenhum suspeito” “criminosos” “bandidos” “traficantes” “homicidas” (palavras do delegado).

Ou seja, esse é o senso de justiça que o fragmento chamado de nação brasileira está baseado, e isso não é nenhuma novidade, e tão pouco me surpreende. O que é estranho é o fato disso não despertar nenhuma reflexão mínima nos negrescos que vivem chorando e clamando por justiça nas mídias, sem almenos fazer os questionamentos simples – o famoso pão com ovo. Tipo: “justiça pra quem?”; “pra que?”; “quem vai fazer?”. Eles não pesquisam nem os antecedentes dessa tel “justiça” em que acreditam, pq se assim fizessem, não estariam se apoiados nessa bengala de gelo num verão de 50 graus em pleno asfalto de madureira kkkk Está escancarado pra todo mundo ver que “ justiça” pro branco, não é injustiça pro preto, então não faz sentido implorar pra vitória do X se eu sou Y, tem um abismo infinito entre nós, nosso caminhos são completamente antagônicos, o céu pros brancos é o inferno dos pretos. Precisamos partilhar do senso de justiça fundamentado em raça, assim como eles já fazem a muito tempo, por não fazer isso nós entregamos os nossos de mão beijada pra que eles venham julgá-los com o senso de justiça deles. Nessa encruzilhada perdemos muitos pretos de disposição e bravura que somaria na nossa luta, e cada vez que nos afastamos do que é justo pra nós pretos, nós impedimos que esse bravos que se encontram hoje encarcerados ou mortos venham florescer e dar forma a nossa luta por emancipação. sem mais eu concluo que a justiça que precisamos necessita ser conquistada na base da porrada cedo ou tarde, negar este fato é tipo passear em cima de cadáveres pretos como quem anda numa passarela da fashion week.

Palavras-chave: Pprt

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Esses casos entre muitos outros em que uma pessoas brancas está na posição de réu, a mídia sempre mostra uma certa reverência e delicadeza ao falar sobre os mesmo, a ponto de nem colocar a imagem dos fdps na manchete, a polícia sempre vem em coletiva pra dizer que é preciso esperar a apuração do inquérito pra que entre em detalhes, pois isso é o justo a se fazer.

Isso tudo sem dizer, ao menos, o nome das vítimas, ele não sabia nem o número exato de assassinados. Voltando no papo de justiça, cabe aqui lembrar que nesse período de pandemia o STF proibiu operações em favelas... kkkkkkkkkk

EDIÇÃO 20

Na base de qual justiça eu posso recompensar o indivíduo X e punir o indivíduo Y, ou ser mais brando com um, e menos com o outro?

Dizem que “ justiça” é uma virtude moral, e de acordo com o cuzão do aristóteles - pocazideia pra esse ai, mas vamos lá, virtude moral é uma consequência do hábito, ou seja nos tornamos o que praticamos. E a prática sofre influência do contexto em que vivemos, e chegamos no ponto em que as respostas começam a aparecer, pois se eu Y convivo com pessoas X e creio nos valores X o meu senso de justiça tbm é X, e o inimigo da justiça X é o individuo Y, então de acordo com os valores que fundamentam o sistema de justiça X nunca beneficiará o individuo Y.

Entendendo essa análise com base em raça, isso simplifica bem a abordagem que a mídia faz em seus noticiários, eles insistem na justificativa da imparcialidade, mas é indiscutível o fato de que estão mentindo descaradamente – nem cabe discutir isso aqui.


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UM BONITO JUMENTO, UMA PRETA NAGÔ E UMA MÃE SEM NOME A mulher sem nome. Santo Amaro. Santa Cruz. Ela era uma peça e não era uma peça. REVISTA ÒKÒTÓ

Ela era mãe e não era mãe. Era gente e não era gente.

C

ertamente os seus filhos a chamavam pelo nome. Qual seria? Ela tinha um nome e não tinha nome. Como ela chamava a seus filhos? Vivia como se fosse alforriada há mais de 25 anos e nesse período teve cinco filhos. Parece que sonhou jamais voltar a ser propriedade de alguém. Parece que sonhou não submeter suas crias à escravidão.

Maribondo Candongueiro

Pelas investigações e escritos do delegado de polícia, “ela” trabalhava e vivia sob a proteção de um fazendeiro. Mas este morreu. O antigo proprietário não se esqueceu dela. Acionou a polícia para reaver sua propriedade desgarrada. E a “preta” valia muito, pois retornaria com cinco filhos. Por volta de 1860 o tráfico interprovincial de escravizados estava em alta. Seria bom negócio vender os filhos desta “preta” que se achava dona de seus próprios passos e de seus filhos.

