Palau vol.6 n.1

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PALAU

vol. 6

ISSN 25268708 No.1

CINEMA BRASILEIRO


SUMÁRIO

07 HUMBERTO MAURO, O Mestre do Cinema Brasileiro

18 CABEZAS CORTADAS (Glauber Rocha, 1971): UNA METÁFORA CONTRA LA DICTADURA EN LA ESPAÑA FRANQUISTA

24 Teatro de Objetos: uma abordagem sobre o lúdico e o imaginário na educação Infantil

33 DI, UM FILME PROIBIDO


SUMÁRIO

36 Diálogo entre a Pauliceia Desvairada de Mario de Andrade e o espetáculo teatral encenado pelo Teatro Didático da UNESP

44 Relato sobre grandes directores del cine brasileño: Mário Peixoto, Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Ozualdo Candeias y Suzana Amaral

55 Paris est à nous


EDITORIAL

Cinema brasileiro, trajetória e história O cinema nasceu em 1895 como pesquisa científica e curiosidade de feiras, os irmãos Lumière faziam registros científicos do mundo, pensavam. Somente com a introdução da ficção no cinema, através de Georges Méliès e suas mágicas delirantes, que nos levaram à lua e as viagens impossíveis, é que o cinema deu o passo fundamental para caracterizar-se como mais um ramo das artes visuais. No Brasil o cinema foi apresentado pela primeira vez no Rio de Janeiro, em 1896, na Rua do Ouvidor; foram exibidos alguns curtas entre eles A saída da fábrica (Lumière). Neste número rendemos homenagem ao cinema brasileiro, que apesar da lenda tem uma história, grandes autores e reconhecimento, nacional e internacional. No Brasil há duas décadas era piada dizer que se ia ver um filme nacional, a fama era que o som era ruim (falso os sistemas de som dos cinemas eram), não tinham história e eram sempre mal-feitos. Uma pesquisa do jornal Folha de S. Paulo de agosto de 2021 mostra que um terço da população brasileira rejeita (aind) o cinema nacional e não o vê. Mas, filmes como Ganga Bruta (1933), Agulha no Palheiro (1953), Macunaíma (1969), Cabra marcado para morrer (1984), Central do Brasil (1998), Cinema, aspirinas e urubus (2005), O cheiro do ralo, O Palhaço (2011) desmentem está fama e este prognóstico. E neste número fica demostrado plenamente com o artigo sobre Cabezas cortas (1970), realizado em Barcelona por Glauber Rocha, até hoje um nome conhecido na Espanha,


que Glauber começou como uma adaptação livre de Dom Quixote e acabou como uma metáfora contra a ditadura, que na época se espalhava pela américa do sul, e pela Europa. Nos lembramos do filme Vera (1986), que trata da vida de uma transexual (recebeu prêmio em Berlim) e atualizamos o olhar com O voo da beleza (2013), o cinema brasileiro tratou todos os temas. O chamado ‘Pai do cinema brasileiro’ é revisitado pelo artigo sensível de uma pesquisadora, que foi até Cataguases percorrer os caminhos de Humberto Mauro. A dramaturgia cênica está presente neste número com duas interpretações inapeláveis: um sobre o teatro de objetos na educação infantil e outro sobre o Teatro Didático da Unesp, que rompe com paradigmas do teatro representacional, através da encenação de clássicos da literatura brasileira. Boa leitura, e viva o cinema brasileiro! Prof. Dr. João Eduardo Hidalgo e Prof. Dr. José Leonardo do Nascimento Editores Palau


EXPEDIENTE

EDITORES - SENIORES João Eduardo Hidalgo José Leonardo do Nascimento

CONSELHO EDITORIAL Mariarosaria Fabris (FFLCH/USP) Emilio García Fernández (Universidad Complutense de Madrid)

EDITORES-CHEFES

George Preston (City University of New York)

Fabia Giordano Guilherme Kadayan

José Leonardo do Nascimento (IA/UNESP)

Melissa Vassalli Donny Correia

Caroline Kraus Luvizotto (FAAC/UNESP)

Marcia Barbosa da Silva (UEPG/PR) Urbano Nobre Nojosa (PUC/SP) Elza Maria Ajzenberg (ECA/USP) Rosa Maria Araújo Simões (FAAC/UNESP) Paulo Roberto Monteiro de Araújo (Mackenzie/SP) Jorge Schwartz (Diretor Museu Lasar Segall/SP)


HUMBERTO MAURO, O MESTRE DO CINEMA BRASILEIRO por Fabia Giordano Guilherme Kadayan

Da

fotografia

e

romance

surge

século

XIX,

com o

parentesco

cinema

com

no

final

de

técnicas,

processo

desenvolvido

e

de ao

o

do

inovações

aperfeiçoamento químico

com

um

longo

narrativa

exclusivamente

destacando-se escrevendo

uma

profissional,

Cataguases

Numa breve pesquisa cinematográfica do

marco

Brasil até a primeira década do século XX,

década

a produção e exibição de filmes nacionais

modernista

e

rastro

constante. rumos

O

na

Brasil

década

apresentar que

revela-se

uma

acontece

autoral

e

regiões

parte

de

forma

país,

mas

novos

passando

produção

simultânea,

do

para

1920,

forte de

incipiente,

a

fenômeno

este

Regional” nas

acontece

cidades

os

horizontes

da

passa

histórico de

na

anonimato

cultural

20, de

do

a

um

nacional,

na

revelando-se época,

literatura,

que

um

eixo

deixa

arquitetura,

seu

música,

escultura, pintura, dança, poesia, teatro e principalmente, no cinema.

HUMBERTO MAURO Humberto Mauro nasceu em Volta Grande, Minas Gerais, em 30 de abril de 1897, na

Conforme Fernão Ramos (1990, p. 65), o

particularmente

ampliando

história

diferentes

denominado Ciclos Regionais.

"Ciclo

incrível

e

fílmica,

independente, em

cenário

chamada sétima arte.

de 80 anos.

estrangeiros

nesse

nacional,

do

Rio

de

fazenda

de

São

Sebastião.

Era

o

primogênito de uma família de imigrantes italianos

de

classe

média.

Sua

mãe,

Janeiro, São Paulo, Barbacena, Ouro Fino,

Thereza Coralina Duarte Castro, mineira,

Belo Horizonte, Guaranésia, Pouso Alegre,

poliglota, muito culta e dona de casa que

Cataguases

sabia

segundo

e

outras

alguns

mais.

autores,

é

No

entanto,

no

Estado

mineiro que observamos o maior número de

incursões

na

produção

cinematográfica, na época. Alguns

nomes

dessa

arte

criar

um

grande

ambiente

em

seu

lar. Seu

pai

Gaetano

Mazzei

Di

Mauro,

italiano, conhecido pelo gênio forte e bom caráter, se destacou em sua profissão de

despontam

no

engenheiro,

tendo

Gerais. Posteriormente trilhou uma sólida

Adhemar

carreira

Mauro lidera um dos mais famosos ciclos

Cataguases, galgando altos postos.

Cataguases. nosso

Como

cinema,

um

durante

dos

pioneiros

cinquenta

Humberto Mauro fez filmes com uma

do

anos,

Cia

de

Força

e

Minas

Gonzaga, Humberto Mauro, dentre outros,

regionais cinematográficos do país: o de

na

de

várias

José

Santos,

Estado

de

obras

Carmem

no

liderança

cenário nacional tais como: Mário Peixoto, Medina,

públicas,

a

Luz

de

Mauro se mudou ainda pequeno de Volta Grande

a

Cataguases,

onde

passa

boa

fase da sua vida, sendo criado com uma certa erudição, tendo oportunidade de


desenvolver-se em diversas artes. Ele apreciava muito a música, fascinando-se pelo violoncelo, bandolim e violino. Já mocinho, no tiro de guerra, ganhou o posto de corneteiro oficial do exército. Mauro também era atraído pela pintura, retratando seus avós paternos com a ajuda de uma tia, sem dar continuidade ao intento. Igualmente se interessava pela dramaturgia, engajando-se durante algum tempo no teatro amador, quando visitava a cidade de Cataguases uma vez por ano, assim como, dirigia o teatro da Igreja Santa Rita, convidado pelo pároco que reconheceu seu talento, desde menino. Ainda jovem, Mauro vivenciou a oratória em recintos fechados de Cataguases, estreitando experiências com intelectuais da localidade, com quem se reunia semanalmente em tertúlias. Segundo André Felippe Mauro (1997, p. 35), Humberto também prezava a literatura, afinando-se desde cedo com poetas e escritores da sua pacata cidade, especialmente Ophir Ribeiro, com quem decide escrever um romance nunca terminado. Um dos seus programas prediletos era a reunião com amigos no Grêmio Literário Belmiro Braga, no centro da Cataguases. Além da literatura, o esporte também ocupava um lugar especial na vida de Mauro, jogando como goleiro oficial do time do Flamengo de Cataguases, durante toda sua juventude. Era campeão de xadrez da cidade, conhecia muito bem os cálculos da

sinuca e se interessava muito pela mecânica. Observamos Mauro sempre à volta das artes, teatro, música, pintura, literatura, rádio e despertando da mesma forma para a fotografia, em 1925, ocasião em que conheceu Pedro Comello, na procura de revelação das fotos de sua própria autoria.

Ciclo de Cataguases Em certo momento, Mauro e Pedro acabam estreitando relações e, aventuram-se em experimentações, iniciando uma grande jornada artística rumo à modernidade, cuja inspiração são as imagens estáticas de pinturas e fotografias de própria autoria, que ganham vida e movimento, engendrando a edificação de uma nova forma de arte, agora também brasileira: o cinema. Com “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”, Mauro tece uma resenha de afinidades nacionais na idealização do nosso cinema, num diálogo de pouca significância aos moldes hollywoodianos de época e, assim, lidera o Ciclo de Cataguases que compõe-se de cinco filmes: Valadião, o Cratera, de 1925; Na Primavera da Vida, 1926; Thesouro Perdido, 1927; Brasa Dormida (1928) e, encerrando o ciclo, Sangue Mineiro, rodado em 1929.


Com sua forma personalíssima de contar a vida, Mauro prenuncia a modernidade com grande desenvoltura, numa composição estética que vai muito além de uma cognição simples e campesina, demonstrando a autenticidade de suas obras, firmando-se como poeta das imagens. A contumaz ironia se agrega às novas técnicas de filmagens descobertas, evidenciando os aspectos simbólicos do cinema e o transformando a cada nova produção, na busca da identidade nacional. Nesta percepção, Schvarzman (2003) argumenta que a modernidade de Mauro não deve ser entendida meramente no enredo de seus filmes, mas sim na sua forma singular de produzi-los, valendo-se de fortes e contraditórios sentimentos. Nessa mesma impressão, o professor e pesquisador da UNICAMP, Fernão Pessoa Ramos diz que Humberto Mauro parece sentir uma necessidade interna de representar a natureza expressa nas paisagens, costumes e tradições de Minas Gerais, e, dessa forma, relata: “O sentimento maureano por excelência são a ‘saudade’ do universo rural e a melancolia”, ao mesmo tempo em que alimentava um enorme apreço pela técnica e pela modernidade. Ainda nessa perspectiva, nas obras de Mauro se evidenciam traços de Sergei Eisenstein, Luís Buñuel, dentre outros notáveis da cinematografia mundial, que corroboram com a arte cinematográfica idealizando transgressões e desconstrução do sistema artístico ”já consolidado”,

preconizando a escrita de uma nova página da história da arte, que, por conseguinte, reconhece o lugar que o cinema efetivamente deve ocupar. Apesar de não ter feito carreira internacional devido às limitações da época, Mauro, ainda assim, foi homenageado diversas vezes em âmbito mundial, premiado e reconhecido como o “Pai do Cinema Brasileiro”, inspirando futuras gerações, particularmente do Cinema Novo e tornando-se uma referência na sétima arte, preenchendo as telas com muita magia, numa espécie de lente de aumento da vida, que nos faz refletir, sorrir e até chorar.

