Revista Òkótó - Edição 22

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Revista EDIÇÃO

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07.JUL.2021

VERSÃO ESTENDIDA

GIGANTES

Jim Brown, Malcolm X, Sam Cooke e Muhammad Ali


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Editores

Bianca Melo Kianga Ziara Òkòtó Mata Rindo da Zumbiido Òkòtó Mayara Assunção Onnurb X Yakô Aba

Diagramação e Projeto Gráfico

Lisimba Dafari

Textos

Akinwunmi Bandele Bàbáloóre Omowale Apókan . . Òkòtó Bomani Mene Crash Kemet Òkòtó Cristal Òkòtó Ericles Ìjìlodò Fiu Carvalho Iza Oliveira Kafunji Mahin Alayê Òkòtó Marina Piedade Mata Rindo da Zumbiido Òkòtó Stephanie Manu Tairine Lopes Zezi Masomakali

Fotos

Arquivo George Grantham Bain Collection

Freepik Izaias Oliveira Lisimba Dafari Vecteezy The Noun Project

I

magina você ter a oportunidade de ter como ancestral Muhammad Ali, Malcom X, Sam Cooke e Jim Brown, que realizaram muito pelo povo preto e seguir os passos da Madame de Bovuá? Uma noite em Miami é um filme que relata não só o encontro (ficcionalizado) dos 4 brabos e a amizade (real) entre deles, mas também uma série de diálogos complexos sobre homens pretos, racismo, divergências e unidade sobre a necessidade de precisarem lutar juntos. O texto da capa fala exatamente desse filme e de como temos desperdiçado a luta dos nossos ancestrais em busca de viver como os brancos, ocupar os espaços brancos e chamar isso de resistência. Outros textos ao longo dessa edição vem com a mesma temática, de discutir o quanto os negrescos distorcem o que foi feito com lamber

bota dos brancos, de se igualar aos brancos no mesmo nível destrutivo deles, de vender nosso conhecimento em troca de “diproma” e de vale alimentação. O Òkòtó busca uma alternativa a esse modus operandis que a galera tem chamado de luta, até porque nosso intuito não é viver resistindo, não é viver ocupando espaços que não são nossos, buscando viver de um jeito que não tem nada a ver com a gente, nós buscamos nos reconectar com os nossos ancestrais, com a forma de como eles viveram e entender a boa relação que eles tinham/tem com o mundo que os cerca. A 22º edição da revista está posta para refletirmos sobre nossas ações diárias, pegue seu chá e se delicie com essa leitura!

Mata Rindo da Zumbiido Òkòtó

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Ilustrações

NOSSA ANCESTRALIDADE

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NÃO DESPERDICE

EQUIPE


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O OLHO DE HÓRUS

O

s olhos simbolizam a dualidade assim como toda manifestação da natureza precisa de um “par” para se expandir, se alinhar, esse modus operandi que esse sistema nervoso trabalha condensa o espírito na matéria dando lugar no universo. Essa experimentação da consciência que podemos chamar de PHI: força divina. Força divina essa que floresce dentro de esferas cheias de um líquido branco, que se tornou símbolo em Kemet. Dentro desse processo o olho esquerdo é solar, e sensível ao negativo, enquanto o direito é lunar sensível ao positivo e afirmativo, e ambos cruzam informações para ter a imagem mental correta do espaço.

Crash Kemet Òkòtó

O olho de Hórus é a consciência imortal que tudo sabe que tudo ver. Evidentemente em Kemet, existiu a escola de mistérios, que os sacerdotes que guiavam o povo preto para saberes de deus, a luz, e o espaço tempo, dedicavam 21 anos de sua vida para se tornar sacerdote do olho de Hórus.

As estátuas que foram encontradas nos templos em Kemet, eram acompanhadas com o nome de HOTEP, que significa sábio. Foi dos templos que os africanos tiraram toda sua riqueza material e espiritual que impulsionaram a civilização Kemética, cada templo era uma biblioteca viva e tinha sua especialidade seu tema sagrado distinto. Os iniciados nessas escola/templos aprendiam sobre a morte, a verdade e pólos opostos, para provar sua determinação, passavam por túneis cheios de água e crocodilo, e lugares extremamente altos, lugares fechados com serpentes. Tudo isso para controlar o nível energético mais básico que temos no corpo, o medo do abandono, os instintos de ataque e defesa causam efeitos mentais e entender esses conceitos era fundamental para poder controlá-los. Palavras-chave: Pretagogia

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Em todo muro que foi levantado em Kemet irá ter esse símbolo divino, os olhos são o sentido do sol a origem da vida. O contraste que os olhos precisam ter para encontrar a verdade, irá depender muito dessa dualidade entre o positivo e o negativo: as forças opostas.

O processo da consciência do homem foi explicado para crianças pretas sobre o rio Nilo, para que aquelas que fossem sensíveis e tivessem um bom nível de consciência ia ser dado a possibilidade dessas crianças aprenderem sobre; deus e o universo, ciências, artes, religião, e filosofia.

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Iza Oliveira :


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A QUEM INTERESSA QUE AS DIVINDADES AFRICANA S

SEJAM O DIABO?

A

polícia e os interessados no (des)serviço que ela desempenha, tanto tentaram até que conseguiram que o tal Lázaro fosse finalmente executado. Bastou dizer que havia oyinbos poderosos envolvidos na fuga dele que tudo se desdobrou. Mas como eles são brancos acabaram se entendendo né? O assunto nem é esse, essa execução servirá apenas como pano de fundo pra tocar num assunto principal. No auge do desinteresse da polícia garantir a segurança da população (como se ela protegesse alguém de fato rs) a justificativa para esse descaso foi que o procurado teria parte com o Diabo, por isso, era impossível capturá-lo.

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É assim que eu imagino que seja esse diálogo. Exatamente por ninguém cair mais nessa, eles tem que sofisticar até na mentira e por fim modificar o que chamam de diabo. Sem ter capacidade pra inventar, eles vão deturpar o que já existe. E é tão eficiente que além de explicar sem questionamentos a incompetência deles, ainda aperfeiçoam o racismo, já que o dito Diabo do qual eles falam provém do nosso povo. Não é mais um diabo qualquer, o tradicional criado pelos brancos.

Zezi Masomakali

Bom, vou contar um itan não tão antigo para entendermos. Por volta dos anos 1909/1911 nascia Robert Leroy Johnson. Um menino Preto e pobre, criado no Mississipi. É importante falarmos do lugar e de alguns acontecimentos antes de falarmos de Robert. Lembremos da guerra civil dos EUA e como ficou a divisão do país depois dela. Robert nasceu mais ao sul do país, mais especificamente na região sudoeste, fazendo parte do conglomerado de estados que eram a favor de manter o trabalho escravo.

O norte focou no dinheiro, relações e tecnologia, concentrou grande parte da atividade industrial em seu território, enquanto o sul queria apostar na agricultura. Eles queriam nosso povo sofrendo e trabalhando de graça para eles. O Norte ganhou a guerra e então o Sul ficou em desvantagens. Já estava muito fragilizado pelo conflito, falta de grana, pouca representação política e submetido às vontades do Norte, ele seguiu com a parte pobre do país. Pouca coisa havia mudado desde a escravidão, exceto que agora os serviços eram pagos. Mas ninguém vigiava isso, portanto brancos pobres eram escolhidos para os trabalhos que tivessem uma remuneração mais alta e os pretos ficavam com o que sobrava. Como desgraça pouca é bobagem, o racismo era ferrenho. Houve uma série de linchamentos naqueles anos que obrigaram várias famílias a partir do Sul, como disse antes, brancos racistas a favor da continuidade da escravidão estavam em maioria, o famoso “burro também envelhece”. Com tanto sofrimento e a desilusão com a falsa promessa de Lincoln sobre dar um futuro digno a todo e qualquer estadunidense , independente de sua cor, sem ter como bater em alguém pra descontar a raiva e extravasar os sentimentos sem serem mortos, nascia no

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O Diabo dos brancos tem sido Exú, e qualquer outra divindade preta. E a quem interessa que elas sejam o Diabo?

Mesmo após algumas décadas do fim da guerra, norte e sul ainda refletiam o clima de tensão e a divisão entre as duas partes era nítida, afinal eram menos de 70 anos de guerra, haviam ex combatentes e apoiadores do Sul vivos e guardando rancor por mais que estivesse tudo encerrado.

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“Temos treinamento antitráfico, antiterrorismo, contenção de multidões, eventos internacionais de diversos tipos, mas o capiroto nunca se prestou a fazer um curso pra gente, não senhor.”

Quando a guerra explodiu sabemos que os pretos sulistas foram mandados para a linha de frente pelos brancos sulistas, enquanto os pretos do Norte foram seduzidos com a ideia de libertação e justiça pelos brancos do Norte, ambos servindo de bucha para a briga gananciosa dos oyinbos por poder.


