Revista
Pajeu zeiro Ano I - Número 5
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eXPEDIENTE PRODUÇÃO E PROD. EXECUTIVA
William Tenório REDATOR CHEFE
Alexandre Morais Jornalista DRT-PE 2707 ASSISTENTE DE REDAÇÃO
Bruna Tavares
CORREÇÃO ORTOGRÁFICA
Alexandre Morais Wivianne Fonseca FOTÓGRAFOS
Claudio Gomes Thiago Caldas ARTE E DIAGRAMAÇÃO
William Tenório
TRATAMENTO FOTOGRÁFICO
Thiago Caldas FOTO CAPA
Thiago Caldas EQUIPE DE REDAÇÃO
Alexandre Morais Bruna Tavares Genildo Santana Silmara Marques William Tenório Wivianne Fonseca CONTEÚDO AUDIOVISUAL
Pajeú Filmes
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Editorial
hegamos novamente. Chegamos pra partir. A Pajeuzeiro está sempre chegando e indo, trazendo e levando as tradições e os fazedores de cultura muito bem embrulhados em finas e coloridas páginas. É bem verdade que nossas tradições são comumente embrulhadas em jornal ou naquele marronzinho papel de pão. Mas costume de sertanejo é tratar bem. Então a gente oferece o melhor que tem para o nosso público. Público fonte das matérias e público leitor. Como não fazer isto com o veterano bacamarteiro Elias. E bacamarte não é coisa que se enrole com qualquer papel. Ele que o diga, como nos diz em profunda relação de envolvimento com a arma que é um amor. Porque é arte. Do tanto que é a cachacinha nossa de cada dia. Claro, a Cachaça Triunpho, que é mais nossa do que qualquer outra. O criador, o triunfense Pedro Júnior, tá aqui pra nos contar tudo. Sobre a cachaça e outras iguarias extraídas, originalmente, da doce cana de açúcar. E se o assunto é extrair da natureza, estão aqui também os raizeiros. Os experientes Luiz Vicente e Sebastião Sabino revelam um pouco sobre a sabedoria popular que se transforma em medicina. Que cura a alma e o corpo. Que faz milagre. Óbvio, para quem acredita. E são muitos, viu! E os sons? Estes também são extraídos, se transformam e, acredita-se, curam também. Com Cacá Malaquias é assim. O mestre carnaibano nos fala sobre a vida, a arte e o poder que a música tem para formar mais do que músicos. Formar pessoas. Tudo com muita propriedade. Ele sentiu, viu e vivenciou isto a vida toda em vários pontos deste brasilzão. Hoje ele é Carnaíba. É o personagem de uma história montada por ele próprio para ter um final feliz, mas que nem se pensa nos últimos capítulos. E tem Karl Marx. O nosso, o serra-talhadense. O Lampião dos palcos, telas e terreiros. Tá aqui batendo papo e contando tudo (inclusive o porquê deste nome). Ele é ator, diretor, produtor cultural, dançarino e coisas que só lendo. Neste balcão ainda tem Genildo Santana, que traz o livro Fragmentos do Pajeú: sociais e políticos, da escritora tabirense Nevinha Pires. Tá lá na coluna Vale a pena conhecer. E ele mesmo fecha a conta. Ele, Genildo, que também nos fala sobre a Mesa de Glosas, uma apresentação de poetas repentistas que tem ganhado cada vez mais adeptos e públicos. É mais um produto exportação do Pajeú. Pega aí, cliente! O pacote tá pronto. Pode levar pra qualquer canto e se deliciar. Lendo, degustando, embriagando-se. Nem precisa pagar. A Pajeuzeiro é sua. Revista Pajeuzeiro - Ano I - Número 5 |
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Elias e a arte do bacamarte Texto Silmara Marques | Fotos Claudio Gomes
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xistem momentos na nossa vida que ficam perpetuados na memória e que o tempo ainda não adquiriu forças para apagálos. É um desses momentos das festas de Padroeiro no Povoado de Pelo Sinal, município de Solidão, que trago comigo. Desde pequena via aquele monte de soldadinhos que pareciam ter saído das telas de TV e com gracejo animavam a festa em
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honra à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Sempre tive a curiosidade de saber quem eram e qual o significado de tudo aquilo. Hoje, uma bela tarde de terça-feira, de sol quente do Sertão, tive a oportunidade de conhecer uma figura indiscutivelmente incrível, o senhor Elias, 80 anos, um dos mais antigos praticantes da arte na região. Juntamente com o presidente da Associação de
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Bacamarteiros Asa Branca, Adriano José, e o fotógrafo Claudio Gomes, saímos da Associação rumo à casa do nosso personagem. Seu Elias, em conversa mesclada de sorrisos e saudades, nos fez viajar para momentos mágicos, onde a imaginação ganha força para além do limite. Com jeito simples, mãos calejadas de quem já trabalhou muito, ele nos conta sobre o
casamento com Dona Creusa e os quatro filhos. Apenas dois sobreviveram e dois eles devolveram para Deus, como o mesmo frisa. Com um sorriso sem jeito, disfarçado de orgulho, fala dos sete netos e sete bisnetos. Em conversa amistosa sobre como aprendeu a arte, ele nos fornece uma verdadeira aula sobre o bacamarte. Seu semblante modificase ao recordar dos tempos de outrora, dos tempos do menino Elias de apenas seis anos, que saía atrás do avô, um grande bacamarteiro, o senhor João Salustiano, com quem aprendeu. “Naquela época podia, meu avô me deu um bacamarte menor e colocava uma pequena quantidade de pólvora e eu saía atirando todo feliz”. Foi ali que pensei em colocar o título deste texto como De avô para Neto a arte do bacamarte. É comum que essa arte passe de pai para filho e apesar do pai saber atirar, foi o avô quem incentivou o pequeno. Entretanto, o mesmo não ensinou a nenhum filho ou neto, o que nos leva a acreditar que essa arte na família chegará ao fim pelas mãos de seu Elias. Com empolgação nos relata as festividades nos sítios próximos a Quixaba, quando acompanhava o avô até a casa do anfitrião, Mané Senhor, um dos grandes encontros que reunia cerca de 800 bacamarteiros. “Era festa grande, ele matava um boi para alimentar o povo. Era uma festa em honra de um santo, só não lembro qual era deles, pois eu tinha 10 anos.”
