Revista EDIÇÃO
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23.JUN.2021
VERSÃO ESTENDIDA
o rábula
Liberdade não se pede, se conquista!
#022
EDIÇÃO 21
REVISTA ÒKÒTÓ
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EQUIPE Editores
Bianca Melo Kianga Ziara Òkòtó Mata Rindo da Zumbiido Òkòtó Mayara Assunção Onnurb X Yakô Aba
Diagramação e Projeto Gráfico
Lisimba Dafari
QUEM PRECISA DO BRANCO PRA SE LIBERTAR,
Textos
Acácio Òkótó Akínwálé Òkòtó Akinwunmi Bandele Bàbálóore Omowale Apókan Òkòtó . . Balogum Manu Yahya Òkòtó Dadá Adjoa Òkòtó Dessalín Ìdòwú Malúngu Òkòtó Fiu Carvalho Kafunji Mahin Alayê Òkòtó Kiluanji Raoni Òkòtó Ligia Costa Magrinha Òkótó Onnurb X Yakô Aba Roselaine Òkótó Samuel Elias Thabata Bernardes
Fotos
Arquivo Lagos City Photo Blogspot
Freepik Izaias Oliveira Lisimba Dafari Vecteezy The Noun Project
E
ssa edição da revista chegou com uma homenagem muito especial ao aniversariante da semana, Luiz Gama. Seu legado como advogado autodidata e que lutava pela libertação de escravizados (libertou mais de 500) é um dos exemplos mais impressionantes de autonomia preta na nossa história. Diferente de muitos abolicionistas, que apenas pediam para o branco libertar os escravos, ele morreu em 1882, sem ver a abolição concretizada, e sem deixar de acreditar na ação organizada de pretos contra o sistema. Temos que dizer que, mesmo depois da abolição, é difícil encontrar
no Brasil pretos tão livres e comprometidos com a liberdade do nosso povo quanto Luiz Gama. Para honrar o legado dessa grande figura, a gente traz mais esse trabalho pra pista como exemplo de que tem quem dá um jeito e tem quem dá uma desculpa! Exemplos de autonomia não faltam, faltam pessoas dispostas a pagar os custos de seguir esse caminho. Que Luiz Gama viva nas nossas ações pelo povo preto! Axé!
Onnurb X Yakô Aba
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Ilustrações
SEMPRE SERÁ ESCRAVO!
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Olorum criou o ayê Criou os Orixás Criou as criaturas que habitariam o ayê E após os Orixás escolherem quais domínios iriam reger, Olorum os ensinou como fazer
P
O DESAFIO DE OLOKUN
Iza Oliveira :
Olokun então mandou mensagem desafiando Olorum. Disse que se ele era mesmo tão poderoso, que provasse seu poder. Que fizesse roupas tão belas quanto as que ele próprio confeccionava. Olorun, sabendo do desafio, chamou Agemo (o camaleão) e mandou que fosse até Olokun e dissesse que ele aceitava o desafio, mas não antes que Agemo visse como eram as tais roupas. Agemo foi, e chegando na beira do mar, Olokun lhe recebeu com as melhores roupas que tinha feito. Agemo disse que Olorun aceitava o desafio, mas que ele gostaria de ver como eram as roupas de Olokun. Olokun, vaidoso, trouxe uma roupa verde brilhante, linda! E ao tocar a roupa Agemo ficou da mesma cor. Olokun, buscou então uma outra, desta vez um azul maravilhoso, que ao ser tocado por Agemo, tornou-se sua cor também. Olokun, já bolado, trouxe todas as melhores roupas que tinha feito, e Agemo foi ficando da cor de cada uma delas. Olokun, impressionado com o poder de Agemo se transformar, mandou que ele retirasse o desafio a Olorum, pois se sua criatura tinha tal poder, imagine então quem o criou. _______________________
Kafunji Mahin Alayê Òkòtó
O Òkòtó foi lá, criou várias paradas, e uma das coisas que a gente fala sempre no processo do Entendendo e agora CFK, é que se você não quiser somar com a
Tem noção? Muito zuado! E aí o Táìwo que foi lá fazer o Agemo e mostrar que “olha..isso aí que tu tá fazendo, vcs tiraram do Òkòtó”. E os ratos foram tudo se esconder....silêncio total...aí é onde tudo vê que não se tem uma das paradas essenciais, que é a espiritualidade! Não tem axé na palavra, nem no que diz querer construir (pq meu bem, se aquilo lá é organizado, meu armário tá de parabéns). Não tem compromisso com ninguém além do próprio bolso! Uma parada que Exu ensina é que você só tira de onde põe! E se você tá só mamando sem compromisso, uma hora a conta vem, e ela vem! Mas aí é isso...agora que não vai pegar o mastigado, vai ter a Tal Akilah pra mastigar e fazer parceria quando a poeira abaixar e o povo deixar de lado as paradas zuadas que ela fez. Uma outra parada que pega também é sobre o individualismo! Mas vale o ego e o bolso, do que qualquer meio de emancipação do coletivo. E aí tu vê o quanto a cabeça desse povo tá zuada... Numa organização de fato, não tem estrelismo, você é o que você oferece a sua comunidade! Não adianta ser expert em fazer roupas lindas, em dominar o oceano, se esse saber não servir ao seu povo para construir a liberdade desse povo! Até porque, mar sem domínio, afoga! E tem gente à beça se afogando no próprio veneno, achando que está afetando algo maior... Tem também o “só respondemos organizações’’. Não respondemos treta pessoal..” e organização não é feita de pessoas?? Pra tu vê! Porque no Òkòtó a treta é da família inteira..., mas vocês não estão preparados para essa conversa. No mais, o papo é um só...Agemo levou a mensagem: O Òkòtó foi quem criou!
Palavras-chave: Pretagogia
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Esse itã é bolado! E cai como uma luva nas paradas que tem rolado essa semana...
Òkòtó posta tal coisa...as ratazanas postam o mesmo conteúdo. E antes fosse só o conteúdo das páginas né a
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AO CRIADOR
assado o tempo e com todos já acostumados a reger seus domínios, Olokun (o senhor do oceano) que era conhecido por fazer suas roupas de renda, sempre muito bonitas, resolveu que seus poderes eram muito maiores e mais importantes do que de Olorum. Ora, quem mais domina o oceano melhor que Olokun? Quem mais confecciona roupas tão belas quanto as de Olokun?
casa, se organize de outra forma. O que acontece é que o pessoal tá tipo Olokun... saiu da barra da saia do Òkòtó (aliás, nem saiu né, pq até ontem tava copiando nosso conteúdo) e quer meter o loko de que são maiores que a barra da saia de onde saiu.
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BRANCO NÃO TEM ORIXÁ REVISTA ÒKÒTÓ
A
matemática é bem simples. É só olhar pra história do mundo.
A gente já sabe que existe uma unidade espiritual africana. Diferentes povos do continente africano atribuíram nomes e representações diferentes pras suas divindades, mas é nítido que a relação do povo preto com o sagrado é praticamente a mesma nos mais diversos povos. Então essa conexão com o sagrado é natural ao povo preto. Ela brota onde quer que o povo preto esteja. É tipo como uma semente. Tu pode plantar ela onde quer que seja que o fruto vai ser sempre o mesmo. Agora eu te pergunto: onde foi que o branco produziu uma interpretação e uma relação com o sagrado que minimamente se assemelha com o que o povo preto produziu? Pois é… em lugar nenhum.