“Valadião, o Cratera”, 1925

Numa análise mais atenta das memórias artísticas de Mauro, consegue-se perceber desde o início seu grande talento. Da fotografia, Mauro e Comello chegam ao cinema e, se propõem à primeira produção fílmica, intitulada “Valadião, o Cratera”. Cinema mudo de curta metragem, rodado em 1925, feito com o intuito de assustar os garotos da cidade onde residem os cineastas, cuja sinopse relata o confronto entre o mocinho e o vilão, trazendo a dicotomia entre o do bem e o mal, dando ênfase no perigo físico, no impacto visual e dramático, como elementos estruturais do filme. Eva, filha de Comello, interpreta a mocinha que é sequestrada e mantida refém numa pedreira, e, posteriormente aparece amarrada


Cà beira do abismo. Sthephanio, um comerciante de café da região de Cataguases, interpreta o Cratera. O mocinho é representado por Vivíco, primo bem-apessoado de Humberto, que sai à procura da mocinha e a encontra sequestrada pelo Valadião, o Cratera. Lutando com ele, o vence, salvando a donzela. Comello opera a filmadora, Chiquinho e Zequinha, ambos irmãos de Humberto o observam na direção da cena, orientando as gravações e falando ininterruptamente: “não parem e não olhem para as câmeras”. O filme é revelado no estúdio de Pedro Comello e a primeira experiência de filme é vivenciada em algumas sessões dentro das casas de amigos, vizinhos e familiares, da pacata cidade de Cataguases. Animados com o sucesso do primeiro filme, Pedro e Comello decidem profissionalizar o processo de produção e em meados dos anos 1920, Mauro e Comello procuram um investidor bem capitalizado na cidade. Homero Cortes Domingues foi a escolha, filho de um rico Coronel local, também fundador da conhecida Casa Carcacena, próspero comércio de Cataguases. Homero, além de admirador de Mauro, também se interessa por investir em novidades. A conversa evolui e decidem fundar uma produtora que viria a se chamar Phebo Sul América Filmes: com Mauro, Comello e Homero. Pouco tempo depois, convidam para compor a sociedade a figura de Ageno

Cortes Barretos, negociante de café e representante Cortes Barretos, negociante de da General Motors na cidade. A Phebo passa a compor quatro sócios: Mauro, Comello, Homero e Agenor Cortes, sendo os dois últimos comerciantes animosos e progressistas de Cataguases a quem a versatilidade atrevida e engenhosa de Mauro fascinava, e, começam a produzir filmes, agora bem capitalizada. Pedro e Comello partem para a nova produção: “Na Primavera da Vida”, realizada em 1926, contando com fortes laços de estima e com a colaboração de poetas e escritores integrantes do conhecido Movimento Verde, como os ilustres Rosário Fusco, Enrique Resende e outros que particularmente ajudam nas filmagens e legendas, assegurando um dos primeiros grandes diálogos artísticos que compõem a história do cinema brasileiro. O Movimento Verde é uma inquietação poética modernista, inspirada na Semana da Arte Moderna de São Paulo, em 1922, criada em Cataguases. Patrocinado pela influente família local: Peixoto, expressa-se principalmente por meio da revista homônima, projetando a cidade para os grandes centros literários do país, numa verdadeira integração à modernidade.


“Na Primavera da Vida”, 1926

Estreando a primeira produção da Phebo, o filme “Na Primavera da Vida”, é dirigido por Humberto, e a ação principal do filme acontece na fictícia Vila de São João, situada na divisa de dois Estados brasileiros não identificados, onde o conflito é anunciado pela brusca diminuição de renda de um Posto Fiscal ali localizado, fruto do roubo de carga na região, deixando perplexa a autoridade local: o conhecido Coronel Souza, interpretado pelo sr. Otávio, conhecido prático farmacêutico de Cataguases, também mora próximo ao Posto Fiscal com sua filha, a Margarida, mocinha do filme, interpretada por Eva Nil. Um dia a cidade recebe a figura de dois forasteiros, o primeiro é Passos, galã representado pelo Chiquinho, irmão de Mauro, engenheiro bem aparentado e educado, que se apaixona perdidamente pela Margarida, à primeira vista. O segundo é um habilidoso bandido frequentador da taverna, representado por Zé Zico, amigo de Mauro, que comanda seu bando de delinquentes (segundo cenário). O elegante bandido também fica atraído pelos encantos de Margarida e se declara à moça, que de imediato o repele. Humilhado com a reação da mocinha, o forasteiro decide levála à força e escondê-la na taverna. O Coronel Souza comenta o ocorrido com o engenheiro Passos que, desesperado com a situação, começa a procurar os bandidos e os acha aprisionando sua amada. O mocinho luta com todos os

bandidos, salva a mocinha e os entrega ao delegado da cidade, representado pelo amigo Ciribelli, logo voltando tudo à normalidade. O Coronel aceita dar a mão de Margarida ao mocinho, e eles se casam, garantindo um final feliz. É uma história com um enredo simples, rodada em dois lindos cenários naturais de Cataguases, em que o grupo de atores é composto de amigos e familiares, que se empenham nas filmagens durante os fins de semana, para não atrapalhar a dura rotina de trabalho. Neste filme, os atores já usam maquiagens, dando mais efeito às reações dos personagens e Humberto passa a usar um megafone, para ajudá-lo em seu trabalho. No entanto, a grande surpresa é a realização de um dos primeiros efeitos especiais realizados no cinema nacional: já em cenas finais, Humberto puxa para cima da cabeça de um dos personagens, uma jaca pendurada pela ponta com um fio de arame. Depois, a fita é projetada ao contrário e a fruta aparece dando a nítida impressão ao espectador de se esborrachar na cabeça do ator. André Fellipe Mauro (1997, p.111) afirma que as coisas vão caminhando bem, os prazos são cumpridos, efeitos especiais começam a ser realizados, todavia a divulgação dos filmes era, talvez, o maior problema a ser enfrentado na época. Numa tentativa de solução, Mauro manda as fotos do filme “Na Primavera da Vida”


para seu novo amigo carioca, Adhemar Gonzaga, Editor responsável pelas revistas “Cinearte e Paratodos”, ambas especializadas em cinema, que as publica, dando divulgação nacional. Tiro certo! Haja vista parte da publicação na Revista Cinearte, edição 55, ano 1927: “[...] Sentado ao nosso lado, nas últimas cadeiras, nervoso, fumou quase uma carteira de cigarros, enquanto pela tela, desfilava “Na Primavera da Vida” [...] existem pessoas capazes de conceber o Cinema como Arte.” Na mesma época, o “Primavera da Vida” é estreado no “Theatro Recreio” de Cataguases, contando com a participação da cidade em peso, que atesta o grande acontecimento em elevada comemoração, também publicado no principal jornal da cidade, “Cataguases”, em manchete, preconizando o evento: “...O drama é muito bom, e sobre o intérprete: Eva Nil, embora naturalmente tímida, portouse com arte no papel de ingênua; Cezar Ciribelli, esplêndido no papel de Dr. Delegado...Aos diretores técnicos da Phebo, Pedro Comello e Humberto Mauro, vão os parabéns francamente sinceros, os aplausos de encorajamento e os votos para que a gloriosa empresa de Cataguases nos dê um novo drama do quilate e da urdidura de “Na Primavera da Vida”. (MAURO, 1997).

“Thesouro Perdido”, 1927 Mauro se desenvolve rapidamente em seu oficio e começa a entender o que de fato é fazer cinema. Também começa a compartilhar experiências com o influente amigo Adhemar, que o ajuda a ampliar seu universo de ideias e a se voltar para novas produções cheio de coragem seu universo de ideias se volta

novas produções cheio de coragem. Assim, ligado a Comello, Mauro segue com uma estética cada vez mais elaborada na produção de “Thesouro Perdido” e, contemporaneamente, com outras produções da Phebo. No entanto, fortuitamente acontece a primeira cisão da Phebo, Eva Nil se desentende com um dos sócios, Homero, e decide abandonar o filme acompanhada de seu pai, Comello, que também deixa a sociedade em defesa da filha. Assim surge Bêbe, esposa de Humberto Mauro, que estreia nas telas sob o cognome artístico de Lola Lys, com grande sucesso. Com roteiro e direção de Humberto Mauro, a Cinearte publica no ano de 1927, página 22 da edição número 61, em linhas gerais, a fabulação que se desenvolve apresentando Bráulio (Chiquinho) e Pedrinho ((Máximo Serrano), dois irmãos órfãos que chegam à maioridade e recebem de Hilário, o tutor dos dois e pai de Suzana (Lola Lys), um envelope que contém um mapa de tesouro. Segundo reza a lenda local, o tesouro pertencia a um antepassado dos irmãos, que trabalhava na região para os portugueses imigrantes. Porém, manifestando-se contra a independência que chegava num movimento contundente e não tendo mais força para se opor, decide regressar a Portugal, em 1822. Antes, porém, entrega metade do mapa de sua fortuna a uma pessoa de confiança. Dois vilões, por sua vez: Dr Litz (Azir Arruda) e Manoel Faca (Humberto Mauro), conhecedores da lenda, passam a vida atrás do tesouro. Em dado momento, um andarilho aparece com a outra parte faltante do mapa do tesouro e é brutalmente assassinado por um dos bandidos. á no final do filme os dois vilões enclausuram Suzana. Pedrinho encontra o esconderijo, fere gravemente um deles com uma arma e luta bravamente com o outro, Manoel Faca. Durante a luta, a brasa de um fogareiro é derrubada no chão, iniciando um grande incêndio que mata um bandido e fere Pedrinho. Suzana é s


é salva e levada desacordada nos braços de Pedrinho para fora do esconderijo em chamas. Bráulio chega e acha a parte do mapa que faltava. Mais tarde, seguindo o caminho indicado no papel, Bráulio encontra a fortuna e a doa a um orfanato. Nas cenas finais, Bráulio aparece junto a Suzana queimando o mapa do tesouro e falando de sua verdadeira fortuna: o amor que sentia por ela. Desta vez, Mauro constrói um tempo fictício para o filme. Para tanto, usa metáforas que funcionam perfeitamente. Muitos efeitos especiais são explorados e um maior requinte na linguagem fotográfica começa a surgir. Com a produção de “Thesouro Perdido”, Mauro demonstra todo seu conhecimento e inventividade técnica, além de um longo aprendizado obtido com o novo amigo, Adhemar Gonzaga. “Thesouro Perdido” é exibido no “Cine Recreio” em setembro de 1927 e recebido com críticas positivas, que dão ênfase principalmente às paisagens maravilhosas que compõem o cenário de talentosas fotografias, tiradas pelo próprio diretor. Depois, “Thesouro Perdido'' é levado à exibição no Rio de Janeiro, na qual a crítica especializada percebe Mauro se aplicando na sofisticação de linguagem para o contexto da época e um consequente avanço nas produções. Com direito a mais uma publicação na revista Cinearte, do ano de 1927, página 8 da edição 55, noticiando o filme “Thesouro Perdido”, vencedor do prêmio “Medalhão” e reconhecido como o melhor longa-metragem brasileiro até então:

“[...] Vimos ainda a semana passada, a exhibicão deste filme de Cataguases...Com esse filme Mauro se revela... Daí o garbo com que nos mostrou O Thesouro Perdido. E que film! [..] é um filme que é mais Cinema do que qualquer um que já projectamos, que maneira original de contar

“[...] Humberto Mauro se desvencilhou da pilhéria para crescer aos olhos daqueles que descriam do seu elevado potencial de iniciativas. Escolheu, no entanto, para seu desvencilhamento, uma tarefa dificílima: idealizou a organização da PHEBO...Foi preciso que Adhemar Gonzaga, Pedro Lima e Paulo Wanderley, pelas páginas da Cinearte, fizessem com que um dia se concentrassem as atenções do mundo cinematográfico brasileiro em torno essa pequena fábrica de Cataguases...Hoje Ö Thesouro Perdido” conquista o primeiro lugar entre tantas boas películas nacionais, motivo de orgulho e vaidade para nós [..]

de

de

A esta época, com a limitação de capital e a notória necessidade de expandir-se, a PHEBO é transformada em sociedade anônima, ampliando o quadro societário, que passa a contar com ilustres de Cataguases, que prestigiam a iniciativa no cinema, como José Manuel Inácio Peixoto, proprietário das indústrias Peixoto, Gabriel Junqueira da Cia Força e Luz de Cataguases. O capital social cresce significativamente e Humberto consegue seguir rumo a seus sonhos, com mais segurança no trabalho e apoio no âmbito familiar.

“Brasa Dormida”, 1929 Assim, a produção de cinema da Phebo caminha efervescente, rumo à especialização, empenhando-se desta vez em “Brasa Dormida”. São 98 minutos de filme, numa construção dramática mais elaborada e técnicas mais aperfeiçoadas, demonstradas numa contínua evolução na linguagem


cinematográfica onde as câmeras agora são lideradas por Edgar Brasil, resultando numa significativa melhora na qualidade das imagens, onde, para tanto, usa manobras muito arrojadas à época. Mauro também contrata atores cariocas e paulistas, abandonando o velho esquema familiar. O roteiro cada vez mais detalhado e significativamente sofisticado é escrito por ele. A construção visual das cenas é ambientada em Cataguases e no Rio de Janeiro, diversificando o cenário e abusando das riquezas naturais como singularidade distintiva de Humberto. “Brasa Dormida”, em linhas gerais, narra a estória de Luis Soares, estroina carioca de família bem abastada, que devido ao seu comportamento irreverente tem sua mesada cortada pelo pai, sendo obrigado a trabalhar. Toma conhecimento de uma oportunidade de emprego numa usina de açúcar, através de um anúncio de jornal. Passa por entrevista e é contratado pelo dono, Dr. Carlos, interpretado pelo dentista de Cataguases, Dr. Cortes Leal. Luis rapidamente engata um romance com Anita, que não é aceito pelo seu pai, Dr. Carlos. Pedro Bento, funcionário demitido da usina, começa a planejar vingança por ter perdido o emprego e logo coloca seus planos em ação. Entre outras coisas, Pedro explode a chaminé da usina e Luís descobre a autoria criminosa, indo tomar satisfação com o ex-funcionário. No calor da discussão, ambos começam a brigar próximos ao caldeirão de melado em ebulição, causando tensão em todos. Claro, no final o mocinho vence o vilão, e Dr. Carlos, agradecido, dá a mão de sua filha, Anita para Luís, que se casam num final feliz. Terminada a filmagem do longa-metragem, “Brasa Dormida”, começa novamente a novela que persegue as produções brasileiras: a distribuição. Mauro procura novamente o amigo Adhemar que o coloca em contato com seu conhecido, o Szeckler, diretor geral da distribuidora norte-americana Universal Pictures no Brasil, com quem assina

contrato em pouco tempo. O cinema nacional começa ser levado à sério! A Universal do Brasil passa então a trabalhar na publicidade do filme com exclusividade que é estreado em 1929, na recém-inaugurada Cinelândia, Rio de Janeiro. A audiência estoura, superando clássicos sucessos que já haviam passado nas telas cariocas, sendo o mesmo amplamente divulgado por diversos meios, contando com o particular apoio de sempre da Revista Cinearte, em várias edições, haja vista a edição 153, página 10, do ano 1929: “Brasa Dormida foi exhibida com grande sucesso...Estiveram presentes a este acontecimento várias personalidades de destaque, entre os quais o Ministro Vianna de Castello.”

“Sangue Mineiro”, 1932 No entanto, produzir filmes tornava-se cada vez mais dispendioso e com consideráveis riscos. Com o não esperado resultado final de “Sangue Mineiro” e a simultânea chegada do cinema falado, a PHEBO entra em crise e com ela, Mauro, que a essa altura já contava com cinco filhos pequenos e mostrava-se cansado da solitária luta contra a preconceituosa moral da sociedade da época, que se impunha no discurso do absurdo de assumir a cinematografia como meio de vida. Mauro encerra o Ciclo de Cataguases em 1932, com a filmagem de “Sangue Mineiro”, trazendo um sensualismo elegante que abrilhanta ainda mais suas produções. O roteiro fica por conta de Humberto e a direção de Adhemar. O cenário continua com Paschoal Ciodaro e, na fotografia, Edgar Brasil que também assume a responsabilidade das câmeras, utilizando arrojadas manobras. Parte da filmagem


aproveita as belezas naturais de Belo Horizonte e Cataguases, outra parte é filmada no Rio de Janeiro. Sob a orientação de Mauro, os personagens se movimentam com mais naturalidade, trazendo uma interpretação mais real à estória que conta com novos atores, dentre eles Amaury Bueno e de Carmem Santos, atriz portuguesa que tem grande importância na trajetória de vida de Mauro, destacando-se mais tarde como uma das primeiras expressões femininas da cinematografia brasileira. Sob a orientação de Mauro, Paschoal Ciodaro abre a gravação abusando de inovadoras panorâmicas verticais, numa tomada lenta e audaciosa da Serra do Curral, localizada no limite sul do município de Belo Horizonte, onde tudo se passa. Em dado momento, a manobra da câmera se funde a outra panorâmica, em sentido contrário e abre espaço a outros poucos planos de filmagem de onde irrompe uma paisagem urbana de prédios dispersos, prenunciando a modernidade. Um corte repentino nos leva ao átrio de um solar, onde várias cenas são filmadas, deslocando parte delas para o Solar Monjope e ao Jardim Botânico, ambos no Rio de Janeiro. Trata-se de uma trama familiar, baseada no romance francês “Filha Adotiva”, que se desenvolve numa sequência de encontros e desencontros amorosos, na qual o jovem Roberto, interpretado por Luiz Soroa, é namorado de Carmem, personagem vivida por Carmem Santos, mocinha ingênua, filha adotiva de um industrial carioca bem-sucedido, Juliano Sampaio, interpretado por Pedro Fantol. Roberto acaba traindo Carmem com a sua irmã, Neuza, interpretada por Nita Ney, filha legítima, moderna e sensual de Sampaio. Carmem descobre a traição, briga com sua irmã e termina o romance com Roberto que se mostra arrependido e tenta o perdão da amada. Sozinha, Carmem acaba por conhecer Cristóvão e Máximo, vividos por Amaury

-

Bueno e Máximo Serrano, respectivamente. Agora, eram três homens que disputavam o amor de uma mulher e, finalmente, depois de muitos contratempos, Cristóvão conquista o amor de Carmem e ficam juntos. Durante as filmagens, Mauro recebe a agradável visita dos amigos da “Verde”, que invariavelmente sugerem, de forma expressiva no roteiro, cenário, atuação e contratações, em busca de uma identidade brasileira, e, ao longo da deliciosa conversa posam para a posteridade. Terminadas as filmagens de “Sangue Mineiro, em 1929, começa novamente o pesadelo da distribuição. Depois de muita discussão e procura, o filme é lançado no Rio de Janeiro, em 1930, pela distribuidora UFA e estreado no Cinema Rialto, também na capital. Fernão Ramos nos elucida, numa análise linear dos filmes que pertencem ao Ciclo de Cataguases, sobre o rápido aprimoramento profissional de Humberto, florescendo a cada filme produzido, com a utilização de símbolos, imagens cada vez mais enriquecidas, sub entendimentos explorados com requinte, contratações de artistas profissionais de diversos locais, manobras audaciosas com as câmeras, cenários naturais deslumbrantes, efeitos especiais produzidos, novas técnicas de filmagens, dentre outros artifícios, alcançando grandes resultados em pouquíssimo tempo e, consubstanciando-se num crescente avanço na produção do cinema brasileiro. Neste mesmo sentido, Marcos da Silva Graça, (1997, p. 18) “[...] poucos como Humberto Mauro conseguiram produzir filmes de qualidade na década de 1920”. Encerrado o Ciclo de Cataguases, Mauro sai de Minas, aventurando-se com suas lentes pelo Brasil em novas experiências, produzindo uma rica abordagem temática, com novos elementos estéticos e poéticos, tornando visível sua realidade A “descoberta do cinema” foi fruto de uma grande experiência empírica


Bmovimento a elas, trazendo a impressão da própria realidade o ajuda a escrever a história da humanidade, não só na sua acepção como sétima arte, mas também na sua singularidade como cineasta tratando da condução do seu enredo, na temática escolhida, nas suas técnicas de produção, nos enquadramentos paradoxos e reflexivos, nas suas manobras inovadoras de câmeras, nos arranjos e efeitos visuais revolucionários ostentados em várias cenas, assim como em outros experimentos. Corroborando com Mauro, o Movimento Verde de Cataguases, leva à modernidade a pequena cidade mineira, contaminando os roteiros do cineasta, transvertendo sua solidão inicial numa grande interlocução com artes diversas onde os cognomes se agregam numa síntese de sonhos, crenças, experimentos, técnica e muito amor à arte, pondo luz a um novo contorno dado a ela. É o início de um sonho da sétima arte em solo brasileiro, com uma foça própria de nossas terras.

Referências ANDRADE, Mario. O Movimento Modernista. Rio de Janeiro: ed. Casa do Estudante, 1942. Disponível em: https://www.google.com/url? sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd =1&ved=2ahUKEwjQoeiUk9ToAhV4F7kGHR eBCKoQFjAAegQIAxAB&url=http%3A%2F% 2Fwww.bibliotecadigital.unicamp.br%2Fdo cument%2F%3Fdown%3D64439&usg=AOvV aw1IGSsrP2F3sGY3-9gKaSuv. Acesso em: 22 jun. 2019. ANDRADE, Mario, Oswald. Cinearte, n. 4. dez., p. 9, 1927. Acesso:https://digital.bbm.usp.br/view/? 45000033259&bbm/5782#page/112/mode/2u p. Acesso em: 22 jun. 2019. ANDRIES, André. O Cinema de Humberto Mauro. Rio de Janeiro: ed. Funarte Coordenadoria de Edições, 2001.