O bacamarte é uma arma de fogo de cano curto. Em alguns lugares também é conhecido como riúna (cano longo), granadeira, entre outros. Ao som do guia de tiro, o bacamarteiro deixa o seu alinhamento em direção ao centro, aponta para o chão e atira. Devido ao grande uso de pólvora seca (sem chumbo), o barulho é estrondeante e levanta-se uma grande cortina de fumaça. Tudo faz parte do espetáculo. A arma que seu Elias possui era da linha de frente da guarda do rei Dom Pedro II. “É uma riúna, pode observar que aqui (apontando para o final do cano) era onde colocavam a baioneta (uma espécie de faca ou lança) que tanto podia ferir o inimigo pelo tiro, como pela ponta afiada. Neste momento Adriano José apresenta outra relíquia, a arma do veterano bacamarteiro Agenor Mariano, de 68 anos. ”Essa era da guarda pessoal do rei. Tem marcação na parte de
fora, onde podemos observar a coroa real. Apenas duas pessoas na Associação tem arma com essa marcação original,” explica Adriano. Falando em associação, a que seu Elias, Agenor e Adriano participam foi criada em 2002. Isto permitiu a legalização de vários grupos de Afogados e região, uma vez que tornou-se díficil conseguir autorização do exército para a prática. As vestimentas utilizadas, em regra, são compostas por uma farda azul (algodão), lenço no pescoço de cor vermelha, chapéu e alpargatas de couro. Hoje a Associação de Bacamarteiros Asa Branca conta com 150 membros, sendo 138 homens e 12 mulheres. Na maior parte do Estado de Pernambucano, o Dia do Bacamarteiro é comemorado no dia 24 de junho, dia de São João. Isto porque na tradição nordestina os bacamarteiros saem nesta data antes dos primeiros raios de sol em reverência ao santo.
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No caminho da cachaça Texto Bruna Tavares | Fotos Thiago Caldas
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oltamos a Triunfo. Desta vez para outro papo bacana com um apaixonado pela cidade. E, claro, por uma boa cachacinha. Pedro Júnior nos recebeu de braços abertos no Engenho São Pedro para contar sobre mais esse empreendimento que alavancou o turismo e o nome da cidade do Pajeú no Estado.
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Primeiro, fizemos uma visita guiada pelas instalações do engenho. O próprio Pedro Júnior explicou o passo a passo da fabricação da tradicional Cachaça Triunpho, desde a moagem da cana, verificação de qualidade e distribuição das garrafas para todo o país. Depois, sentamos ao ar livre, tendo a vista da cidade de
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Triunfo para saber mais sobre a história desse homem inovador, do engenho e da cachaça produzida ali. A conversa começa sobre a história do Engenho São Pedro. Pedro Júnior conta que comprou o engenho, embora seu avô tenha sido dono de um e ele tenha crescido brincando entre os bagaços de cana. “Este
engenho não era o da minha família, mas eu tinha uma ligação desde menino com este ambiente. Mesmo quando saí daqui sempre vinha passar as férias e só voltava na marra. As vezes juntavamos uns 15 primos nas férias”. Estas memórias, sempre presentes na vida de Pedro, colaboraram para que ele resolvesse voltar à cidade depois de anos peregrinando pelo Estado como funcionário do Banco do Brasil. Nesse retorno, foi um dos fundadores da associação Amigos de Triunfo. “Foi uma das coisas que começou a trabalhar a vocação de Triunfo para o turismo, em 1994.” Nesse caminho já estava construída a Pousada Baixa Verde. “Tínhamos aqui só a pousada das freiras alemãs, que funcionava bem, mas precisávamos de um hotel profano”. Depois veio o parque aquático Águas Park e em seguida a reforma e produção no engenho. “Como estudei Administração de Empresas, tinha que sistematizar algumas coisas né?”, afirma Pedro. E foram anos de trabalho. “Uns quatro ou cinco anos, devagarinho, ajeitando e tal. Foi o tempo também para me tornar autodidata em cachaça”, recorda. “Para entrar no mercado era preciso ter um diferencial. Além da grafia, a Cachaça Triunpho foi a primeira certificada no Brasil pelo Inmetro como ecologicamente correta.” Todos os materiais utilizados na fabricação e apresentação da cachaça fazem parte dessa preocupação
de Pedro Júnior em manter a qualidade e fortalecer a economia local. Produtores de cana na região são orientados, a palha e as garrafas utilizadas como embalagem são produzidas e compradas de famílias no interior do Estado e até os barris utilizados nas etapas de produção são feitos de forma artesanal. Pedro lembra que para produzir é preciso entender e gostar de cachaça. “Uma tia minha tinha uma bodega aqui em triunfo e fazia uma raizada para vender. Ainda adolescente, eu pedia pra tomar um pouco e também pedia para ela me dar a receita. De tanto pedir, um dia ela me deu.” Anos depois, quando reencontrou a receita começou a produzir, mas foi proibido pelo Ministério da Agricultura, por ser considerado remédio e não cachaça. Mas logo vieram as mudanças necessárias e a esperada autorização.