Balogum Manu Yahya Òkòtó
Branco nunca teve orixá e nunca poderia ter porque a espiritualidade de um povo brota da relação dele com o mundo. E o branco nunca foi e jamais será capaz de ter a
Como assim?! Cata essa analogia aqui. Uma pessoa preta (e aqui vou considerar pessoas pretas que não são miscigenadas) experencia o mundo de forma diferente a do branco em tudo. A pele preta faz ela sentir o Sol batendo na pele de outra forma. O cabelo crespo faz ela sentir o Sol batendo na cabeça de outra forma. O organismo preto faz ela ter uma outra relação com os alimentos. A melanina presente também nos olhos pretos faz ela reagir ao mundo de outra forma. O preto é diferente do branco em tudo. O papo de que “somos todos iguais”, dentre outras coisas, serve como uma artimanha do branco pra te fazer aceitar um estilo de vida e uma forma de ver o mundo que não é natural pra você. Da mesma forma, nosso estilo de vida e nossa forma de ver o mundo não é natural pra ele. Branco não tem orixá. Ele não é capaz de ter. Ele no máximo pega emprestado. Como um cego que pergunta pra uma
pessoa que enxerga como é o mar, como são as flores, o céu. Ele só pode imaginar. Só pode pegar emprestado o sentimento. Dá mesma forma, me atrevo a escrever que, quanto mais miscigenado é o preto, menor a capacidade dele de sentir e experienciar orixá. Porque voltando pra analogia do Sol, o preto miscigenado não sente o Sol da mesma forma que o branco, mas também não sente da mesma forma que o preto não miscigenado. Acredito que em certa medida ele também pega emprestado. E deve buscar honrar isso. Voltando pro branco, pensa aqui comigo numa parada. Existem dois tipos de pessoas que pegam coisas emprestadas. Pensa que tu emprestou uma camisa pra um amigo. Tem aquele amigo que devolve passadinha, lavada e cheirosa. Ele devolve melhor do que quando você deu na mão dele. E tem outro que devolve a camisa suja, amarrotada, manchada. Às vezes nem devolve. O branco é o segundo tipo. Ele não honra o empréstimo feito. Ele não merece que a gente empreste nada
pra ele. Por outro lado, quando o branco “empresta” algo pra gente (entre aspas porque na real o processo é forçado), a gente devolve mil vezes melhor. Ele empresta com gosto. Emprestar as coisas pra gente é um negócio lucrativo pra ele. Feminismo negro, apesar de ser uma merda, é um upgrade do feminismo. Muitas mulheres pretas não flertariam com o feminismo se não existisse o feminismo negro. Da mesma forma, os pretos Marxistas são um upgrade do marxismo. O que seria do marxismo se eles não pudessem citar Sankara? Mesmo a gente sabendo que os feitos de Sankara tem pouquíssimo a ver com o marxismo. Os pretos cristão são um upgrade do cristianismo. Vê as igrejas evangélicas do Brasil, as igrejas nos EUA. Nosso axé sendo utilizando pra fortalecer Deus branco. Então não deveríamos emprestar nada pro branco e nem pegar emprestado dele. A gente se fode nas duas situações Enfim…branco não tem orixá. E nem merece pegar emprestado.
Palavras-chave: Pprt
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Se o branco tivesse orixá, a história mostraria isso pra gente.
mesma relação com o mundo que o preto.
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ELE NO MÁXIMO PEGA EMPRESTADO
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A TEORIA DOS POTES
E
u demorei a crescer, demorei a querer crescer. Porque toda relação de crescimento, amadurecimento que eu tinha em mente, era sobre se apartar da minha mãe. Era sempre um tal de: você é muito velha pra morar com a sua mãe, toma vergonha, vá criar sua independência! Olha, eu nunca ouvi da minha mãe que era algum tipo de problema morar com ela tendo mais de 30 anos, mesmo assim sempre tinha alguma independent woman que acha que eu era mimada por morar com mainha. E de fato eu sou!
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A teoria dos potes tem a ver com isso, eu estou fora de casa, estou “caçando meu rumo” como diria uns e outros por aí. E nessa de viver uma independência materna, eu tenho aprendido a cuidar, a dividir, a quantificar e o principal, “retribuir”.
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Palavras-chave: Pretagogia
Enfim eu entendi o porquê não se devolve um pote vazio! Além de retribuir o feito, nós precisamos alimentar quem nos alimenta, além de tirar de quem nos dá, nós precisamos voltar a dar a quem nos dá para que nunca falte! Você nunca pode sair de um lugar da mesma forma que entrou se dali você comeu, você bebeu, se alimentou de alguma forma. Se ali você foi bem tratado, o mínimo é agradecer, mas o certo é retribuir. Jamais saia de um lugar onde lhe foi oferecido qualquer coisa sem ofertar algo de volta… Isso é sobre ser preto, isso é sobre ser família, isso é sobre ser comunidade, isso é ancestralidade, isso é Esù, e Esù é movimento, nada na nossa cultura é estático. Passa por Esù, mas passa por todo o modo de vida africano, um pote nunca será somente um pote. A mão que te alimenta precisa ser alimentada também, o lugar que te alimentou precisa ser alimentado também. Isso é vida, é o círculo da abundância, do amor e da reciprocidade. Um pote nunca é só um pote, hoje eu levei batata recheada e ganhei bolo. Eu ganhei bolo, ganhei amor, ganhei cuidado. Comida é amor, e é por isso que eu tenho me descoberto tão boa cozinheira, eu tenho amado muito... Amado pessoas, sonhos e propósitos, eu alimento os meus propósitos com amor, mas também os alimento com responsabilidade e reciprocidade. Obrigada pelo amor, mamãe. S2
(11) 9 5357 8199 @thabataaryane
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Thabata Bernardes
Eu me lembro a primeira vez que minha mãe me cobrou por levar o pote que ela me deu com comida vazio, eu ri, achei que era brincadeira, achei que era qualquer coisa. E aí durante uma conversa no Kilûmbu eu me liguei, a minha mãe faz tudo por mim, e quando eu digo tudo é tudo mesmo. Ela gosta de quem gosta de mim, ela cuida de quem cuida de mim. Ela respeita quem me respeita. Essa é a forma dela me amar,
Agora ela cozinha e separa o potinho pra mim, e agora eu cozinho e separo o potinho pra ela. Ela é mais abundante pq faz pra dois, RS! Ela gosta de quem gosta de mim lembram? E quem gosta de mim gosta bastante de comer… então ela faz muita coisa pra mim… RS!
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Isso nunca impediu minha mãe de me passar corretivos, mesmo depois dos 30 anos,se tiver que rolar correção, ela não hesita, às vezes eu acho até que ela espera por isso. Ela sempre fica à espreita esperando eu ou meus irmãos sair da linha para falar e se preciso for dar um chamadão. Mas vamos à teoria, como eu falei no início, o meu amadurecimento é recente em várias áreas da minha vida. A autogestão, a responsabilidade, o comprometimento, tudo isso chegou a partir do Kilûmbu, a partir da comunidade. Ter que arcar com as responsas, ter que lidar com as próprias falhas, isso é muito bom, mas também não é o lugar comum de pessoas pretas. Tanto pelo condicionamento a se comportar como brancos, quanto pelo lugar de incapacidade que o racismo insiste em nos colocar.
e eu sempre retribuí na mesma medida. Mas agora a gente tem se amado mais e de um lugar mais distante, e isso tem mudado a forma de retribuir o amor.
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Iza Oliveira :
É
incrível como o “ocupa tudo” tem sido uma forma eficaz para atrair pretos pra lugares onde não são bem vindos, e mesmo assim querem a todo custo ocupar esses espaços, mesmo sendo xingados, ameaçados, insultados, adoecendo nesses espaços pela forma que são tratados, tratamento esse que muitas vezes tem levado algumas pessoas ao suicídio.
somos a base de conhecimento e criação
Constantemente se fala na internet que precisamos cuidar da nossa saúde mental, mas as pessoas continuam ocupando esses espaços, não me parece muito inteligente querer se curar mas continuar enfiado justo no lugar que te adoece.
tecnologia, esporte, artes, música, e por aí
Mais prudente seria a gente criar formas de possibilitar cada vez mais o nosso distanciamento desse povo, trabalhando direitinho no longo prazo é possível tornar esse distanciamento realidade. É impossível construir algo genuinamente Preto se a gente não matar o branco que existe em nós.
Samuel Elias
Vale lembrar que, todo tipo de conhecimento que podemos imaginar hoje, teve início através de pessoas africanas, nós
pra tudo que a gente puder imaginar,
desde que tenhamos consciência de que nada é de graça, tudo tem um preço e estarmos dispostos a pagar esse preço.