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Sul dos EUA, pelas mãos e gargantas pretas, o Blues. Ritmo poderoso e profundo que trazia em si as tristezas e agonias de um povo que mesmo após liberto não viu a cara dessa tal liberdade.

Bom, contexto feito voltemos ao Robert, que nasceu nessa diáspora e sob essas péssimas condições, mas nasceu bem pertinho do Blues. Ele viveu com sua família trabalhando nas plantações, então não era difícil ouvir alguns de seus familiares, amigos de seus pais e vizinhos entoando as canções durante a sua jornada e aquilo o encantava. Com mais ou menos dezesseis anos ele decidiu que não sofreria mais na terra e na enxada, iria se tornar um cantor de renome e trazer conforto aos seus. Foi até um bar local, pediu uma chance de se apresentar. Tudo certo pra dar errado… E deu.

Estabelecido junto da família de Isaiah, que agora também era sua família, quentinho e seguro, os dois trabalharam juntos e, nas horas livres. Ike o levou para a noite e o mostrou como era o Blues de qualidade. Uma das filhas de Isaiah conta que quando se juntavam, o pai e Robert pareciam competir, mas aquele era apenas o jeito dele de ensinar. Ela relata ainda que o pai era bom e Johnson sempre tentava se espelhar nele. Tempos depois Robert alavancou sua carreira. Ele era dedicado demais ao que decidiu que seria seu destino, tão dedicado que produzia em sua guitarra notas que nenhum outro músico de Blues havia conseguido, afinação essa que só pôde ser alcançada com similaridade àquela que Robert executava, após a criação da guitarra elétrica. Ele logo chamou a atenção e por isso temos novamente a língua mentirosa dos brancos envolvida. Inventaram que ele havia feito um pacto com o demônio para conseguir a tal afinação.

Poxa DIABO! Jogou sujo hein parça?! O que intensificou e trouxe veracidade ao boato do pacto, era o fato de que Zimmerman e Johnson praticavam música em um cemitério. Mas isso era apenas para não incomodar a família e seus vizinhos, já que ambos eram aficionados por tocar, não tinham noção do barulho que faziam e que poderiam incomodar e já que morto não reclama, por que não, né?! Robert, que não foi bobo nem nada, abraçou a ideia de que ele havia se encontrado com o Capiroto e compôs músicas em torno disso. Faixas como Me and the devil Blues e Cross Road Blues, contavam como ele havia entregado sua alma ao homi e como era atormentado por ele desde então. Robert foi o primeiro a usar uma sétima corda em seu instrumento e com isso deram a ele o título de pioneiro no blues de 12 compassos (aquela coisa que falei que os oyinbos só conseguiram reproduzir depois de criarem guitarra elétrica). Ele decidiu voltar então ao bar onde havia sido rechaçado. Tocou e cantou tão bem que julgaram não ser a mesma pessoa. Robert se apresentou em muitos lugares, era invejado e temido por dominar a coisa a qual se comprometeu a dominar. Chocada com a coragem dele fazer bem a única coisa que ele queria fazer. Aí, aí esse Robert, viu?! Brancos insistem nessa de que ele pediu em uma encruzilhada que o Diabo lhe desse o dom musical. Ele então apareceu, tomou o violão das mãos de Robert, o afinou e lhe devolveu. Para fechar o pacto, Lucifé bebeu do whisky que Robert trazia consigo (mesmo eles estando em plena lei seca, ele tinha whisky, tá? Oyinbos, péssimos mentirosos rs). Alguns outros contam que

ele procurou um mestre Vodu, o mesmo sistema espiritual usado na revolução do Haiti, para que esse convocasse Papa Legbá. Robert queria falar direto com ele. E quando esse chegou na encruza, atendeu seu pedido a respeito do aperfeiçoamento na música. Gosto dessa última parte. Dee ter pedido e Legbá atendido. Deve ter passado para ele qual ebó deveria ser feito, quem procurar e com quem falar. Não é difícil pra mim acreditar na versão de que Robert não pediu nada além de orientação, ciente de que nada do nosso povo é feito sem o aval espiritualidade e nada é conseguido sem esforço e dedicação. Ele se comprometeu e se organizou. Ebó feito, sucesso alcançado. Simples assim. Mas pros yurugus não! Para eles é totalmente inaceitável. Se eles, com todas as condições a favor não fizeram, como nós, pretos, sem condição alguma e com eles atrapalhando conseguiríamos? (Essa incapacidade eles vão chamar de crença limitante aqui no presente). A questão é simples: o poder de criar não está neles. Ou você tem molho ou não tem. Talento não se compra, se lapida e não se lapida uma brita, isso não vai virar um diamante. Por isso é interessante que eles distorçam tudo que criamos, tudo que nos baseia e sustenta tem que resultar em algo ruim, justamente para que eles possam culpar esse grande mal por sua própria incapacidade. Interessa aos oyinbos que Orixás, Voduns, Nkisses, toda e qualquer divindade preta seja o Diabo, para que eles possam demonizálos e depois culpar os pretos por estarem a frente de si próprios em qualquer coisa, eles julgando isso lícito ou não. Não é sobre bem ou mal. Não é sobre segurança. É sobre motivo para prosseguir com o racismo. É viável para eles colocarem o Diabo que eles criaram para controlar a si mesmos na mesma pessoa de Papa Legbá, sabidos de que nunca alcançariam os feitos de Robert

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Oras, lógico que demonizariam algo tão grandioso, não foi feito por e nem para eles. Era inconcebível que alguém que perdeu e sofreu tanto ainda tivesse sensibilidade suficiente para criar coisas incríveis como música. Além de saberem que ritmos de pretos poderiam “incitar” alguma revolta. Não há apenas uma história que fala sobre como os cativos africanos que fugiram dos navios negreiros conseguiram essa proeza se comunicando através de canções em línguas do continente, não compreendidas pelos oyinbos. Sabemos que era um risco que eles não poderiam correr. Além do quê, não se mata alguém apenas ferindo seu corpo, mas tirando tudo que há de precioso para ele, e cultura é uma parte essencial de nós.

Johnson encontrou então Isaiah Ike Zimmerman, um pretão que manjava de compor, tocar e cantar, ele se apresentava na noite. Robert mostrou sua música ainda não tão boa para Isaiah e depois pediu para que ele fosse seu mentor e professor. O mais velho por sua vez testou o que Robert sabia e viu que ele tinha futuro, aceitou ensiná-lo o básico. Porém, a coisa mudou de forma muito rápida, Isaiah descobriu que Robert era apenas um adolescente sem nenhum dinheiro. Vai o homem acolhe-lo em sua própria casa, Como Oxalá fez com Exú.

Sim! O Diabo, criado pelos brancos, não satisfeito em ser o Mochila de criança e como se não tivesse suas funções infernais, agora estava andando por aí a esmo, na terra, oferecendo pactos aos pretos e lhes dando oportunidades e habilidades.

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Com muitas pessoas migrando para o Norte em busca de uma vida melhor, o ritmo se difundiu rapidamente e então temos novamente os brancos. Não demorou muito para que a igreja pusesse suas patas sujas e a sua língua maldosa em cima disso e logo cumpriram seu papel, atestaram o Blues como o coisa feita pelo Diabo. O próprio Setepeles subiu aqui e nos entregou o Blues, gente!

Mesmo possuindo a história, a conexão e a vontade, Robert não sabia nada da parte prática da música. Blues era tocado com violões, guitarras e gaitas e Robert não sabia quase nada sobre isso, talvez um pouquinho de gaita mas era só. Ah, lhe faltava também afinação. Mas Robert tinha a danada da vontade. Aí sim! Tudo pronto pra dar certo. Juntou um dinheiro, ganhou um violão de seu pai e foi embora procurando caminho, andou todo canto onde o Blues era latente.


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Johnson, uma vez que uma divindade que atendia os pretos jamais atenderia a um yurugu. Imagina você um oyinbo chegar diante de Legbá, depois de toda atrocidade que ele fez contra o povo preto e ter a pachorra de ainda pedir algo? A audácia do filho da put@! Eles sabem que é absurdo, mas uma vez que eles não podem recorrer a nossa espiritualidade, que quer ver sangue no chão e que tá com a conta na mão, eles farão de tudo para que nós pretos também não possamos. E não é só a proibição.

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Isso do Lázaro foi necessário para eles num momento em que as igrejas vão perdendo força devido a não abertura/ abertura com capacidade reduzida dos templos. Deus dos oyinbos não salvou e não livros os oyinbos mais tementes a ele, então a máscara vai caindo. A lavagem cerebral que eles manuseiam tem que ser refeita constantemente. Corona não errou em tudo, hein?!