Com o passar do tempo, outras inovações foram agregadas à produção do engenho. Além da cachaça, o Licor de Cana e a rapadura, que já era produzida antes e ganhou novos formatos e sabores. Virou até sorvete. O Engenho São Pedro manten-se aberto diariamente para visitação. Os funcionários são capacitados para apresentar aos visitantes os caminhos de tudo que é produzido ali. Visitar o engenho significa um resgate da memória sertaneja. “Nas épocas áureas dos engenhos em Triunfo, vendia-se muita rapadura. Um engenho desse pegava entre 30 a 35 pessoas. Dessas memórias revive o Engenho São Pedro com toda a atividade. Os produtos feitos ali ganham o mundo e levam consigo a história e memórias de um homem, de uma cidade e de sua região. O Pajeú de Pedro vai cada vez mais longe.
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| Cacรก Malaquias
Uma vida pela música Texto Bruna Tavares | Fotos Thiago Caldas
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o auge dos seus 60 anos Cacá Malaquias segue com pura disposição, distribuindo notas musicais e experiência artística por onde passa. Vive na estrada, mas mantém um pouso semanal nos redutos do Pajeú, especificamente em Carnaíba, sua cidade natal. Na cidade não é difícil achar quem conheça o filho do alfaiate e músico Petronilo Malaquias e de Maria das Mercês. O avô materno era um seresteiro conhecido na cidade. E nesse mundo, era quase inevitável que o Carlos Antônio Malaquias, nascido em 06 de junho de 1957, não tivesse boas lembranças musicais de casa. “Meu pai encontrou grandes músicos, como o maestro Israel Gomes. Inclusive eles tocavam muito juntos, eu me lembro muito bem dos dois. Toquei tanto com meu pai, quanto com o Maestro Israel Gomes”. O pai de Cacá estudou música em Caruaru, mudouse para Carnaíba, casou-se e ensinou o que sabia aos 13 filhos. Praticamente todos tocam algum instrumento, principalmente os homens. A
casa em Carnaíba era um lugar de música. “Eu me lembro que lá em casa nós morávamos nos fundos e na frente funcionava como alfaiataria e também como a sede da Banda Filarmônica Santo Antônio.” Nesse contexto, aos 4 anos de idade, Cacá já tocava tarol e aos 10 já era considerado profissional. Mas nunca deixou de estudar música. “Eu tinha o ouvido desenvolvido pelo fato de ter crescido num ambiente musical e também tocava lendo, porque o meu pai dizia que só tocar de ouvido não era bom. Então, eu tinha que ler partitura também”. Cacá lembra que ao lado do irmão Petronilo Malaquias Filho, o Maninho, já estava na estrada muito cedo, se apresentando em bandas da região. “Nós éramos os menores na banda. Era meiahora de show e o povo parava e ficava olhando a gente tocar. Muitas vezes botava o ouvido perto do instrumento pra ver se estava tocando de verdade.” O menino acompanhava o pai e Mestre Petronilo nas aulas pelas cidades da região, preparando bandas para apresentações em desfiles cívicos
e eventos locais. “Ele lecionou em Flores, Serra Talhada, Princesa Isabel e onde meu pai ia me levava”. Acabava passando a semana lá, estudando também, de segunda a sexta, e no retorno à Carnaíba, lembra com carinho, de chegar na cidade cedinho junto com o trem. A música sempre foi uma profissão para Cacá, mesmo com o preconceito existente na época. Viver de música era o que ele queria e para isso era preciso estudar. Chegou a ser convidado para um teste para jogar no Santa Cruz Futebol Clube, mas recusou. O amor pela música sempre falou mais alto, e tinha bons motivos para admirar tanto essa arte. “Tinha músicos fantásticos na região, em Sertânia, São José, Tabira, Flores, Serra Talhada, Princesa Isabel, Juru, Água Branca, todos esses municípios tinham uma banda.” Entre discos, partituras, instrumentos e sons, Cacá cresceu. E com ele o desejo de ir ao Rio de Janeiro aprender mais. Na decada de 70, entre idas e vindas de apresentações no Carnaval do Crato (CE), veio a provocação: “Rapaz, o que você tá fazendo aqui? Por que
