Revista Pajeuzeiro - Edição 06

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Revista

Pajeu zeiro Ano I - Número 6

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eXPEDIENTE PRODUÇÃO E PROD. EXECUTIVA

William Tenório REDATOR CHEFE

Alexandre Morais Jornalista DRT-PE 2707 ASSISTENTE DE REDAÇÃO

Bruna Tavares

CORREÇÃO ORTOGRÁFICA

Alexandre Morais Wivianne Fonseca FOTÓGRAFOS

Claudio Gomes Thiago Caldas ARTE E DIAGRAMAÇÃO

William Tenório

TRATAMENTO FOTOGRÁFICO

Thiago Caldas FOTO CAPA

Claudio Gomes EQUIPE DE REDAÇÃO

Alexandre Morais Bruna Tavares Genildo Santana Silmara Marques Uilma Queiroz William Tenório

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Editorial

echa-se um primeiro ciclo. A Revista Pajeuzeiro chega à sexta e última edição de uma primeira série. Ficamos com a graça da tarefa concluída e com a maior graça ainda de que a tarefa não se conclui. Porque o Pajeú não acaba. Os pajeuzeiros não param de ser e de produzir. Então é tarefa que segue. Vamos em busca de muitos outros registros. Aqui, neste enquanto, o registro de uma das maiores marcas deste taco de sertão: Maciel Melo, o Caboclo Sonhador. É a capa. E é o capaz de manter-se sonhando mesmo após ver muitas autorias ganharem os espaços que um dia imaginou ser possível. É que ele é sertanejo. Acorda pra viver um dia de cada vez, mas nunca acha que só um dia é o bastante pra se fazer o tudo que se sonha. A gente registra aqui um pouco desse todo Maciel. Do Neguinho nascido em Iguaracy ao Maciel dos sons, telas e novelas. A arte nossa de cada dia também está em Chico Santeiro. Um Chico meio escondido, meio amostrado num recantinho de serra em Triunfo. Ali, junto com a natureza, ele vai talhando a madeira bruta até dar-lhe a forma que imaginou. As vezes até a que não imaginou, porque ele revela que tem obra que vai se fazendo por ela mesma. Coisa boa de se ler, de se saber. Do jeito que é bom saber que a fé ainda move muita coisa. Move muitas vidas. Dona Zefinha, de Quixaba, que o diga. E diz. Diz aqui pra gente, mostrando que as tradições não tem nada com o antigo. Podem ser novíssimas. Vivíssimas. Tradição como a de um boi solto na rua. Não aquele boi assustado, escoltado rumo ao matadouro. Um boi colorido, espelhado, dançante. Acompanhado por uma banda. Isso mesmo! Estamos falando do Boi do Carnaval. Que aqui é o tradicionalíssimo Boi de Genésio, que também é Genésio do Boi. História linda reproduzida aqui pra vocês. E se estão achando que essa conversa tá muito sertaneja, muito meio de feira, a gente também inova. Aqui falamos sobre luthier. Tá vendo! Aqui é tão grande que cabe até o estrangeiro. Essa palavrinha aí é francesa. Mas convive muito bem entre nós. Convive, por exemplo, com o nome de Denilson Nunes, em Tuparetema. Ele é um luthier, um profissional que fabrica instrumentos musicais. E Genildo Santana, o que nos traz desta vez? Já deve ter alguém aí perguntando. Desta vez ele traz e é trazido. Sertanejo tem dessas coisas de ser um e ser muitos. Pois então, ele nos traz na coluna Vale a pena ver conhecer o livro “Dunga da Barra, um poeta do Pajeú.” E é trazido no Papo de Boteco. Virou também personagem. Virou pra Revista, porque em vida e arte ele já era. Agora, quem não sabia vai sabê-lo em detalhes. Quem já sabia vai saber mais. Ele disse mais pra Pajeuzeiro do que já andou dizendo por aí. Tudo certo, então? Fechou? Vamos ler? Vamos ler e aguardar as próximas. Se para nós esta primeira série foi cativante, adiantamos que a próxima será desafiadora. Pra continuar fazendo bem, é preciso sempre fazer mais. Com mais dedicação. Com mais amor. Esperamos que todos estes sentimentos estejam alcançando vocês, leitores. Afinal, somos um só sentimento: somos Pajeuzeiros. Revista Pajeuzeiro - Ano I - Número 6 |

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Um violeiro luthier Texto William Tenório | Foto Thiago Caldas

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ocê já ouviu falar em luthier? Luthier é o profissional que constrói ou conserta instrumentos musicais. A palavra é francesa e deriva de luth, que, traduzindo, significa alaúde, antigo instrumento de cordas que lembra um violão e possivelmente tenha sido criado por civilizações anteriores ao cristianismo. Originalmente o termo

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luthier era utilizado para os profissionais que trabalhavam unicamente com instrumentos de corda, mas atualmente o termo é utilizado para definir todos que trabalham com instrumentos musicais. Hoje, com a industrialização você deve estar pensando que esta profissão está em vias de extinção. E que encontrar um luthier no Pajeú não deve

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ser tarefa das mais fáceis. Ledo engano. Até porque na produção artesanal cada instrumento é único e vale ressaltar que estamos no Sertão do Pajeú, região conhecida nacionalmente como terra de violeiros e cantadores, e a viola é uma extensão do cantador. Assim, fomos à Tuparemata encontrar o luthier e violeiro Denilson