Palavras-chave: Brabos Espiritualidade

Tudo que foi difundido foi necessário para mascarar que a polícia, que desde seu princípio foi pensada para defender racistas e seus interesses, assim como os sulistas norte americanos favoráveis a continuidade da escravidão e suas terras, é incapaz de

Eu não consigo imaginar o Setepeles deles aparecendo em lugar nenhum pra dar algo de bom pra gente. Essa gente toda se odeia, mas eles odeiam ainda mais a gente, então, até o Diabo (se existir) vai estar do lado deles contra nós. A eles interessa que o Diabo seja o agente do mal, e a eles interessam que Exú seja o Diabo, que Papa Legbá seja Exú para que no fim, ele também seja o Diabo. Colocar tudo na mesma cumbuca funciona e funciona muito. Vão tirar nossos nomes, nossos lugares e comparar aos deles. Há teorias que dizem que Johnson morreu 10 anos depois de fazer sucesso, tempo esse combinado com o Djanho lá no pacto, após isso um cão preto (ora, ora, ora tinha que ser um cão preto né? Qualquer coincidência não é mera semelhança) veio buscar sua alma.

11 9 1147 8453 @adayeba.artesanato

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Esse circo veio num momento que as pessoas viram que a raiz dos problemas é psicológica e espiritual, não religiosa. Veio no momento em que é mostrado como grande parte do que vivemos é culpa dos brancos e como pretos que estão comprometidos consigo mesmo e com seu povo não foram ou pouco foram afetados pela doença em vários campos de suas vidas e de seus corpos.

Vamo botar a culpa no DIABO! Saída perfeita. Mas não em qualquer Diabo. Diabo bom (em ser ruim) só vale o dos pretos. Não passa pela cabeça deles que algo inventado por eles mesmos sirva a pretos.

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Denominando Exú e qualquer outra divindade de seu panteão e qualquer outro panteão de espiritualidade africana de Diabo, eles assinam um alvará invisível para nos agredir, agredir nossos locais sagrados, nos roubar, sequestrar mais dos nossos pra si.

defender você ou eu e qualquer pessoa do nosso povo. Não somente eles mas alguns brancos pobres descartáveis ao grande propósito do resto deles.


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A ESQUERDA É VAMPIRA

SOBREVIVE DO SANGUE ALHEIO

Você dificilmente vê uma ação voltada pra vida e se vê é algo muito pontual, são ações anuais que eles fazem para não ficar muito escancarado que eles não se importam tanto assim com essas vidas. É o rito cristão de se confessar uma vez ao ano, mas como eles romperam com a religião, eles fazem seus ritos de outra forma, mas a intenção segue a mesma, se purificar dos pecados. Se sentir melhor depois do feito de bondade e caridade. Ávidos por uma nova morte para movimentarem suas redes sociais e ganharem novos seguidores.

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N

a madrugada da última quarta feira 23/06/2021, uma mulher trans, Roberta Silva, foi queimada em Recife. Esse sábado a notícia chegou aos militantes que moveram suas redes, quer dizer, colocaram um stories que dura 24 horas para falar sobre o caso. Todo mundo estava muito revoltado, e o padrão da mensagem era o mesmo, fundo preto, com palavras escritas em branco e poucos caracteres para não confundir a visualização das pessoas.

Todos vocês já viram um esquerdista com o bordão de vidas negras importam e todas as variações que foram criadas em cima disso, o vida trans importa, vida LGBTQI+ importa, o herói deles já foi mais esperto e usou esses dias o fatídico: todas as vidas importam rs. Salve Lulão, aliás o Lula não tem muito acesso a esse tipo de discussão e por isso usou o todas as vidas importam, tadinho, um alienado expresidente da República.

Nessa época de pandemia é muito comum você ler pessoas negras dizendo que quem não está triste, está alienado de toda a situação. Foi o papo dado lá na revolução do Aity, que o preto se acordar doente, ele vai levantar e vai trabalhar, se alguém perguntar como ele está responderá que está bem, agora se o seu senhor tiver doente, ele vai ficar tão preocupado, vai dar todos os cuidados, e se alguém perguntar como ele está ele responderá que estamos mal. Dia após dia, meu povo já sobreviveu a coisas muito piores. E foi nosso cuidado com a nossa espiritualidade,com o seguir os

Se tem alguém que ganhou muito com a esquerda no poder, vocês podem ter certeza, que esse alguém não foi nós, pelo contrário foi a época em que mais morremos, e aceitamos calados em troca de migalhas, foi a época em que foram criadas leis que até hoje aumenta o encarceramento da população negra. A Lei das drogas está aí pra quem quer, né?! Então me parece que os alienados, não somos nós. Sinto muito, que vocês decidiram chegar no ponto que chegaram, que se vendam e se comovam tanto pela morte dos brancos, pela doença dos brancos e pelos cuidados com os brancos, mas sim, nós continuaremos a viver apesar dos brancos. Quando mais essa crise financeira dos brancos passar, quando a pandemia passar, apesar de todas as perdas estaremos em pé enquanto povo, sobreviveremos a essa também e chegará um dia, não tão longe assim, que não teremos mais sangue nosso pra alimentar eles, vai ter só o de vocês (os lambe botas de branco), mas vocês já estão praticamente mortos, então não sentirão a sugada deles, ou se sentirem ficarão felizes em alimentarem seus senhores, até porque em troca eles dão algumas migalhas para vocês e para vocês essas migalhas já são suficientes, não conseguem imaginar nem como alguém recusa tanto farelo. Acordar todos os dias com o intuito de construir algo para meu povo, é prazeroso, é a certeza de estar construindo algo em nome do que é nosso e que prosperará, estamos só plantando uma semente, em solo nem tão fértil assim, mas estamos “na contramão de quem não quer evoluir” e isso já é um indício de que pelo menos, não estamos no mesmo caminho que vocês e isso é um alívio.

Palavras-chave: Canhota Negrescagem

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Mata Rindo da Zumbiido Òkótó

Se por um lado existe a naturalização da morte de pessoas, por outro me parece que existe a torcida para que essas coisas aconteçam para as pessoas se sentirem mais importantes, mais militantes, mais participantes, mais ativas.

A esquerda tem um padrão muito facilmente identificado, eles são os seres mais evoluídos que existem, os únicos que se importam com a vida de todas as pessoas, mas na verdade eles só se importam com a morte, o negócio deles é o sangue.

Um padrão dos negros que vivem entre essa galera é odiar a vida, odiar o lugar que trabalha, odiar as pessoas que convivem, odiar o mundo, elas são na sua maioria depressivas, tristes, desenvolvem doenças auto imune, doenças raras, doenças crônicas, essa galera não tem sistema imunológico, e o pior se negam a acreditar que alguém queira viver apesar dos brancos.

passos da nossa ancestralidade e o se atentar ao ouvir o que nos ronda que nos trouxe até aqui vivos, e é isso que vai nos levar de volta a resgatar tudo o que é nosso por direito. Certamente não será esse monte de lambe botas de brancos que fará isso.

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Os pretos que seguem essa galera vivem na mesma vibe. Marimba Ani diz que nossa cultura é nosso sistema imunológico, essa galera se afastou tanto da cultura deles para viver a cultura dos brancos e ser admirados pelos brancos, que vivem doentes.

Iza Oliveira :

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Acontece que seja qual bordão se use, ele só é usado no momento da morte, seja no caso de Ricardo Lima da Silva, que se suicidou na USP, seja em chacinas que acontece nas periferias do Brasil, seja quando uma mulher trans é queimada, a única coisa que move a esquerda é o sangue.


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SENTOU PARA APRENDER!

O

xalá era quem fazia os seres todos, lhes soprava o emi, sopro de vida, e voltava a fazer mais seres. Todo dia vinha alguém na casa de Oxalá...olhava um pouco, aprendia um pouco, distraia um pouco também... Oxalá era excelente no seu trabalho. Moldava cabeças, olhos, bocas, ombros, corpos, órgãos....Oxalá fazia tudo e todos que passavam por lá apreciavam seu trabalho, mas nunca permaneciam por muito tempo. Exú, que não tava fazendo nada...resolveu que ia visitar Oxalá pra ver se o trabalho dele era mesmo tão bom quanto sua fama. E lá foi Exú pra casa de Oxalá. Ali chegou, sentou num canto, ficou olhando, observando a forma como Oxalá fazia os seres, o material que usava, como modelar as cabeças, olhos, bocas, ombros, corpo, órgãos e tudo o que era necessário para chegar à arte final.

