Revista Òkòtó - Edição 23

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Revista EDIÇÃO

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21.JUL.2021

VERSÃO ESTENDIDA

Libertação Rompendo com as amarras do cristianismo


EQUIPE Editores

Kandimba Onirê Kumola Yakô Òkòtó Kianga Hwanjile Òkòtó Mata Rindo da Zumbiido Òkòtó Mayara Assunção

Diagramação e Projeto Gráfico

Lisimba Dafari

Textos

Acácio Okoto Ayana Anaya Òkòtó Bàbálóore Omowale Apokan Òkòtó . . Balogum Manu Yahya Òkòtó Crash Kemet Òkòtó Dessalín Ìdòwú Malúngu Òkòtó Éricles Ìjìlodò Fiu Carvalho Kafunji Mahin Alayê Òkòtó Kandimba Onirê Kumola Yakô Òkòtó Kianga Hwanjile Òkòtó Mayara Assunção Murilo Òkòtó Samuel Elias

Fotos

Arquivo Diego de los Campos Freepik

Freepik Izaias Oliveira Lisimba Dafari Vecteezy The Noun Project

M

ais uma edição da revista repleta de textos pra gente ler aí durante a semana e tem muita coisa boa nessa edição. O texto tema da semana é daqueles que o filho chora e a mãe não vê. O cristianismo foi o maior sistema de dominação, através dele, ensinam que não se deve reagir e que devemos esperar por alguém vir nos salvar, que não podemos agir por contra própria e essa ideia cristã vai totalmente contra o que falamos sobre autonomia. Por anos a igreja, pregando o cristianismo, vem amarrando nossos corpos e espírito, vendendo o que é afrikano como ruim e que apenas por meio do deus cristão seremos livres, quando na verdade, ao cair nessa, nos tornamos cada vez mais escravos. Não, a nossa salvação não vem pelo outro mas por nós mesmos, no nosso resgate pelo que é afrikano e

no nosso abandono às coisas que não pertencem a nossa espiritualidade. A igreja matou muitos dos nossos, e ainda assim quer pregar amor e perdão, mas amor e perdão só quando diz respeito a eles, porque o que a igreja deu aos nossos ancestrais foi sofrimento, angústia e dor, e agora tentam nos dizer que não podemos reagir à isso, que precisamos dar a outra face e perdoar. Balela né? Pois eles sabem que se o povo preto se revoltar contra eles, o bagulho vai ficar embaçado. Dito isto, que comecem os jogos e boa leitura porque tem muito texto bom, sobre espiritualidade afrikana, pretagogia, autonomia, entre outros… Só papo reto e certeiro. Boa leitura!

Kianga Òkòtó

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Ilustrações

CRISTO SALVADOR

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A ESPERA DO


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OONI ODÙDUWÀ

ITÃ É HISTÓRIA REVISTA ÒKÒTÓ

FERREIRO, FEITICEIRO

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Iza Oliveira :

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dùduwà o grande Ọọni do povo Yoruba se instalou onde hoje se chama Ilé-Ifè. Odùduwà foi tão grande que ganhou culto próprio. Progenitor de várias dinastias reais independentes da Yorubaland, foi capaz de derrotar forças opostas para se tornar rei, tornando assim uma única comunidade IléIfè. Teve vários títulos como Olofin Adimula, Olofin Aye e olufẹ mais o mais conhecido foi o de Odùduwà, pode ser traduzido como o princípio que criou a realidade física.

Ericles Ìjìlodò Palavras-chave: Itans

Algumas pessoas dizem que o grande Ọọni foi um emissário da cidade de Oke-Ora em direção ao povo de ìjèsà do Nordeste. Ele desceu das colinas em uma corrente, sendo conhecido como Oriki Atewonro (Aquele que desceu em uma corrente). Com sua comitiva, Odùduwà conquistou o apoio da maioria das 13 comunidades ali

perto de Ilé-Ifè e, juntos, depuseram o antigo rei que tinha o título de Obatalá. Posteriormente, o grande Ọọni evoluiu a estrutura do palácio com seu poder, centralizando a dinastia, criando uma comunidade forte e com base espiritual e política. Devido a isso ele é conhecido como o primeiro Ọọni de Ifè e progenitor dos reis legítimos do povo Yoruba. Houve uma dispersão de seus filhos e netos pelas terras que eles tinham influência para poderem estabelecer um controle efetivo sobre esses lugares. O grande rei Odùduwà foi vivo e se tornou uma divindade por seus feitos incríveis. O grande Ooni está ao lado de seus descendentes (Ọmọ-odua). Kabiesi oba mi.

pós Oduduwa criar o Ayê e Obatalá criar os seres que habitariam o Ayê, Olodumare determinou que cada orixá tivesse uma função e se ocupasse dela, mas tudo era feito com dificuldade, pois não existiam ferramentas que fossem adequadas para o trabalho que eles tinham pela frente. Arar a terra, preparar a terra para o plantio, limpar o campo, caçar, enfim, atividades do dia a dia que eram necessárias para que vivessem ali. Cada orixá tentava à sua maneira, fazer o que Olodumare determinou para cada um. Ogum só observava. Observou, se retirou e quando voltou trouxe consigo ferramentas de um material novo, material resistente e que não se quebrava com facilidade; o ferro. Ogun ensinou aos demais orixás como usar cada ferramenta e como otimizar seu trabalho. E aquilo foi maravilhoso! Ogun, extraia matéria da terra, manipulava, mudava aquela matéria e

usava aquela tecnologia para o benefício de todos. Ogum foi festejado! Estamos falando aqui de um marco, não só na história yorubá, mas também em todo o mundo; a idade do ferro... que possibilitou a expansão de muitos reinos na época. Com o passar do tempo e o aprimoramento do ferro, passou-se a utilizá-lo para além das ferramentas de uso doméstico e cotidiano, como adornos, jóias e armaduras. Ogum (Obá Euarê) é conhecido até hoje por ter, através dessa tecnologia, organizado militar, administrativa e economicamente o estado de Edô. Criou também importantes rituais, sendo conhecido também como grande feiticeiro, associando os ferreiros aos feitiços, trazendo grande respeito, admiração e também medo em torno destes homens que lidavam com o ferro. Acredita-se que o ritual de tocar o solo(rico em minério de ferro) e levar a mão ao Ori, surge em homenagem a Ogum.