Nunes e conhecer um pouco do trabalho dele. A oficina fica em um pequeno quarto nos fundos da casa. Nela, algumas violas - esperando para reparo – e algumas máquinas que lembram mais uma marcenaria. Denilson conta que começou no ofício quase que por um desafio. Um amigo tinha uma viola com o braço quebrado e perguntou se ele era capaz de consertar. O desafio foi aceito e vencido. A partir dai não parou mais, a história se espalhou e outras pessoas começaram a procurá-lo. Com o passar do tempo, Denilson começou a pesquisar e hoje, além do reparo, ele fabrica violas, virando um especialista em viola de cantadores já que o instrumento tem características próprias. “Por ter uma afinação muito alta, a viola do cantador tem o braço menor”, talvez por isso

sua clientela seja composta basicamente por cantadores. “Vários cantadores tem violas que eu fiz: Valdir Teles, Zé Viola, Raulino Silva, João Lourenço...”. Com carinho Denilson lembra: “a primeira viola que eu fiz foi pra Valdir Teles”. E como em casa de ferreiro o espeto é de pau, pergunto se ele tem uma viola? A resposta é curiosa: “não dá tempo, o pessoal compra”. O que reforça a qualidade do profissional. Mas o luthier só trabalha por encomenda, segundo ele “por causa do material e da cor”. Uma viola boa é feita com madeira nobre e isso implica no preço final, além da possibilidade do cliente poder escolher a cor e o tamanho do instrumento. “Tem gente de longe, até de São Paulo que me procura”. Denilson explica que basicamente existem dois tipos de viola, “a simples,

que é cem por cento madeira e a dinâmica que usa um diafragma de alumínio”. A maioria dos cantadores prefere a viola dinâmica, que produz um som mais agudo, mas há exceções, “Valdir Teles dá muito valor a viola simples” afirma Denilson. Com a tecnologia, a madeira e as peças de alumínio da viola são compradas pela internet e o trabalho do luthier é moldar e dar o acabamento. Este trabalho Denilson leva, em média, um mês para fazer. Uma viola pronta pode chegar a custar cinco mil reais. Mas não se engane, apesar da média ser de um mês, o prazo de entrega não condiz com a propaganda. Geralmente o instrumento não fica pronto tão rápido, isto porque é arte e como tal o projeto muda durante o processo, alterando o prazo de entrega para alguns meses. “Isso é mal de luthier”, brinca Denilson.

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Meio século de tradição Texto Silmara Marques | Fotos Claudio Gomes

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efinindo a temática da escrita, indecisa entre tantas manifestações culturais que a Região do Pajeú comporta, me deparei com a sugestão do amigo Marcus Vinícius: “Por que você não escreve sobre Genésio do boi?”. Pensei: “Genésio?! Do boi?! Meu Deus, quem é Genésio?!”.

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Genesiano Pereira do Nascimento ou Genésio da carroça, Genésio que vende lenha para as fogueiras de São João, Genésio ajudante ou Genésio contador de história, tem 60 anos, é viúvo e pai de cinco filhos. Um senhor alegre, prestativo, que nos recebeu muito bem nas duas vezes em que fomos à casa dele, aliás, ele e a atual

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companheira, Margarida. Mas a forma mais fácil de encontrar Genésio é perguntando sobre o seu companheiro folião, o Boi. Até aqui, Genésio, nós já sabemos quem é. Mas, e o Boi? O Boi ganha vida ao som de sua banda particular (triângulo, zabumba, vialejo e sanfona). Ele e o inseparável companheiro, o


Genésio, saem às ruas da cidade no primeiro dia das festividades carnavalescas, o sábado de Zé Pereira, e encerram as atividades na terça-feira de Carnaval. Todas as ruas do município, nesse período, são agraciadas pela irreverência do Boi, do seu criador e dos demais companheiros. Essa tradição começou na década de 60, quando Genésio, um menino de apenas oito anos, ainda morava ao lado de seu Hermes Valério, o primeiro a fazer um boi para brincar no Carnaval de Afogados da Ingazeira. Um dia, seu Hermes chamou Genésio para levar o Boi durante o Carnaval e foi assim por dois anos. Quando completou dez anos, o menino Genésio resolveu fazer o próprio boi. “Peguei meu registro de nascimento escondido de mãe, fui lá na loja de Horácio Pires e disse: me dê dez metros de chita, quando terminar o Carnaval, se eu tiver o dinheiro, eu pago”. Genésio conta que Horácio perguntou pelo Boi de Hermes e ele respondeu que já estava pronto, que ia sair como sempre, mas naquele ano, queria fazer

seu próprio boi. “Horácio mandou cortar o tecido e disse que eu podia levar. Se desse o dinheiro, eu pagava, se não desse, não precisava, ia ser uma folia a mais na cidade”. A mãe de Genésio descobriu, foi à loja conferir com o proprietário o que o menino havia contado em casa e tudo ficou resolvido. “No primeiro dia de Carnaval já consegui o dinheiro e mãe já tratou de guardar. Passada a quarta-feira de cinzas, ela foi à loja e pagou. Minha mãe era desse povo que gostava de tudo certinho, quando a palavra de uma pessoa valia muito mais que qualquer outra coisa.” Foi com essa peleja que teve início a tradição do Boi de Genésio. Desse episódio até hoje, já se foram 50 anos! Na nossa conversa, regada com muitas risadas, perguntei de quanto em quanto tempo é preciso trocar a roupa do boi. “Todos os anos o Boi ganha uma roupinha nova. Todo final de ano, nós não compramos roupa pra nós? Então?! Todo Carnaval o boi precisa de uma roupa nova, ajustes e muitas coisas para enfeitar”.