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você não vai pra São Paulo?” Mesmo com toda resistência da família e todo o medo que a desconhecida São Paulo poderia causar, Cacá deixou o Pajeú. “A família se reuniu e disse: ‘você não vai não!’. Eu disse: ‘eu vou!’. Sempre fui determinado, sempre tive o pé no chão e sabia o que eu queria. Minha ideia era tocar, adquirir conhecimento e voltar pra minha cidade, pra ensinar.” Chegou em São Paulo em março de 1978. Chegar a capital paulistana foi simples, difícil foi achar os primeiros contatos. Cacá chegou com três endereços e logo descobriu que dois deles não iriam ajudar. Dormiu numa construção próxima à estação do metrô Ana Rosa, esperando o dia clarear para tentar o terceiro. “Fiquei acordado. Aquele movimento todo de São Paulo, de ônibus, de carro, quando o sabiá começou a cantar eu levantei.” No dia seguinte pediu informações e achou o terceiro endereço. Na verdade foi achado pela dona da casa que procurava. “Quem me encontrou foi a mulher de Antônio Mendes. Eu escorreguei, ela viu, se aproximou, reconheceu que era um nordestino e disse: ‘você é de onde?’ Quando eu falei Carnaíba ela disse: ‘você é filho de Seu Petronilo?” Ele lembra que naquela época era difícil encontrar músicos novos em São Paulo e os mais velhos estavam buscando uma renovação, queriam ensinar o que sabiam. E o interesse de Cacá em aprender foi fundamental para abrir portas. Matriculou-se na Fundação das Artes de São Caetano do Sul. “Para trabalhar com a música precisa estudar, não é só pegar o
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instrumento e sair soprando não. A música é infinita e você precisa estudar a teoria”. Foi apresentado a outros músicos, tocou em diversas bandas e com artistas da música brasileira como Lenine, Gal Costa, Roberta Miranda, Ivan Lins, Fábio Júnior, Chico Buarque, entre outros. Cacá conta dos convites que recebeu no mesmo dia em1983, seguir com Jorge Ben Jor numa apresentação em Israel ou acompanhar a banda de Roberto Carlos na turnê do LP Emoções. “Eu achei mais interessante tocar com Roberto Carlos, que era pra poder também presentear a minha família”. Nesses caminhos, ao lado de outros colegas instrumentistas, sentiu a necessidade de formar a sua própria banda. “Queríamos fazer a nossa música. A maioria dos músicos vem de banda filarmônica, que é onde você toca o repertório mais amplo”, continua, explicando que o interesse não era o dinheiro, mas a possibilidade de tocar outros estilos musicais que gostava, em especial os que ouvia desde a infância através da Rádio Pajeú. “Eu ouvia muita coisa na Rádio Pajeú, precisava nem ter rádio em casa, você ouvia passando na esquina, no beco onde tinha um hotelzinho”. Foi assim que surgiu a Banda Mantiqueira, CDs e apresentações musicais. Não demoraram a chegar os prêmios. O segundo lugar no Grammy de Música e o de Melhor Banda Instrumental no Prêmio TIM de Música, em 2006, dos quais Cacá guarda boas lembranças. “Tenho os troféus em casa. Hoje a Mantiqueira é uma banda conhecida internacionalmente.”
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Depois de mais de 20 anos longe, tantas lições, amigos, fãs, filhos, havia chegado a hora de voltar à Carnaíba e realizar um antigo sonho: ensinar na cidade as novas coisas que aprendeu nos anos de estrada. “Cheguei em Carnaíba no dia 31 de dezembro de 2007. Vim embora de mala e cuia”. O trabalho na Escola de Música da cidade e junto à Banda Filarmônica Santo Antônio estavam garantidos na cidade, e de lá para cá, só tem avançado. Com todas as histórias e experiências na vida musical, Cacá hoje entende a música como uma forma de inclusão social. A disciplina, os ritmos, a atenção colaboram para a formação. Nesse sentido, ele destaca, também, o papel como professor de música e a necessecidade de adaptar-se às novas realidades. “Cuido muito das crianças. É preciso saber exatamente como lidar. Hoje você não pode ser muito duro com a criança, tem outras coisas para as crianças fazerem, tem a tecnologia. Se você for muito duro eles saem e não voltam mais.” Cacá acredita que faltam iniciativas que chamem a atenção dos jovens para as atividades culturais “no Brasil, na região, o que falta é ter mais coisas, mais projetos que incentivem os nossos jovens.” E brinca: “uma coisa que adoro é a poesia. Gostaria muito de fazer uns versos, mas é difícil que é danado”, sorri, ao fazer referência a outra marca da cultura do Pajeú. Trabalhos e projetos, Cacá tem muitos. Atualmente ministra aulas em Carnaíba e Tacaratu (Pernambuco) e Delmiro Golveia (Alagoas), além das viagens e apresentações.
No início de 2017 começou a gravar o primeiro CD solo, não esquecendo os parceiros da vida. “Quero gravar com músicos daqui do sertão, de Recife e São Paulo.” Para encerrar, um comparativo sobre o cenário musical do Pajeú nas décadas de 60 e 70 com o século XXI. Perguntado sobre as principais
diferenças, a resposta é objetiva. “Antigamente tinha que estudar muito, aprender de verdade. Hoje qualquer pessoa pode ir pra uma banda de música e tá tudo certo. As vezes tem muita lábia. A pessoa aprende duas notas e acha que não precisa mais estudar, monta uma banda e sai tocando. Mas não dá pra desanimar de tudo.
Coluna VALE A PENA CONHECER...