Kafunji Mahin Alayê Òkòtó

Exú de tão interessado, foi ficando, foi ficando, aprendendo uma coisa ali e acolá, auxiliando Oxalá sempre que o velho pedia, recebendo as visitas, espantando os

curiosos... assim foi por longos 16 anos, e mesmo sendo Oxalá quem fazia cada parte dos seres, é Exú quem detém o título de Bará, o Senhor do Corpo! ... Nós temos a cultura do aperfeiçoamento, e isso é inquestionável. Se Exú não ficasse por ali observando o trabalho de Oxalá, ele não teria aprendido. O babado é que a gente quer o negócio pronto não é mesmo?! Pra que sentar e observar quem sabe fazer, fazendo? Pra que tanto tempo ali absorvendo?! É fato que todos ansiamos por ver as coisas prontas logo, e nossos projetos a todo vapor...mas como bem disse o paizão, num dos bate papos do cfk; É preciso construir pessoas antes de construir coisas! É preciso observar o que deve ser feito antes de meter a mão pra fazer, porque afinal de contas, aprendemos na prática, mas ninguém ensina o que não aprendeu. Ninguém se levanta pra ensinar o que não sentou para aprender.

Palavras-chave: Pretagogia

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NINGUÉM SE LEVANTA PRA ENSINAR O QUE NÃO


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O QUE VOCÊ VAI DEIXAR

Iza Oliveira:

“Um povo sem conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes”. — Honorável Marcus Garvey

Q

uando descobri que seria mãe, a primeira coisa que pensei era dar para meu filho tudo que não tive, sabe aqueles pensamentos clichês com o qual todos os pais sonham?! Pois é! Era isso. Analisando isso agora que mudei completamente nesse tempo de descoberta e atualmente mãe de um pretinho tão lindo (sim, ele é lindo demais), vejo que o que eu queria para ele era um pensamento tão raso, tão embranquecido que se resumia a bens materiais e tá bem, no sentido de tá em espaços melhores (as ilusões da vida, né não?!)

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Tairine Lopes

Daí a importância de conhecermos a nossa história, origem e cultura, porque o

Para ensinar eu tive que sentar e aprender e tô aprendo porque não é da noite para o dia que você se torna totalmente consciente, tô no processo, que não é fácil, anos de alienação não se tira em meses. Meus filho tá aprendendo de primeira, e sempre dá aulas pra mim, me refiro a intelectualidade, corporeidade e espiritualidade, o três pilares do Kilûmbu Òkòtó, sem ele saber, ele tem muito de tudo o que eu corro atrás pra buscar, enfim ele que me ensina. A criança tem esse axé em tudo que faz, descomplica questões que pra gente é algo difícil de entender, fala cada coisa que te faz ficar refletindo, e que faz todo o sentido. Imaginem só o nosso bonde já é brabo, pense o quanto mais brabo vai ficar com os nossos erês que crescem tendo a base que só pegamos após adultos, gente não tem pra ninguém, maior orgulho de fazer parte e contribuir para nosso Kilûmbu. Quando falamos que não estamos pra brincadeira é real, a base tá vindo e tá vindo forte!

Palavras-chave: Fertilidade Mais novos Pretagogia

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Ou seja eu não conhecia a frase citada e nem o autor dela na verdade e eu não conhecia nenhuma referência de ancestral que pudesse ensinar para meu filho, eu iria trilhar um caminho bem torto e ruim para a criação do futuro homem preto, o que a sociedade branca teme e a qualquer custo quer ver morto, sim ele iria falar coisas do tipo desculpa por ser homem, só de pensar já dá nervoso.

que temos por aí são várias árvores sem raízes, querendo se enraizar na terra que não lhe cabe, se matando aos poucos para caber onde nem era pra tá, gente para com isso!

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PARA SEU HERDEIRO??


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NÓS PRETOS!!!

Internet:

N

Bàbálóore Omowale Apókan . .

Não sei nem se é essa a construção na cabeça dessa menina. Mas tudo indica que sim. Pois ela olhou um prédio grande, uma construção imponente num centro urbano e disse que tava escrito “NÓS PRETOS”. Certamente ela vê tanto a palavra “Black” escrita que armazenou esse símbolo. Como nosso cérebro lê em blocos, palavras semelhantes vão lhe

parecer ter o mesmo significado (“Black” e “bank” possuem três letras em comum posicionadas na mesma ordem). Isso é propaganda. E no caso dessa menina, a propaganda foi muito eficiente. Porque ao mesmo tempo que rola essa associação com a palavra, a menina não vê nada de impressionante o fato desse símbolo estar associado a algo grandioso. US BLACK. NÓS PRETOS. O povo preto tá lá dando nome e identificando aquele prédio. Ela entende, ali, que aquele prédio pertence a nós Pretos. E é uma ideia que vai na contramão do que é normalmente propagado pra nós. A ideia de não haver possibilidade de estar presente em algo grande. De ter poder sobre algo grande. De ser proprietário de algo grande.De ser algo grande! Esse vídeo é muito ilustrativo nesse sentido. Porque a máxima da propagada é que estamos naturalmente fadados ao fracasso. O que for diferente disso é uma exceção.

No máximo, o que é propagandeado a partir da ideia de representatividade é de que se a gente se esforçar muito (pra estar entre eles), estudar bastante (nas escolas deles e somente a noção de conhecimento traga por eles) e trabalhar duro (pra eles) é que chegaremos lá (no espaço deles). Só que o que deve estar fixo em nossa mente não deve ser apenas a ideia de estar no espaço deles querendo um cantinho. É pensar numa parada como foi a Black Wall Street, saca? Vislumbrar e trabalhar pra construir uma estrutura como foi a do distrito de Greenwood, em Tulsa, no início do século passado. E mais. Porque faltou ali um aparato de segurança, visto o que aconteceu. E o que tudo isso tem a ver com uma página que fala sobre masculinidade? Tudo! A gente entende que masculinidade, assim como feminilidade, antes de ser sobre diferenciação de gênero, é sobre o papel do indivíduo no seu grupo social, na sua família, na sua comunidade. É sobre estar

ali para exercer um papel que é necessário ao crescimento desse grupo. E para que formemos homens e mulheres capazes de desempenhar seus papéis, é fundamental que eles tenham uma visão grandiosa de si e de seu povo. Por isso essa visão precisa começar a ser desenvolvida muito cedo. Educando o olhar da molecada a vislumbrar esse tipo de futuro para eles (e pra nós). É o lance de alimentar nossa imaginação a fim de dar combustível à criatividade. E esse combustível vai vir justamente da capacidade de se projetar essa possibilidade de um futuro grande. A autoconfiança precisa ser alimentada por bons reflexos sobre si mesmo. Educar a criança a entender que seu povo é grande, é uma grande ferramenta de projeção desse reflexo. US BLACK! Projetar coisas positivas sobre nosso povo, sobre nós coletivamente, é projetar coisas positivas sobre nós mesmos. Essa pegada é o contexto real de pretos no topo

Palavras-chave: Brabos

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a internet rola um vídeo em que uma mulher e sua filha de mais ou menos 7 anos estão em um carro e passam diante de um edifício muito alto com um letreiro enorme na fachada escrito “US Bank” (Banco dos Estados Unidos). A mãe pergunta à menina o que estava escrito no letreiro. Eis que ela responde “Us Black!” (Nós Pretos). A gente tem que trabalhar pra toda criança ter esse tipo de associação simbólica presente no seu imaginário. O vídeo é engraçado mesmo. Mas imagina toda criança preta projetando coisas positivas sobre nosso povo em tudo que é coisa que ela olhe.


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“ONE NIGHT IN MIAMI” UMA PEQUENA ANÁLISE DE “ONE NIGHT IN MIAMI”.

“Alguns brancos só querem a chance de se parabenizar por não serem cruéis conosco. Como se devêssemos dar graças por eles terem tido a gentileza de nos tratarem como seres humanos. Você espera que o cachorro lhe dê uma medalha por não chutá-lo por um dia?” REVISTA ÒKÒTÓ

Lisimba Dafari :

Akinwunmi Bandele

O bonde do “oCúpa” tudo e da representatividade que o diga. A presença deles nesses lugares, só confirma que

No entanto, voltando ao filme, Jim Brown é retratado como um dos melhores, se não o melhor jogador da NFL, mas pra eles pouco importa o talento que você tem. Eles sabem do poder que têm sobre você, que você sempre vai aparecer pra comer na mão deles. Mas, é assim que funciona, grandes jogadores, músicos e outras categorias, enquanto não se unirem e forem gestores de sua própria instituição, vão continuar por situações do tipo. Você nunca será 100% admirado quando se fala de emancipação política, seria até suspeito, mas deve-se buscar respeito, não com o propósito de impressionar seu inimigo, mas que lhe respeite pelo poder que você tem. Doa a quem doer isso tem que ser feito. Isso é o que Malcolm mais ou menos tenta dizer no filme. É isso, estamos morrendo todo dia por causa de uma estrutura que eles mesmos criaram e estão pouco se importando pra ela. Será que eles merecem nossa consideração? Ainda vamos continuar os considerando nas nossas ações?