Ao recordar os carnavais passados, quando não existiam blocos pagos ou trio elétrico; quando todos eram iguais para foliar, ele enfatiza o sentimento de confraternização existente: “O que existia era muita alegria e a família unida”. Ainda no exercício de recordação, esse folião especial relembra que, além do Boi de Hermes e do Boi de Genésio, existiu o Jacaré, o Urso Preto e Urso Branco. “O Bloco Leão do Norte também é dessa época, só que diferente. Era composto só de meninas, parecia pastoril; dez meninas de um lado, dez do outro, todas acompanhando o Boi, com roupas estampadas nas cores azul e vermelho.” O período descrito por Genésio é a origem da tradição carnavalesca de Afogados da Ingazeira: um carnaval repleto de tabaqueiros, com roupas velhas de remendos, diversos chocalhos e chapéu de palha. Um Carnaval que, segundo esse folião, pai de um Boi que já é cinquentão, deixou saudade. “Era uma festa para todos”.

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Capa

| Maciel Melo


O Caboclo ainda sonha Texto Alexandre Morais | Fotos Claudio Gomes

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uase uma quadra de décadas depois, ele ainda se sente percorrendo as cerca de quatro quadras perdidas em meio à imensidão paulista. O percurso o levava de volta a uma pensão, onde deveria esperar o resultado de uma seleção para emprego em uma editora. O ambiente era de pedra. De prédios. Mas o coração sertanejo de apenas 19 anos já vibrava em arte. Aí o caboclo mergulhou nos becos do passado - ainda que recente - e decidiu como um poeta: não queira mudar meu verso! Acordado, muito vivo, o caboclo sonhou. A música nasceu e o tal emprego nunca mais foi procurado. Muita coisa aconteceu, ele cantou cantigas de ninar, abriram alas para o novo cantador e ele viu o próprio verso passar na avenida. Passou forrozado. Fiado nos dois sentidos. À prestação e bem tecido. Mas passou. Passou muito. Passou tão. Tão da bexiga de bom.

Hoje, amadurecido, cantando muito e muito cantado, lendo e escrevendo do mesmo tanto, produzindo do tanto quanto canta o Sabiá, Maciel Melo ainda sonha. Ainda é devoto do Padre Ciço Romão, tiete do Rei do Cangaço e incansavelmente declarado discípulo de Luiz Gonzaga. “Eu sou hoje o resultado desse todo que eu fui ao longo dessa estrada. Não me arrependo de nada, agradeço por tudo e me sinto muito bem. Faço o que eu gosto e da forma que eu sempre quis, primando pela qualidade e pelo respeito com a minha arte”, declara, convicto, por trás de uns óculos escuros, do alto dos 55 anos, 22 discos, programas de TV, algumas trilhas sonoras, um livro em segunda edição, uma novela e uma agenda lotada de shows, parcerias e vida. Vida porque o artista convive muito bem com o cara que adora ser plateia. De sentar sem horas em rodas de cantadores e contadores de causos e versos.

Os óculos já não escondem o olhar plangente que lhe pesava na cara quando da chegada na terra prometida. Aliás, esse olhar ele deixou por lá quando quebrou no dente o taco da literatura, entrou pra história e virou motivo pra falar. Isto já tava escrito e cantado em Que nem vem- vem. Mas virou realidade mesmo quando a música foi gravada por Flávio José e em seguida por Elba Ramalho, virando o primeiro sucesso nacional do Neguinho de Heleno. “Heleno é meu pai, Heleno Louro. Ele é natural de São Vicente, distrito de Itapetim. Casou com minha mãe, Maria de Lourdes, que é de Sumé, e juntos com meu avô materno, Pedro Gídio, vieram morar em Iguaracy”, destrincha. “Aí nascemos eu e mais dez. O Negrinho de Heleno sou eu mesmo, personagem do meu livro A poeira e a estrada.” Do jeito que adotamos para escrever esta matéria,

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a vida de Maciel Melo pode ser contada através de suas próprias composições. Ele tira dos familiares, momentos e cenários vividos, os personagens e enredos para as letras escritas e cantadas. Em Caboclo Sonhador, Bahia, Mega e Quinha são irmãos. A mãe e o avô são lembrados em Rainha de todos santos, trilha sonora da novela Flor do Caribe (Rede Globo, 2013). A mãe também está em Maria de santa fé. E todos estão em A poeira e a estrada, o livro, não a música. Na música quem está é o saudoso amigo sertaniense Walmar. Aquele Neguinho de Heleno está na música Nos tempos de Menino. A terra natal está em Cheiro de terra molhada. As queixas, os amores e desamores, os sabores e dissabores sertanejos, o vaqueiro, o cantador, o cangaceiro, a feira, o todo sertão-nordestino está em tantos outros cantos. Sim, não só Iguaracy e o Pajeú, mas um todo. Estão Petrolina e o Rio São Francisco vividos na adolescênciamocidade, a passagem por São Paulo, o finca-pé em Recife e um tanto mais sentido de perto nas longas e longíquas andanças. O menino cresceu levando a cabeça ao mundo, sem tirar os pés do primeiro chão. É humanamente universal quando pede que não lhe digam nada que o coração não ouça (Palavra por palavra). Autenticamente local por gostar de forró, usar currulepe e chamar cachete, califom e caritó