Tem muitos músicos na região que admiro muito.” Cacá segue os caminhos do pai, pela estrada, deixando música de qualidade por todo canto, ensinando aos jovens o que sabe e sobre as experiências que teve na vida. Segue espalhando a cultura do Pajeú por onde passa. E sempre querendo mais.
| Genildo Santana
...o livro Fragmentos do Pajeú: Sociais e Políticos da escritora tabirense Maria das Neves Pires Sobrinho, a Nevinha Pires. Este livro, lançado em 1997, faz um passeio por todas as cidades do Pajeú, abordando seus aspectos políticos, sociais e culturais. Fruto de extensa pesquisa de campo e conhecimento de causa (por ser a autora uma pajeuzeira nata e de coração), de pesquisa bibliográfica e biográfica, este livro traz uma estatística de todas as cidades pajeuzeiras até então. Estatísticas oriundas do IBGE (Instituto Brasileiro de geografia e estatística). A autora, professora e pesquisadora, ofertou aos seus irmãos sertanejos uma rica fonte de pesquisa para quem quer se debruçar e se debruça na história do Pajeú.
O livro se viu lançado em várias cidades do Pajeú, onde contou com enorme aceitação por parte de secretários de educação, gestores e pessoas de cultura. É um dos seis filhos literários da escritora tabirense. Vale registrar que é nele que a autora expande sua literatura, sua temática, desprendendo-se do tema Tabira, característico de outros livros: Tabira e sua Gente, Tabira: Histórias e Estórias, Historia do Poder Legislativo de Tabira. Em suas linhas, a autora ressalta dois aspectos dignos de nota: primeiro, fala de uma identidade pajeuzeira. Um sentimento de pertença a uma região. Uma identificação que nos faz povo, gente do Pajeú. Assim como o Rio São Francisco é o rio da unidade nacional, o Rio Pajeú
nos une e faz de todos nós um povo bem característico. Ressalta o livro aquele pensamento do advogado Zé Rabelo que, após exaustiva pesquisa, concluiu que a civilização que se desenvolveu às margens do Rio Pajeú em nada deve às civilizações Mesopotâmicas dos rios Tigre e Eufrates, à egípcia do Rio Nilo, à civilização do Rio Tejo, em Portugal. Um segundo aspecto é a preocupação com o futuro dessa região, sua natureza, seu povo, sua gente. Preocupação que permeia todos os trabalhos da autora. Revela a autora uma preocupação com a juventude, futuro dessa região. Dizia sempre que era principalmente para os jovens que ela escrevia. E então, jovens do Pajeú? A escritora Nevinha Pires, filha do ex-prefeito de Tabira e de Afogados da Ingazeira, exdeputado estadual, Pedro Pires, faleceu no dia 18 de Novembro de 2016. Sua preocupação com os jovens terá sido vã? Ficará no esquecimento sua obra? Suas ideias? Acredito que não!
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Medicina popular, a cura pela cultura Texto Wivianne Fonseca | Foto Claudio Gomes
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cultura popular, entre tantas linguagens e expressões, atrevese a adentrar na medicina, área historicamente ocupada por profissionais com formação clássica (científica e acadêmica). Ela ocupa esse espaço, ainda que periférico, envolvendo relações sociais que entrelaçam cuidados com a saúde e práticas religiosas, colocando em jogo tradições e inovações, rupturas e
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contradições, na oferta e no consumo de bens materiais e simbólicos. A medicina popular representa, portanto, um importante elemento cultural de uma sociedade. Os conhecimentos que representa foram construídos pelos povos num processo histórico, sendo respeitados no cotidiano, cristalizados nos hábitos e nas tradições. Quem nunca foi rezado “de mal olhado” ou
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tomou um “chazinho” para uma dor ou mal estar? Quando os portugueses chegaram ao Brasil já utilizavam plantas medicinais. Mas o conhecimento indígena, também muito apurado, contribuiu com a grande maioria de plantas que passaram a ser usadas como medicamento. A sabedoria popular nessa área, geralmente, utiliza duas formas de tratamento:
as plantas medicinais e as rezas ou simpatias. Em alguns casos, estas duas formas são empregadas juntas, como é o caso das rezadeiras que utilizam plantas medicinais para realizar as orações nas pessoas doentes. Todo município tem sua referência de “rezador” ou “rezadeira”. Na feira livre, a referência para a prestação desse serviço de medicina popular é a “raizeira” ou o “raizeiro”. O domínio do saber popular da cura com ervas é democrático: aceita homens e mulheres. Buscando na feira livre de Afogados da Ingazeira e Tabira, encontramos, nesse caso, dois raizeiros já conhecidos “nas receitas e preparos” da medicina popular: Seu Sebastião e Seu Luiz. Em Tabira, nosso personagem é Luiz Vicente, conhecido como Luiz Raizeiro. Com 73 anos, há 17 anos trabalha com medicina popular. Oferece suas ervas, garrafadas e xaropes nas feiras de Tabira e de Afogados da Ingazeira. “Aqui tenho de tudo: semente de Girassol pra quem teve derrame, bicarbonato pra azia e má digestão, fruta de Jatobá, que é vitamina pura, pra inflamação e pra nervo abalado”, afirma ligeiro, entre um atendimento e outro, porque o chega e sai de gente querendo atendimento não para. Entre remédios finos (que provocam transpiração excessiva, por isso o doente não pode se molhar na água fria de chuva ou banho), remédios frescos (que refrescam o corpo por dentro) e remédios quentes
(que colocam a doença e o calor para fora do corpo), Luiz Raizeiro afirma ter encontrado sua profissão e razão de vida. “Eu gosto demais de trabalhar com erva. Conversar com as pessoas, dizendo a elas o que pode melhorar o problema que elas tem”. Em Afogados da Ingazeira, o raizeiro é Sebastião Sabino. Com 51 anos, tem uma relação ancestral com a medicina popular. “Isso é um dom que Deus me deu. Trabalho nisso desde novo. Meu pai, meu avô, meu bisavô, todos eram raizeiros”. Sebastião nasceu em Viçosa, Alagoas, mas afirma: “Me criei do Pernambuco pra Paraíba e tô aqui há 36 anos. Me naturalizei afogadense”. Morando na comunidade rural de Pintada, vende suas ervas na feira de Afogados da Ingazeira, de Tabira e de Custódia. Na banca, Sebastião tem de 70 a 80 ervas, mas para fazer seus medicamentos usa “mais de 300 qualidades” de plantas medicinais. “Quando não tenho, eu compro onde tiver. Vou buscar ou mando trazer do Maranhão, do Amazonas, do Mato Grosso, do Pará, dos Estados Unidos... Vem de longe... atravessa os outros países”. Nas garrafadas, que indica para a cura do câncer, há 38 ervas. “O pessoal de São Paulo me compra essa garrafada até pela internet. Me compra a garrafa a 35 e revende lá por 100, 150 reais”, destaca revelando o comércio que “atravessa” a produção da medicina popular. Quer parar de fumar? Pílula do mato! “É feita de
ervas. Os índios que faz. Você tomando direitinho, fecha os dois dias, não fuma mais nunca”. Parar de beber? Pó de urubu! “É o pó feito com sangue e a pena do urubu. Já tirou vício grande, de cabra que tava já se acabando no álcool”. Entre hibiscos, sementes de sucupira, óleos de pequi, de linhaça, de girassol e de hortelã puro; banhas de jacaré, de avestruz e de capivara; nonis e pomada das 16 ervas, Seu Sebastião chama a atenção para o Maná das Crianças, uma espécie de “xarope sólido”. Açucarado, parece uma versão de pirulito em flocos. “É um ótimo remédio! Cura tosse e bronquite”. Ainda sobre o maná, conclui revelando a relação afetiva que estabelece com a produção desse alimento-medicamento. “O maná das crianças é tirado da resina da madeira. É nutritivo, cheio de vitamina. É um trabalho que os índio faz também. Isso é o índio que produz. Eu sou descendente de índio. Sou neto de índio alagoano, respeito muito esse trabalho”. Sobre a continuação do trabalho com a medicina popular, é enfático. “Tenho três filhos, mas não sei se vão querer mexer com erva medicinal. Eles só estudam. Tem um que quer ser engenheiro”. Concluindo, num fio de esperança, acrescenta. “Mas se eles quiserem aprender, estou pronto para ensinar”. Que queiram! A cultura popular agradece!
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um papo de boteco | Karl Marx
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Karl Marx Virgulino da Silva, o Lampião
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a vida ele é Karl Marx Santos Souza, nascido em 21/01/90, na cidade de Serra Talhada. Na dança, nos palcos, nas telas (e até em momentos da vida) ele é Lampião, o conterrâneo e afamado cangaceiro. Na vida como na arte ele é fruto de Anildomá Willans e Cleonice Maria, pai e mãe dos novos Cabras de Lampião. “Não 100%”, bradaria o nosso contemporâneo revolucionáriocangaceiro, porque na arte ele muito moldou-se sem interferências das referências hereditárias. Assim é forjado este nosso real personagem. Um cara que gostava de futebol. Que escrevia poesia, mas não mostrava a ninguém. Que foi ao teatro e à dança para se aproximar das meninas. Que virou um artista-vitrine por seus passos e interpretações. Que precisou ser mais, fazer mais e de tanto fazer mais está vendo o produtor que tornou-se sufocar o artista que é. Um cara cheio de ideias e escasso de tempo para cuidar das ideias que já viraram ação. Mas que achou tempo para bater um Papo de Boteco com a Revista Pajeuzeiro. Ladeado por Alexandre Morais, William Tenório, Claudio Gomes e Thiago Caldas. Quase um bando.