Kafunji Mahin Alayê Òkòtó Palavras-chave: Itans

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OGUM


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PRECAUÇÃO!

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Todo primeiro dia do mês, ia a casa de Orunmilá consultar Ifá, e mantinha essa tradição herdada do pai, que herdara de seu avô e assim sucessivamente. E as notícias eram sempre bem-vindas. Acontece que neste mês, Orunmilá não tinha boas notícias; alguns homens daquele lugar, queriam sua morte, por pura inveja de sua propriedade. Era tanta inveja, que estes homens tinham até mesmo feito um trato com Iku(a morte), de que fosse buscar o albino daquele vilarejo. Mas Orunmilá ia lhe ajudar! Recomendou que no primeiro dia da próxima semana, ele e sua família se pintassem de pixe e aguardassem a visitam de Iku. Tão logo a semana passou, o homem fez como recomendado. E não demorou muito para Iku bater à sua porta, seguida dos homens que o queriam ver morto.

Palavras-chave: Itans Pretagogias

Iku, furiosa por não encontrar o tal homem de quem encomendaram a morte,

Mestre Moraes canta uma ladainha chamada Precaução: “Todo dia da semana você me vê ocupado Procurando me esconder Da vigília do soldado Da Língua do falador Do facão do enciumado Da tristeza do doente Do azar do excomungado Do olho grosso do invejoso De quem não venceu na vida Só porque foi preguiçoso Camaradinha, ...” .... E na vida tem desses aos montes! Gente que por não ter as tuas conquistas, quer a tua cabeça e até faz trato com a morte pra te vê de pés juntos! E precaução é aquele hábito diário de fechar o corpo!!! É a reza que se faz, é o ritual que se cria, é o ouvir a intuição, é pedir que alguém maior seja seu guia. Faladô vai ter aos montes, invejoso vai ter o dobro, mas quem acorde pra fazer o que tu faz pra buscar tua sorte...só vai ter você mesmo! Então, precaução! Contra branco, o dobro dela!

Palavras-chave: Itans

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Kafunji Mahin Alayê Òkòtó

Iku vendo o homem e a família totalmente pretos e sem entender nada, indagou: “Há algum albino nesta casa?”. E o homem lhe respondeu: “Somente eu e minha família”.

se voltou contra os homens que lhe fizeram ir até lá a toa. E pra não perder a viagem, levou consigo todos os homens que tinham encomendado a morte do homem albino. EDIÇÃO 23

avia um homem albino, que por onde passava, o que quer que ele fizesse, onde quer que ele tocasse, prosperava. Ele trabalhava muito e tudo o que tinha, dividia com as pessoas do seu vilarejo. Seu esforço o fez ter condições de dar uma boa condição de vida para sua família, e ele era feliz com o que tinha.


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CANÇÃO PARA ACORDAR Iza Oliveira:

“Tava durumindo cangoma me chamou Disse: levante povo, Cativeiro já acabou”. — Clementina de Jesus

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ideia que se popularizou dessa música é a de uma cangoma — festejo de tambores — celebrando a abolição, mas isso pode ser uma interpretação errada de branco.

Fiu Carvalho

Muito além de ser um elemento de musicalização, o tambor tem um importante papel na comunicação e principalmente assume papel essencial nos rituais africanos. Assim como na diáspora do

Podemos, e devemos, entender “Cangoma me Chamou” como uma convocação: Estava dormindo, preso ao mundo de sonho, de ilusões, que me tirava a consciência e minava minha energia, mas os tambores e as forças que ele invoca me trouxeram de volta e junto com meu povo. Decidi pôr fim ao sequestro. O samba se popularizou como uma celebração a alforria que os brancos dizem nos ter dado, mas nunca é tarde pra mudar o prumo.

Palavras-chave: Brabos Samba

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O samba se tornou popular na voz inconfundível de Clementina de Jesus, e fez parte de uma coletânea de antigas cantigas de trabalho — os vissungos — dos africanos escravizados. Músicas que carregam mensagens muitas vezes em código.

norte das américas, e os “spiritual”, nossos antepassados aqui no sul do continente se valiam da música para manter seus costumes, rituais e histórias. Se tratando de um resgate de canções, por que então celebrariam a libertação e não chamariam para a (re)conquista da liberdade?


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OS MISTÉRIOS DA TECNOLOGIA EM KEMET

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povo preto, sempre se destacou por está envolvido em diversas tecnologia de ponta, e em Kemet, não poderia, e não foi diferente, a simplicidade na qual conseguimos entrosar com a natureza, diz muito sobre um povo.

A linda, e maravilhosa pirâmide de Gizé, que foi encomendada pelo faraó Quéops, que reinou por volta de 2551 a 2528, foi o segundo faraó da quarta dinastia, sendo que houve 30 dinastias. A tecnologia era tanta, que os outros povos queriam tomar, e desfrutar também dessa tecnologia que era, e é, inenarrável, os dados da pirâmide de Gizé são absurdos, esse monumento de 137 metros de altura, contou com a ajuda de 100 mil homens pretos, ao longo de 20 anos.

: Freepik

Crash Kemet Òkòtó

Palavras-chave: Kmt

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Em Kemet, podemos observar um pouco dessa estrutura, dessa matéria que foi organizada, e chamamos de tecnologia. Através de Baalbek, no Líbano, podemos notar a tal tecnologia kemética/ africana sendo usurpadas por, romanos,

Esses monumentos são muito antigos, são de 10.900, quando o sistema solar transitava no signo de leão, fato esse, que está registrado em todos os livros “sagrados” do mundo. Mas a questão é, como locomover com precisão esses objetos de 1.200 tonelada em 10.900. no Egito, como é chamado hoje, esse país, que fica no norte do continente africano, também tem diverso exemplos dessa tecnologia, pirâmides perfeitamente

alinhadas, de diversas formas, e tamanhos espalhados pelo mundo. no Sudão, também, um país africano ao norte do continente, se encontra o maior número de pirâmides, construídas através da tecnologia africana.