É importante essa mudança de chave que
limita e impede a gente de criar soluções na educação, economia, justiça, saúde,
vai.., por vias que não sejam brancas, nois por nois mesmo.
Não adianta a gente reclamar, falar que
estamos cansados das mortes dos nossos se não estivermos dispostos a fazer o que é
necessário para que essas mortes começam a diminuir até chegar a zero, e o primeiro
passo para isso é se organizar, fechar entre a gente, mas somente pessoas Pretas que estejam comprometidas com os nossos
interesses de verdade, segregar mesmo. Abandonar esses espaços brancos, criar
nossos próprios espaços.
Palavras-chave: Negrescagem
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“OCUPA TUDÔ”
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COM O QUE VOCÊ SE ALIMENTA??
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Quando a gente se alimenta apenas ou mais de imagens destrutivas, nossa tendência é trabalhar de forma inconsciente para nossa própria destruição. Tanto individual quanto coletiva. A propaganda também é uma ferramenta espiritual importante. Ela é extremamente estratégica politicamente. A propaganda é fundamental pra moldar o comportamento do grupo que se quer controlar. Ela é tão eficaz que é capaz de manter as pessoas fazendo coisas que sabem que são nocivas a si mesmas. Coisas que vão contribuir pra sua destruição. Por exemplo, eu ouço desde pequeno dos meus pais e tios que na televisão só tem porcaria. “Na TV não tem nada que presta!”. Mas nunca vi nenhum deles parar de assistir às programações diárias da TV. Isso porque a propaganda os condicionou a permanecerem presos aquele hábito destruidor.
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Palavras-chave: Pretagogia
Por isso dizemos aqui que essa tal representatividade não é uma ferramenta positiva pra nós. Veja. Ao mesmo tempo em que a própria TV tá falando
Tem uma campanha de dia dos namorados de de um produto rodando pesadamente na TV, onde só mostra casais brancos e interraciais. Olha a propaganda aí. Olha eles falando, através da propaganda, que o integracionismo é algo bom. Diante disso, como a gente cai na mentira de que nosso assassino tá fazendo algo pra nos fazer bem?! Ele tá apenas aproveitando essa onda pra surfar na crista e se manter por cima. Só não enxerga quem não quer ver. Já falamos aqui em outros textos e lives sobre a imagem ser o combustível da imaginação que por sua vez é o combustível da criatividade e, por consequência, da criação. Mas observem em que ponto de adestramento estamos quando a própria divindade que é a responsável pela criação da vida tem sua imagem corrompida da imagem original. Ọṣun é uma divindade Afrikana, portanto, preta. Me digam como Ọṣun é comumente retratada por aí?
: Iza Oliveira
NÃO ESPEREM POR LUIZ GAMA
L
uiz Gama faria 190 anos em 21 de junho deste ano. Fruto da violência, uma vez que sua mãe casou-se com seu pai - português. Nem precisa de muito argumento para dizer que essa “união” aí não foi consensual. Luiz Gama nunca revelou a identidade de seu pai, mesmo sendo do conhecimento de todos que esse mesmo pai lhe vendeu aos dez anos para quitar umas dívidas. Cruel? Não, coisa de branco mesmo. No entanto, sua mãe estava no corre da revolta dos Malês, ou seja, Luiz Gama também carregava muita coisa boa no seu DNA. Aos 17 anos não sabia ler, nem escrever, algo que poderíamos entender como comum pra época, mas que acontece até os dias atuais. Sua trajetória deu um salto no que diz respeito ao ensino - aprendizagem, quando teve acesso a dita “educação” desse Brazil
colônia. Pegou firme nos estudos e advogou sua própria liberdade. Daí pra cá, tempo vai, tempo vêm e Luiz Gama não parou mais. Inconformado com a escravidão, passou a advogar pelo povo que “não tinha liberdade”. Para alguns aí, é considerado o salvador, aquele que vêm pra te salvar enquanto você reclama da vida. Enquanto você espera um “milagre” acontecer sem ter que fazer nada pra que isso aconteça. Enquanto muitos ficam aí mergulhados num mundo sem movimento que sugira autonomia para que sejamos donos da nossa própria liberdade. Luiz Gama apesar dos corres que fez na época, é um exemplo do que não devemos esperar para pôr a mão na massa e fazer o que precisa ser feito.
Roselaine Òkòtó Palavras-chave: Brabos
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Bàbálóore Omowale Apókan . .
em representatividade, falando sobre a importância de mostrar gente preta, em colocar gente preta em ancoragem de programas, em papéis de pessoas bem sucedidas na dramaturgia, ela me volta com uma novela de 10 anos atrás em que só mostra preto em papéis sociais subalternos e cujos personagens feitos por atores pretos não apresentam enredos sobre suas próprias vidas. Os personagens dessa novela só vivem as vidas dos personagens brancos.
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or que uma imagem é tão importante? Simples. Porque o que é visto não pode ser desvisto. Por isso a imagem é tão relevante quando a gente fala de resgate de autoestima. As coisas que nossos olhos registram alimentam nosso consciente e subconsciente. Alimentam nossa alma. Mas todo alimento vai desempenhar um papel. Seja de destruição, seja de nutrição.
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O QUE VOCÊ FAZ COM A SUA LIBERDADE?? LUIZ GONZAGA PINTO DA GAMA (1830–1882) FOI UM NEGRO LIVRE.
— Luiz Gama em 18 de novembro de 1869, no Correio Paulistano. O cara conseguiu com seu ofício tornar um negro livre para cada ano de escravização do Brasil… Enfim!
REVISTA ÒKÒTÓ
P
ra começar o passado não-livre do brabo Luiz Gama não me interessa muito. Ele conquistou sua liberdade, viveu em liberdade, morreu em liberdade e isso é o que vejo quando olho pra história deste homem.
Para mais informações sobre a vida do cara, pega nas páginas de História da casa. Teve diversas profissões ao longo da vida, entretanto nessa que mencionei se fez notório seu desempenho tanto que o faz ser reconhecido até os dias de hoje. Enquanto advogado ele tinha um único objetivo: libertar o máximo de negros escravizados que conseguia através da defesa dos casos em tribunal. Luiz Gama conseguiu pelo menos 500 libertações em seu período advogando, não o fez esperando algo em troca como declarou uma vez.
Ou seja, o cara estava ainda no período colonial, sendo passado a perna pelo “sistema”/pelos brancos constantemente (homens brancos majoritariamente ferraram a vida e Luiz Gama), conquistou sua liberdade com o dendê baiano e fez o que com isso? Bom, todo o texto até aqui já deixou isso claro. rs Ele fez o que ele tinha em seu alcance para contribuir com o processo de
Ele poderia ter aceitado o infortúnio e vivido como um escravo, esperando uma carta de alforria, a benevolência de algum senhor (tsc) ou a morte. Ele poderia ter se livrado e recusado qualquer contato com o contexto de escravidão, ter virado a cara, ficado na sua. Mas, se pá, o Luiz entendia que a gente não tem muito tempo nesse mundo e que nossa liberdade precisa ser bem melhor aproveitada e focada em um propósito, não qualquer propósito, mas a urgência de séculos do nosso povo: a emancipação do nosso povo do mundo branco. Com isso tudo falado fica aí a questão: você aí que está lendo, sabe que está em regime semi aberto, que de alguma forma ainda experiencia a liberdade, tu ta fazendo o que com ela?
Palavras-chave: Brabos
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Acácio Òkòtó
Baiano que, por infortúnio da realidade de um negro jovem no Brasil naquela época mais a displicência de seu pai branco, foi parar em São Paulo para ser vendido ainda criança. Lá foi alfabetizado entre os 17 e 18 anos, fugiu para conquistar sua liberdade nesta idade, anos depois, após passar pelo exército e ter sido expulso por insubordinação, aprendeu o ofício do direito, foi impedido de realizar o curso como aluno regular, mas isso não
o impediu de exercer sua profissão e se tornou um rábula (advogado sem diploma exercendo função).