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(Velho arvoredo). E tanto um quanto outro quando diz que ao ver os meninos do sertão, vê Hiroshima nos olhares infantis (Meninos do Sertão). Sobretudo, muito poeta quando diz, entre outras tantas, que casou com a saudade, namorou a liberdade e deu meia volta na dor (Minha fala). Os pés estão nos chãos que pisaram o pai e o avô paterno. “Meu pai era forrozeiro, tocava violão e animava as festas pelos sítios. Eu era o único filho que chorava pra ir com ele”, lembra. “E meu avô fazia duas cantorias por ano na casa dele. Eu perdia o sono ouvindo os poetas. Me encantava por aquilo já com 7, 8 anos,” relembra. A cabeça foi ao mundo através dos ouvidos. Ouvindo, Maciel entendeu o sommensagem de astros nacionais e de mitos mundiais, como o americano Bob Dylan. Por essa mistura sem perca da autenticidade, ganhou do jornalista e crítico musical José Teles o título de “o mais completo compositor de forró em atividade no Nordeste”. E chega em 2017 com trabalhos como Malabares, faixa de abertura do disco Outra trilha, que é um country. “A boa música é a junção de uma boa letra com uma boa melodia. Isso em qualquer lugar do mundo. O country americano é o sertanejo deles. Tem muita coisa boa”, compara e dispara. “Mas o sertanejo original, de raiz, que canta a nossa identidade. Não essa música

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rotulada que tá aí e não tem nada de sertanejo. Essa da moda é uma música romântica urbana cantada em dueto.” E se o mercado lança essas modas, a moda de Maciel é ir aos mercados. Aos mercados públicos, às praças, aos quintais, aos lugares que resistam às modernidades. “Moderno pra mim é o que torna as pessoas mais preparadas, mais inteligentes. A música de fácil consumo, a da grande mídia, é violenta. Ela invade tudo e o que as pessoas devem ouvir é imposto. Eu não entro nessa. Nem aceito e nem escrevo nada pra servir a esse sistema.” E se meia palavra é para bom entendedor (Não é brincadeira), Maciel diz isto com todas as palavras. Diz como quem já pisou muita calçada, fez caminho, fez estrada, abriu mais de mil cancelas, abriu portas e janelas (Solado da chinela) sem cansar ou se render. As tentações vieram, mas ele não precisou por estes pecados pagar alto preço (Erros e pecados). “Eu tinha uns 35 anos, umas músicas já estouradas, e uma grande gravadora do Rio me procurou pra gravar um disco. Vibrei, achei massa, mas os caras trouxeram um repertório pronto, sem nenhuma música minha. Quer dizer, eles queriam me usar como intérprete pra competir com outros nomes que estavam cantando por outras gravadoras,” entendeu Maciel e escapou da armadilha com cara de oportunidade. “Neguei na hora. Eu sou compositor e


o que tiver de dar certo vai ter que ser do meu jeito, com a minha cara. O meu produto é a minha música e não eu mesmo cantando o que os outros querem.” Fama e dinheiro nunca compraram os sonhos do caboclo. O propósito nunca foi ganhar, mas somar. “Minha música não é comercial, é educacional, tem mensagem. Tem a identidade regional e é o que eu vou fazer sempre. Vou cantar o que é meu.” Identidade que está nos cantos e nos contos. Os seguidores de Maciel no facebook vez por outra se deparam com um cronista que não conheciam. Nesta área, o conhecido era o biógrafo romancista apresentado no livro A poeira e a estrada (2013). E já evitando novas surpresas, a Pajeuzeiro anuncia: o escritor Maciel Melo está concluindo dois livros, um romance e outro de crônicas. “Eu sempre gostei muito de escrever. É uma das ocupações que eu me dou para não ficar ocioso em nenhum momento”, revela e revela mais. “Outra coisa é fazer bolsa de couro e ajeitar meus chapéus.” Mas escrever tem merecido mais atenção. “Dedicação até. Tanto que eu prezo muito pelas letras de minhas músicas. Eu tenho uma fascinação pela palavra.” Este fascínio foi exposto em letra e música agora em 2017. O título do trabalho é Palavra por palavra. “Tem um pensamento que eu gosto que é ‘cuide bem de suas palavras

pra que o seu silêncio não seja mais importante do que elas’. É disso que eu falo.” E fala mais. E encena. Outro dia lá estava Maciel na novela Velho Chico (Rede Globo, 2016). Ao lado do amigo e parceiro baiano Xangai, formou a dupla de cantadores Egídio e Avelino. Misturando arte e vida, Maciel foi Egídio, numa referência ao avô, e Xangai foi o parceiro, numa referência a ele próprio, que é registrado como Eugênio Avelino. A novidade não foi tão nova assim pra Maciel. Primeiro porque ele carrega uns aprendizados do tempo em que fez teatro em Petrolina e Sobradinho (BA). “Depois porque eu fui fazer o papel de um cantador que vivia nas margens do Rio São Francisco. Era quase eu mesmo.” O que não ficou ele mesmo foi o figurino. Carregadas em adereços, as vestimentas foram motivo de críticas pelo público. “No começo eu também estranhei, mas vi que foi uma forma de representar várias figuras da nossa cultura. Tinha ali o vaqueiro, o violeiro, o cangaceiro e ainda veio a bombacha, que eu não entendi muito, mas acabei aceitando.” Para aceitar, Maciel, de novo e como sempre, recorreu ao Rei do Baião. “Luiz Gonzaga era pop. Naquele tempo e ele se vestiu de vaqueiro, botou um chapéu de cangaceiro e uns óculos ray-ban. Olha aí que figura arretada!” Já quanto ao texto, que eram versos, a aceitação