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Essa cena retrata muito a realidade, passam os anos e os negros continuam se oferecendo para ajudar o branco, às vezes em troca de nada mesmo e ainda aguentando todo tipo de racismo. O branco só quer manipular, só quer mostrar pros bobão que acreditam que ele não é tão demônio assim. Se um dia eles te convidam pra entrar na casa dele é porque ele pode tirar muito mais do que você nisso tudo.

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ano, essa frase foi dita no filme One Night in Miami. O filme é baseado no encontro de Malcolm X, Muhammad Ali, Sam Cooke e Jim Brown. Nesse mesmo filme o Jim vai visitar a casa de um amigo branco que rasga elogios por Jim ser um exímio jogador da NFL. Jim parece estar incomodado de estar ali, apesar de receber tapinha nas costas. O diálogo encerra e o branco diz que tem que voltar para dentro de casa porque precisava arrastar uns móveis. Jim educadamente oferece ajuda e recebe a seguinte resposta: “Eu até gostaria da sua ajuda, mas sabe como é né? Nessa casa não permitimos negros” . Jim fica sem reação e o “amigo” fecha a porta na cara dele.

muitos têm pouco e poucos tem alguns farelos. Chamam aquilo de ascensão coletiva usando aquela velha história de que quando chega lá no topo vai levar outros junto com ele, mas e aí? No fim ficam mais ocupados em fazer seu nome em instituições brancas. Mas e se as portas fossem abertas sem distinção raça? Ainda assim estaríamos servindo de engrenagem sendo altos, médios ou baixos funcionários, todos seríamos apenas funcionários da manutenção de poder branca vivendo ocidentalmente e afastado de nossa cultura.


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REVISTA ÒKÒTÓ

SER E EXISTIR “AFRICANO”

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Cristal Nyamekye Òkòtó

O modo que povos definem sua existência ‒ o universo, o homem, e o seu total sistema ecológico, irá depender muito da ideologia cultural de seu povo. Basicamente, a identidade africana está relacionada com as formulações ideológicas do mundo africano. Há uma identidade africana no contexto da experiência de mundo africana. No mundo africano são bem definidas ideias sobre o natural, a vida

humana, a existência, as relações humanas, bem como o próprio homem. É a base de todas essas ideias bem definidas que fenômenos cósmicos e outros fenômenos ecológicos são interpretados. O homem no mundo africano nunca é conceitualizado como individual mas, essencialmente parte da coletividade em detrimento de suas características individuais. O padrão familiar são de famílias extensas, e membros são consequentemente inclinados a trabalhar coletivamente em direção ao cumprimento da existência e sobrevivência. Isto não significa, é claro, que sociedades africanas mantêm uma identidade africana que não tem problemas humanos. Longe disso! De fato, isto pode ser a causa de muitos problemas naturais humanos. Mas a forma como esses problemas são administrados geralmente define a identidade africana. Na existência contemporânea da identidade africana, a única ideologia política viável deve ser a ideologia política espiritual comunitária africana.

: Iza Oliveira

Identidade e Ideologia Africana. *

** Apresentado no Colóquio FESTAC 77 Palavras-chave: Brabos

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mundo africano é essencialmente centrado em seu povo. É um mundo que existe onde quer que o povo africano esteja. O Povo Africano, como outros povos, tem sua cultura. A soma de sua forma social uniformiza os modos de vida. A cultura é baseada no processo de aprendizado e não é biologicamente herdada. Central em todo o modo de vida humana, a cultura é um fator ideológico. Essa ideologia constitui uma força potente que permite que os povos venham a definir tudo o que eles fazem ou precisam fazer para cumprir o objetivo de sua existência.

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TRADUÇÃO DO TEXTO “AFRICAN IDENTITY E IDEOLOGY”* DO PROFESSOR CHIKE ONWUANCHI.**


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GARVEY

PROCURE POR MIM NA TEMPESTADE! George Grantham Bain Collection :

Se a morte tem poder, então, conquiste-me para que eu seja o verdadeiro Marcus Garvey que eu gostaria de ser. Se eu puder vir em forma de um terremoto, ou uma praga, ou uma peste, ou se Deus me tiver, então tenha certeza que eu nunca vou te abandonar ou deixar seus inimigos triunfarem sobre você.

REVISTA ÒKÒTÓ

(…) Procure por mim no ciclone ou na tempestade, procure por mim em tudo ao seu redor, com a graça de Deus eu vou voltar com incontáveis milhões de homens e mulheres pretos que morreram na América, que morreram nas Índias Ocidentais e aqueles que morreram na África para ajudar você na luta pela libertação, pela liberdade e pela vida! ”

Q

uando falamos de espiritualidade e revolução, sabemos que a morte não é o fim do revolucionário. “Você pode matar um revolucionário, mas não pode matar uma revolução”. A frase de Fred Hampton resume bem a relação dos revolucionários Pretos com a morte. E essa relação tem base na nossa espiritualidade. Quando Makandal profetizou que, se morresse, voltaria na forma de um mosquito, que foi fundamental para o sucesso da Revolução do Haiti, ele falava o mesmo que Garvey nesse discurso.

Essa espiritualidade é o principal alvo do sistema brankkko que quer tentar matar nossos líderes. Eles sabem que destruindo as pessoas que tem a espiritualidade desenvolvida e conectada com sua ancestralidade, fica quase impossível para o povo preto conseguir uma autonomia econômica e política. É a cultura e a espiritualidade que determinam nosso sucesso em nossas lutas pelo povo Preto. E também é essa mesma cultura e espiritualidade que nos faz ser vítimas de traições e assassinatos organizados por brancos e negrescos. A primeira guerra que travamos é cultural e espiritual. Ou seja, só vai ter a espiritualidade desenvolvida e conectada com sua comunidade quem não tiver medo de morrer por ela. E só vai entrar pra história, só se torna um grande exemplo, quem coloca as necessidades da comunidade preta acima de suas próprias. Todo mundo quer ser lembrado, mas poucos querem fazer os sacrifícios necessários para ser lembrado como um exemplo pro povo Preto. Poucos abrem mão das próprias vontades, da própria vida, para servir a sua comunidade. Por isso poucos são lembrados como exemplos, e vivem uma vida de perseguição, de tramas e traições, uma vida de violência. Esse é o preço a se pagar pela eternidade. E os que pagaram esse preço, pagaram e profetizaram que seu axé duraria para a eternidade, na forma de tempestades, terremotos, ciclones e pragas. Essa é a força da nossa espiritualidade. Nem a morte é capaz de parar a energia viva de transformação da nossa força espiritual. Sendo a morte a única certeza da vida, nosso ebó tem frutos imortais. Mas a morte ainda é o caminho mais recorrente pros pretos que não abrem mão de nossa força, a morte pela traição e pela perseguição do sistema. Você está disposto a morrer pelo seu povo e sua cultura?.

Palavras-chave: Brabos Pprt

05.JUL.21

Onnurb X Yakô Aba

Espiritualidade é sobre comportamento. Os escravizados Afrikanos que pulavam no mar para não serem escravizados acreditavam que renasceriam em Áfrika para tentar novamente viver sua liberdade. Assim como os revolucionários, que acreditam que sua morte pode ser uma grande ferramenta para a causa preta. Nossa morte aumenta nossa força de influenciar as pessoas. Nossa morte pelas mãos do sistema toca o coração do povo preto muito mais do que nossas vidas. Isso é um problema grande, o povo preto só preza pelos seus líderes quando eles morrem, mas ao mesmo tempo, essa condição cria os homens e mulheres destemidos, sem apego pela própria

individualidade, que colocam o progresso coletivo acima da própria integridade física. Nossa vida é apenas um instrumento para a emancipação coletiva. Nossas vontades, nossos gostos, nossas preferências, se não estiverem alinhados com as necessidades da comunidade Preta, são inúteis.

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“Em vida eu serei o mesmo, e na morte eu serei o TERROR dos inimigos da liberdade Africana!