Jornal Correio Mercantil, 25–05–1841: “Vende-se uma negra de nação gége, que terá de idade 18 annos, com uma filha de três, tem o préstimo de lavar, e vender/ e vende-se um moleque nagô, que terá de idade 15 annos mais ou menos; quem pretender procure na rua d’Ajuda, (…); e tambem se dirá quem vende 4 sendeiros de sella, gordos, e 13 rezes crioulas, entre vaccas, vitellas, e bizerros.” Jornal Correio Mercantil, 23–04–1841: “Joaquim da Silva Rocha, ainda tem uma porção de dúzias de taboas de pinho da Suecia, de differentes grossuras e até 30 palmos de comprido, e vende pelo menor preço que he possivel… O mesmo vende um moleque africano quem precisar de algum destes objetos procure o annunciante por baixo do Henrique Marcineiro, ou na loja do mesmo.” Ela e os cinco filhos são capturados pela polícia e trancafiados na cadeia. Um juiz determina, tempos depois, que sejam soltos.

Ela decide se tornar incapturável. Em 27–06–1862 o jornal Diário da Bahia descreve o ocorrido em Santo Amaro: “Recebemos do Libador de St° Amaro de 21 do corrente. Lê-se nesta folha: Que barbaridade! em um desses últimos dias apareceram em um tanque do engenho Preguiça, propriedade do sr. Comendador Paranhos seis cadáveres, cinco dos quais se achavam amarrados. Referem-nos que eram mãe e filhos, e contam-nos o fato pela maneira seguinte: essa preta homiziara-se no engenho Brejo, quando propriedade do capitão José Francisco de Pinho, aí passando sempre por forra, tivera esses filhos. Agora, porém, chegando ao seu conhecimento, que o senhor fora sabedor de acharse (sic) ela ali, e que de certo a viria buscar, não querendo mais sujeitar-se ao cativeiro, manietara os filhos e os lançara a afogar no tanque, e depois se atirara também. Acrescentam que a preta tivera cúmplice no seu horrível atentado, visto que os filhos já tinham idade e forças para resistir a esse ato contra suas existências. A polícia tendo notícia de semelhante acontecimento, para lá seguiu a proceder a corpo de delito, cujo resultado ainda ignoramos!”

Ela foge para outro engenho.

Os engenhos têm nome: Brejo e Preguiça.

O senhor a persegue.

Os proprietários de engenho têm nome:

Sr. Comendador Paranhos, e capitão José Francisco de Pinho. O delegado tem nome e sobrenome: Luiz Rocha Neves. O historiador e a historiadora que pesquisaram os arquivos empoeirados têm nome: Jackson Ferreira e Isabel Ferreira Cristina dos Reis. Não sabemos o nome dela, da mãe de Santo Amaro. Mas fica a imagem dela amarrando os filhos, um a um, todos bem apertados. Nenhuma força seria capaz de separá-los. Ela os lança no lençol d’água. Os seus antepassados vieram exilados sobre a água, pela água ela vai embora. Todos já estão na água, ela se atira em direção aos filhos. Jamais serão vendidos entre jumentos, tábuas e vacas. Ao racismo colonial que reduzia mãe e filhos à condição de objeto e de animal, ela responde com um gesto demasiadamente humano, atitude que jamais um jumento, uma vaca ou uma tábua sueca poderiam fazer: politizar a própria morte. Por conta do avançado estado de composição — esta foi a justificativa oficial — foram enterrados todos na beirada da lagoa onde morreram. Não se sabe o nome dela nem de seus filhos. No ano 2000, o cemitério de Santa Cruz, localizado na zona oeste da cidade do Rio, possuía 28.000 covas de um metro de profundidade por dois de comprimento. Todas reservadas para indi-gentes.

Palavras-chave: Pprt

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Um jornalista baiano se referiu a ela como “preta”, “mulher”, “mãe”, “forra”, “ela”. Os historiadores a chamam de “escrava”, “preta”, “forra”, “peça”, “mulher”, “ela”.

“Quem quiser comprar um bonito jumento, e uma preta nagô, moça e parideira, já foi do trabalho de enchada, e sem vício nenhum, procure no aljube, c — 29, que achará com quem tractar.”

Irrefreavelmente o cativeiro se aproxima como o nascer do sol.

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Ela tinha proprietário e não tinha proprietário.

Se retornassem para a senzala do antigo senhor, provavelmente os filhos dela seriam anunciados assim: Jornal Correio Mercantil, 14–04–1841,

: Iza Oliveira



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