não foi plena. Esta parte do roteiro ficou a cargo do poeta e pesquisador baiano Marco Haurélio. Mas aí Maciel não se conteve. “Aí eu dava umas mexidas, porque dessa parte eu entendo. Mexia pra ficar melhor de cantar e às vezes pra dar um toque mais pessoal mesmo.” Pra mostrar que é um cara se inteirando pelo mundo, que é o batuque de Naná, a batuta de Radamés, os fiéis de Conselheiro e o pandeiro que a mão de Jackson tocou (Coco da Parafuzeta) Maciel também tem registro no cinema. Não atuou (ainda), mas compôs a trilha sonora do filme Lisbela e o Prisioneiro (direção de Guel Arraes, 2003). O tema do quase romance do Cabo Sitonho (Tadeu Mello) com Francisquinha (Lívia Falcão) foi a música Dama de ouro. Não foi na voz de Maciel, mas que vale o registro, vale. A canção surge numa versão acelerada produzida e cantada pelo baiano Zéu Britto. E assim ele tá indo. Alinhavando o caminho e tecendo a vida com carinho (Alinhavo). Grato por ser o Neguinho nascido em Iguaracy, em maio de 62. Por trabalhar com arte. “Fora disso, só em um escritório de contabilidade e na oficina de Nezinho Mão de Onça, lá em Petrolina.” Por navegar o mundo todo sem sair das águas do Pajeú e do São Francisco. Por acreditar nos sonhos. Por continuar sonhando. Por nunca deixar nada pelo meio, por só sossegar quando terminar (O meu país).

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Santeiro Texto Bruna Tavares | Foto Thiago Caldas

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hegando a Triunfo, uma placa em madeira chama atenção. Nela está escrito Chico Santeiro. Aponta para a casa e ateliê do artesão. Um lugar estratégico, no caminho de quem chega à cidade. Lembrome da paisagem, uma vista da natureza, uma paz a apenas cinco quilômetros do centro. Não é à toa que o próprio Chico diz que não tem hora para trabalhar. “Adoro trabalhar. Tem dia que se você passar 4 horas da manhã eu estou trabalhando por

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aqui”. Embora hoje, aos 54 anos, ele admita que não consegue ficar até muito tarde no serviço. Chico nos recebe para conversa enquanto trabalha em mais uma peça. Entre lascas de madeira e um bom papo, conhecemos um pouco mais do artista. O nome de batismo é Francisco Vicente Nogueira, mas há muito tempo tornou-se Chico Santeiro, antes mesmo de assinar suas obras assim. “Foi um jornalista que chegou lá em casa e perguntou: ‘rapaz, por que

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você assina por Francisco?”. Era como assinava, mas depois que foi questionado percebeu que as pessoas já o conheciam pelo apelido. Resolveu então adotá-lo. Natural de Betânia, mudouse para Ibimirim onde conheceu a esposa e o ofício com a família dela. “A mãe da minha esposa que trabalhava nesses serviços de madeira. Muito famosa. Muito conhecida na época”. Foi assim que ele teve o primeiro contato com a arte. Depois da morte da sogra, Zefinha Paulino,


Chico foi chamado pelo cunhado para trabalhar. Mudou-se para o Pajeú e há mais de 20 anos se estabeleceu em Triunfo. Desde então dedica a maior parte do tempo à produção de esculturas em madeira. Na maioria, imagens de santos ou religiosas, mas também índios, caretas, negros, cangaceiros. Tudo fruto de fotos, pesquisas na internet ou de encomendas. E as encomendas são muitas. Chico dedica-se a atendêlas, sempre preocupado em manter a qualidade, diferencial no artesanato que produz. Mas explica que tem um custo: o tempo. “Você vai melhorando o trabalho e diminuindo a produção, porque exige mais tempo, mais dedicação”. Por causa disso também tem diminuído o número de exposições que participa. “Tem que levar material pra vender e ficar muito tempo fora”. A exemplo da exposição em Brasília, na qual ficou por um mês. Foi nas exposições que Chico ganhou notoriedade. Ele já vendia algumas peças para lojas em Recife, quando foi convidado para uma exposição no Banco do

Brasil de Serra Talhada. Vendeu todas as peças em três dias. E daí em diante só viu o sucesso aumentar. Atualmente, tem peças em todo o país, participa de alguns eventos, recebe encomendas e dá oficinas. Tudo isto conciliando com o processo de produção. Ele faz a compra das toras de madeira e diz que as melhores são a imburana e o cedro. Mas alerta para a dificuldade de achar na região. “A madeira por aqui tá se acabando. O pessoal desmata e não planta nada mais”. Quando a madeira chega, o primeiro passo é “serrar do tamanho direitinho e arrumar com a machadinha e um facão”. Depois passa a dar forma, começa a talhar. Diz que a escolha da peça que cada tora vai tomar é aleatória. “Quando vejo o tronco vou imaginando que peça dá”. E quando acerta nos primeiros riscos trabalha feliz. Quando erra, reinventa a peça, para não perder a madeira. Ele conta que cada peça é diferente, muitas das que já fez, hoje não sabe mais fazer, a exemplo da primeira Nossa Senhora da Conceição.