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O homem preto, ao se alinhar com a natureza, começa a entender que uma catástrofe natural, nada mais é que o

mundo/planeta, um corpo celeste se organizando para uma nova mudança. O planeta estremeceu, os céus derreteram, e as águas arrebentaram os continentes.

gregos, e sírios. Tecnologia essa, que podemos movimentar com precisão, megálitos, e monólitos. Mas o que são? Megálitos, ou monólitos, são pedras enormes/gigantes ultra pesadas que chegam a pesar 1.200 tonelada e medir 25 metros de comprimento, 8 de largura, e 5 metros de altura.


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Diego de los Campos :

Q

uando você está com fome, até lixo é comida. Aceitamos qualquer coisa pra preencher o vazio. O desespero da fome nos tira a percepção do que é, e do que não é alimento. E quando você está na mão do outro é pior ainda não é mesmo? A nossa fome vai além do alimento em si, a falta de uma cultura apropriada é o que nos tira o entendimento da importância da alimentação. E, essa é a fome mais doída, que um povo pode ter.

Ayana Okô Anaya Òkòtó

A nossa cultura é como uma bússola espiritual para o discernimento do que te preenche ou não. E essa fome também é cultural. A partir do momento que, entendemos que precisamos ser alimentados com coisas apropriadas, a fome começará a passar. E a displicência desse mal preenchimento desencadeia problemas futuros pra toda a comunidade.

Já ouviu o ditado: Você é oque você come. Pois bem. A gente não se atenta nisso e vai botando pra dentro tudo que nos é oferecido no desespero de preencher o vazio que o distanciamento da nossa cultura deixou. E acabamos doentes e dispersos como mortos vivos, porque essa forma de alimentação que temos hoje é pautada sempre em morte, dor e sofrimento. Você tem fome de quê? Quando o corpo sente fome, a gente precisa saber oque ele precisa antes e botar qualquer coisa pra dentro, só pra ter resultados imediatistas. Principalmente se for oferecido pelo seu inimigo, pois como bem sabemos, não será coisa boa. Mas quando você está pautado pela sua cultura, você saberá do que se alimentar, quando se alimentar e porque se alimentar. E isso te garantirá vida plena

Palavras-chave: Pretagogia

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Como eu e Cristal, falamos na live de domingo que acontece ao 12:00 no Bota o corpo pra jogo, sobre o Ajeum dos orixás, a alimentação deve ser feita com alimentos que pra além do seu peso nutricional e preventiva, precisa vir com o axé, porque se alimentar não é somente encher a barriga, é sobre preencher o espírito e repor sua energia vital. A energia natural. Energia apropriada.

Tudo oque realizamos durante a vida deve ser pensando como uma forma de alimentação, e se você não faz um boa refeição o corpo não consegue segurar o reggae e começa a pifar.

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TÁ COM FOME DO QUÊ


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“VALORES INVERTIDOS” REVISTA ÒKÒTÓ

nossa segurança, saúde, alimentação, terras e economia de forma autônoma, é importante saber que será necessário se organizar e fazer um planejamento para que as coisas aconteçam na direção da realização desses objetivos, e pensar:

Tendo em vista que esse conjunto de valores tem base no cristianismo, catolicismo e como sabemos que essas religiões brancas foram pensadas para aprisionar e amansar pessoas Pretas.

Com quem eu tenho que fechar?

Samuel Elias

É importante termos ciência de que, a partir do momento que a gente se dispõe a ajudar a criar nossos meios de ensino, pesquisas, nosso governo,

O que eu preciso fazer pra conseguir realizar esses objetivos?; Quantas “regras” eu vou ter que quebrar?; Quais valores eu vou ter que substituir na minha vida pra que eles não me sabotem? Um conjunto de escolhas que serão feitas todos os dias e que se esses valores brancos não forem deixados para trás um a um até que todos tenham sido substituídos, não terá como dar continuidade ao processo de emancipação e autonomia enquanto Povo Preto, e quem fala que é possível ter autonomia com a ajuda de branco tá mentindo descaradamente. Pra ter autonomia e libertação vai ser preciso fazer o caminho inverso desses valores, onde: o “certo” se torna errado, o “bom” se torna ruim, a “verdade” se torna mentira e por aí vai...

Palavras-chave: Pretagogia

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Eles atendem muito bem a uma mentalidade pacífica, submissa, dependente pois, uma mente que acredita em pagar a violência e abusos sofridos por nossos ancestrais com amor e oração, que o certo é desejar o bem pra quem nos rouba e suga até o bagaço, é tudo que eles precisam pra continuar a nos phoder e ter a garantia de que não terão nenhuma consequência, tendo em vista que a mentalidade do Povo subjugado é entregar tudo nas mãos de “deus”.

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os ensinam esses conceitos na infância com a intenção de que eles nos guiem na vida adulta, como um norte, uma balança que vai pesar e muitas vezes limitar nossas intenções, ações e realizações de acordo com o grupo de valores que seguimos, é de lá que vai surgir o motivo para fazer e realizar.


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“Só porque você tapou os olhos com a mão, não significa que o sol se foi”

A

DIREITOS CIVI S OU

DIREITOS DO CONSUMIDOR?