E esse nome? Muita gente não sabe quem foi Karl Marx e acaba nem perguntando. Mas a explicação é que meus pais são dois comunistas ferrenhos e meu pai fez a promessa de que se o filho fosse homem teria esse nome em homenagem a Karl Marx, do Capital. Outro irmão meu tem o nome de Sandino Lamarca, por conta do revolucionário da Nicarágua e do combatente baiano que enfrentou a ditadura. Só que eu tenho outros dois irmãos por parte de pai, que são de uma época em que meu pai era muito ligado à igreja. Aí os nomes destes são Saulo e Simão Pedro. Infância Meu pai vem do movimento de teatro de rua, do antigo Movimento de Teatro Popular, em Recife. Ele trouxe uma célula desse movimento pra Serra Talhada e foi onde conheceu minha mãe, que também é dessa base. Então eu nasci e me criei nesse meio. Eles se apresentavam nos bairros, na zona rural e eu, bebê ainda, ia a tiracolo, vendo tudo aquilo desde muito cedo. Essa é minha grande influência. Eles sempre foram artistas,
os parentes dos dois lados também, os amigos, então fui forjado pra isso. Só que não foi só teatro. Era dança, poesia... eu conheci tudo já criança. Passos Criativamente, comecei a escrever. Escrevia poesias pra mim mesmo. Depois comecei a dançar, mas era mais pensando em se aproximar das meninas. Depois veio o teatro. Na escola eu era muito fissurado por bola, mas por volta dos 13, 14 anos eu tive que escolher o que queria, porque já tinha muita coisa ao mesmo tempo: ensaios, treinos, jogos. Aí priorizei o xaxado. Ali foi a largada pra tudo que eu faço hoje. Naturalmente Apesar de todo esse envolvimento de meus pais com as artes e de sempre me levarem junto, eu nunca fui forçado a nada. Tive toda aquela preocupação com os estudos, a orientação a seguir outros caminhos, buscar uma profissão, tudo isso. Um exemplo é que quando cheguei na idade do vestibular eu escolhi livremente o que fazer. Acabei fazendo pra Jornalismo, em Caruaru,
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Economia e História, aqui em Serra, e Administração, em Recife. Vê a diferença entre um e outro! Passei nos quatro, mas escolhi fazer Economia. Depois fiz História também. Mas... Mesmo na faculdade, sempre trabalhei cultura. No curso de Economia um professor me provocou a pesquisar sobre Economia da Cultura. Me identifiquei, participei de encontros, seminários e vi o quanto o curso seria importante para minha atuação artística. Tive artigo publicado pela Funarte, fui convidado a participar do primeiro seminário nacional de política cultural e minha monografia foi sobre empreendedorismo cultural. No curso de História os colegas, os professores, todo mundo dizia que eu tinha que falar sobre cangaço. Por indicação de um amigo minha monografia foi sobre A solidão no cangaço. Enraizado Teve a fase dos concursos também. Passei no concurso dos Correios, da Polícia Rodoviária Federal e da Prefeitura de Serra Talhada. O da Prefeitura foi anulado. No dos Correios eu tinha que ir trabalhar em Petrolina e no da Polícia eu não gostei da prova e relaxei. Quando saiu o resultado, tinha que ir fazer o teste físico duas semanas depois. Vi que não conseguiria e desisti. Além do mais, era em Brasília. Aí parei. Eu não queria sair de Serra e
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Moldado na precisão Muita coisa na minha vida foi por necessidade. Porque alguém tinha que fazer. Então aprendi a fazer projeto porque alguém tinha que aprender, a tocar porque precisava de alguém que tocasse; entrei no xaxado porque tava faltando uma pessoa. Na montagem dO massacre de Angico tava faltando Lampião, eu fui ser. Só que eu sigo uma coisa que meu pai ensinou: se é pra fazer, vamos fazer bem feito. Aplico isso em tudo e acho que por isso que acaba dando certo.
Carreira No teatro eu fiz o espetáculo O homem da vaca e o poder da fortuna, que é um grande texto de Ariano Suassuna. Fiz A paixão de Cristo em Serra Talhada, Camaragibe e Recife; Lampião e Maria Bonita, o último café, um texto de Marcos Barbosa, de Salvador; O massacre de Angico, a morte de Lampião; O vate peregrino, que conta a história de Emídio de Miranda e estou ensaiando um monólogo chamado As mãos de Eurides, que é um clássico. No cinema fiz Papo amarelo, o primeiro tiro; e Fogo na Serra Grande. Na dança, comecei dançando tudo e parei no xaxado com o Grupo de Xaxado Cabras de Lampião.
Herança Já me incomodou muito ser visto como o filho de Domá e Cleonice. Era uma sombra que perturbava. Porque via minha capacidade questionada, como se nada fosse mérito meu e sim porque sou filho de quem sou. Hoje eu vejo que são referências e a gente precisa disso. E sei de minha história. A minha primeira peça de teatro, por exemplo, eles nem sabiam. Eu saia de casa dizendo que ia jogar bola, mas ia pra escola de teatro que uma professora de Recife tinha montado aqui em Serra. Foi um amigo de meu pai que me viu lá e disse pra ele. Quando cheguei em casa ele perguntou como era, se era bom e se eu ia continuar. Pronto. Fiquei lá e fui o protagonista da peça por meu próprio desempenho.
Produção Hoje eu tô muito produtor, muito burocrata, e isso incomoda muito. Eu tenho que produzir, que criar, que administrar, gerenciar e ainda ser artista, fora os compromissos pessoais e familiares. Isso acontece, muitas vezes, por falta de quem assuma essas funções. Ganhei até a fama de centralizador. É difícil, mas alcançamos uma estrutura e uma agenda privilegiadas com a Fundação Cultural Cabras de Lampião. Temos a sede, que é o Museu do Cangaço, temos eventos mensais e anuais, vários projetos em execução e uma equipe consolidada. Tem gente que já vive exclusivamente da arte, da cultura, que tá com a gente há 15, 20 anos. Tudo isso é muito bom.
queria viver de cultura, que é como vivo. Pensei: se meus pais sempre viveram assim, porque não eu?