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CABEZAS CORTADAS (Glauber Rocha, 1971): UNA METÁFORA CONTRA LA DICTADURA EN LA ESPAÑA FRANQUISTA

por Esteve Riambau Glauber Rocha se erigió en padre del Cinema Novo de los años sesenta con sus largometrajes Deus e o Diabo la Terra do sol (1964), Terra em transe (1967) o O Dragao da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969). A partir de 1970 emprendió un periplo internacional que el régimen dictatorial de su país derivó hacia un exilio definitivo. La primera de esas escalas internacionales fue, paradójicamente, en la España de 1970. Francisco Franco emprendía los últimos años de su régimen, autárquico, particularmente represivos después de un período de cierta tolerancia durante la década de los sesenta. En el ámbito cinematográfico, ahí surgieron el Nuevo Cine Español de los Carlos Saura, Basilio Martín Patino o Francisco Regueiro y la más vanguardista Escuela de Barcelona de Jacinto Esteva, Joaquín Jordá o José María Nunes. El primer contacto entre este movimiento y Glauber Rocha se produjo con Ricardo Muñoz Suay como intermediario en 1967. Tras la proyección de Terra em tramse en el festival de Cannes, el productor valenciano publicó una crónica del certamen en la que calificaba a Rocha como el “autor del film de más significado polémico visto en esta primera semana, lleno de barroquismos, de altibajos, de desánimos, pero el más dialéctico y polémico, el más honrado, en el que se reflejan todas las contradicciones de las tiranías latinoamericanas. Film el más nuestro, el único nuestro hasta ahora en Cannes”. Una semana más tarde, apuntalaba su diagnóstico afirmando que Terra em transe “tiene mucho de desgarro, de alarido, pero mucho también de programa para todo cine joven que intenta romper los caparazones

aparentan no serlo”. Tras haber impulsado las carreras de Juan Antonio Bardem y Luis Berlanga, Muñoz Suay veía en el cineasta brasileño un espejo en el cual reflejar la entonces vigente Escuela de Barcelona, de la cual él era uno de sus principales gestores. Dos años más tarde, la posibilidad de que Rocha rodara en España se hizo realidad a raíz de Ícaro, un abortado proyecto de Jacinto Esteva. Filmscontacto, su productora, había entrado en crisis y, desde mediados de 1969, Muñoz Suay compaginaba su trabajo en esta empresa con el de asesor de Profilmes, una productora entonces más solvente pero de miras más comerciales. En su cartera de proyectos coincidió la posibilidad de coproducir Ícaro con un guión de Marco Ferreri en el que Paco Rabal reemplazaba a Dirk Bogarde como protagonista previsto. Ninguno de ellos llegó a buen puerto y el primero naufragó tan pronto los productores fueron conscientes de que las borracheras nocturnas de Jacinto Esteva eran incompatibles con la serenidad necesaria para rodar durante el día. El acuerdo entre Profilmes y Filmscontacto se trasladó entonces a un nuevo proyecto que también incluía a Paco Rabal como protagonista. Ahí es donde apareció Rocha. En mayo de 1969, pocos días antes de finalizar el festival de Cannes en el que Antonio das Mortes fue galardonado con el premio a la mejor dirección, el cineasta brasileño recibió una llamada de Pere I. Fages. El responsable de la distribución de Filmscontacto le ofrecía cien mil dólares para que rodase una película en España con absoluta libertad Las primeras ideas giraban entonces en torno a una adaptación de Bodas de sangre de García Lorca o Tirano Banderas de Valle


pero lo que Rocha hizo llegar a las oficinas de la productora barcelonesa durante la primera semana de junio era una sinopsis de cinco páginas mecanografiadas que, con el título El testamento de Don Quijote, iban precedidas por una declaración de principios del propio cineasta: “Este film está inspirado “libremente” en el último capítulo de Don Quijote de Cervantes. “La época y el país en que se desarrolla la acción son imprecisas. Es un film que podría situarse en cualquier época o en cualquier país. “La intención del film es mostrar los últimos días de un gran hombre a través de sus delirios místicos, psicológicos, religiosos, líricos y existenciales. “El personaje no se llamará Don Quijote y nada sabremos ni de su nombre ni de sus orígenes. Su punto de contacto con Don Quijote es apenas uno: como Don Quijote, nuestro personaje se enfrentó a la vida en solitario, soñó conquistar tierras y fortuna y acreditó tener vencidos a todos sus enemigos. “En el delirio de su muerte no sabrá nunca si vive un clima de sueño o de realidad. “La acción se desarrolla en un Palacio, o en una gran mansión rodeada de jardines. Puede tratarse de una vieja casa solariega o de un palacio con muebles antiguos o modernos. Estos detalles no son importantes. Algunas escenas deberán ser filmadas en las calles o por los campos, pero sin establecer ningún vínculo directo con la realidad de ninguna ciudad o de ningún país”. Apenas diez días más tarde, Ricardo viajaba a París, acompañado por Fages, para la firma del contrato con Rocha. El documento, manuscrito en una hoja con membrete de Filmscontacto y fechado el 17 de agosto 1969, habla de un film cuyo rodaje debe comenzar a mediados de septiembre, con un presupuesto no superior a los 7 millones de pesetas, de los cuales uno corresponde al realizador quien, además se queda con el mercado brasileño. En agosto, Filmscontacto recibió un guión de unas quince páginas en las que el personaje de Don Quijote

paquí un dictador latinoamericano exiliado en un país europeo, que bien podría ser España, donde se enfrenta a unos guerrilleros que vienen desde su tierra para matarle. Pocos días más tarde, Rocha llegaba a Barcelona para emprender las localizaciones. El cineasta brasileño había conocido a Paco Rabal en la Mostra de Venecia en la que Belle de Jour ganó el León de Oro y no fue difícil convencerle para que lo aceptase como protagonista de su película. El actor, a su vez, reconocería que “me interesaba mucho aquel papel, una especie de dictador suramericano, dentro de la ilustre tradición que va de Valle Inclán a García Márquez, pasando por Miguel Ángel Asturias”. En octubre, el guión pasó censura y recibió la calificación administrativa que garantizaba su financiación pero el rodaje, previsto para mediados de noviembre, se retrasó debido al previo compromiso que Rocha había adquirido para filmar Der leone have sept cabeças en África. De nuevo centrado en el proyecto español, el realizador brasileño comunicó que el título definitivo sería Cabezas cortadas porque “leyendo Tirante vi que los caballeros cortaban mucho las cabezas de los moros. El título es fuerte, tiene raíces españolas y es comercial”. También le pidió a Paco Rabal que se dejase crecer barba y bigote y solicitaba de producción “un castillo grande, grandísimo”. Por último, suplicaba a Muñoz Suay que “no divulgues nada a la prensa sobre la historia del film. Quiero mantener en secreto el tema y la significación de la película. Y tampoco quiero que se hable de que la película ha obtenido Interés Especial. Esto la desvaloriza internacionalmente”. Cada vez más cerca de Profilmes que de Filmscontacto, Muñoz Suay publicó un artículo laudatorio sobre el film que Rocha acababa de rodar en África y, escasos días más tarde, comenzaba el rodaje de Cabezas cortadas durante las tres primeras semanas de marzo de 1970. Barcelona y los gerundenses monasterio de Sant Pere de Roda, Castelló


pero lo que Rocha hizo llegar a las oficinas de la productora barcelonesa durante la primera semana de junio era una sinopsis de cinco páginas mecanografiadas que, con el título El testamento de Don Quijote, iban precedidas por una declaración de principios del propio cineasta: “Este film está inspirado “libremente” en el último capítulo de Don Quijote de Cervantes. “La época y el país en que se desarrolla la acción son imprecisas. Es un film que podría situarse en cualquier época o en cualquier país. “La intención del film es mostrar los últimos días de un gran hombre a través de sus delirios místicos, psicológicos, religiosos, líricos y existenciales. “El personaje no se llamará Don Quijote y nada sabremos ni de su nombre ni de sus orígenes. Su punto de contacto con Don Quijote es apenas uno: como Don Quijote, nuestro personaje se enfrentó a la vida en solitario, soñó conquistar tierras y fortuna y acreditó tener vencidos a todos sus enemigos. “En el delirio de su muerte no sabrá nunca si vive un clima de sueño o de realidad. “La acción se desarrolla en un Palacio, o en una gran mansión rodeada de jardines. Puede tratarse de una vieja casa solariega o de un palacio con muebles antiguos o modernos. Estos detalles no son importantes. Algunas escenas deberán ser filmadas en las calles o por los campos, pero sin establecer ningún vínculo directo con la realidad de ninguna ciudad o de ningún país”. Apenas diez días más tarde, Ricardo viajaba a París, acompañado por Fages, para la firma del contrato con Rocha. El documento, manuscrito en una hoja con membrete de Filmscontacto y fechado el 17 de agosto 1969, habla de un film cuyo rodaje debe comenzar a mediados de septiembre, con un presupuesto no superior a los 7 millones de pesetas, de los cuales uno corresponde al realizador quien, además se queda con el mercado brasileño. En agosto, Filmscontacto recibió un guión de unas quince páginas en las que el personaje de Don Quijote

despótico y sanguinario protagonista es aquí un dictador latinoamericano exiliado en un país europeo, que bien podría ser España, donde se enfrenta a unos guerrilleros que vienen desde su tierra para matarle. Pocos días más tarde, Rocha llegaba a Barcelona para emprender las localizaciones. El cineasta brasileño había conocido a Paco Rabal en la Mostra de Venecia en la que Belle de Jour ganó el León de Oro y no fue difícil convencerle para que lo aceptase como protagonista de su película. El actor, a su vez, reconocería que “me interesaba mucho aquel papel, una especie de dictador suramericano, dentro de la ilustre tradición que va de Valle Inclán a García Márquez, pasando por Miguel Ángel Asturias”. En octubre, el guión pasó censura y recibió la calificación administrativa que garantizaba su financiación pero el rodaje, previsto para mediados de noviembre, se retrasó debido al previo compromiso que Rocha había adquirido para filmar Der leone have sept cabeças en África. De nuevo centrado en el proyecto español, el realizador brasileño comunicó que el título definitivo sería Cabezas cortadas porque “leyendo Tirante vi que los caballeros cortaban mucho las cabezas de los moros. El título es fuerte, tiene raíces españolas y es comercial”. También le pidió a Paco Rabal que se dejase crecer barba y bigote y solicitaba de producción “un castillo grande, grandísimo”. Por último, suplicaba a Muñoz Suay que “no divulgues nada a la prensa sobre la historia del film. Quiero mantener en secreto el tema y la significación de la película. Y tampoco quiero que se hable de que la película ha obtenido Interés Especial. Esto la desvaloriza internacionalmente”. Cada vez más cerca de Profilmes que de Filmscontacto, Muñoz Suay publicó un artículo laudatorio sobre el film que Rocha acababa de rodar en África y, escasos días más tarde, comenzaba el rodaje de Cabezas cortadas durante las tres primeras semanas de marzo de 1970. Barcelona y los gerundenses monasterio de Sant Pere de Roda, Castelló d’Empuries o el Cap de Creus –donde Buñuel había rodado escenas de L’Age d’or- eran los escenarios elegidos.