Luiz, depois de muito viver e se estabelecer em Chernobyl colonial, tornouse um advogado exercendo função, mas sem diproma. O cara fez toda a faculdade de direito (se fundendo), aprendeu toda parada e foi fundo na profissão com um único objetivo em mente: utilizar seus conhecimentos, sua retórica em favor da libertação de outros irmãos ainda escravizados.
libertação do próprio povo, o cara não tinha diproma, mas isso não o impediu de agir com a profissão em favor do seu povo. Quantos dipromados renomados estão aí mais atrapalhando do que ajudando ao povo proto? A parada não é nem o instrumento que tu usa, mas a que propósito aquilo está endereçado, a quem você está servindo. Enquanto homens (e mulheres, por favor não pensem tão quadrado) livres, supostamente temos a nossa própria sorte para agir sobre o mundo e com o mundo, mas a gente sabe que a realidade não é bem assim. Ainda mais para os homens pretos como o Luiz Gama, que por autodeterminação não foi fadado a viver como um escravo, mas que, logo cedo, a sua vida estava sendo entregue ao sistema. A realidade é que por diversos fatores a maior parte do nosso povo continua presa ao branco, não somos livres enquanto não formos responsáveis pela nossa nação atendendo aos nossos próprios interesses.
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Vejam, ele nasce em um período que, por mais que hoje a gente sabe que 6 anos antes de seu falecimento se extinguiria a legislação colonial da escravidão no Brasil, ainda era uma realidade tão real que sua juventude/ adolescência foi vivenciando isso. Sua mãe, como se sabe, teve sua liberdade conquistada também. Mas diferentes dos séculos anteriores, como o Brasil estava a beira da exclusão total da migalha da Isabel, a lei áurea, haviam muitos negros livres. Ele, um deles.
Iza Oliveira:
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“Eu advogo de graça, por dedicação sincera, as causas dos desgraçados; não pretendo lucros, nem temo violências”
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EM MEMÓRIA DE LUIZ GAMA
N
o dia vinte e um de junho de 1830 nasce Luiz Gonzaga Pinto da Gama, filho de Luiza Mahin líder por natureza, esteve envolvida da Revolta dos Malês a na Sabinada, que não se deixou ser colonizada. Segundo as palavras de seu filho Luiz Gama:
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Apesar de ter nascido livre, com dez anos, Luiz veio de Salvador para o Rio de Janeiro com seu pai e foi vendido pelo próprio como escravo pelo pai para pagar uma dívida de jogo. Com dezessete anos aprende a ler e escrever, e aos dezoito já sabendo que sua condição de escravo era ilegal pois tinha nascido livre, ele foge para São Paulo, se alista nas forças armadas da província, se casa com Claudina Gama, e logo depois ingressa na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Era hostilizado pelos alunos e professores por ser preto, frequentava as aulas apenas como ouvinte, porém Luiz tinha objetivo: adquirir conhecimento. E esse conhecimento adquirido foi muito importante na luta contra o regime escravocrata na época.
Bomani Gus
Luiz esteve sempre envolvido nas questões abolicionistas, fundou o jornal “Diabo Coxo”. Com caricaturas que ilustravam
Mesmo não tendo um “diproma” Luiz era um advogado brilhante, defendia a causa de escravos que podiam pagar a alforria mas adivinhem só… Os “sinhozinho” não queriam abrir mão da “propriedade” dos pretos. Pelo menos na lei depois de 1850, o tráfico de escravos era proibido, mesmo assim acontecia, Luiz também defendia esses que eram trazidos pra cá de forma ilegal. Gama teria sido o responsável direto pela liberdade de aproximadamente quinhentos escravos. Foi o primeiro negro brasileiro a lutar contra os ideais de branqueamento da sociedade e pelo fim da escravidão. Mesmo debilitado pela doença, saía carregado em uma maca, para atender seus clientes desejosos da liberdade. Faleceu em São Paulo, em 24 de agosto de 1882. “O escravo que mata seu senhor, em qualquer circunstância, o faz sempre em legítima defesa”. “Em nós, até a cor é um defeito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um crime. Mas nossos críticos se esquecem que essa cor, é a origem da riqueza de milhares de ladrões que nos insultam; que essa cor convencional da escravidão tão semelhante à da terra, abriga sob sua superfície escura, vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade. — Luiz Gama
Palavras-chave: Brabos
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Em 1854, após uma insubordinação na Força Pública, ficou 39 dias preso, sendo em seguida expulso da corporação. Em 1856 tornou-se escriturário da Secretaria de Polícia da Província de São Paulo.
: Iza Oliveira
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“Sou filho natural de negra africana, livre da nação Nagô, de nome Luiza Mahin, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, a cor de um preto retinto sem lustro, os dentes eram alvíssimos, como a neve. Altiva, generosa, e vingativa. Era quitandeira e laboriosa”.
as reportagens dos fatos cotidianos da conjuntura social, política e econômica, o que permitia aqueles que não sabiam ler entender o que estava acontecendo. Luiz também fundou o “Jornal Paulistano”. Colaborou com diversos jornais progressistas, entre eles, “Ipiranga” e “Cabrião”.
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DIABO COXO
Fiu Carvalho
M
otivo é o que não falta para lembrar e contar a história e trajetória de Luiz Gama, tanto pelo trabalho como jornalista, poeta e rábula — quando não tinha-se o título de advogado, mas comprovadamente tinhase o conhecimento jurídico — num período em que o preto ainda era visto como mercadoria, logo desumanizado, quanto pelo trabalho como abolicionista quando leis escravistas ainda vigoravam forte. Luiz Gama, deve ser celebrado também por fazer os brancos passarem raiva. Em um dos raros casos de exceção que confirmam a regra, Luiz Gama conseguiu se integrar razoavelmente bem entre brancos, acreditando na ideia de nação brasileira mesmo sem negar sua origem africana e, ainda assim, usando seu talento, seus contatos e influência para beneficiar a luta pela libertação de pretos escravizados e fez isso se valendo de uma astúcia que é bastante preta.
Mesmo só convivendo com a mãe, Luiza Mahin, até os sete anos e nunca voltando a encontrá-la, é inegável a influência dela na formação e na trajetória aguerrida que o filho viria a construir. O próprio poeta conta em cartas sobre o carinho que sentia por ela, mulher africana que ao ser trazida para o Brasil não se deixou abater e se engajou na formação de terreiros, na manutenção da cultura preta e em levantes de escravizados em busca de sua liberdade. É esse legado que Luiz Gama leva adiante na sua vida adulta. Do pai, o que se sabe é que vinha de família portuguesa, dita nobre, e o vendeu como escravizado para pagar dívida de jogo. O ranço merecido era tamanho que Luiz nunca revelou seu nome, nem mesmo a amigos próximos. Esse ponto nos lembra de que na hora do sacrifício, brancos são muito eficientes em fazer a escolha deles.
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Lisimba Dafari :
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Palavras-chave: Brabos
Usava sua perspicácia para encontrar ilegalidades dos escravistas e falhas na lei que o ajudassem a conquistar a alforria de africanos e descendentes, explorando
Era um homem preto inserido num mundo branco que fez questão de se lembrar disso. “Nunca se esqueçam de que quem fala aqui é um negro” escreveu certa vez. Sendo considerada uma das primeiras, se não a primeira, voz negra a ser publicada na diáspora brasileira. Trazendo também a mulher negra como musa de seus poemas e zombando os mestiços que se consideravam brancos e se esqueciam, ou tentavam apagar, sua origem africana. Integracionista, republicano e maçom, Luiz Gama não escapa da condição humana ao ter suas contradições, mas vale aqui pensar que ainda que com elas, fez tanto pelo povo preto e deixou um legado de luta que deve nos servir de inspiração e ser celebrado.