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DISPOSIÇÃO ESCRAVA

DISPOSIÇÃO PARA O SERVIÇO

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REVISTA ÒKÒTÓ

Akínwálé Òkòtó

Fanon foi um dos que destrinchou esse jogo de imagens e ações políticas. Talvez da forma mais concisa e emblemática quando disse: “o negro não é um homem”. Com isso, nos deu a fórmula política do arranjo das coisas nesse

Pode possuir um registro que ateste que é do sexo masculino e de nacionalidade tal, mas, para todos os efeitos, não é um homem. Não é um cidadão. É quem mais trabalha, nas piores condições, mas não é um trabalhador. “Não atira, é trabalhador!”, gritam as famílias nas favelas contra os assassinos fardados. O que acontece? Diariamente, a bala chega. Matam os com e os sem carteira de trabalho. Vale para a mulher preta: ela não é uma mulher. Não é cidadã. Não é trabalhadora. Lá pelos anos 1800, Sojourner Truth, vendo as brancas se articulando em torno da política do gênero feminino, o feminismo, sacou o jogo. Tia Truth relatou situações de trabalho servil, de humilhação cotidiana, exploradas por mulheres e homens brancos, e, nisso, perguntou, “ué, eu não sou uma mulher?”. A resposta é não. Truth sabia disso. Pessoas pretas têm, nesse arranjo branco de coisas, uma condição de (in-)humanidade a encarar e transpor e, nisso, estão por conta própria. Não tem a quem recorrer senão a si e aos seus. Demandas fracionadas no varejo da classe, do gênero, da sExúalidade, da territorialidade não vão responder à situação

No fim das contas, o que está sendo dito é que a materialidade e imaterialidade da ordem supremacista branca é a violência anti-afrikana. Exemplo: veja o caso dos chineses e sua ascensão recente na política internacional. Faz décadas que chineses estão, como brancos, saqueando a Áfrika, minando toda a sua infraestrutura cultural, espiritual, social, política e econômica. Recentemente, até no ramo sujo da exploração da fé eles. É a fórmula política supremacista branca, muito bem aprendida mesmo por povos não-brancos, o que não é, em si, uma novidade. Até povos originários na América do Norte, embranquecidos, escravizaram Afrikanos pelos cantos de lá — veja nossa live sobre parte dessa história. Você pode correr pros filões marxistas e feministas com todo empenho e sinceridade de coração. Reencenando seus antepassados e ignorando a lição, que nos erros, eles nos deram, você vai lá correr para dar de cara no chapisco da desumanização racial, que rege qualquer categoria política, como rege todo e

As indígenas dos cantos de cá das américas, as que não estão nos partidos, entenderam esse jogo. Elas dão provas disso quando botam pra correr as feministas, essas que, a pretexto de realizar trabalho de campo, vêm às comunidades indígenas reivindicar uma “patente” (feminista) sobre o trabalho político que essas líderes conduzem junto ao seu povo. “Isso que vocês estão fazendo chamase feminismo e vou te ensinar por quê e como realizar esse programa”, dizem as brancas e as não-brancas convertidas, do alto da sua arrogância desumanizadora e da sanha por criar quem lhes sirva. Diferente dessas líderes indígenas atentas a essas formas de sequestro político e cultural, as pessoas pretas estão aí orgulhosas por cuidar da casa dos seus agressores, por tocar as agendas de suas instituições, enquanto a sua casa é bagunçada, profanada e destruída. Honrar nossa ancestralidade é um programa que objetiva apoiar esse processo de abandono dessa maldição que é a disposição escrava. Está vinculado ao dever de conhecermos a história milenar dos Povos Pretos dos quais descendemos com o propósito de cultivarmos tudo o que é preciso para dar continuidade a esse legado. Nossa própria existência como a dos nossos ancestrais dependem disso. É esse, sim, o serviço através do qual efetivamente refazemos nossa dignidade e nossa humanidade, via resgate da nossa herança cultural milenar. Palavras-chave: Brabos Pprt

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Não é por falta de quem passe a visão que essa ficha, para tantos, custa a cair. Um dos maiores estragos dos séculos de escravização foi essa disposição perene de se sujeitar aos descendentes dos seus escravizadores, incutida em pessoas pretas. Daí porque qualquer tipo de chantagem política e falsificação grosseira da história — da mais pregressa a mais recente — aciona essa disposição de se curvar para servir aos rentistas da nossa desgraça, com todo custo pela negligência de si mesmo, dos seus e das gerações posteriores. Uma pesquisa recente revelou que há mais pessoas pretas engajadas com as políticas feministas do que gente branca, lembra? Então, é a atualização disso.

mundo como o conhecemos: o negro não é um homem-cidadão-trabalhador e muito menos proprietário, afinal não existe por/ para si mesmo. Ele existe por e para o branco. É como sua criação, sua criatura.

qualquer espaço e instituição erguida por brancos, com trabalho servil dos pretos.

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apo reto: marxistas não têm o monopólio da crítica do trabalho capitalizado, nem detém a patente da ação política das pessoas que trabalham. Feministas não têm o monopólio da crítica do gênero ou do sistema sexo-gênero, nem detém a patente da ação política das pessoas do gênero feminino ou de sExúalidade não-hetero. Não somos nós os endividados nessa história. Não temos dívidas com essa gente.

das pessoas pretas, sob condição de sequestro dos dois lados do Atlântico. E isso nenhum(a) autor(a) branco(a) vai lhe ensinar. Não o farão, porque isso vem lhes garantindo mãos, braços e mentes pretas para o eterno serviço escravo. Existe o atacado da humanidade regido pelo supremacismo branco, que antecede e excede qualquer varejo. “Não existe capitalismo sem racismo” — nos disse Malcolm-, isso é sobre essa anterioridade. É sobre esse excesso. E esse atacado anterior se trata de condição de povo. E, em se tratando de condição de povo, significa que é anterior também — e excede —  a lógica da discriminação e do preconceito. Entende? É um lance bem mais subterrâneo e, ao mesmo tempo, bastante aéreo.


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REVISTA ÒKÒTÓ

N

a virada do século XIX para o século XX, artistas ocidentais buscavam uma ruptura com as representações das artes canônicas até o século 19, que se destacavam pela busca fiel à figura humana e à natureza: Neoclassicismo, o Romantismo, o Realismo, o Impressionismo, o Expressionismo, o Art Nouveau e o Simbolismo.

Izaias Oliveira

Só dar um panorama legal do que estamos falando, dentro da arte do século XX quero destacar Pablo Picasso e George Braque que são os artistas principais do início do deste século. Nesta pegada eu gostaria de apontar que desde os séculos passados artefatos artísticos das culturas africanas já vinham sendo roubadas no continente e levadas para galerias de museus e casas de colecionadores de artefatos africanos, com tará pela tal quebra de paradigma artístico no século em vigência, nas oficinas dos artistas

Voltando a aos dois candangos Pablo picasso e George braque como eu disse anteriormente eles são os principais nomes do movimento artístico chamado de “cubismo” que tem como objetivo a não fidelidade greco romana da figura ali representada, quando eu estudei isso na faculdade eu não consegui entender como eles poderiam propor algo assim do nada, já que no contexto ocidental eles só se alimentavam da contemplação pela perfeição clássica, logo mais tarde, eu fazendo uma breve busca pela estética artística africana olhando para algumas máscaras e esculturas africanas eu pude perceber a absoluta semelhança (cópia fiel). Olhando para o momento em que estavam imbuídos os artistas acidentais nesse período, não é difícil de fazer a ligação óbvio que há entre as suas oficinas estarem entupidas de artefatos roubados de África com a ascensão dos movimentos a seguir destacando o cubismo.

Não quero aqui implorar o reconhecimento dos brancos ao declarar que se inspiraram nas artes Africanas afinal eu nem falo isso pra eles, eu apenas estou fazendo uma breve abordagem para compreendermos que não é novidade nenhuma os mesmo brancos que desdenharam da nosso cultura serem os mesmo a extraírem e reproduzirem como algo revolucionário no universo deles de forma que rende altas cifras. Bom, falando de brasil, aqui em paralelo a europa aconteceram vários tomadas de apropriação que pegaram impulso a partir semana de 22, o movimentos antropofágicos que teve como princípio promover uma arte legitimamente brasileira e a busca pela quebra dos paradigmas impostos naquele momento, porém sabemos que esses movimentos que vinham a seguir que influenciaram a música e artes plásticas etc, foram uma

A apropriação cultural hoje em em dia principalmente é praticada no primeiro momento com as pequenas expedições dos brancos ao contexto cultural em questão, logo ele vai arrumar um negro atrvessador dessa cultura, e nele encontra o acesso necessaria os conceitos que fundamentam aquela cultura. Não seja um negro atravessador! Isso não é novidade, devemos parar de achar que a nossa riqueza cultural é apenas uma vitrine para que atenda as necessidades de compra para os brancos, somos extremamente ricos e criativos em tudo que fazemos, mas infelizmente nos comportamos de forma errada ao esperar reconhecimento por partes deles para dar o valor necessário a riqueza que já temos, pra concluir esse papo quero dizer apenas que estarmos satisfeitos com o que temos, sermos gratos pelo que temos, evoluir para dentro do que temos e proteger o que temos é o caminho avesso da apropriação cultural, e a principal forma de combatê-la

Palavras-chave: Brabos Pprt

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Do século XX em diante veremos a nova tomada dos movimentos artísticos deste século chamados de Expressionismo, Fauvismo, Cubismo, Abstracionismo, Dadaísmo, Surrealismo, Op art e pop art.

europeus era muito comum estarem entupida com artigos roubados de África, simplesmente pelo fato de estarem dissecando e extraindo cada detalhes das suas formas e conceitos.

empreitada de pelo mestura ou seja a mestiçagem artística, podemos definir a semana de 22 como a reunião dos modernistas para organizar os blocos de apropriação e descaracterização das artes negras africanas, e artes dos povos originários “brasileiros” nomeadas a partir de então como artes “brasileiras”.