negativa experiencia de Tuset Street, fue sustituida por Marta May. También aparecían Luis Ciges, Emma Cohen, Rosa Penna –compañera de Rocha-, Carlos Otero y Pierre Clementi, en el papel de un pastor inicialmente previsto para el cantante Paco Ibáñez o el bailarín Antonio Gades. La primera vuelta de manivela se dio el 1 de marzo, en Barcelona, y dos días más tarde el equipo se trasladó a la bahía de Rosas. Encantado por el paisaje ampurdanés, Rocha decidió eliminar los rodajes previstos en La Mancha y en Cardona –donde Orson Welles había filmado una parte de Chimes at Midnightpara celebrar una ininterrumpida fiesta plagada de visitantes ilustres y propensa a los excesos y a la improvisación. “Rocha fumaba porros como un carretero y Clementi, cuando interpretaba su papel, saltaba como si volara de tantos porros que llevaba en el cuerpo” recordaba Nieves Arrazola, la mujer de Muñoz Suay. Paco Rabal desapareció unos días del rodaje, sin previo aviso, y en una escena, él y Emma Cohen se revolcaban por un repugnante fango repleto de huesos de perro, de burro, zapatos viejos o platos rotos. El montaje se llevó a cabo en Barcelona y, a pesar que la película no tiene más de 25 planos, fue complicadísimo. Rocha tenía tantas dudas que hizo muchos cambios de secuencias hasta llegar a la versión definitiva y fue entonces cuando Fages y Esteva abandonaron el proyecto para que Muñoz Suay y Profilmes lo asumieran completamente. Desplazado durante algunos días a Cannes, el brasileño recibió una carta del productor en la que manifestaba su entusiasmo por el copión que había visionado a la vez que le anticipaba los problemas que podía afrontar para su estreno en España: “Yo me he negado a presentar el film a la censura española hasta que no tengamos la coproducción aprobada, pues quiero tener la garantía de que la versión internacional sea íntegra. Como comprenderás, sintiéndolo mucho porque yo era partidario de enviar el film a Berlín y ya no hay manera. (...) Todavía la

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entonces no podemos enviarlo a ningún festival” [15.6.1970]. Cabezas cortadas nunca había ocultado que se trataba de una metáfora política voluntariamente hermética. Así lo expresó Rocha cuando escribió en el pressbook que “no es un film con una sintaxis tradicional. Puedo afirmar que es un film situado entre el teatro y la poesía. “Lo importante en Cabezas cortadas no es el argumento, sino el valor plástico, sonoro y dramático de cada escena. El guión tiene un principio y un final, pero lo que para mí es más importante es la puesta en escena de cada episodio. (...) En este momento, el cine tiene dos opciones: o hacer films para divertir a las masas, utilizando técnicas de academia, o hacer films de polémica social y política, buscando nuevas formas de expresión. Cabezas cortadas es un ejemplo del segundo caso. “Para acabar, yo no puedo considerar Cabezas cortadas como un film legítimo español, hacer un verdadero cine español es un trabajo que corresponde a los cineastas españoles. Cabezas cortadas es, ante todo, un film del Tercer Mundo al que sólo la realidad del Tercer Mundo podría servir de inspiración para las imágenes, los sonidos y los personajes que aparecen durante la hora y media de proyección”. Muñoz Suay transcribió ese discurso político cuando, con motivo de la muerte del realizador, afirmó que “sobre la base de una idea, casi siempre confusa, en la que los mitos de su devorante Brasil se fundían con los europeos, y en el caso de Cabezas cortadas con los nuestros, Glauber Rocha montaba su artilugio en función siempre libertadora, en defensa de utopías y abstracciones, pero que, sin embargo, guardaba referencias muy concretas con paradigmas afines a ciertos hechos históricos y realistas que encontraba en el contexto del país donde filmaba. (...) Tal vez en sus emblemas cargados de retórica y de una lectura no siempre fácil, Glauber Rocha y nosotros encontramos la fórmula para ir trampeando en la censura previa del guión y para lograr, al final, un Interés


que era una ayuda financiera importante. Y, sin embargo, las figuras del Tirano (Paco Rabal) y del Caballero (Pierre Clementi) eran inequívocas. Por cierto que, cuando murió Franco, Glauber me telefoneó desde Brasil empeñado en demostrarme que en nuestra película latía su premonición del tránsito del franquismo a la Monarquía. Pero fuera subjetivismos, la realidad es que siempre nos conmovió aquella escena en la que el Tirano baña en sangre sus pies mientras las imágenes del ritual eran subrayadas por una música catalana muy reconocible y que en aquel sobrecogedor escenario del monasterio de Sant Pere de Roda era una invitación al tiranicidio”. En su momento, la acogida que Cabezas cortadas recibió en el festival de San Sebastián fue mucho menos entusiasta. Rocha no estuvo allí, pero los actores comenzaron a temer lo peor al oír que el público reía extemporáneamente cuando el protagonista sentencia: “Esta es una historia sin pies ni cabeza, llena de ruido y furia, contada por un idiota y que nada significa”. El día siguiente, las críticas publicadas en los diarios españoles fueron mayoritariamente demoledoras y Alfonso Sánchez no dudó en afirmar cínicamente que “admiraba a Ricardo Muñoz Suay pero ahora le admiro más todavía. Sencillamente, porque le supongo autor de la sinopsis de Cabezas cortadas. Al menos, él se ha enterado”. El film tampoco fue del agrado de Luis Buñuel. Lo vio algunas semanas más tarde, junto a su amigo Paco Rabal, en un cine de Madrid y expresaba comentarios negativos en voz alta que provocaban las iras de un público que le pedía que se callase hasta que el actor exclamó: “Este señor puede decir lo que quiera porque es Don Luis Buñuel”, y la sala lo reconoció con una cerrada ovación. Las reacciones negativas del festival fueron innegables pero, una vez más, Muñoz Suay aplicó paños calientes explicándole a Rocha que “si hemos ido a San Sebastián es porque el gobierno nos lo ha impuesto y porque de esta forma nos conceden un 10% más de ayuda estatal. De todas formas, la película vencedora moralmente en S.S.

juventud, la crítica independiente, etc. estuvieron al lado de tu film. La crítica fascista y reaccionaria estuvo contra el film. Estoy muy contento de haber producido tu film. Estoy orgulloso. Creo que es tu mejor film y uno de los más significativos de todo el mundo” [7.8.1970]. Tras esta experiencia, Rocha siguió en contacto con Muñoz Suay. En 1971 le mandó una postal desde Marruecos, donde pretendía rodar Leticia et Massa au Maroc en Super 8. Un año más tarde, propuso a Juan Palomeras que Profilmes participase en la coproducción de A conquesta de El Dorado, a rodar en Cuba, pero el proyecto cayó en saco roto. En 1975 proclamó desde París un entusiasta “Viva la muerte de Franco y viva Cabezas cortadas que es la biografía audiovisual del inconacio de Franco y viva tú y tu Palomeras y Jacinto y el gordo Pedro que la produjeron más el más genial que fue el Estado quien la pagó. No tengo remordimientos de esta película. La vi el otro día, es actual. La larga muerte del dictador –de Perón a Juan Carlos- porque Paco se corona Rey. (...) Ahora que Franco se murió quiero hacer otra película en España. Barata. Cuatro semanas de filmación. Ocho de montaje. Yo filmé Cabezas en quince días... pero quiero filmar sin guión... con actores... podemos presentar un guión falso a la censura... puedo llevar actores franceses o italianos... algunos... no muy caros... una producción barata como Cabezas... quiero la misma cosa por Cabezas: 15 mil dólares y el mercado brasileño... porque ahora es necesaria la segunda parte de Cabezas: lo que pasó con los campesinos después de la muerte del dictador. Fui censurado en México después de hacer una película en España pero puedo también hacer una de tus películas de terror teniendo a Franco como tema... podemos hacer una coproducción con Francia o Italia: filmación en España, montaje en París o Roma pero también hay otras soluciones. (...) P.S.: O si quieres hacer una película comercial podemos hacer un western en Andalucía” [13.12.1975].


qEl torrente de proyectos que surgían de la cada vez más bulliciosa cabeza del realizador brasileño era tan disperso como inagotable. A mediados de 1979, sonó el teléfono de Muñoz Suay y éste le contó a la escritora brasileña Nélida Piñón: “Me tuvo más de media hora, en pleno viaje, hablándome de mil cosas extrañas, interesantes, imprecisas y fabulosas. Comenzó diciéndome que aquella noche había soñado que él era Cristóbal Colón y que Nieves y yo éramos los Reyes Católicos, a propósito del triunfo de su film en el Brasil, pues habíamos descubierto de nuevo América” [19.7.1979]. Su última carta, fechada en Portugal el 16 de julio de 1981, anuncia la preparación del rodaje de El destino de la humanidad al mismo tiempo que pide la dirección de García Márquez para enviarle una copia de Cabezas cortadas para uso personal y pregunta si “¿sería posible hacer una película con Dalí?”. También adjuntaba su último libro, en cuyo último capítulo afirmaba: “Están confundiendo mi locura con mi lucidez”. Ricardo aludía a esta cita en su citada necrológica del cineasta, publicada en setiembre de 1981: “Glauber Rocha hizo suya la propuesta de revolución permanente. E inexorablemente incurrió en dos males de los que nunca llegó a desprenderse: la utopía y el radicalismo”. Ambos están incluidos en Cabezas cortadas, una metáfora contra cualquier dictadura que el cineasta brasileño consiguió rodar en pleno franquismo.

BIBLIOGRAFÍA José Carlos Avellar, Cátedra, Madrid, 2002.

Glauber

Rocha,

Augusto Martínez Torres (coord.), Glauber Rocha y “Cabezas cortadas”, Anagrama, Barcelona, 1971. Francisco Rabal, Si yo te contara, Aguilar, Madrid, 1994.

Esteve Riambau, Ricardo Muñoz Suay. Una vida en sombras, Tusquets, Barcelona, 2007.

Esteve Riambau & Casimiro Torreiro, La Escuela de Barcelona. El cine de la Gauche Divine, Anagrama, 1998.