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Referências Eu cheguei na Fundação com uma formação a mais, mas fui só um a mais pra ajudar. Muita coisa já tava pronta, encaminhada e a principal referência é meu pai. Ele é muito inteligente, tem uma sensibilidade diferenciada, consegue enxergar além. Muita gente vê ele como um cara brutão, cabeça dura, mas ele é muito sensível, percebe as necessidades de mudança e tá mostrando aí que tá dando certo. Entre as coisas gratificantes de minha vida é ter contracenando com ele. Da forma como foi trabalhar com José Pimentel, com Asissão, Ruy Grudi, Dedé Monteiro. São pessoas que eu cresci os vendo como ídolos. Lampião Meu pai tem uma paixão por Lampião. E isso também
foi muito presente em mim. Era meu pai quem acordava primeiro e preparava o café e me preparava pra escola. E quando ele acordava já botava pra tocar uma fita cassete só com música e poesia sobre Lampião. Eu acordei escutando aquilo todos os dias da minha infância. Decorei o poema “A chegada de Lampião no inferno” e declamava na escola direto. E eu já gostava daquilo, do tema e de me apresentar. Questionamentos O Lampião que a gente discute é o que tá inserido em seu contexto histórico. Não discutimos o bandido, mas a situação social que fez surgir aquele tipo de bandido. E aí vimos que as mesmas desestruturas sociais se arrastam até hoje. Não é questão de apologia ao crime
ou de querer transformá-lo em herói, mas de defender o personagem histórico que existe e é referência para uma série de manifestações. O nosso Lampião não é o que matou, o que roubou, o que brigava... é o que é cantado e retratado na arte. Pra isso nós pesquisamos, estudamos e retransmitimos estes valores. Expressão Claro que nossa expressão é uma ferramenta política. É nossa forma de conscientização. O artista tem que ser anarquista, provocador, tem que fazer as pessoas pensarem. Se tem o dom divino de se expressar artisticamente, não pode deixar de usar isto para tentar transformar o meio quando isto é necessário. Se não for assim não faz sentido ser artista.
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Na mesa, o cardápio de glosas Texto Genildo Santana
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Mesa de Glosas se tornou uma modalidade do repente nordestino. Foi estruturada e pensada em 1997, fazendo parte das festividades da Missa do Poeta, em homenagem a Zé Marcolino, que sempre acontece no terceiro sábado de Setembro, em Tabira. Como se deu? Como se faz? Quem pode participar? São perguntas frequentes. A glosa é o verso de improviso, sem acompanhamento de instrumento e é praticada desde os primórdios da cantoria. Gregório de Matos Guerra já glosava em Salvador, no século XVII. Bocage já glosava, em Portugal, no século XVIII. Os pais do repente nordestino, em Teixeira, na Paraíba, também glosavam. Nos anos 40, 50 do século XX, Palmeiras Guimarães e Orlando Tejo glosavam no ponto Cem Reis, em João Pessoa. O que fez Tabira, em Pernambuco? Estruturou a Mesa de Glosas, no formato que ela é atualmente. Em 1997, a Missa do Poeta, em Tabira, se realizava só no sábado, com missa e show cultural. Nesse mesmo ano, a APPTA, responsável direta pelo evento, resolveu implementar uma Mesa de Glosas, no salão paroquial, na sexta antecedente à missa. Nos anos seguintes, a mesa foi ganhando corpo. Funcionava em duas rodadas: os glosadores amadores e os profissionais,
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geralmente os cantadores. O evento foi tão bem aceito que teve que ser transferido para o auditório da Escola Arnaldo Alves Cavalcanti. Sempre com duas rodadas, ou mesas, porém, aos poucos, as definições de amadores e profissionais foram desaparecendo, hoje não mais existindo. Por alguns anos esse evento só acontecia nas sextas que antecediam à Missa do Poeta e em Tabira. De forma natural, foram aparecendo mesas em outros lugares e tempos e...em outras cidades! A Mesa de Glosas, que era de Tabira, virou do Pajeú. Reunindo poetas glosadores de várias cidades, já esteve em Nazaré da Mata, Recife, Petrolina, Bodocó, Granito, Exú, Araripina, Buíque, Arcoverde, Garanhuns, Triunfo e demais cidades do Pajeú, em Pernambuco, Teixeira, Matureia, em programa de Televisão dos Nonatos, em João Pessoa, na Paraíba, em São Paulo, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e Terezina, no Piauí. Já virou tese de Mestrado, de Luna Vitrolira, no Recife. Como funciona? O mote é dado por um apresentador e os poetas improvisam uma estrofe. O mote é posto também para a plateia acompanhar. Geralmente, participam de uma mesa entre cinco e 10 poetas. Seja em escolas, faculdades, praças, a Mesa de Glosas tem agradado em todo lugar que
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esteve. São muitos os poetas que se dispõem a glosar, não se restringindo a um seleto grupo. É uma mesa que conta também com a participação de poetisas. Não é, pois, misógina. Qual é o segredo do sucesso? Damos apenas umas tentativas de resposta. Há uma plateia que gosta de poesia, mas não gosta de cantoria. Essa plateia se identificou com a Mesa de Glosas. Há o fato de serem várias vozes e vários pensamentos sobre o mesmo tema, o que dinamiza a apresentação. Há uma expectativa no ar, um suspiro sobre o que o poeta vai dizer no seu improviso. Há um silêncio sacro, o que cria um clima diverso de outros eventos. Há uma temática vária, o que prende a atenção dos que assistem ao evento. Em um minuto se fala em traição e no minuto seguinte já se improvisa sobre corrupção. Neste ano de 2017, Tabira realizou a 21ª edição de Mesa de Glosas. Evento que promete ter vindo para ficar. E queiram os deuses do repente que fique mesmo e que faça história. Uma história singular, bela, plena de improvisos, risos, alegrias, emoções. Que os que nos sucedam na arte da glosa deem continuidade ao que nós começamos. Assim sendo, teremos prestado um contributo à arte, à cultura e à humanidade.
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Incentivo:
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