Kianga Hwanjile Òkòtó

Fiz um texto dia desses falando como o contato com o mundo branco nos deixa burros, lembro que quando eu tinha uns 13/14 anos, não lembro direito a idade não, eu tinha um notebook em casa, então eu criei uma empresa fictícia, e eu lembrei de qual era meu sonho e objetivo naquela época. Meu sonho era construir uma empresa, e meus irmãos iriam trabalhar nela e eu ia dar uma casa pra minha mãe para ela sair do aluguel. Acho que ninguém sabe disso, pois era uma coisa bem particular minha. Eu pegava o powerpoint, inclusive aprendi a futucar o powerpoint por isso, fazia várias apresentações, se não me falha a memória minha empresa se chamava AG estúdios, e a gente fornecia estúdio para gravação de novelas (risos) eu sempre fui fissurada em ver novela né? Aí uni o útil ao agradável. Eu lá, fazendo várias reuniões fictícias comigo mesmo. Nessa época eu também falava que meus filhos iriam ser

O lance é sacar que isso são padrões de vida completamente desconectados do que é o modo afrikano de ser, isso são padrões totalmente brancos, então se a gente é preto e desprezado, como que isso ia servir para a gente? Tentar alcançar um lugar que na real nunca foi pra você. Amos Wilson nesse documentário, fala sobre como o movimento dos direitos civis para alguns era como se fosse uma forma de dissociação do que é preto, uma forma de esquizofrenia que nos tiraria da nossa realidade de sermos pretos, como se ao alcançarmos o direito de “sermos como eles”, eles não nos veriam mais como pretos e não existiria essa diferenciação, ledo engano. O que aconteceu foi, ao se alcançar o direito de ser o que quiser (narrador do Chris grita: BRANCO), começamos a gastar o dinheiro que era pra ser colocado nas comunidades pretas com brancos, tá ligado? O direito de gastar, comprar, usar, andar em lugares brancos, que na verdade só fez mais mal que bem à população negra. Os pretos norte-americanos conquistaram o tão sonhado direito mas isso não diminuiu o sofrimento do nosso povo, ele até diz que a opressão aumentou, pois agora estamos andando com os lobos né. “Olha gente conquistei o direito de morar nesse bairro branko e sofrer racismo aqui,

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Iza Oliveira :

Numa das aulas de economia foi colocado em questão nosso desejo de sermos parecidos com os brancos, no sentido de que, muitas vezes, é só nossa renda aumentar que já queremos comprar roupas de marca, ir morar no centro, ou em zona sul, tirar mó onda de playboy e com isso nosso dinheiro acaba sendo gasto com mais facilidade, e pior ainda, estamos colocando nosso suado dinheirinho em negócios brancos.

Mas o louco é que eu não sei exatamente quando, os meus sonhos e desejos foram mudando, meu sonho ficou cada vez mais individual, baseado somente no meu crescimento, e não em também dar condições aos meus. Se antes eu queria abrir minha empresa, depois fui querendo quem sabe trabalhar numa grande empresa e tal tal tal, achando que aquilo seria o ápice do sucesso pra mim, ser reconhecida e valorizada numa área. E assim foi.

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mos Wilson cita essa frase no documentário Black Identity Crisis. Pois bem, vou trazer um ponto muito interessante desse documentário, que é quando ele faz uma crítica ao movimento dos direitos civis. Aliás, esse documentário é muito rico, teria que fazer uns 5 textos diferentes pra dar conta de tudo.

educados em casa pois a gente estaria sempre viajando.


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colocar minhas crianças para passar por esse tipo de situação, veja como sou feliz” Certamente eles pensavam que esse tipo de atitude os colocaria em liberdade, para eles liberdade representava isso. “Como assim eu não posso gastar meu dinheiro nessa loja de branquelos? EUA, faça alguma coisa AGORA.” Como se para ser livres, eles precisavam ser como o opressor e se dissociar cada vez mais do que é ser preto. Esse pensamento leva à autodestruição da nossa comunidade e de nós mesmos. Tudo isso pela satisfação de dizer “eu faço isso porque é meu direito enquanto cidadão dos EUA”. REVISTA ÒKÒTÓ

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Pra minha sorte eu tive contato com uma organização, na qual hoje faço parte, que veio me mostrar que na verdade meu eu criança estava certo em querer tudo aquilo, ser dona do próprio negócio e dar condições aos meus era o propósito que eu deveria ter mantido, e tô tendo a oportunidade de buscar romper com tudo isso, e progredir ao invés de regredir. Acabamos muitas vezes por nos tornar indivíduos desconectados da nossa comunidade e realidade e com uma falsa sensação de liberdade individual, nas palavras de Amos Wilson: “Quanto mais forçarmos a barra com nossa liberdade pessoal e individual, mais seremos submetidos à dominação e a opressão dos outros como grupo. Não há liberdade individual, enquanto povo preto, se não houver liberdade do grupo.” O papo foi dado há quase 30 anos atrás, meus amigos, abraça quem quer.

s t r a p o t o m o a far faraomoto 1 1 7 8 2 2 9 4 11 9 m o c . l i a m g @ l a i c i f o s o t o m . o a far 21.JUL.21

Palavras-chave: Negrescagem Pretagogias

Até hoje fazemos isso, até hoje, mesmo aqui no Brasil, fazemos isso, quantos os nossos que sonham em sair da comunidade em que vivem e ir morar em área de boy para viver como branco, aí eu volto lá na frase que comecei esse texto, você vai deixar de ser preto se enfiando em local de branco? A sua luta em se dissociar de tudo que é preto vai fazer você não sofrer racismo? Será que só porque você acha que agora não é tão preto assim por morar em uma outra localidade com gente branca, eles não vão enxergar sua cor? Sinto informar, mas não, pois não basta tapar o sol né queridos. A opressão não acaba com seu “direito de morar onde quiser”, na verdade isso só vai trazer outro tipo de problema para você, como ser confundido com bandido ou babá. E consequentemente

Bom, a Kianga de anos atrás deve tá olhando pra mim e pensando: “o que rolou com você? A gente tinha tudo pra dar certo.” E eu sei que só não deu certo porque esse contato com o mundo branco me emburreceu. Como uma criança que fazia reunião, montava powerpoint, pulou um ano de escola, porque era avançada pra idade, de repente virou uma pessoa tímida, medrosa, que duvida de si mesmo e treme até pra fazer live? Pois é, isso que o mundo branco faz com a gente, ficamos tentando nos ajustar, nos encaixar, compramos uma ideia de sucesso completamente distorcida da nossa realidade e absolutamente pautada no individualismo e acabamos nos perdendo, ficamos com auto estima baixa, depressão, enfim vários rolês.