Teatro de Objetos: uma abordagem sobre o lúdico e o imaginário na educação Infantil por Rosa Maria Araújo Simões e Luana de Moura Picoli

O teatro, arte transmitida de um ator para o público, composta a priori pelo texto, pelo público e pelo ator, possui especificidades, “é nele indispensável que o público veja algo, no caso o ator, que define a especificidade do teatro” (Magaldi, 1986, p. 8). No teatro de formas animadas ou Teatro de animação, um gênero teatral que utiliza do inanimado (objetos, bonecos, máscaras, sombras) como personagem principal da ação cênica, possui a característica específica de representar o homem por tais objetos, sendo animado pelo ator-manipulador, o ator dá lugar ao objeto (Amaral, 1997). Do teatro de formas animadas fazem parte: o teatro de sombras, o teatro de máscaras, o teatro de bonecos e o teatro de objetos. Cada qual orientado pela ação do ator-manipulador. De acordo com Amaral (1997) o teatro de animação também pode ser chamado de teatro do inanimado, pois é da matéria sem ânima, isto é sem alma, que se constrói a ação cênica, animada pelo ator-manipulador. No teatro do inanimado a matéria encantada pela força do manipulador provoca uma inquietação enigmática pelos “seus micro-personagens, energias conglomeradas, com suas situações claras e seus temas enxutos (...)” (Amaral, 2011, p. 204). O Teatro de Objetos tem a especificidade particular de substituir bonecos por objetos quotidianos, tirados de seu contexto habitual, e os transformando em

outras coisas como “(...) pela forma e a cor, uma ameixa poderia ser um coração; (...)” (Vargas, 2010, p. 34). Vargas (2010) aponta que o ritual do teatro de objetos e suas motivações advêm de sua origem Vanguardista, dos movimentos artísticos como Surrealismo, Futurismo e Dadaísmo, pois posiciona o objeto como ação primeira do teatro e não mais como acessório de cena. Assim como nas Artes Visuais, pela movimentação desses espetáculos compósitos na obra. Como aponta Amaral (2011) O Teatro de Objetos é jovem, nasceu na década de 1980 através de grupos como o francês Théatre Cuisine. “Os espetáculos de Christian Carrignon e Kathy Deville muito se aproxima das artes plásticas por sua semelhança com a pintura de Arcimboldo ou com as esculturas surrealistas” (Amaral, 2011, p. 218). O Italiano Arcimboldo (1526-1593) que no movimento Maneirista antecipava a tendência do objeto como figura central, sua composição em tela era construída com frutas, verduras, hortaliças e objetos diversos que conversassem com o título da obra (fig.1) quebrando paradigmas estilísticos. Pensando como Arcimboldo, objetos quotidianos, sejam eles orgânicos ou fabricados, fazem a magia do Teatro de Objetos, se transformam e transportam para outras funções das quais não foram feitas, pensadas ou programadas. Um objeto por seu aspecto físico ou mecânico


dá vida a um personagem e, “para compreender o estético em suas formas supremas e aprovadas, é preciso começar por ele em sua forma bruta; (...)” (Dewey, 2010, p. 61). As experiências diárias, com objetos, formas, sentidos, de acordo com Dewey (2010) são aquelas que dão vazão à arte, por vezes atribuída, somente, ao objeto museológico, que também são importantes para uma leitura de mundo. Uma concepção das belas-artes que parta da ligação delas com as qualidades descobertas na experiência comum poderá indicar os fatores e forças que favorecem a evolução normal das atividades humanas comuns para questões de valor artístico. (DEWEY, 2010, p. 72) Limitar o estudo e as possibilidades da arte ao que se estipula em materiais didáticos quando se faz referência à arteeducação é recorrente, com atividades massificadas que exploram o mesmo viés, com uma reapropriação dos métodos antigos de conteúdos na arte-educação independente do período escolar em que o aluno se encontra, as atividades propostas seguem sempre um mesmo direcionamento. “O estilo da arte escolar é o mesmo, (...) as atividades em geral centralizadas em trabalhos de ateliê e subordinadas ao mesmo uso pseudooriginal de sucata, aos mesmos temas convencionais, aos mesmos símbolos comerciais e culturais (...)” (Barbosa, 2015, p. 32). O fazer na arte-educação é tão fundamental quanto o observar e, compreender as imagens faz parte de absorver o mundo ao redor (Barbosa, 2014), a questão é como estimular a leitura do mundo de forma a repensar metodologias batidas e por vezes repetitivas, ou o fabricar em ateliês a partir do que se vê e se sente. Crianças possuem um jeito próprio de compreender o mundo, raciocinam de forma a se incluir nas situações, são “pequenos absurdos poéticos” (Corso, 2006, p. 191)

que os pequenos fazem ao exprimir como compreendem o mundo. “(...) Quando se pergunta para uma criança quantos irmãos ela tem, invariavelmente ela vai contar-se entre eles”. (Corso, 2006, p. 191). Sendo este o jogo, o lúdico de percepção infantil de mundo. Segundo Huizinga (2000) o jogo possui sentido e significado, tanto para a criança que está observando e compreendendo o mundo, quanto para o adulto que encara regras sociais consciente daquilo que está fazendo, o jogo se aplica também para a natureza e os animais, o jogo não se limita a uma propriedade humana, está presente na dinâmica de vida.

A própria existência do jogo é uma confirmação permanente da natureza supralógica da situação humana. Se os animais são capazes de brincar, é porque são alguma coisa mais do que simples seres mecânicos. Se brincamos e jogamos, e temos consciência disso, é porque somos mais do que simples seres racionais, pois o jogo é irracional. (HUIZINGA, 2000, p. 7)

Como aponta Huizinga (2000), toda a estrutura social que existe na atualidade, tem sua origem primitiva no jogo, da indústria à arte. Para a educação inserida na sociedade as regras também se impõem. Segundo a BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR - BNCC (Brasil, 2018) é previsto que crianças de quatro a cinco anos, que frequentam instituições de ensino de educação infantil, construam autonomia, bem como autoestima e identificação como indivíduo que possui valor e autoconhecimento, alicerçando valores como respeito ao coletivo, e também à individualidade dos outros ao seu redor, o cumprimento e reconhecimento de regras e o compartilhamento de suas experiências pessoais, sendo respeitado e, respeitando adultos e colegas de sala.


Os processos de socialização infantil se dão pelo contato e convivência com outras crianças, e com adultos com quem constroem vínculos afetivos, de onde tiram seus valores e condutas, bem como a compreensão de regras e do mundo. Mas também parte do educador compreender seu público, e perguntar-se “para quem estou compartilhando experiências?”, como elaborar um processo de ensino-aprendizagem afetivo, que estimule a brincadeira (e, consequentemente, a imaginação) e se aproxime da linguagem infantil que compreende o meio de forma singular? Assim como instrui a BNCC (Brasil, 2018), o educador deve induzir, em suas atividades pedagógicas, o desenvolvimento social do aluno, compreendendo suas dificuldades, afinidades, a fim de promover um processo de ensino-aprendizagem coerente com o universo da criança. No documento é estabelecido os cinco campos de experiências que devem ser promovidas pela educação infantil: 1) “o eu, o outro e o nós”; 2) “corpo, gestos e movimentos”; 3) “traços, sons, cores e formas”; 4) “escuta, fala, pensamento e imaginação”; 5) “espaços, tempos, quantidades, relações e transformações” (BRASIL, 2018, p. 41 - 42). São esses campos que garantem a base para a o desenvolvimento e a aprendizagem da criança. Pensando no campo “espaços tempos, quantidades, relações e transformações”, é possível relacionar com a experiência de Fayga Ostrower (1987) ao lecionar para um grupo de operários de uma fábrica. De acordo com Ostrower (1987, p. 30) “ (...) o espaço constitui o único mediador que temos entre a nossa experiência subjetiva e a conscientização dessa experiência.” Sendo a aferição espacial, visual, imaginativa, expressiva e lúdica, unidos no teatro de objetos, ele oferece uma possibilidade singular de trabalhar signos e significados, reavaliar o estético e simplificar o uso de tecnologias lúdicas e imaginárias na arte-educação, articulando ações práticas e teóricas que façam sentido e tenham coerências com o

Por exemplo, é recorrente o uso de fantoches comerciais feitos de E. V. A. (acetato-vinilo de etileno que deriva do inglês: Ethylene Vinyl Acetate, ou etileno acetato de vinila). Substituir essa espuma sintética - que é comumente utilizada nas aulas para contar histórias -, por um objeto cotidiano amplia o repertório visual infantil e adere a possibilidades lúdicas simples, mais coerentes e criativas para ensinar e aprender na educação infantil. São como as linhas únicas de Ostrower (1987), cada objeto é único e cercado de representações, assim como a percepção visual e imagética de mundo de cada criança, que percebe o espaço intuitivamente, com afeto, imaginação e ludicidade. • Teatro de Objetos O teatro de objetos é a vertente do teatro de formas animadas que permite transformar quaisquer objetos (orgânicos ou inorgânicos) utilizados no quotidiano nos principais personagens da ação cênica. É pela manipulação do atormanipulador que o objeto inanimado ganha vida. Sendo, portanto, um tema de ampla ludicidade, pois objetos compõem rituais e tradições diários, herdados da relação homem-objeto advindos da ancestralidade. De acordo com Amaral (1997) o homem primitivo acreditava que os seres inanimados possuíam alma e se relacionavam de forma íntima e sagrada com a materialidade das coisas. Crianças na faixa-etária de quatro a cinco anos possuem uma relação parecida com a do homem ancestral e seus objetos, observam o mundo construindo sentido emocional e lúdico com a materialidade à sua volta, por isso a necessidade da abordagem desse tema na educação infantil, pela construção dos laços afetivos e intimidade criada com os temas abordados pela ação cênica do teatro de objetos e de sua origem nas Artes Visuais, além de ser um tema que reúne ações pedagógicas estipuladas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC)


educação infantil”: Conviver, Brincar, Participar, Explorar, Expressar e Conhecer-se” (Brasil, 2018, p. 38). O tema apresenta uma oportunidade de compreender a importância da ludicidade e do imaginário para a educação infantil, pois o teatro de objetos se manifesta a partir da concentração dos principais pontos para o desenvolvimento infantil: a importância de aprender através da arte, é assim que as crianças se expressam; a imaginação aflorada por transformar objetos em personagens vivos; a contação de histórias que estimula a leitura; a criação de laços afetivos que permite a internalização de conteúdos por meio da brincadeira com os objetos e o “fazer de conta” importante para a formação da criança que está compreendendo o mundo, bem como a interdisciplinaridade que resgata das Artes Visuais o modo de se repensar os objetos a partir das vanguardas artísticas, assinalando, assim, uma proposta metodológica e de conteúdo coerente com a aprendizagem e o universo infantil. O teatro de objetos propicia acessibilidade, pois os recursos para se fazer uma contação de histórias estão ao alcance do contador, podendo transformar qualquer material orgânico, como folhas, gravetos, galhos, cascas de frutas; e inorgânicos, como canetas, papel, pincel, sapatos, em personagens, tornando lúdica a história, pois considera-se que crianças na faixa-etária dos quatro aos cinco anos sentem a necessidade de visualizar o que está sendo contado, tornando possível contar uma história e ensinar um conteúdo com objetos, com aquilo que se tem em mãos, além de ampliar o repertório visual e cultural infantil. A pesquisa se justifica, também, pelo tema “teatro de objetos” ter sido parte da infância e da juventude das autoras que, influenciadas e instigadas por memórias de infâncias relacionadas, sobretudo, a um dos quadros apresentados no programa Rá-Tim-Bum da TV Cultura, qual seja,“Contadores de Histórias” (fig. 2) - em que histórias eram contadas por meio do teatro de objetos aflorando a

esgatando as brincadeiras infantis. A partir da bibliografia fundamental tais como as da autora Ana Maria Amaral (1997, 2011) e o processo de realização desta pesquisa, foi possível também recordar as associações que a autora fazia na infância, a memória vívida de transformar fósforos usados nos Sete Anões da Branca de Neve, por exemplo, estimulados não apenas pelo programa da TV Cultura, mas pela ação de tios, primos e dos pais na varanda da casa da avó (fig. 3), ao transformar, por exemplo, pedaços de papel em pipa. • Objetivos 4.1 Objetivo Geral Compreender como se dá o contato de crianças na educação infantil, na faixa etária de 4 a 5 anos, com o teatro de objetos. 4.2 Objetivos específicos Levantar os potenciais lúdicos do teatro de objetos; Explorar e compreender o teatro de objetos como possibilidades do brincar enquanto conteúdo pedagógico, além de estratégia de ensino. Materiais e Métodos Embasado no percurso metodológico de levantamento bibliográfico na área de arte-educação, esta pesquisa buscou compreender e explorar os potenciais lúdicos e pedagógicos do Teatro de Objetos na ação didática nos parâmetros de ensino de artes visuais, qualificando e explorando suas potencialidades. A pesquisa buscou compreender os efeitos da utilização do teatro de objetos na arteeducação para crianças de quatro e cinco anos, em período de educação infantil, como define a BNCC (2018), como instrumento lúdico no processo de ensino aprendizagem na arte-educação para crianças.