EDIÇÃO 22

APROPRIAÇÃO CULTURAL

Para os artistas africanos o elemento artístico não é para fins unicamente de contemplação como acontece no acidente, lá os objetos são partes da liturgia e do dia a dia das comunidades, cada indivíduo tem uma relação interativa com o elemento ali representado. Para o conceito africano as imperfeições do objeto são partes que tornam aqueles objetos especiais, e não é muito difícil de perceber que isso fundamenta toda a nossa forma de perceber e entender o universo.


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M

eu pai sempre foi uma pessoa muito persistente e de todos os ensinamentos que ele me passou e continua passando, ultimamente tem um específico que volta a pairar sobre as nossas rotinas.

PERI SCÓPIO

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Uma parada que me vem sempre que lembro dessa memória é de que eu, tendo aulas de física todas as semanas, não fui capaz de solucionar e executar algo que teoricamente já tinha aprendido, e que meu pai, a muitos anos já formado pode não só entender mas também executar e me ensinar a fazer, e assim ele fez diversas outras vezes e ainda faz. A ideia de perfeição, além de ser uma parada branca, coloca as coisas num local cristalizado, que não pode ser criticado, algo estático, parado, enquanto o aperfeiçoamento tem a ver com se desenvolver, com movimentação constante. Não há nada tão bom que não possa ser melhorado e não existe mudança sem movimento. Essa lembrança é um lembrete constante de que sem prática o conhecimento não vale de nada, você sabe algo a medida que você sabe fazer, e que assim como podemos encontrar nos itãs ensinamentos sobre aperfeiçoamento, nossos mais velhos também nos trazem essa e outras muitas lições, cabe a nós saber observar, ouvir e aprender com eles, quem veio antes tem muito a nos ensinar, caminhos e descaminhos.

Palavras-chave: Mais velhos Pretagogia

05.JUL.21

Marina Piedade

Chegando em casa vi que a parada era mais trabalhosa do que parecia nas fotos do livro , então recorri ao meu pai, que sempre manjou mais dessas paradas do que eu, embora não tenha nenhuma formação acadêmica além do ensino médio que completou já adulto, e ele topou na hora. Metemos as caras, medimos as paradas, cortamos as cartolinas e colocamos os espelhinhos, pronto! Um periscópio, finalmente! Trabalho cumprido, já conseguia sentir o gostinho dos pontos extra. Só que não! Meu pai voltou no dia seguinte com mais cartolina e disse que se fizéssemos outro sairia melhor do que o primeiro, um pouco contrariada, mas determinada a conseguir meus pontinhos, topei! Pesquisamos mais, medimos melhor, mudamos algumas coisas e pronto! O segundo periscópio ainda melhor que o primeiro. Prestes a descansar e muito satisfeita, guardei o objeto e fui pro quarto, meu pai continuou olhando, comparando, medindo, vendo o que podia melhorar. Nessa história aí sei que fizemos pelo menos mais dois periscópios além dos dois primeiros, até discutimos porque eu já não

No final entreguei meu periscópio e foi o melhor trabalho, o professor ficou impressionado com as medidas, os ângulos… Estava realmente muito bom, muito melhor que o primeiro! E eu consegui meus pontinhos, voltei super feliz agradecendo meu pai, que também ficou muito contente, apesar de continuar achando que poderíamos fazer melhor. Essa é só uma de muitas histórias em que meu pai age dessa forma e fala de aperfeiçoamento é algo nato dele, sempre muito disposto a fazer melhor do que da última vez e embora me estresse às vezes, ele persiste em me relembrar essa lição na prática sempre que pode, sempre me dando o exemplo e me apontando coisas que posso melhorar nas minhas atividades. EDIÇÃO 22

REVISTA ÒKÒTÓ

Iza Oliveira:

Quando eu estava no primeiro ano do ensino médio minhas notas em ciências exatas eram muito ruins, nunca fui boa em matemática, física e química, mas com certeza física era minha pior matéria. Já era quase final de ano e eu já sabia que faria a prova final pra tentar não reprovar, eu e boa parte da turma. Mas ai o professor resolveu organizar uma feira de física que poderia nos gerar pontos extras. A proposta era desenvolver algum experimento ensinado (teoricamente, é claro.) em sala, e por algum motivo que já não me lembro, resolvi que iria fazer um periscópio (aquele objeto que fica dentro dos submarinos e que as pessoas usam para enxergar o lado de fora), me inscrevi sem nem saber direito o que era esse objeto, mas o desespero por pontos era tão grande que eu faria qualquer coisa.

aguentava mais todo dia fazer a mesma coisa e meu pai sempre me apontando algo que poderia ser melhorado.


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NEM SEMPRE É BOM

Iza Oliveira :

Uma vez passou na timeline deste site feices uma frase assim “Quem fala demais não merece o ori que tem”. E fiquei pensando nessa parada. O quanto tem pessoas que falam muito em horas e locais errados. Se mostram desorganizados. Vou contar um causo. Um tempo atrás fui ajudar um cliente que deixou a moto na oficina e precisava ir trabalhar no outro dia. Como era meu trajeto ofereci uma carona pra ele. No meio do caminho aquela “ abordagem de rotina” e com as “perguntas normais de rotina” — JÁ FOI PRESO? — Não — TEM CERTEZA? — Tenho — TRABALHA? FAZ O QUE DA VIDA? — Trabalho.  — TRABALHA COM O QUE ?  — Oficina — OFICINA DE QUE ? MOTO, CARRO, DO QUE QUE É? — Moto

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Bomani Gus

E como nas abordagens eles separam

Na hora do nervosismo, pensar na situação como um todo é mais importante do que pensar só na saída. A boca sendo mais rápida que o raciocínio pode custar uma cabeça na bandeja. Na quebrada quando alguém chegava perguntando: ou se sabe onde fulano de tal mora? Resposta era a mesma. — Sei não cara. Enquanto o cara não se identificava e falava qual era o real motivo do interesse ele não conseguia nem uma informação, muitas vezes até se explicando todo o sujeito saia sem a resposta. Não somos informantes de ninguém. Mas o fato é, não se fala qualquer coisa para qualquer pessoa. Você deve saber a real intenção dessas perguntas. Falar demais e na hora errada pode custar caro. O inimigo na maldade precisa só de uma migalha pra montar um prato cheio. E que pode ser usado contra você ou contra os seus. Então meu chegados, vamos parar e refletir quando for trocar ideia de progresso com aqueles que não estejam tão alinhados com os mesmos objetivos. “Não vá falar o que queres saber, sem decifrar o porquê.” — Racionais Mc’s

05.JUL.21

E assim foi indo. Fui Respondendo para o guarda somente o necessário, o básico do básico. Coisa que foi deixando ele até meio irritado. Já o cliente falava bem. O puliça perguntava “A” o cliente respondia o alfabeto inteiro.

as pessoas esperando eles caírem em contradição, não dava pra entender o que eles conversavam. Só que o mais foda desse enquadro foi o puliça que tava com o cliente chegou em mim e pediu pra ver minha tatuagem nas costas. Oxi, como assim?! Que diabo de assunto esses caras chegaram até ele citar da minha tatuagem?

EDIÇÃO 22

REVISTA ÒKÒTÓ

SER ESPERTO

A

palavra é uma grande arma. Mas é preciso saber manusear para não virar munição para o inimigo.


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NEGO SAMBA “Mudaram toda a sua estrutura, Te impuseram outra cultura, E você não percebeu” — Nelson Sargento

C

onsiderado um hino de resistência, “Agoniza, mas não morre”, famosa música de Nelson Sargento, é uma denúncia sobre a decadência do samba e das escolas. Mas, acaba também fazendo um retrato da condição do negro até hoje na diáspora brasileira.

SINCRETISMO

P

ara que o culto aos Òrìṣà continuasse vivo tivemos que assimilar com a cultura judaica cristã perdendo nossas características de culto, adotando os modo de tratamento, vestimentas, alguns cultos e também igualando os Òrìṣà aos santos católicos isso continua até hoje. Aparentemente as pessoas não querem dissociar os òrìṣà do cristianismo, enquanto não entendermos o mal que faz ao nosso povo vamos perdendo cada vez mais nossa identidade, se engana muito quem acha que isso influencia somente na fé mais isso molda todo um povo, o primeiro passo para escravizar um povo e falar que seu Deus é falso apresentando o “salvador” que os controlará. Dos poucos dos nossos que ainda se mantém devotos das divindades seja Òrìṣà, Vodoon ou N’kisi a maioria flerta com o cristianismo o que nos mantém reféns da “moral” cristã.