“Nenhuma peça é igual a outra. Você faz o mesmo modelo, mas não fica igual. É interessante”. E relata também que alguns de seus santos estão em posição diferente das imagens famosas pela igreja. “A Nossa Senhora da Conceição que é famosa lá no Morro é totalmente diferente da minha. A do Morro é outro modelo”. Depois de desafiado por uma senhora, recentemente, ele conta que fez um São Francisco e um Coração de Jesus, cada peça com 12 centímetros, seus menores trabalhos. Entre as peças maiores, A Sagrada Família com um metro e meio. Para ele a parte mais difícil na produção das esculturas é talhar o rosto. Pela riqueza de detalhes e pela importância da expressão que traduz. E assim, o Santeiro venceu as dificuldades da falta de estudos, firmou a parceria com a esposa, criou os filhos e virou marca no artesanato do Pajeú. Fez de Triunfo um abrigo e de suas obras de arte um retrato das belezas e da fé espalhados pelo país.

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um papo de boteco | Genildo Santana

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Um poeta texiano

m homem diverso. Nascido na Cachoeira, é poeta, cordelista, pesquisador, escritor e professor. E se faltou um título menos comum, ele tem. Também é Texiano. Foi cantador e seminarista. Por tudo e pela elevada sensibilidade humana, Genildo Santana é uma figura conhecida e adorada no Pajeú. Se você acompanha a Pajeuzeiro, já o lê por aqui. A coluna que produz tem a cara do ser plural que assina: É preciso conhecer. E não é porque faz

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parte da equipe que a gente ia deixar de mostrá-lo mais. De apresentar as outras caras desse cara camarada. Poeta em tudo. Ou como um todo. Daqueles que se encaixam na máxima de Vinicius de Moraes, de que o poeta só é grande se sofrer. Grandemente, ele é poeta. Sorridentemente, vive. E bateu um papo de boteco aos ouvidos de William Tenório e aos olhos fotográficos de Thiago Caldas. Agora, bate este mesmo papo com vocês.

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Origens Eu nasci no sítio Chorão, na Cachoeira Grande, em Tabira. Sou de setembro de 72. Meus avôs eram irmãos e assim meu pai e minha mãe eram primos legítimos. Eu sou o caçula dos quatro filhos de Antonio Firmino e Celeste Santana. Lá em casa é uma escadinha, como se diz, e todo mundo é no “G”. Tenho as irmãs Geraldina e Gilvanete e um irmão, que é Geneildo.


Poesia Eu tive contato com poesia e com cordel ainda pequeno, porque minha mãe era professora e lia cordéis pra gente. Eu sempre fui muito caseiro e escutava sempre o programa de João Paraibano e Sebastião Dias, na Rádio Pajeú, no final da década de 70, início de 80, quando eu tinha por volta de oito anos. Já admirava aqueles homens cantando, improvisando versos.

uns truques de Parapsicologia e esse diabo sumiu. Isso deu muito o que falar lá em Conceição do Piancó (PB), onde ele morava. Dizia-se que o diabo era poderoso, mas que Chico Pereira era muito mais. Eu conheci a história e já tinha uma bagagem pra fazer poesia, então fiz esse cordel, que foi minha primeira publicação.

O cantador Cheguei a cantar de viola. Poeta Ganhei um primeiro lugar Pra fazer poesia mesmo, em um festival cantando com eu despertei com 15 anos. George Alves, no Sítio Maravilha, Despertei através de Dedé em Afogados da Ingazeira. A Monteiro, que foi meu gente chamava de Festival de professor de Educação Física e Violeiros Amadores. Fiz dupla já tinha toda aquela admiração por quase um ano com Valter por ele. Quando passei a vê- Pesqueira, só que eu nunca lo declamando na escola e tive afinação. Até que fazia uns conviver de perto, me senti versos, mas eu não sabia das encorajado. Aí fiz uma poesia toadas, tanto que o parceiro pra formatura da minha turma era sempre quem começava, de 8ª série, na Escola Arnaldo depois eu pegava o ritmo. Não Alves, e gostei daquilo. Procurei tenho expressão musical, mas estudar, entender melhor, me cantei um bocado de tempo envolvi em movimentos, fui até que parei. Naquele tempo aprendendo a declamar e não a gente organizava os festivais parei mais. de poetas amadores aqui em Tabira. Era engraçado porque Primeira publicação a gente organizava, realizava, A primeira vez que eu publiquei aplaudia e ganhava os prêmios. foi em 1996. Foi um cordel intitulado Chico Pereira e o Primeiro livro Diabo na Paraíba. Chico Pereira Primeiras Vozes foi meu foi meu professor de Filosofia primeiro livro, lançado em 2003. e era a cabeça pensante da O lançamento foi muito bonito, Paraíba. Era formado em com a Câmara de Vereadores Parapsicologia, Filosofia, lotada pra ver um escritor que Teologia, Doutor em Teologia estava surgindo. Na época pelo Pontifícia Universidade de já tinha Dedé, Celeste Vidal, Roma e era padre casado. Tudo Carmém Pedrosa e outros. E eu que envolve Chico Pereira eu era jovem, ex-seminarista, um me emociono. Foi meu grande quase padre, e isso chamou a mestre. Aí ele contou que foi atenção de todo mundo. Aí eu chamado para uma casa onde marco 2003 como o início das o diabo estava aparecendo. Fez minhas atividades literárias.