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Foi através do jornalismo que encontrou uma porta para criticar a escravidão. Suas publicações traziam não só os textos recheados de apontamentos a hipocrisia da sociedade, mas também caricaturas políticas debochadas, possibilitando que analfabetos também entendessem e compartilhassem aquele conteúdo. Midiático, usava os jornais para expor seus debates com figuras públicas – brancas–, de certa forma transformando aquilo em novela e atraindo interesse para a causa abolicionista.
também uma “síndrome de europeu” instalada no sistema judiciário da época, que se baseava nos valores de liberdade, igualdade e fraternidade que vibravam forte no continente branco, resgatando a aplicação da Lei Feijó, de 1831, a famosa “lei para inglês ver” na libertação, dobrando o judiciário com a sua própria lei e demonstrando ter conhecimento muito mais amplo que os doutores que portavam diploma.
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O que se sucedeu após essa situação hedionda poderia ter quebrado Luiz Gama, mas ao contrário disso, alimentou uma vontade de vida e de luta que o fez se manter atento às oportunidades. Do estudante que se hospeda na casa onde ele servia e o ajudou a se alfabetizar, da boa vontade do professor de direito e chefe de polícia que o protegia, ao acesso à biblioteca da Academia de Direito de São Francisco (Faculdade de Direito) que, apaixonado pela leitura, o possibilitou o estudo e formação em direito. Nada disso seria possível se não houvesse ali um espírito combativo.
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amos rever como Luiz Gama passou pela academia. Ele nunca foi aceito no curso de direito, assistia às aulas como ouvinte. Só disso podemos dizer o quanto ele era aceito pelo meio branco e o que ele ia carregar de lá. Ele não estava ali por meramente querer um papel para poder exercer uma profissão e se “dar bem na vida”.
REVISTA ÒKÒTÓ
EU TAMBÉM POSSO Iza Oliveira:
Daí vem um negresco dizer: “Olha só o que o Luiz Gama fez pelos negros através da academia”. Primeiro que você nem quer fazer algo pelos seus, pode admitir que você quer ir pra academia achando que vai ter uma vida melhor, melhor pra si somente. Só achando mesmo, porque só sai os frustrados porque não consegue trampo na área que se formou.
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Magrinha Òkòtó
Podemos nos perguntar também porque agora querem dar esse título de advogado
É aquele ditado: “Se me engana uma vez a culpa é sua, se me engana duas vezes a culpa é minha”. Da galera que eu ouço que tá passando ou passou pela academia a história sempre é: “Tive que buscar tudo fora da faculdade”, “Eles não ensinam nada lá dentro, é tudo por conta nossa”, “Tou levando algo novo lá pra dentro porque eles não tem”. Poxa, se você está tendo que pesquisar tudo por fora porque eles não ensinam, então você poderia muito bem continuar pesquisando sem precisar estar no ambiente da universidade. Mas a verdade é que ser um bibelô dos brancos te atrai, você quer aquele reconhecimento deles, então não venha com historinha falando que está pensando no povo preto. Não vem falar de Luiz Gama para justificar suas paradas. Se quer falar em seguir Luiz Gama porque não segue através dessa frase: “o escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa” Mas, o negresco ainda não tá pronto pra matar o senhor, ele ainda quer se vender pra ele e para isso usa qualquer desculpa.
Palavras-chave: Brabos Negrescagem
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Segundo que se fomos por esse lado podemos já chamar os brabos e falar: “Olha só o que Marcus Garvey fez sem passar pela academia”, “Olha só o que Malcolm X fez sem passar pela academia”. Olha os passos daqueles que são referência, você acha eles foda, mas não tem coragem de seguir o mesmo caminho que deu certo, na verdade quer seguir o caminho que tem dado errado vez depois de vez. Quantos passaram pela academia e conseguiram trazer algo de significativo para nosso povo?
Quantas vezes mais temos que comprar coisas estragadas de um vendedor para pararmos de fazer negócio? EDIÇÃO 21
SE LUIZ GAMA PASSOU PELA ACADEMIA, ENTÃO
Ele nunca foi considerado um advogado, só em 2015 ele recebeu o título de advogado pelos brancos (OAB — Ordem dos Advogados do Brasil). Mas em todos os aspectos, além de um papel na parede ele foi um advogado. Isso te lembra alguém? O Honorável Marcus Garvey e Malcolm X também nunca tiveram um título (branco) de advogado, ou de economista, ou de cientista político.
pro Luiz Gama. Eles estão querendo vender que a academia é bom para nós. Já venderam que a religião deles seria boa para nós e a gente comprou; já venderam que tentar parecer o máximo com eles (alisando o cabelo entre outras coisas) seria bom para nós e a gente comprou; já venderam que se afastar da capoeira seria bom para nós e a gente comprou; já venderam que a gente só seria bom se tivesse algo associado a eles e a gente comprou.
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O QUE LUIZ GAMA FARIA
SE FOSSE VIVO HOJE?
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Dessalín Ìdòwú Malûngu Òkótó
O século 19 (de 1801 até 1900) é um século de profundas transformações no Brasil. Inicia o século como uma colônia portuguesa, ascende ao status de reino
Compreender esta dimensão do que era a escravatura é importante para a gente ter a dimensão do que era se voltar contra ela. Não estamos falando de uma mera mudança de regime de trabalho ou modelo econômico, como nos iludem nas escolas, mas da alteração completa do sentido de existência e compreensão de mundo de toda uma sociedade. Voltar-se contra isso
Ao longo do século 19, o Brasil passou a ser pressionado pelo fim da escravidão. Para tentar responder a estas pressões externas, uma série de leis e normas foram instituídas para promover a abolição da escravatura de maneira lenta, gradual e segura. Muito antes das leis do ventre livre, sexagenário e ventre livre, outras já procuravam criar as condições para que a escravidão lentamente a termo. Em 1850 a lei “Eusébio de Queiroz” instituiu a proibição do tráfico negreiro e, junto dela, outra norma que aparentemente promovia outro golpe na escravidão pelas vias legislativas. Qualquer “peça” que aportasse em navios negreiros, dali adiante, clandestinamente estaria imediatamente sob custódia do Estado Brasileiro e não poderia ser vendida como escravo. Se, além disso, escravizados clandestinamente fossem descobertos, eles também passariam para a tutela do Estado. Apesar da aparência boa, o que isto significou na prática? Em primeiro lugar, só havia fiscalização nos principais portos do país. Diversos outros portos clandestinos foram construídos. No Rio de Janeiro, por exemplo, o fechamento do Cais do
Quanto à lei de “apreender” as “peças clandestinas” e colocá-las sob custódia do Estado, sua fiscalização era inexistente e, quando processos jurídicos eram levantados, as provas eram consideradas precárias ou mesmo nem levadas em conta. De quebra, ainda causou um aumento exponencial da população carcerária e mão-de-obra escravizada para as obras públicas. Apesar disso tudo, é bem verdade que alguns advogados conseguiram provar que seus clientes estavam escravizados “ilegalmente” e conquistaram alforrias mediante a via jurídica, e não meramente econômica. Mas isto não era regra, era a exceção. Com a exceção de um homem: Luiz Gama. Luiz Gama explorou como ninguém todas as brechas do código processual brasileiro da época, os documentos e provas inconsistentes dos tais senhores que reivindicavam a posse das peças. Mas nada disso seria suficiente se Luiz Gama não tivesse uma retórica afiada e eloquente que a todos era capaz de convencer, mesmo juízes pouco sensíveis às ilegalidades dos fidalgos donos de escravos. Sem ter feito curso de direito, sem diploma ou carteirinha da Ordem, Luiz
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Para quem ainda não conhece, Luiz Gama foi filho de Luíza Mahin com um fidalgo português. Luíza Mahin, obviamente, não pode criá-lo. O tal fidalgo português, após se endividar em jogos e negócios, vendeu o filho mestiço como escravo para saldar suas dívidas. Após ser vendido como escravo em Salvador, foi levado para São Paulo, então uma província pobre e pouco desenvolvida no Império do Brasil. Lá, após uma série de revezes que misturam sorte e sagacidade, Luiz Gama conquista a própria alforria, aprende as leis, torna-se advogado e passa a trabalhar para escravizados que estavam indevidamente sob a posse de algum senhor.
unido de Portugal, torna-se independente e inicia um relativamente estável e duradouro império até se converter em uma república um ano após a abolição da escravatura, em 1889. Apesar de todas essas transformações, a instituição mais importante do Brasil se manteve inabalável ao longo de praticamente todas essas mudanças: a escravidão. E isso não é à toa. A escravidão é a instituição fundadora do Brasil e responsável pelo desenvolvimento econômico, pelas realizações políticas e toda a sua construção cultural. Sem a escravidão, nenhum país do continente Americano seria possível como os conhecemos hoje. A escravidão não só foi, como ainda é a instituição mais importante do Brasil, já que até hoje este país vive dos louros e lucros de ter se erguido sobre o maior crime já cometido na história da humanidade.