Palavras-chave: Pretagogia

Vejo ainda hoje pretos que dizem ter consciência racial assimilando Òrìṣà aos ditos santos católicos: Ògún a são jorge,

É através do resgate da nossa espiritualidade que encontraremos os meios de livrar “O Samba”, este negro forte, da desgraça que nos jogaram. Nelson Sargento morreu aos 96 anos no dia 27 de maio de 2021 e por isso foi a minha escolha pra começar a série “Palavra tem Axé” da página Orixás & Pretagogias.

: Iza Oliveira

Iyemonja a nossa senhora dos navegantes, Osun a nossa senhora aparecida, Oyá a santa bárbara. Obaluaiye a são lázaro. Obàtálá a cristo e muitos outros Òrìṣà, sem falar que as pessoas acham que òrìṣà são como signos dos zodíacos “A porque você é de osun e osun isso e osun aquiloo” dando muitas vezes conotações aos Òrìṣà que nem sequer tiveram. Toda vez que comparamos ÒGÚN com sao jorge estamos descaracterizando e inferiorizando nossas divindades e o nosso culto cada vez mais!

Fiu Carvalho

O que cristo fez por você ? ou melhor, o que cristo fez pelo seu povo?!

Palavras-chave: Brabos

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Ericles Ìjìlodò

Claro que temos que entender que essa foi a maneira que nossos ancestrais acharam de manter o culto vivo, e que muitos querem usar de muleta até hoje, talvez seja porque realmente eles acreditam naquilo né? De que santo de casa não faz milagre .

O sincretismo religioso é uma das maneiras que nos mantém escravos dos brancos, infiltrando nas nossas crenças, trazendo isto para dentro dos nossos terreiros.

A música vem narrando a perseguição ao “Samba”, um negro forte e sem medo, que não tem paz nem mesmo no seu espaço de culto religioso. Isso nos fala da perseguição que se fez ao homem preto e às rodas de samba na virada dos 1800 pros 1900, mas também da violência das ruas, do encarceramento massivo do homem preto e da destruição de terreiros nas favelas que tem acontecido nos últimos anos.

É aí que lembramos que mesmo com toda esta sociedade trabalhando para nosso extermínio e com as previsões mais cruéis para a extinção do homem preto, ele resiste. Esse alguém que sempre nos socorre, que sempre resgata o samba, que o sambista fala, não é outro se não o axé. A nossa espiritualidade nos mantém de pé, mesmo nas condições mais precárias. EDIÇÃO 22

REVISTA ÒKÒTÓ

ALIENAÇÃO ESPIRITUAL

Foi o sambista Carlos Cachaça, um dos fundadores da Mangueira, quem disse “macumba e samba é tudo uma coisa só” e quem traz o axé da macumba se não o homem preto?

Por fim, ao apontar que uma tal “fidalguia” – ou seja, o embranquecimento –  o abraçou e envolveu, Nelson Sargento fala sobre como o Samba, homem preto, deixou de lado sua cultura para perseguir os valores de que o prejudicam, que o levam a agonizar e que até mesmo o matam.


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O DIA DA CRIANÇA AFRICANA ME FEZ PENSAR ?

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REVISTA ÒKÒTÓ

Stephanie Manu

Mas voltando. Como poderemos criar uma criança preta nessa sociedade? É uma pergunta relativamente simples de se responder. A criação de uma criança é feita pelos pais e pela comunidade é a comunidade que ensina a criança em seu princípio, se você se relaciona com pessoas pretas e mantém um ciclo preto, uma comunidade preta, automaticamente seus filhos vão ser educados de uma forma preta, (é óbvio que não estou falando de negrescos aqui né gente). É nosso dever proporcionar isso às crianças, criar esses espaços de convivência, criá-la dentro de uma comunidade preta e mantê-la ali o máximo que for possível, convivências com brancos vão acontecer, ninguém está isento,

e mulheres que nossas crianças merecem.

De toda forma não se cria uma comunidade sem o conhecimento da história do seu povo, não a resposta se não o conhecimento. Uma criança que cresce com o conhecimento de sua história, com o sentimento de grandeza dado pela história do seu povo, com o conhecimento de quem ele é, será muito menos atingido pelo racismo. Essa é a resposta, dê às crianças o conhecimento do seu povo, dê às crianças educação preta, não só teoria, dê na prática, dê exemplo, criação é feita através de exemplos e você vai ver que tem muito mais a aprender com uma criança sobre o combate ao racismo do que com livros e teoria.

É reeducando o adulto que se educa crianças, o adulto que tá errado, todo torto embranquecido, a criança não. Ela é espiritualidade purinha, ela é pretinha por inteiro. O adulto que estraga. Então reeducando o adulto conseguimos criar as crianças, guiar as crianças por que o que é preciso elas já tem, só precisa de alguém pra dar o caminho a direção, porque assim como o nome o adulto está ali apenas para guiar, canalizar a energia. E com essa educação branca o que estamos fazendo é ceifando a energia das crianças, acabando com ela, direcionando pro lugar errado. E eu não preciso ter filho pra saber disso.

O conhecimento da nossa história que proporciona o orgulho, a noção de ser grande por ter um povo grande, é o que mostra que toda essa baboseira branca é mentira, que racista merece um socão na boca, é a nossa espiritualidade que diz que dar o que foi te dado, reciprocidade, não ta errado, ta mais que certo, tá tudo aqui, se voltando pro seu povo, se voltando para sua história, vivendo nossa espiritualidade, cuidando do nosso corpo. É assim que se cria uma criança preta. E mais do que viver o agora e fazer o que é possível agora, é construir o futuro, construir nossas escolas, nossos livros, nossas aulas, construir o futuro do povo preto, retomar o que nos foi tirado, prosperar e ser grande para ser o exemplo de homens

Eu sempre pensei em ter filhos desde que me entendo por gente, sou apaixonada pela maternidade, pelas crianças. E uma coisa que sempre disse é que meus filhos não teriam celular desde pequenos, sempre achei um absurdo uma criança que está cheia de energia, sentada o dia inteiro em frente a uma TV ou celular, isso ceifa a energia da criança. E não é uma informação aleatória, até nós adultos isso ocorre. A explicação pra isso é por que são tipo informações de fácil acesso, fácil discernimento e compreensão, a dopamina vem fácil, sem esforço, e como nosso cérebro é preguiçoso e sempre vai querer o que é mais rápido e fácil ele acaba perdendo o gosto pelas outras coisas prazerosas da vida, que duram mais tempo, porém tem mais custo para alcançar, é igual comer muito açúcar e muito sal, você não sente mais o gosto real

dos alimentos. É assim com o celular, redes sociais e etc. Obviamente que não vamos abdicar dessas coisas, mas cada coisa tem seu limite, local e idade para ser usado. Um Ser com tanta energia dentro de si, não deveria canalizá-la em algo temporário e fraco, seu cérebro precisa ser exercitado e isso não acontece separada do seu corpo. Ah! Mas não adianta falar se você mesmo tá parado, como eu disse no início. Criança aprende com exemplo. É preciso estar à disposição para acompanhar o pique dos pequenos, acompanhar as descobertas, as dúvidas e brincadeiras, é exercitando em si o que você quer nele que se cria uma criança preta. Não existe fórmula, segredo ou manual, a gente aprende fazendo, pedindo conselhos aos mais velhos e treinando. Então façam bebês! O ile ife agradece rs. É preciso uma aldeia inteira para se criar uma criança — Provérbio africano E se lembrem, não se cria uma criança sem uma comunidade. Os ensinamentos e ajuda dos mais velhos são extremamente importantes, mas não só por isso, em comunidade tem mais afeto, mais energia, se os pais não podem tem outra pessoa pra segurar a barra, canalizar a energia do menino, exercitar essa energia, tudo flui melhor, compartilhe a criação dos seus filhos com quem tem o mesmo propósito. Então já tá aí, o primeiro passo é construir uma comunidade, estar com o seus, exercitar seu corpo, mente e espírito que o resto flui.

Palavras-chave: Mais novos

05.JUL.21

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Todos nós somos atingidos pelo racismo. Na sociedade que vivemos, ainda mais na diáspora, é impossível se excluir totalmente deste mal. E é o mesmo com as crianças. Não conseguiremos protegê-las de tudo, criar uma bolha. Não dá! E não adianta ficar pensando no que não dá pra fazer, fazemos o que dá e o que deve ser feito para que no futuro seja possível o que vemos como impossível hoje. Isso não se relaciona só com as crianças, aliás, é com tudo.

mas há maneiras de diminuir.

EDIÇÃO 22

uitas pessoas podem se perguntar, “como criar meu filho ou minha filha como uma educação preta, se o branco tá em todo lugar? se sou obrigada a matricular ele numa escola branca? etc etc etc.” Isso vem muito de uma “cultura brasileira”, branca mesmo, de não querer tomar a responsabilidade sobre as coisas.



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