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Quanto mais desagregados as pessoas estavam, mais eles estavam engajados no desinvestimento da comunidade preta, pois o acesso à esses direitos deu poder para que a comunidade branca conseguisse acesso ao dinheiro e recursos da comunidade negra. Na verdade os direitos civis foram praticamente um direito dos consumidores, direito de consumir, direito de ocupar, como se isso fosse trazer algum benefício de fato à população preta, tudo em prol de uma pseudo-liberdade.

o dinheiro que tu poderia estar investindo na sua quebrada, tu tá entregando de bandeja para aqueles que mais querem te ver morto.


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QUEBRANDO AS CORRENTES

“Constantino I, o imperador romano… tornou a crença cristã legal no começo do sistema de supremacia branca, e tinha as seguintes palavras inscritas na cruz: “In Hoc Signo, Vinces” (que significa: “sob este símbolo, conquistará”)... Atualmente, a maior parte dos membros das igrejas cristãs é não-branca, e todas estão sob controle do símbolo da cruz.”

provam como religiões alienígenas não necessariamente matam a espiritualidade dos afrikanos, mas que eles mesmos foram vítimas de conspirações para assassinar sua espiritualidade tão forte, independente de sua religião atestada. O filtro para espiritualidade do branco é um dos maiores determinantes pra qual preto vai viver como escravo e qual preto vai morrer sendo odiado.

— Frances Cress Welsing. The Isis Papers

O primeiro ensinamento que o cristianismo bota na nossa cabeça é a ideia do Cristo, do Mártir, daquele que sofre por todos para a situação melhorar para todos. Uma grande mentira. A primeira coisa que a Cruz representa é que pessoas vão continuar sendo mortas em nome de Deus. Essa ideia de “tirar um pra cristo” é a base do genocídio. Sempre haverá mais um cristo. A igreja e o sistema branco não existem sem matar gente preta. O outro lado desse papo de Cristo é a normalização do sofrimento. Se até cristo morreu, a gente pode morrer, nossa vida não tem muito valor. Pro branco, esse segundo lado nem bate tanto, já que não são homens brancos que estão no topo das estatísticas do genocídio. Esse bate mais nos pretos, que se conformam em ver seus irmãos mortos, ou então de deixar que eles morram. Não se importar também é uma forma de matar. Quem morre mais, é sempre quem tem menos importância e menos valor. É quem pode ser deixado de lado.

O

Kandimba Onirê Kumola Yakô Òkòtó

Como disse Malcolm X: “Apenas um tolo deixaria seu inimigo educar suas crianças”. Por quê? Se o branco mata o preto, mata a cultura preta, o que ele vai ensinar para nossas crianças? Justamente o comportamento para ser aceito entre os brancos, que é o de entregar a cabeça da comunidade preta como prova de sua colonização bem feita. Se a gente entende que está numa guerra cultural, e que a espiritualidade é a chave para nos libertarmos do branco, a gente pode dizer com certeza que quem tá seguindo a espiritualidade do branco tá tentando matar a nossa. Já citamos várias vezes o exemplo de Garvey e Malcolm, que

O segundo ensinamento que fode nossa comunidade é a ideia do perdão. A pessoa faz merda a vida toda, ajoelha, finge que se arrependeu e vai ser salva. Essa relação

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Lisimba Dafari :

s ideais do Cristianismo foram enfiados tão fundo na gente que, mesmo dizendo que não segue os ensinamentos cristãos, a gente ainda se pega agindo igual os cristãos em um monte de hora da nossa vida. Quanto mais uma pessoa se comporta pela moral cristã, mais colonizada, e mais útil pros brancos ela vai ser.

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DO CRI STIANI SMO


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O terceiro ensinamento que eles usam pra nos dominar é a ideia da salvação. Mano, essa é a maior trava de espiritualidade. A maioria das pessoas vive esperando milagres. Um emprego X, uma oportunidade Y, uma loteria Z, uma iluminação do céu que resolva seus problemas. E porquê? Pra não precisar fazer nada. É simples, quem tá esperando alguma coisa acontecer, não se move sozinho. Quem não entende a importância da nossa responsabilidade, só terceiriza e reclama de tudo dando errado. O pior dessa ideia de salvação é que ela representa o auge do individualismo… Quem quer ser salvo, também se vê como salvador. Agora imagina, uma sociedade toda esperando ser salva, e acreditando que só eles estão certos e podem salvar os outros… Uma sociedade toda se vendo como os merecedores da salvação divina enquanto espera outra divindade vir provar pra eles…

Essa reflexão aqui é pra gente começar a entender que, mesmo os ateus, as feministas, os estudiosos acadêmicos, os militantes mais fervorosos, todos foram ensinados a se comportar como cristãos, e assim contribuir com nosso genocídio. Às vezes a esquerda mais radical e anti-cristã vai ter mais ensinamento cristão que uma igreja evangélica. Às vezes o revolucionário mais ardente vai se encarar dentro da lógica do salvador. O que as pessoas dizem que são, nada dizem sobre quem elas realmente são. Precisamos aprender a ver com os olhos da espiritualidade, ouvir com os ouvidos dos nossos ancestrais, e valorizar apenas quem FAZ antes de falar. Se não, não podemos reclamar que nossos grandes líderes foram mortos e perseguidos com ajuda de negrescos com essa colonização instalada na mente. É responsabilidade nossa buscar reativar nossa espiritualidade e caminhar nos ensinamentos da nossa cultura, dos nossos mais velhos, da nossa comunidade.

Ninguém vai se importar com ninguém.