Profecias Em 2007 fiz um livro de Teologia, que é o Profecias. É a minha tese de conclusão do curso de Teologia. Eu analiso a profecia bíblica, a profecia veterotestamentária, a neotestamentária, a profecia da patrística da igreja dos primeiros padres e a profecia na América Latina, nos moldes da Teologia da Libertação. Fiz por causa de Dom Francisco. Quando a tese foi aprovada e mandei uma cópia e ele fez um elogio durante o programa de rádio que apresentava. Eu lembro bem que ele disse: “meu filho, eu lhe dou um conselho: a sua tese de conclusão merece ser transformada em livro”. Eu tava escutando o programa e foi muito marcante. Quando Dom Francisco faleceu, em 2006, decidi lançar o livro Profecias, atendendo ao pedido dele. Uma pausa A partir de 2007 a ideia era fazer um livro a cada dois anos. Mas aconteceu aquele acidente com o falecimento da minha noiva e da minha sogra, então eu parei tudo. Parei as aulas, parei a poesia, parei tudo. Passei um período sem estímulo para nada, até que voltei a dar aulas em 2009, na faculdade de Afogados da Ingazeira, a convite de Adalva Siqueira. Fui me reanimando, voltei a produzir, e em 2011 voltei a publicar. Recomecei com o livro Uns sonetos e outros versos. Sequência Em 2013 veio outro livro, Nas águas do Pajeú, comemorando dez anos de vida literária, e a meta de um livro a cada dois

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anos foi desfeita. Porque a coisa parece que voltou com força. Em 2014 lancei Ditadura Militar 50 anos: o perigo é esquecer, em 2016 lancei A igreja que vale a pena, e para 2017 tem um pronto. É um romance ficcional, mas eu botei um frade que é real. Então eu preciso da aprovação dele pra poder publicar. Estou aguardando por isso. Parcerias Mais coisas foram acontecendo nessa minha retomada. Fui conhecendo outras pessoas, gente como William Tenório, Alexandre Morais e Zé Adalberto. Com Alexandre as ideias foram batendo, passamos a declamar juntos e um dia chamei pra fazer um CD. Ele topou e fizemos O Pajeú de nós dois, criando até o selo Declamadores do

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Pajeú. O CD foi um sucesso e no mesmo ano a gente já planejou outro. Chamamos Zé Adalberto e fizemos o Retrato três por três. Este nos deu momentos maravilhosos, inclusive uma viagem a São Paulo por três semanas, com lançamento no Centro de Tradições Nordestinas, programa de rádio e outras atividades. Acho que fomos os primeiros poetas nessa linha a fazer um lançamento lá, que é um espaço enorme e disputadíssimo. Tudo através de amigos. Solo Em 2014 eu fiz um CD sozinho. É um trabalho só com poesias minhas. Eu assistia ao programa de Rolando Boldrin e via ele declamando aquelas coisas bonitas e fui criando uns poemas. Reuni 15 e fiz este CD.

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Tex Essa é uma paixão. Em 80 eu vim morar na cidade para estudar com minhas irmãs, mas não sai do sítio. A gente passava a semana na rua e na sexta, depois da aula, voltava pra casa. Minhas irmãs trabalhavam na biblioteca da prefeitura e estudavam. Eu ficava sozinho em casa e uma delas, Gilvanete, colocava livros nas minhas mãos. Então com oito anos eu já tinha lido toda aquela literatura infantil: Rapunzel, Branca de Neve, O Gato de Botas e tal. É daí que vem meu gosto pela leitura. Depois começaram a chegar gibis. Tinha Akim, Mandraque, Homem de Ferro, Popeye, Os trapalhões, até que um dia veio um gibis de Tex. Eu lia e pedia outro e cresci gostando cada vez mais. Depois, eu pegava frete na feira e quando sobrava


dinheiro ia lá na banca de seu Bino comprar. Só dava pra comprar um gibi, aí eu passava um mês ou mais, lendo e relendo. Nunca mais parei. Colecionador Lembro que em 85 eu tinha dez gibis. Espalhava todos numa mesa, orgulhoso, e

já chamava de coleção. Fui crescendo e esse desejo foi junto. Em 2006 eu fui pra uma exposição de Tex em João Pessoa (PB) e terminei de me encantar. Conheci GG Carsan, que é de lá e é um dos maiores colecionadores do Brasil, conheci Lucílio Valério, de Afogados da

Ingazeira, outro grande colecionador, e me tornei um deles. Hoje eu tenho quase mil gibis, já fiz exposição aqui em Tabira, já dei entrevista pra um blog de Portugal e já tive uma carta publicada no Correio do Tex, que é o sonho de todo Texiano. É uma coisa meio de doido, mas que eu amo.