Mas a quem não tem medo da vida encara até a morte. E Luiz Gama, mesmo sob todo tipo de boicote, perseguição, detratação, ameaças, tentativas de assassinato foi responsável pela alforria de mais de quinhentos escravizados como, antes, tinha promovido a sua própria.
Valongo significou a abertura de um porto clandestino onde hoje é a praia de São Conrado. Em Niterói/RJ, com o fechamento do porto da Ponta D’Areia, os navios tumbeiros passaram a desembarcar na paia de Itaipu. No fim, o tráfico não foi proibido, só barateado já que não havia mais taxas alfandegárias para se pagar. EDIÇÃO 21
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uando vivo, lá no século 19, Luiz Gama aprendeu as leis, os processos jurídicos, tornou-se advogado sem carteirinhas de alguma OAB da época e, aplicando essas mesmas leis da época em que a escravidão era legalizada, libertou mais de quinhentos escravizados “ilegalmente” mantidos em cativeiro. Se hoje estivesse vivo, por quem Luiz Gama estaria advogando?
não era só mal visto. Era se desgraçar, se marginalizar, correr risco de vida e provavelmente cair no esquecimento.
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LIBERDADE NÃO SE PEDE, SE CONQUISTA! Gama foi o maior advogado de todos os tempos já nascido no Brasil. Inigualável, incomparável, indomável. Luiz Gama era um leão na tribuna, um leopardo na pena.
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Se Luiz Gama estivesse vivo, ele não estaria apelando para que os princípios constitucionais fossem cumpridos. Ele usaria o feitiço contra o feiticeiro, assim como fez na sua época. O processo penal foi feito para prender preto, mas contém brechas para colapsar por dentro. Óbvio que o sistema vira a mesa sempre que ele vê que está perdendo. Mas não estamos falando que isso gera revolução, assim como a abolição de centenas de escravizados não gerou quilombos e insurreições raciais. Mas, se vamos resgatar e honrar a memória de um dos mais brabos que já tivemos, vamos fazer à altura e dignidade dos seus feitos
Outra semelhança entre os dois foi a ascendência revolucionária. Enquanto Earl e Louise Little, pais de Malcolm, eram membros da UNIA de Garvey, a mãe de Luiz Gama foi ninguém menos que Luiza Mahin, mulher africana que teve papel central em grandes revoltas de escravos como a revolta dos Malês e a Sabinada. Esse exemplo de autonomia com certeza fez toda a diferença no desenvolvimento dessas grandes figuras. Acho que a frase mais marcante da vida política de Luiz Gama foi “o escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”. Quase 100 anos antes de Malcolm, e antes mesmo do nascimento de Garvey, a autodefesa e a autonomia das instituições brancas já eram a base do trabalho e do desenvolvimento político desse mestre. Podemos até pensar, se Luiz Gama fosse educado pelas instituições de direito brancas, será que pensaria dessa forma? Será que advogar de maneira independente não é uma maneira simbólica de matar o senhor, matar o branco? Será que defender as instituições brancas não é uma forma de morte do povo preto? Já sabemos que sim, basta ver os acadêmicos que tão na pista aí babando ovo de branco e chamando os pretos autônomos de radicais. A galera que quer
dialogar com os brancos e que taxa os pretos radicais de “violentos e racistas reversos” são os mesmos que defenderam a indenização dos senhores de engenho pela “libertação” falsa dos escravos no Brasil. Não existe saída da opressão por dentro do sistema branco. Quem tá procurando mudar o sistema por dentro, acaba sendo mudado. É uma gota de tinta preta no oceano, dizendo que vai pintar o oceano. Em compensação, exemplos não faltam de gente que entrou pra história e fez muito pelo nosso povo sem pedir licença pra branco. A conta é essa, sem pedir nada pro branco, a gente pode tudo. Pedindo licença pro branco, não sobra nada pro povo preto além da morte, seja dos nossos corpos, seja das nossas mentes. Se esses brabos fizeram o que fizeram com os exemplos que tiveram, a gente precisa urgentemente se reeducar para sermos exemplos para as próximas gerações. Essas histórias não existiriam sem as referências de pretos autônomos que eles tiveram nas próprias famílias. Se a gente não tem essa referência na nossa família, nosso dever é ser essa referência. Se a gente tem, nosso dever é no mínimo fazer muito mais que esses exemplos. Essa responsabilidade é nossa. E pra fechar o papo aqui, se o preto que mata seu senhor mata sempre em legítima defesa, o preto que passa pano pro senhor é cúmplice do genocídio.
: Iza Oliveira
Onnurb X Yakô Aba Palavras-chave: Brabos Pprt
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Palavras-chave: Brabos Pretagogia
Mas aqui cabem algumas considerações muito importantes de serem feitas. A primeira delas é que a escravidão, por si mesma, já é um crime hediondo irreparável que jamais deveria ser praticado, defendido e legalizado. Mas foi um fato e quem aqui vivia estava submetido ao seu regime. Toda escravidão era criminosa e o próprio Luiz Gama reconhece isso quando declara: “O escravo que mata o senhor, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”. Não é muito diferente do que significam o sistema carcerário, o código penal, o judiciário e a polícia para os negros no Brasil hoje em dia. Tanto, que não podemos deixar de considerar que toda prisão de pretos no Brasil é criminosa assim como a escravidão. Pouco importam as leis, o que valem são os valores civilizatórios fundamentais que eram ostensivamente violados naquela época e hoje em dia. Afinal de contas, qualquer um que pesquise rapidamente sobre as condições inumanas de encarceramento no Brasil sabe que mesmo essa conversa fiada de “direitos humanos” é violada
Outra que o encarceramento dos nossos homens negros faz parte da agenda eugenista brasileira, de maneira que qualquer encarceramento de pessoas negras — com ou sem atos considerados ilegais — já é uma prisão ilegítima. Então, radicalizando a linha de pensamento, qualquer um que se aventure a seguir os passos de Luiz Gama hoje em dia estaria comprometido em desencarcerar não só presos “ilegalmente”, como qualquer pessoa negra encarcerada. Formar-se em direito, prestar prova para a OAB, cair dentro de alguma frente de defesa dos chamados direitos humanos para focar sua atuação em “observatórios” de ações policiais (seria voyeurismo de chacinas?) e protestos da esquerda, está desperdiçando tempo, energia e recursos legais para aqueles entre os nossos que mais precisam. A luta é inglória, mas a honra é futura.
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gora em junho, comemoramos o aniversário do brabo Luiz Gama, preto foda que advogou pela libertação do nosso povo de maneira auto-didata e autônoma. Sua história lembra bastante a de Malcolm X, pois ambos tinham desejo de se tornarem advogados, mas foram rejeitados pelo sistema branco. Mas a graça é o que vem depois. Eles foram fazer nota de repúdio e chorar vaga na casa grande? Jamais! Estudaram por conta própria, e sozinhos conseguiram encontrar as contradições do sistema jurídico racista, e advogaram pelo povo preto muito mais que qualquer bacharelzinho formado com vaga de cotas por aí.