necessário se pautar no conceito de “teatro de objetos” abordado nos estudos da autora, referência no tema: Ana Maria Amaral (1997, 2011). Como componente essencial da construção da pesquisa foi preciso estudar e compreender diretrizes pedagógicas e reflexões sobre arteeducação embasado nos livros de Ana Mae Barbosa (2005, 2014, 2015). Outro conceito importante foi o da arte como experiência de Jonh Dewey (2010), além da Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018) que orienta o contexto da educação infantil no país. Já a obra de Diana Lichsntain Corso (2011) contempla aspectos fundamentais para a realização deste trabalho, uma vez que possibilita compreender o universo infantil através dos contos de fadas e como a realidade funciona para as crianças. A pesquisa é pautada na revisão bibliográfica, mas também leva em conta algumas experiências vivenciadas com a faixa etária em questão durante o estágio supervisionado obrigatório realizado no 2o. semestre de 2019 que antecedeu o advento da Pandemia da COVID-19. Enfim, no processo da análise de dados foi possível compreender os impactos do teatro de objetos na educação infantil, levando em consideração os aspectos da experiência proposta por Jonh Dewey (2010), nossas memórias relacionadas ao Castelo Rá-Tim-Bum e a observaçãoparticipante no referido estágio. Resultados e Discussão - O Uso de Materiais Orgânicos e Inorgânicos como Possibilidades Pedagógicas Teatro de objetos, como aponta Vargas (2010) surge em 1980 na França, ao que se aponta, em decorrência das vanguardas europeias, como o Surrealismo, Futurismo e o Dadaísmo, podendo esta vertente do Teatro de Animação ser considerado “o espírito de uma época” (Vargas, 2010, p. 32). No movimento dadaísta, o artista Marcel Duchamp (18871968) “(...) simplesmente escolhia um objeto do cotidiano, assinava-o, proclamando com isso, ser um objet d ´art” (Charles, 2017, p.

49), sendo esta ação artística conhecida como Ready Mades. Tomando como exemplo a obra Fresh Window de 1920 (fig. 4) de Duchamp, o autor pontua: Anteriormente, em Roda de Bicicleta (1913) o artista havia montado uma roda invertida em cima de um banquinho de cozinha, que foi a primeira de suas obras conhecidas como “ready-made” – objetos do cotidiano que, ao serem deslocados para o espaço expositivo, perdem sua função e são ressignificados. Já no ready-made Porta-Garrafas (p. 39) não há nenhuma interferência do artista. (CHARLES, 2017, p. 49) Pelo movimento dadaísta, foi percebido os horrores que o século XX havia passado com duas grandes guerras, sem perspectivas, não havia sentido fazer arte, como aponta Charles (2017), continuar produzindo mercadorias artísticas puramente estéticas. Foi pela nova perspectiva de vida, registrada pelas artes, que o mundo passa a se redesenhar. De acordo com Barbosa (2005), pautada nos estudos de Eisner, a arte tem como grande potência na educação a cognição que “(...) é o processo pelo qual o organismo torna-se consciente de seu meio ambiente” (Barbosa, 2005, p. 12). Somando os apontamentos estéticos da arte (influências vanguardistas) aos estudos de Ana Mae Barbosa, discípula de Jonh Dewey, a educação pela arte traz à tona a nova percepção de mundo e como inserir tal configuração ao ensino. Sendo o Teatro de Objetos uma linguagem que dialoga com tais processos por ressignificar objetos, mostrando suas funcionalidades por outras perspectivas, bem como indo ao encontro do universo infantil que afere ao mundo de forma única, com imaginação, utilizando a arte como sua principal linguagem. O ensino pela arte estimula a “1. autoexpressão; 2. solução criadora de problemas; 3. desenvolvimento cognitivo; 4. cultura visual; 5. ser disciplina; 6.


6. potencializar a performance acadêmica; 7. preparar para o trabalho.” (Barbosa, 2005, p.12 - 13). Através do teatro de objetos, pode-se alcançar todas as expectativas em relação às funções da arte na educação, com ênfase na educação infantil. De acordo com Corso (2008) uma criança observa objetos como se fossem animados naturalmente, a relação infantil com o mundo é de se colocar no lugar das situações, o mundo é por ela. Como aponta Piaget (1983), na faixa etária dos quatro aos cinco anos de idade a criança se encontra no estágio de desenvolvimento pré-operatório, ou seja, estágio no qual a criança compreende que o mundo funciona conforme a sua existência. A criança percebe os objetos de forma a animá-los. Colocar objetos cotidianos explorando sua funcionalidade em cena, no teatro de objetos, proporciona possibilidades de utilização de diversos materiais, sendo eles de origem vegetal, como folhas, galhos, frutas, ou não (Amaral, 2011). Uma rosa, colocada de cabeça para baixo, pode representar uma bailarina pela delicadeza (em detrimento da semântica) e pelo formato das pétalas que se assemelham a um tutu de balé. As possibilidades do teatro de objetos em arte-educação ampliam o repertório visual e perceptivo da criança, uma folha de árvore e uma folha de papel, se colocadas em conjunto podem ampliar a discussão sobre sustentabilidade pela arte, por exemplo, e colocando as duas em cena, movimentando-as, cria-se um jogo cênico de percepções e contrastes. Diante da problemática escolar de escassez ou soluções óbvias de se trabalhar a materialidade na escola, como o uso de papel sulfite branco e o lápis de cor, explorar através do teatro de objetos outros tipos de materiais, como os orgânicos, proporciona a apreensão espacial por parte das crianças, o descobrimento de novos espaços dentro da escola e uma nova forma de analisar as possibilidades que o meio proporciona, a partir de experiências didáticas cotidianas

com o teatro de objetos. “A experiência ocorre continuamente, porque a interação do ser vivo com as condições ambientais está envolvida no próprio processo de viver” (DEWEY, 2010, p. 109). É comum, na escola, que crianças brinquem nos parquinhos com baldes, pazinhas e areia, com estes três objetos a possibilidade imaginativa infantil cria uma vasta diversidade de coisas, como paredes de baldinho e pazinha, sobremesas e comidas de areia servidas nos baldinhos, chapéus e espadas, coroas, o chão de areia vira lava, as crianças enxergam inúmeras possibilidades de brincar com apenas três objetos. No teatro de formas animadas, os objetos viram possibilidades infinitas de personagem e de criação. Ou seja, esta aproximação entre o imaginário infantil e a versatilidade dos objetos proporciona uma fluidez e uma concretude no processo de ensino-aprendizagem. Como aponta Ana Mae Barbosa (2014), o processo de alfabetização e aprendizagem infantil vai além de compreender as letras do alfabeto “a leitura social, cultural e estética do meio ambiente vai dar sentido ao mundo da leitura verbal” (Barbosa, 2014, p. 28). O ensino Afetivo pelo Teatro de Objetos para crianças de quatro e cinco anos De acordo com o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil - RCNEI (Brasil, 1998) é previsto que crianças de quatro a cinco anos, que frequentam instituições de ensino de educação infantil, construam autonomia, bem como autoestima e identificação como indivíduo que possui valor e autoconhecimento, alicerçando valores como respeito ao coletivo, e também a individualidade dos outros ao seu redor, o cumprimento e reconhecimento de regras e o compartilhamento de suas experiências pessoais sendo respeitado e respeitando adultos e colegas de sala. Este processo se dá pelo contato e convivência com outras crianças, e com adultos com quem constroem vínculos afetivos, de onde tiram seus valores e


De acordo com John Dewey (2010) o que se vive no dia-a-dia são experiências que proporcionam arte, como uma criança que descobre a funcionalidade de um objeto, por exemplo. Elas se encantam com o universo diverso que o teatro de objetos proporciona, pois o objeto, no teatro de objetos, transcende aquilo que a priori se colocou como significado e uso previsto, sua tendência no teatro de animação é transcorrer um vínculo afetivo já estabelecido pelo contato cotidiano com determinado objeto (Amaral, 2011). Crianças percebem o mundo de forma concreta, o poder do objeto na ação teatral se intensifica pela compreensão de mundo infantil, onde o fato de um objeto existir, ser possível vê-lo, ou até mesmo a existência de uma palavra, torna concreta sua realidade, a percepção de mundo da criança é misturar o que é real com o que é imaginário (CORSO, 2006). Isso sugere certa dificuldade em algumas crianças de desvencilhar a função real do objeto com a função proposta durante o ato cênico, usar um algodão para a representação de uma nuvem pode gerar questionamentos tais como “isso não é nuvem, é algodão”, ou vem em pensamento associativo “não sabia que algodão era feito de nuvem”. John Dewey (2010) discorre sobre a percepção humana diante das emoções, os sentidos e pensamentos os quais estão diretamente relacionados às experiências externas que a criatura humana vivencia, as funções emotivas estão atreladas aos órgãos dos sentidos. O contato entre as crianças com os objetos, reforçando sua existência com nome e personalidade no espaço cênico estimula o apego da criança ao personagem-objeto, pois se pelo fato de sua pura existência a criança atribui vida e sentimentos a um objeto (CORSO, 2006), conferir características e comportamentos humanos a ele os aproxima intensamente, proporcionando apego por parte das crianças para com os objetos, principalmente aos de traços mais marcantes de personalidade, encantamento e materialidade.

Ao explorar uma experiência vivenciada no Estágio Obrigatório Supervisionado II, notouse a receptividade das crianças para com os objetos e suas particularidades, como exemplo, citamos uma aproximação mais íntima quando o aluno deu uma representação da “Cuca” (personagem do Sítio do Pica-Pau amarelo) em argila para a estagiária em sala, posterior à contação de história utilizando objetos cujo personagem principal da ação era a “Cuca”. A caixa de ovos, que por essência deveria abrigar ovos, no teatro de objetos pode assumir o papel de um jacaré pelo seu formato, cor e textura, pela semelhança com o animal. apego aos personagens estimula levá-los a brincadeira e ao cotidiano infantil, o personagem passa a atuar ativamente na vida da criança, como um amigo e um atuante no processo do brincar. Esse processo ocorre pelo jogo do “fingir ser”, onde a criança se apropria da linguagem simbólica. No ato de brincar, os sinais, os gestos, os objetos e os espaços valem e significam outra coisa daquilo que aparentam ser. Ao brincar as crianças recriam e repensam os acontecimentos que lhes deram origem, sabendo que estão brincando (BRASIL, RCNEI VOLUME I, 1998, p. 27).