21 98484- 2272

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Todos os problemas que aparecerem dessa desorganização vão ser “deus que quis, orixá que mandou, signo que influenciou”, todos os problemas ficarão sem resolução por que ninguém pode levantar a bunda pra resolver. Eu, o alecrim dourado que vai ser salvo? Eu não. Deus vai resolver. É um ciclo de alienação que destrói tudo que toca. E essa mentalidade tá muito presente na esquerda, no feminismo, em todas as estruturas brancas. Todas as responsabilidades são terceirizadas, mas todos estão certos, trazendo a verdade e a salvação. Todos têm o segredo da salvação, mas ninguém se salva porque não é a hora que Deus, ou o governo, ou você mesmo querem. Todo mundo quer ter razão, ninguém quer entender o problema. Quem entende o problema e age pra buscar uma solução, rapidinho vira Cristo.

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Palavras-chave: Espiritualidade Negrescagem

de displicência com as próprias ações é o resumo da vida do branco. Faz o que quer, quando quer, atrapalha todo mundo, compra briga com quem não aceita que ele seja folgado, e mata quem não aceitar suas regras. Depois diz “estou tentando melhorar, ser um bom cristão”. E isso também só pega os pretos. Vai pisar no calo de um cristão classe média branco pra ver se ele te perdoa… Eles são os que mais levam pro pessoal e se emocionam para fazer guerras sem sentido, apenas para defender suas zonas de conforto, A gente que tem que perdoar quem tá sendo inconsequente e deixando o mundo pior pros pretos. A conta ainda é sobre importância e valorização. As vontades e os vícios dos brancos também valem mais que nossa vida. A gente pode morrer pra eles continuarem errando.


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NOTA DE REPÚDIO

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do Butantã . Sendo que, o jovem negro, sofria com o bullying dos colegas e do racismo institucional, no seu dia a dia...

“Nota” para aquelas situações óbvias, que “nota” nenhuma vai resolver, mas a gente quer florear, deixar escrito e aí faz a bendita “nota” acompanhada de evento (que no final não dá em nada).

Devido a isso, nota-se a importância sobre o debate da saúde mental na universidade...”. O Aluno sofria “bullying dos colegas e do racismo institucional... devido a isso, nota-se a importância sobre o debate da saúde mental”. Mas afinal, o QUE É SOFRER BULLYING DO RACISMO INSTITUCIONAL?

REVISTA ÒKÒTÓ

É um grupo que escreve uma nota para cobrar as pessoas de alguma coisa. Sempre tercerizado. Sempre em nome de alguém. Nunca se pontua quem. Eu já presenciei na Federal até uma “nota” contra casos de machismo e assédio, que acabava num evento onde as pessoas iam “abraçar” o prédio da uni. Vai dar certo sim, por que não? Contra o Assédio de um aluno do curso X, vamos juntxs, mostrar a união feminina e abraçar o prédio principal blá blá blá... Se sabemos o aluno, o curso e presenciamos o que aconteceu é claro que é mais eficaz soltar uma nota e montar um evento pra abraçar o prédio, contra o Assédio (contém ironia)... A gente aprendeu isso (essa mania feia de notinha e evento sem dar nome aos bois) com vocês sabem quem... É um tal de não resolve, mas vamos fingir que vai resolver, até o próximo caso aconteça.

Palavras-chave: Pretagogia

“Na última terça-feira(25), o estudante da Geografia da USP, Ricardo Lima, se suicidou no bloco estudantil onde residia no Campus

Só pela qualidade fajuta da nota, sabemos que ele sofria RACISMO dos “brancos leite com pêra” da gigante do Butantã e que claro, todo mundo achava graça, mas aí o cara morreu e surge o movimento estudantil salvador pra lutar em nome do cara, até o próximo fds é claro, pq aí surge coisa mais importante e pauta fresca pra uma nova “nota”. Se o cara SOFRIA RACISMO (bullying não é racismo), o que precisa discutir é o RACISMO que esses alunos da USP praticam diariamente e ficam se fingindo de besta depois. Nota de Movimento estudantil nenhum dá certo pra aluno Preto. Aliás, aluno Preto não é nem bem vindo em movimento estudantil. Enquanto a gente não se ligar aos mecanismos brancos que fazem a gente de “Boi de Piranha” dentro das grandes universidades públicas deste país (alô movimento estudantil, inclusive), a gente vai continuar comemorando quando entra em busca de um diploma e sua família chorando quando você morre sem ele.

M

inha já me dizia tantas coisas que quanto mais o tempo passa mais tento lembrar do passado para aprender coisas que a idade mais jovem não teve a atenção para reter. Hoje em dia cato uma coisa ou outra falada com intenção, mas sem muita atenção. “Se eu marquei tal hora com fulano eu vo ta tal hora lá” — “seu pai me ensinou a falar o que me foi perguntado, sem voltas, ser direto”. Geral que chega chegando próximo ao Kilûmbu Òkòtó e a pretagogia da casa depois de anos de processo de embranquecimento pode ficar chocado com certas formas de se lidar com a vida, não um choque de desconhecimento, mas por já estar a tanto tempo se comportando de uma forma que nem se lembrava mais como é se comportar de maneira africana. E por isso que falei da minha mãe e do que ela já me ensinou, antes de pretagogia, antes e durante qualquer tipo de atravessamento branco em minha vida, dentro de casa, meus familiares já me ensinaram bastante coisa do que é ser africano. E com certeza ensinaram muitos de vocês aí. A gente acha que é coisa de velho e olha isso com maus olhos ainda quando mais jovem, e é coisa de velho sim e que bom que é coisa de velho! Que bom que buscar ser uma pessoa compromissada com os horários, com

as responsas é coisa de velho, que bom que fazer as coisas sempre com intenção, nunca sem objetivo, é coisa de velho, que bom que sinceridade antes de tudo consigo para que aí você seja com outros é coisa de velho. O que é velho para nosso povo hoje aqui na diáspora na verdade é bem novo, já que a maior parte dos anos nós e muitos de nossos pais aprendemos o novo do branco… O que é ancestral para nós novos nesse mundo é bastante novo também. Quanto mais o tempo passa mais distante a gente fica daqueles que lá no continente ensinaram muitos dos que foram sequestrados pra cá e ensinaram década após década aos seus descendentes, que chegaram até nós já bastante fragmentados. Há de se ter um cuidado com o aprendizado, o que já foi passado principalmente, pois é papo da gente estar num ponto onde muita coisa já ficou pra trás e nunca vai voltar, o que se tem hoje do passado é de responsabilidade de geral fazer por onde pra manter a memória viva. Outra coisa também é o cuidado pra que você construa memórias e aprendizados africanos, não só de passado vive o homem… e se temos bastante do nosso passado roubado, apagado, deturpado… cabe a nós criar.