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Mas, se hoje fosse vivo, por quem Luiz Gama legislaria? Quem seriam os “ilegalmente escravizados”, os casos perdidos, os desgraçados da sociedade que Luiz Gama defenderia? Não precisamos de muito esforço para sacar que hoje Luiz Gama advogaria pelos ilegalmente encarcerados no Brasil. Estamos falando de pessoas que estão presas sem terem cometido um crime em flagrante, ou cujas provas não são consistentes, cujo período de prisão preventiva expirou, cuja pena já acabou mas o juiz ainda não despachou a soltura e, principalmente, pretos que estão lá sem terem cometido crime algum. Todo advogado preto que reivindica pra si o legado de Luiz Gama deveria estar empenhado em tirar da cadeia aqueles que estão presos ilegalmente.
nas prisões brasileiras. Sendo assim, o desencarceramento dos homens da nossa comunidade, das mulheres negras que são tratadas como esses homens é a abolição do nosso tempo. De tal maneira que a gente pode parafrasear o Gama sem medo de ser feliz: “O encarcerado negro que mata seu carcereiro/juiz/policial, seja em que circunstância for, mata sempre em legítima defesa”.
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“O ESCRAVO QUE MATA O SENHOR, EM QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA, O FAZ
Iza Oliveira:
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uiz Gama trouxe essa reflexão importantíssima sobre essa condição do negro que dá um pano pra manga maneiro pra refletir. Pensa só, o tanto de vezes que por moralidade cristã mó galera preta sente pena dos brancos e condena os pretos por algum motivo? se foi porque violentou, roubou ou assassinou algum branco? Não é novidade que o sistema de punição do branc’o serve somente à ele, prevê punição para diversos crimes contra a vida. Mas na prática sabemos qual a vida que está sendo ceifada o tempo inteiro, a do preto, e de várias formas. Seja na rua, na cadeia, enfim. O contrário não é corriqueiro, então, devemos mesmo cobrar justiça branca pra problema preto? porra nenhuma!
Akinwunmi Bandele
Mermão, olha a ficha suja dos caras perante não só ao nosso povo, mas perante outros diversos povos pelo mundo afora. Se morrer a Europa inteira na nossa mão ainda seria pouco pra pagar os danos que eles fizeram conosco. Pensa só, nos milhões de casos esperando julgamento, acha que a maioria de nós espera julgamento em liberdade? Espera na cadeia, que pra muitos é preferível a morte.
Por isso a importância de criar uma nação, onde a gente possa resolver os nossos problema em comunidade dentro das políticas da comunidade e acabou, zero de interferência branca. Criaram um sistema para matar a gente de diversas formas, e nós precisamos criar um mecanismo de defesa e se resguardar de ataques contra nós. “Seja cortês, obedeça às leis, respeite a todos; mas se alguém colocar as mãos em você, mande para o inferno” — Malcolm X
Palavras-chave: Brabos
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“Aaaah, mas fulano é assassino, fez isso e aquilo”!
Luiz Gama não era nenhum revolucionário que matou diversos brancos e formou um Quilombo, mas, pra época e as condições que ele tinha de rábula (advogado sem diploma exercendo função), ele fez muita coisa, aproximadamente 217 escravizados foram tirados das garras do colonizador. Só que, não podemos usar esse exemplo para escurecer a escola de Direito branca com intuito de salvar todos os pretos da cadeia. A justiça é deles e o sistema já faz o trabalho de deixar os pretos desinformados já para barrar essa possibilidade, afinal, o racismo se renova o tempo inteiro e pretos fora da cadeia não é sinônimo de pretos livres se eles não vencerem a pior prisão que é a mental.
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EM LEGÍTIMA DEFESA”
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TRADUTORES TRAIDORES
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efletindo sobre as tentativas das marionetes de pele preta de pôr figuras como Malcolm X no bolso da esquerda, de introduzi-lo, de qualquer maneira, no seu portfólio, acabei indo parar em Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí. Fui até sua reflexão sobre os problemas da tradução em contexto de colonização. Numa passagem em que analisa as incompatibilidades entre teorias ocidentais e sujeitos Afrikanos, a mestra iorubana chama atenção para o papel da tradução (forçada) da língua Yorùbá, uma língua sem gênero, para o inglês, uma língua, bastante generizada – o que é um dos fundamentos culturais do ocidente. O gênero foi e é essencial à hegemonia cultural euroamericana e à infraestrutura supremacista branca.
Akínwálé Òkòtó
Termos como ọba, ọmọ, ọkọ, ìyàwó, ọmọyá, entre outros, não possuíam uma marca (anatômica) de gênero. E a tradução desses termos na reescrita da história iorubana, em termos de rei, filho,
marido, esposa, na língua estrangeira, foi fundamental para inscrever a história iorubana na ordem (no texto) supremacista ocidental, branca. A instituição do gênero - como maneira de ver e dispor corpos em hierarquias sociais - pela via da tradução, diz a mestra iorubana, é uma forma de patriarcalizar culturas e histórias Afrikanas. Essa tradução, com a introdução do gênero, foi uma forma de reescrever a história Afrikana, traindo seus termos, sequestrando os fundamentos culturais. Nessas passagens, a mestra iorubana está mirando, principalmente, os Afrikanos que, da academia, colaboraram para esse processo, ao não considerar essas “traições” (o termo é meu e não dela) feitas nesses processos de tradução. Daí porque o exercício de tradução é extremamente perigoso, precário, fantástico e, absolutamente, político. Eles sabem disso, desde os gregos, desde Aristóteles, com as distorções e sequestro que fez do legado do Antigo Egito.
: Iza Oliveira
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CROWTHERS, ALMEIDAS E MANÉIS
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Palavras-chave: Negrescagem
Numa série de patacoadas que desconsideram o contexto das falas de Malcolm e o cerco fechado que se monta sobre sua figura política, Manoel, um sujeito que não teria os meios de sobreviver à metade da descida ao inferno que fez Malcolm, se presta a infantilizar o pensamento de Malcolm X, como acadêmicos brancos fazem diariamente
É de uma falta de respeito com a memória de Malcolm, de Garvey, do panAfrikanismo; e, antes mesmo disso, é um desrespeito profundo à memória dos milhões de Afrikanos que mesmo em condição de sequestro, violências sem limites, destituídos de humanidade, não falharam em nos deixar um legado cultural, político, filosófico, econômico, comunitário, civilizacional, nos erros, nos acertos, articulações e linguagens acessíveis no seu tempo. O que Manoel e Sílvio estão fazendo é se prestar ao serviço de fechar o acesso a esse legado de autodeterminação e autonomia do Povo Preto e, assim, encaminhar o Povo Preto pela porta dos fundos das instituições supremacistas brancas. Fazem isso pela via da traição e do sequestro do legado político Preto. Este, na foto, é Samuel Crowther, iorubano, liberto da escravização pelos ingleses no início do século dezenove, convertido ao cristinianismo, quando, então, adotou um nome britânico de Samuel, abandonando seu nome iorubano Ajayi. Retornando da inglaterra ao continente Afrikano, na condição de bispo anglicano, Samuel foi o responsável por traduzir a bíblia para o Yorùbá e escrever as primeiras gramáticas Yorùbá e Igbo na língua inglesa. A cristianização dos povos Afrikanos, com o consequente abandono da tradição e memórias Afrikanas avançou bastante, com a colaboração de Samuel Crowther.
CAÇA PALAVRA S
“O QUE VOCÊ FAZ COM A SUA LIBERDADE?”
E
ncontre no caça palavras abaixo, as palavras destacadas no texto “O que você faz com a sua liberdade?” de Acácio Òkòtó, disponível nessa mesma edição. As palavras deste caça palavras estão escondidas na horizontal, vertical e diagonal, com palavras ao contrário.
Palavras: Autodeterminação, Dedicação, Interesse, Liberdade, Negro Livre,
Objetivo, Libertação, Propósito, Rábula, Servindo, Urgência.