Coluna VALE A PENA CONHECER... | Genildo Santana

Ficou certo que eu seria destacado Pra Custódia, naquele mesmo ato, O comandante, ciente do passado, Gostou muito do meu falar exato, Mas disse a mim: “Você, ...os três: Dunga da Barra, poeta de vida rude, em meio a também, soldado, Belarmino de Souza Neto e o um tempo rude e pessoas rudes, Em tudo aja com prudência livro “Dunga da Barra, Um Poeta soube se transpor ao seu tempo. e tato”, do Pajeú”. Dunga da Barra é o Aprendeu a ler sozinho e andava Mandou sustar minha ida pai (1905 – 1981), Belarmino é pelos sertões com “Os Luzíadas” o filho e o Livro, o elo entre os de Camões. Não foi cantador a Cabrobó E me mandou destacar em dois: Dunga escreveu, mas quem ou repentista. Escrevia poesias. publicou foi Belarmino, em 1994. Nelas, narrou suas aventuras e Moxotó. Dunga da Barra nasceu desventuras. Além das poesias, o livro em 26 de agosto de 1905, em Em 1994, o filho Belarmino Triunfo. Aos cinco anos viu o pai de Souza Neto, advogado no traz histórias e causos passados ser assassinado, ficando, assim, Recife, através do projeto e vividos pelo poeta e/ou seus órfão e com a responsabilidade “Coleção Tempo Municipal”, contemporâneos. Livro rico de ajudar a criar a família. publicou a vida e os versos de em antropologia sertaneja. Com uma vida atribulada, foi Dunga da Barra, no volume 13 da Retrato de um tempo, de uma alma sertaneja, de um passado almocreve, tornou-se soldado, referida coleção. combateu a Revolta de Princesa, Os versos de Dunga da Barra gritando ao presente com medo em 1930, e a Revolução falam do seu Sertão, das suas de se perder. Constitucionalista de 1932. Foi lutas, glórias, desventuras. Falam Leitura agradável e prefeito e vereador em Calumbi, do seu eu, em ritmos variados, matou desafetos, foi processado, indo da quadra, da sextilha dos necessária aos pajeuzeiros que preso, viu dois filhos, Renan cantadores às décimas e até à quiserem conhecer esse homem e Ramalho, morrerem: um oitava camoniana, como se vê do seu tempo e poeta que o ultrapassa. asfixiado e outro em acidente. O nessa estrofe: Revista Pajeuzeiro - Ano I - Número 6 |

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Mãos que colhem folhas de sabedoria Texto Uilma Queiroz

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ezadeira, benzedeira ou curandeira, pouco importa o título, como diz Dona Zefinha. “É tudo a mesma coisa”. Eu digo que são mãos que colhem folhas de sabedoria. É a arte de curar. Josefa Aucelina dos Santos, 84 anos, é Dona Zefinha Bonfim. Como minha mãe, a escolhi, não por ser a rezadeira mais poderosa desse vale ou por ter o repertório mais vasto de orações. Cada vez mais acredito que não é importante ser o melhor do mundo, basta sermos. Zefinha Bonfim já é admirável para o Pajeú por não ter deixado morrer com a sua madrinha essa manifestação cultural. Interessa-me mais a sabedoria e resistência das duas rezas que professa, do que o fato dela não conhecer outras. Como afirma ela própria: “Qualquer pessoa tem o poder de ser rezadeira, basta querer”. E ela quis. A escolhi por um recorte geográfico e sentimental: Quixaba. O motivo geográfico está no fato de Quixaba ser o município mais jovem do nosso Pajeú (foi emancipada da cidade de Carnaíba, em 1992), e, também, de ainda não termos localizado uma manifestação cultural específica lá. Já a questão sentimental é o fato de Quixaba ser um lugar de minha infância,

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onde minha avó Enedina plantava seres de cura, como o manjericão, para tratar de dor de ouvido. Vovó, falecida em 2015, era comadre de Dona Zefinha. Segundo minha mãe, eram parte de um grupo de comadres que tinha um filho a cada ano, moradoras dos sítios de Riacho do Meio e Carnaúbas. Conheci Josefa através da minha família materna em Quixaba. Queria alguém de lá e, enquanto pesquisava a personagem, sempre ouvia: “ah, encontrar rezadeira tá difícil” ou “a maioria já morreu”, o que deixa mais evidente a importância de cada uma das pessoas que quis, como Zefinha, carregar essa missão de manter viva essa manifestação secular de curar pela oralidade. Nossa conversa foi breve, mas poderosa. E terminou com as mãos dela segurando folhas sob minha cabeça. Ela aprendeu a rezar de olhado e ventre caído ainda no Riacho do Meio. Segundo Zefinha, ser mãe foi a razão pela qual quis aprender a rezar com a madrinha, Dionila Morato. “As crianças adoeciam de olhado e quebranto e se não fosse a reza poderiam até morrer”. Hoje reza para quem a procura. “As vezes passo uns dias na casa da minha filha, Valdinara, em Afogados e quando volto para Quixaba, minha porta está cheia de gente atrás de mim para rezar e eu rezo”.

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Zefinha não lembra da idade. Mas nunca esquece das palavras aprendidas nem do movimento das mãos enquanto reza. Não esquece da satisfação de quando as pessoas a encontram e relatam que o rito ajudou alguém, principalmente criancinhas. Como a maioria das rezadeiras do Pajeú, Zefinha é católica, no entanto, relata o quanto ecumênica e sem fronteiras é sua oração. “Em Quixaba tem até pessoas evangélicas, crentes, mas que tem fé na reza”. Isso evidencia o quanto essa manifestação vai além da religião. É identidade cultural da nossa região. É a crença na oralidade Pajeuzeira. Preocupada com a perpetuação dessa cultura, indaguei se ela já tinha ensinado a alguém as rezas e fiquei aliviada com o relato: “Ensinei a uma menina minha, ela mora em São Paulo. Aí, um netinho dela estava sem dormir, doentinho, e ela pegou a rezar nele e ele melhorou”. Ela ensinou à filha por telefone e as palavras, segundo ela, a fé, fez o bisneto melhorar. Alertando as demais filhas, ressalta a mortalidade das mãos que sabiamente colhem folhas de sabedoria. “Vocês aprendam a rezar de olhado nos filhos de vocês, porque toda vida vocês não tem eu”.



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