Acácio Òkòtó Palavras-chave: Mais velhos Pretagogia

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Mayara Assunção

Mas voltando ao assunto, eu me deparei com essa e algumas outras “notas” sobre a morte de um aluno da USP:

Quem é esse racismo institucional gente? Ele mora onde, veste o que, come no bandejão?

MAMÃE MANDOU

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a Universidade pública a gente aprende esse hábito horroroso de se juntar em grupo e soltar “nota” pra tudo.


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REVISTA ÒKÒTÓ

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ACORDEI

SORRINDO PRA ELA* Iza Oliveira :

N

essa última semana, sonhei com minha avó Alice. Um sonho muito vivo e muito bom!

Bàbálóore Omowale Apókan . .

A gente tava aqui em casa. Na casa de Ọṣun e Ọ̀ṣọ́ọ̀ṣi. Era uma atmosfera de saudade que se matava, sabe? Uma

Texto publicado originalmente na página Ilé Ọṣun ati Ọ̀ṣọ́ọ̀ṣi: Um legado familiar. *

Que felicidade em sentir o ancestral tão perto e tão presente no meu cotidiano. Nas pequenas e nas grandes coisas. Sentei entre suas pernas. Eu usava tranças, ela acariciava meu Orí e sorria pra mim. Acordei sorrindo… sorrindo pra ela. Bença, vó!

Palavras-chave: Espiritualidade

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No sonho, uma atmosfera de que ela tinha voltado de longe ou de muito tempo. Eu disse “ou” porque, se ela tinha voltado do Ọrùn, não tava longe. E se ela estava longe, o tempo, numa concepção cosmológica Yorùbá, algumas décadas são um piscar de olhos.

sensação tão boa… Ela vestia uma saia de azul bem clarinho. O azul de Ọ̀ṣọ́ọ̀ṣi. Mas seja lá em que dimensão fosse (tempo ou espaço), ela estava de volta. No entanto, isso realmente pouco importa porque, na verdade, ela nunca se foi. Nunca nos deixou.


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Iza Oliveira:

ATÉ MENDIGO BRANCO REVISTA ÒKÒTÓ

Como assim, meu parceiro? Vou explicar. Há uns 2, 3 anos atrás eu e dois colegas estávamos no ponto de ônibus com nossos berimbaus e surgiu um mendigo branco do nosso lado. Ele olhou pra gente e falou algo do tipo: “Vocês sabem fazer o golpe [nome do golpe]???”. Isso altão e olhando serin pra gente. Nós meio que ignoramos e só respondemos que não. Aí ele lançou um: “Ah, vocês são capoeira nada!”. E meteu o pé. Aí um dos colegas que tava comigo falou tipo: “porra, mlk. Até mendigo branco é fdp. Tu não vê mendigo preto fazendo essas parada”. Aquilo dali me deu um estalo. Mendigo preto geralmente é suavão. Vê a gente com berimbau e cumprimenta, sorri. A maioria fica namoral e mesmo quando algum fica de marola, se a gente fala namoral, eles respeitam.

Balogum Manu Yahya Òkòtó

Desde que o mano fez essa reflexão e eu comecei a perceber essas paradas. E aí eu lembrei de uma parada que rolou comigo há uns 5 anos.

Mais recentemente tava eu e um amigo também preto numa estação de trem. Um mendigo branco veio pedir dinheiro pra gente. Enquanto ele falava surgiu outro mendigo branco pedindo dinheiro pra ele achando que ele tava dando dinheiro pra gente hahahahaha. Se tu ainda não percebeu essa parada, começa a perceber. Até o branco mais fudido dentro do sistema branco se vê no direito de meter bronca pra cima de nós. Já parou pra pensar nisso? Lembram quando o vice presidente da Versace (grife de moda) foi abordado pela polícia? A situação não foi essa, mas imagina aqui. Um MENDIGO branco poderia chegar num policial, apontar pro vice presidente preto de uma empresa BILIONÁRIA, falar que ele roubou algo. E o policial iria abordar o cara por causa disso. Pegou a visão? É sobre raça, caralho. Nunca foi sobre classe. Você precisa do que mais pra entender?

Palavras-chave: Pprt

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Mendigo branco não. Eles são inconvenientes pra caralho.

Eu tava atrasado pra um compromisso e comecei a correr. Um mendigo branco gritou: “pega ladrão!”. Algumas pessoas olharam pra mim e eu parei de correr com medo de me lincharem ou coisa parecida. Olha essa pica mané

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É FDP

U

ma parada que serve muito como indicador de que o grande problema que nós pretos enfrentamos no mundo é racial e não social é o comportamento de mendigos brancos.