: Dadá Adjoa
Dadá Adjoa Òkòtó Palavras-chave: Brabos
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A traição via tradução é uma forma de dar continuidade à colonização, com os pés e mãos de agentes pretos. Tratase de sovietizar culturas e histórias de matrizes culturais tão distantes. Daí segue a imposição de categorias de proletariado, classes trabalhadoras, burguesia, camponês, brecha camponesa, revolução, em um quadro referencial soviético, eurasiático, de modo a distorcer a interpretação da história dos povos pretos e vermelhos. O sequestro dos termos é um passo necessário para ditar a direção política cultural.
na academia. “Malcolm, quando morreu, estava a um passo de chegar ao Marxismoleninismo”, diz Jones. É como se dissesse, quase chegou à maturidade do pensamento político, mas morreu antes. Que pena. Jones também reserva a Malcolm o lugar de “revolucionário particularmente negro”, para, na sequência, afirmar, pretendendo arrastar Malcolm X junto, uma universalidade de marca ocidental, branca. É como dizer, o particular (inferior, curto, ensimesmado) é negro, o universal (superior, abrangente, humanista), o branco. Conhecemos essa fórmula racista e suas variações.
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Deixando de lado as traduções linguísticas para considerar as traduções de agendas e legados políticos, a reflexão da mestra ajuda a entender o sequestro do legado político autonomista Preto, que vem sendo feito por Silvio Almeida e Jones Manoel, sob encomenda das editoras do gado acanhado. A gente compreende como o pensamento de alguém como Malcolm X, construído em uma trajetória que passa por uma família comprometida com a agenda política pela autonomia Preta, família, essa, que foi destruída pelo supremacismo branco, passando pelas instituições pela inviabilidade do homem preto (conselho tutelar, judiciário, polícia, mercado de trabalho), pela sobrevida nas ruas, por instituições pretas autônomas, pela traição dos membros da NOI, como essa trajetória possa ser lida e reescrita de modo compatível com um programa tão distante como o da esquerda/direita. Como um gigante desse pode ser reduzido ao campo de visão de uma meia dúzia de autores europeus, que, sozinhos, mal são capazes de limpar a própria bunda.
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HORMÔNIOS, MENSTRUAÇÃO E EXERCÍCIOS FÍSICOS
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Kiluanji Raoni Òkòtó
Bom pesquisando na internet um pouco mais sobre os malefícios dos anticoncepcionais dentro de nossos organismos, vi que dentre muitos malefícios tem : Dor de cabeça e náuseas, alteração do fluxo menstrual, aumento do peso,
Agora trazendo isso para nossas mulheres pretas, sabemos que a indústria farmacêutica não está nem aí para nossa saúde né gente. Até porque a intenção do sistema Branco é nos esterilizar para que não possamos engravidar e aumentarmos nosso povo. Agora falando da menstruação e aquela cólica que nos perturba e nos deixa desanimada, sem vontade para sairmos da cama, passando mal literalmente a ponto de procurarmos ao médico em muitas das vezes nos levando a ingerir diversos químicos fármacos para parar a dor ou ao menos controlar para que possamos seguir com nossos afazeres diários, quando que na verdade podíamos apenas fazer aqueles cuidados que nossas avós nos ensinava, né? Coloca uma meia, não pegue friagem, não beba gelado entre outros. Mas porém temos uma receita super eficaz que nossos ancestrais já nos ensinavam e por toda essa alienação pela qual passamos , paramos de dar ouvidos e acabamos por sofrer à toa.
Com a grade de exercícios diários que temos, com a alimentação que temos, pode-se notar claramente a transformação que causa no nosso corpo nessa época. Bom abaixo vou colocar um breve relato de nossa amiga Roselaine que utilizou desses hormônios anticoncepcionais durante 15 anos de sua vida e após decidir parar ela vive completamente melhor e mais saudável sem essas químicas em seu organismo. Sobre viver sem hormônios…. “A minha vivência está sendo bem positiva quando penso em colocar o corpo pra jogo e viver sem Hormônios. Desde a primeira menarca (a primeira menstruação que me ocorreu aos 10 anos de idade), o contato com essa parada de renovação de ciclo era meio que tensa para mim. Dessa forma, as coisas foram se desenrolando até eu ter a idade que minha mãe julgava suficiente para me levar ao tal Ginecologista. De lá para cá foi só ladeira abaixo, não foi diferente do que eu já fazia antes de ir até o ginecologista, sai de lá com uma receita e com o medicamento para que eu pudesse não identificar as respostas do ciclo, daquilo que em tese nos renova para a vida da menstruação. Não era possível olhar para isso como um funcionamento que também pertencesse à natureza. Pensando melhor, os quatro principais elementos da nossa natureza, TERRA, ÁGUA, FOGO e AR, passam por ciclos desde de sua calmaria até aquele ápice onde manifestam e demonstram sua real potência, e tudo faz parte do que é natural.
Entrar em contato com o que é preto é cuidar do meu corpo para isso, o que me permitiu olhar para o ciclo e cuidar dele para estar junto da comunidade e somar, consequentemente nosso corpo tem que estar preparado, e essa preparação vem acontecendo por meio dos treinos do nosso kilûmbu, os treinos intensos e diários.
: Iza Oliveira
Depois de mais de 15 anos parei sim com os anticoncepcionais, com receio e insegurança, mais parei. O corpo se apresenta mais forte, as cólicas ficaram para traz, bem como toda aquela “tortura” que o ocidente nos planta/ aliena as ideias sobre essa parada aí. Estranhei a princípio, mas agora já estou acostumada a colocar o corpo para jogo, além de ajudar no preparo para bater, caso seja necessário, também me fez estar preparada para o ciclo com afeto e cuidado. É aquela parada, se a gente não tiver cuidado com o nosso corpo, quem dirá as indústrias farmacêuticas e os ginecologistas. Eles querem mais que a gente se encha de hormônios, que a gente odeie o ciclo menstrual, que a gente retire nossas trompas e nosso útero. Afinal, tudo isso garante a descontinuidade da nossa vida, ou seja, do nosso povo. Botar o corpo para jogo foi uma alternativa, uma espécie de tratamento que mudou tudo na minha vida.” Bom já deu pra perceber com esse relato de nossa amiga que os exercícios diários só venho a contribuir para a melhora e porque não ousar em dizer a cura de seu corpo, mas sabemos também que uma boa alimentação junto com os exercícios só vem a nos curar ainda mais rápido.
Palavras-chave: Elementares
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Desde muito novas aqui em São Paulo as meninas são submetidas a ingerir vários tipos de anticoncepcionais por diversos motivos, seja ele porque não tem a menstruação regulada, ou porque o fluxo é grande demais e precisa controlar, para controlar o crescimento de ovários policísticos e claro para não acontecer uma gestação antes da hora.
alteração do humor, diminuição da libido e o mais grave é o aumento do risco de trombose.(Esse vou até enfatizar aqui para que possam pegar bem a visão. A pílula anticoncepcional pode aumentar o risco de trombose venosa profunda quando a mulher apresenta outros fatores de risco cardiovascular como pressão alta, diabetes ou colesterol alto).
E é sobre a corporeidade que venho falar hoje em destaque neste texto.
Desde de cedo o ocidente não por acaso trabalha essa dissociação de todas as formas, seja nos tirando nossa autonomia sobre o nosso próprio corpo, seja de outras formas.
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uitas de nós mulheres ao sairmos da fase infantil e passarmos para a fase da adolescência já nos deparamos direto com a menstruação que vem anunciando que agora somos mulheres, ou seja, agora você já pode engravidar neh. E em muitas tribos as meninas se casam muito cedo, então a menstruação significa entre muitas outras coisas que elas já podem ser mães, mas não é especificamente sobre isso que venho falar hoje para nós mulheres. Hoje venho falar sobre hormônios que sabemos que fazem mal demais a nós mulheres, sobre a menstruação e a famosa cólica que nos aflige todos os meses e sobre os benefícios de se fazer exercícios físicos diários junto com uma boa alimentação podemos levar vidas normais mesmo nesses dias.
E o Òkótó vem nos ensinando a conhecer não só a espiritualidade, como a intelectualidade e a corporeidade.