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NA VERDADE, ELIJAH NEM ERA TÃO MUHAMMAD ASSIM: UM PONTO SOBRE ELIJAH MUHAMMAD

Dessalín Ìdòwú Malûngu Òkótó

A ÚNICA COISA QUE ELLIJAH MUHAMMAD TEVE DE CONTRIBUIÇÃO AO MALCOLM X, FOI TER LHE DADO UMA CERTA INSTRUÇÃO RACIAL. MAS A INTELIGÊNCIA POLÍTICA DE MALCOLM, ESSA ELE APRENDEU COM A VIDA. NINGUÉM PASSA PELA RUA, PELA CRIMINALIDADE E, MESMO QUE TENHA SIDO PRESO, VAI PRO INFERNO E VOLTA E SE REORIENTA A NUMA ORGANIZAÇÃO QUE VAI LHE OFERECER UM PROPÓSITO PARA A SUA FÚRIA COM O MUNDO SEM TER UMA SENSIBILIDADE E INTELIGÊNCIA POLÍTICA AGUÇADÍSSIMA.

Verdade seja dita, a NOI sempre buscou poder religioso para si, e não poder político para o povo negro. Daí voltamos à mesma questão: qual a diferença disso para o que a Universal e a Igreja fazem? “Ainnn, mas a NOI resgatou muitos homens negros da prisão e mulheres da prostituição e miséria” “Resgate da marginalidade” qualquer igreja ou ong não faz também? No fim, senhoras

Tão logo Malcolm sacrificou o poder religioso para fazer valer o poder racial, como bem disse o Taiwo Maicol na live da Negus Rei de do dia 19 de maio, ele rodou na mão do Elijah. O poder racial é uma antinomia do poder religioso no meio da NOI. Tão logo o Malcolm sacou que o lance não se resumia a NOI e se alinhou ao panafricanismo impulsionado pelos movimentos de descolonização do continente africano, o mesmo Malcolm não coube mais na Nação do Islã. Não à toa, assim que voltou de Meca, fundou uma organização panafricana com um entendimento da luta negra estendida a toda a Diáspora Africana no Continente Americano, a Organização para a União Afro-Americana. Sem abandonar sua orientação religiosa, fundou uma Mesquita Muçulmana. Daí adiante, a encruzilhada era simples: até a NOI estaria embranquecida perto de Malcolm. Elijah deu instrução, mas a inteligência política foi a vida quem deu a Malcolm X. Defender algo além disso só pode ser papo de oportunistas que perdem tempo lendo cinco autores brancos ao invés de fazer algo por cinco pessoas pretas, assim como Malcolm sempre fez.

Palavras-chave: Brabos Pprt

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E MALCOLM X

e senhores, não é por acaso que a NOI não esteja muito longe dos vícios que as religiões abraãmicas(judaísmo, cristianismo e islamismo) estão: construir seu poder escravizando os desgraçados do mundo. Até a cartilha dos vícios de nepotismo, corrupção e abuso sexual, a cúpula cometeu com provavel participação e, certamente, consentimento do Elijah Muhammad.

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H

oje no Aulão “Por Qualquer Meio Necessário” do Kilûmbu Òkòtó, o Balogum Manu Yahya Òkòtó falou uma parada muito importante: assim como Sankara foi brabo apesar do marxismo, Malcolm foi foda apesar da Nação do Islã (NOI). A NOI jamais foi uma organização política voltada para a emancipação do povo preto na América. A Nação do Islã sempre se fez pela capitalização da desgraça do povo preto da América a fim de engordar seu capital religioso. E o que isso tem de diferente da Igreja Católica ou Igreja Universal? “Ainnn, mas a NOI é uma organização séria, com milhares de pessoas vivendo dignamente segundo seu próprio trabalho e tal e tal e tal”. Verdade. Mas, até a entrada de Malcolm, a NOI era um reduto religioso de centenas de pessoas. Com Malcolm assumindo a cara pública da organização, ele fez a NOI saltar de algumas centenas para dezenas de milhares de integrantes em poucos anos. Elijah Muhammad só deixava Malcolm tão soltinho nos seus discursos pois Malcolm X era a sua galinha dos ovos de ouro. Sozinho, ele chamou mais gente pra Nação do Islã do que todos os oradores e líderes da NOI juntos, antes ou depois de Malcolm, foram capazes de fazer juntos.


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O PREDESTINADO

*

O Predestinado Parte 1 publicada na 15a edição.

K

ito dormia pouco porque tinha uma alimentação impecável, méritos dos pais que sempre o incluíram no preparo das refeições, o levavam para colher os alimentos e falavam os nomes e benefícios dos alimentos.

Ele avisou os pais que iria desbravar a Àdáyébá, a mais temida e traiçoeira floresta do vilarejo, teus pais ficaram a princípio preocupados mas a convicção e confiança de Kito era tamanha que eles aceitaram e apoiaram a decisão dele.

A exímia alimentação do menino dava a condição dele descansar por menos tempo pois teu organismo era limpo, não havia mucos ou toxinas e isso o condicionava a ter poucas horas de sono.

A Àdáyébá era um mundo em particular, com criaturas inabituais e perigosas, teu solo era vasto de plantas raras, tanto para cura como para envenenamento. Lá habitavam as almas dos mais antigos animais existentes no Quênia e os mesmos guardavam o lugar. Para estar em Àdáyébá era preciso estar bem espiritualizado, lá foi palco para refúgio de escravizados fujões.

Tua tia também servia de grande inspiração para o garoto, uma vez que sempre o levava pra desbravar a mata, conhecer o poder de cura e de envenenamento das ervas, teu conhecimento herbalista era imenso e Kito aprendeu muito com ela nas aventuras na mata.

Palavras-chave: Pretagogia

11 9 1147 8453 @adayeba.artesanato

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Murilo Òkòtó

Ele aprendeu a fazer fogueira, a caçar, se camuflar e conhecer diversos animais e plantas, era impressionante a facilidade de aprendizado de Kito e aos nove anos ele decide colocar em prova todos os ensinamentos que a sua tia mostrou.

Essas vilas já não existem mais, foi devastada depois que alguns traidores informarem a existência dela aos colonizadores e os mesmo trataram de destruir tudo. Isso fez com que as almas dos escravos mortos nutrissem a obsessão de criar armadilhas e condições para que os aventureiros que fossem pra Àdáyébá permanecessem lá sem encontrar o caminho de volta pra casa.

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PARTE 2*



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