O Teatro de Objetos e a vivência lúdica na educação infantil De acordo com a RCNEI (Brasil, 1998) na brincadeira, a criança apropria-se do mundo real levando suas experiências para o mundo imaginário, considerando esse dado, foi percebido que crianças de 4 a 5 anos, ao entrarem em contato com o teatro de objetos criam laços afetivos com o objetopersonagem, associam de seu repertório pessoal, características específicas de cada objeto com os personagens, atribuindo valor e sentido à materialidade do objeto, como texturas,


cores e formatos, proporcionando assim, a experiência singular de ressignificar os objetos e estimular uma vivência lúdica na educação infantil, ou seja, “(...) temos uma experiência singular quando o material vivenciado faz o percurso até sua consecução.” (DEWEY, 2010, p. 109.). O livro “Sombras” de Suzy-lee (Fig. 7), narra a história de uma menina que no sótão de sua casa vive aventuras através da projeção de sombras na parede, as quais são construídas pelos objetos e pela luz de uma lâmpada. A aventura começa quando a menina acende a luz e percebe a sombra de sua mão se transformar em pássaro, e a partir de tal percepção um amontoado de caixas vai se transformando em cenário e aventura pela imaginação da menina. O teatro de formas animadas em suas potencialidades lúdicas se afirma em primeira instância pela sua estrutura, o objeto no teatro de animação ganha vida, em uma espécie de ritual mágico, no qual o jogo cênico e a energia vital do ator se transferem para o objeto que se manipula. Em culturas “primitivas” se dizia que toda coisa por sua pura existência já possuía energia (AMARAL, 1997). A concepção infantil da realidade é semelhante ao pensamento exposto por Ana Maria Amaral (1977), de que uma coisa, sendo ela animada ou não, possuía vida, as crianças percebem o mundo concretamente onde objetos possuem vida e sentimentos assim como elas (CORSO, 2008). O teatro de objetos assume outra potencialidade lúdica ao lidar com o imaginário, neste campo, quando um pedaço de pano passa a assumir características humanas por puramente ser manipulado para tal função, e assume vida diante dos olhos do público, em especial das crianças, se lida com a passagem do objeto estático para um poder de transformação ativa daquele objeto, o que pode gerar certa estranheza e encantamento, assim argumenta Amaral (2011, p. 213 - 214), “O imaginário é a mola propulsora da vida, só ele pode dar sentido à condição humana. E no teatro

Huizinga (2000), por sua vez, pontua que o potencial lúdico das coisas está ligado à estrutura do jogo, e que, no começo dos tempos, era considerado sagrado todo jogo ritualístico. Hoje se perdeu o status sacro do jogo, mas permeiam-se ainda as estruturas e interações em um ritual, por exemplo, de brincadeiras infantis. Como é possível observar nos RCNEI VOLUME I (Brasil, 1998), a criança, no jogo, no brincar, assume papéis e, a interação no jogo, seja ele de regras ou puramente intuitivo, começa a construir e afirmar noções de convivência em sociedade. Contemplando todos os aspectos citados, no teatro de objetos, um objeto cotidiano com funções básicas como uma frigideira que deveria fritar ou cozinhar o alimento, no teatro de objetos pode assumir o papel de um disco voador pelo seu formato raso, achatado e arredondado, em que seu cabo pode assumir papel de cabine de controle pelo ator-manipulador, a cor acinzentada também faz remeter a uma nave espacial assumindo um novo significado. “No quotidiano, o objeto é funcional, mas no teatro de objetos ele passa para o mundo das formas dos signos e dos símbolos” (Amaral, 2011, p. 213). 7 – Considerações finais O Teatro de Objetos é uma expressão artística do teatro de animação que se apropria das Artes Visuais a expressão da mudança e do ressignificado pela qual as Artes passaram no final do século XX, assinalando, assim as transformações do mundo e as redefinições de se perceber o lúdico das situações. Estando a Educação inserida e redefinida em conjunto da nova ordem mundial, foi possível concluir que o teatro de objetos para a educação infantil, na faixa etária dos quatro e cinco anos, proporciona estímulo para a fruição do processo de ensino-aprendizagem, pois constrói laços afetivos, assim como para os dadaístas ao criticar o mundo através dos ready-made.Para a criança em processo de alfabetização significa aprender pela brincadeira, pelo fazer de


ressignificando o mundo a sua volta. Se para as vanguardas européias e para o homem primitivo reavaliar o objeto na arte foi fundamental, para a criança esse significado faz parte da percepção de mundo infantil, o mundo é para ela e por ela. Por fim, O teatro de objetos carrega potenciais lúdicos pela sua estrutura (rituais e ritos), lida com o real e o imaginário, por mesclar materialmente esses dois recursos. Também trabalha com a interação de cenas e imagens proporcionadas pelo uso de objetos. Permite ocupar espaços diversos na escola, cenários diversos: com um saco de lixo e uma mesa se faz uma caverna. Se aproxima da percepção infantil de mundo que atribui ânima aos objetos instintivamente, como fazia o homem primitivo. 8 - Referências

AMARAL, Ana Maria. Teatro de formas animadas. São Paulo: Edusp, 2011. _________________. Teatro de Animação: da teoria à prática. São Caetano do Sul, SP: Ateliê Editorial, 1997. BARBOSA, Ana Mae. Arte/Educação Contemporânea: Consonâncias Internacionais. São Paulo: Cortez Editora, 2005. ________________. A Imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 2014. BARBOSA, Ana Mae. John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2017. BRASIL. Educação, Ministério e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental; Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. V. I. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. Educação, Ministério e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental; Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. V.II.

BRASIL, Base Nacional Comum Curricular - BNCC. Ministério da Educação, 2018. CHARLES, Victória. Coleção Folha o Mundo da Arte: Dadaísmo. Vol. 15. São Paulo: Publifolha Editora Ltda, 2017. CORSO, Diana Lichtenstein; CORSO, Mario. Fadas no divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006. DEWEY, John. Arte como Experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010. GOMES-DA-SILVA, Pierre Normando. O jogo da cultura e a cultura do jogo: por uma semiótica da corporeidade. João Pessoa: Editora universitária da UFPB, 2011. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 2000. LEE, Suzy. Sombra. São Paulo: COSAC Naify, 2014. OSTROWER, Fayga. Universos da Arte. Rio de Janeiro: Campus, 2018. PIAGET, Jean. Epistemologia Genética/ Sabedoria e Ilusões da Sabedoria: Problemas de Psicologia Genética. São Paulo: Abril Cultural, Os Pensadores. Ed. 2, 1983. VARGAS, Sônia. O Teatro de Objetos: história, idéias e reflexões. São Paulo: Móin-Móin, Revista Sobre Teatro de Formas Animadas, 2009. Disponível em: <http://200.19.105.203/index.php/moin/ar ticle/view/1059652595034701072010027/799 7>. Último acesso: 06. Jul.2020.


DI, UM FILME PROIBIDO por Donny Correia Rio de Janeiro, 18 de maio de 1999.

Dona Lúcia Rocha, já septuagenária, me recebeu no portão de um casarão antigo, provavelmente do início daquele século, localizado numa travessa da Avenida Voluntários da Pátria, bairro do Botafogo, aos pés do Morro Santa Marta, local que, como vários daquela cidade, concentra o vívido contraste da vida vertical urbana com a miséria evidente das comunidades nos morros que entremeiam a cidade. Eram cerca de 10h da manhã quando cheguei ao Tempo Glauber, repositório oficial de todo o acervo de documentos e filmes de autoria de Glauber Rocha (19391981). O local havia ganhado reputação em meados dos anos 1990, por conta da efeméride ligada à morte do cineasta e pelas ações que o espaço vinha realizando pelo país em prol da memória de sua obra. Lúcia Rocha, mãe de Glauber, zelosa diretora do espaço aceitou me receber a partir de tratativas telefônicas, como as coisas eram feitas à época. Eu tinha 19 anos, era funcionário de uma empresa aérea e havia conseguido minha primeira passagem com desconto funcional até aquele momento. Escolhi ir ao RJ e visitar o templo de meu artista favorito e – naquele tempo, idolatrado – mesmo que tivesse somente poucas horas para conhecer a intimidade de Glauber Rocha naquela segunda-feira nublada. Verdade que Dona Lúcia me recebeu ressabiada. Um jovem com cara de adolescente, vindo de São Paulo, sem histórico no meio cinematográfico e anos-luz de um futuro histórico acadêmico. Ela estava desconfiada. Não a culpo. O Rio de Janeiro não é para amadores e havia uma mística em torno do valor pecuniário sobre cada objeto contido naquela residência.

Mesmo cheia de receios, pouco a pouco nossa conversa começou a fluir e fui ganhando sua simpatia e confiança. Me mostrou vários cômodos repletos de documentos, manuscritos, desenhos, cartazes, revistas, enfim... Tudo que um acervo de alguém com tanta importância poderia concentrar. Em dado momento, Dona Lúcia me levou até o fundo do porão da casa, onde havia montado uma pequena sala de projeção, com poltronas e uma TV grande acoplada a um videocassete e me disse que iria me mostrar alguns vídeos caseiros que Glauber gravara quando vivia em Cintra, pouco tempo antes de adoecer irreversivelmente naquele agosto de 1981. Parece que a relação de confiança havia mesmo se consolidado após o passeio pelas “coisas” do cineasta. Eu me sentia privilegiado em ver aquelas imagens precárias gravadas ainda com rudimentares equipamentos de vídeo, em que Glauber falava a um convidado (não me lembro agora se era com Godard) sobre sua vida, suas ideias políticas e sociais e confidenciava que estava muito doente e que sabia que logo morreria. Com um olho na tela e outro em Dona Lúcia, sentada ao meu lado, sentia a emoção da exclusividade naquela ocasião e os sentimentos maternais de dor e alegria que emanavam daquela senhora ao ver seu filho na TV. Mas, exclusividade mesmo viria a seguir. Já que parecia superada a barreira da desconfiança e estávamos à vontade enquanto eu mostrava o que sabia sobre o filho de Dona Lúcia, tomei-me de uma cara-de-pau própria da juventude e o que se deu foi o diálogo – ipsis litteris – conforme guardo em boa memória:


— D. Lúcia, e o Di? Hesitante e surpresa, ela respondeu depois de uns três segundos. — Pois é... o Di continua proibido, né? — Continua sim, mas a senhora não poderia me mostrar? Talvez eu não tenha oportunidade de vê-lo nunca... — Ah, meu filho, é um filme que não pode ser mostrado. Por lei... — Mas, D. Lúcia, eu vim de São Paulo ao Rio só para conhecer tudo isso. Nem à praia eu quis ir... — Não posso, é uma decisão judicial. Posso ter problemas. — Mas, D. Lúcia, eu escrevi uma monografia inteira sobre o Glauber, esperei seis meses como funcionário da Varig para comprar esta passagem e daqui vou direto ao aeroporto para voltar ao trabalho amanhã cedo. Ver este filme significa tudo para mim. Mais uns segundo de hesitação. — Bom, meu filho, eu posso mostrar para você, mas você tem de me prometer que não vai dizer a ninguém que eu fiz isso. A minha resposta foi óbvia. Jurei pela saúde de meus pais, inclusive, que guardaria o segredo. Ela saiu, foi até uma saleta ao lado e voltou com uma fita VHS sem rótulo em mãos e colocou no aparelho. Tive de me controlar para não ter uma crise diante da ocasião, me sentindo um transgressor, um arqueólogo da história do cinema que iria ver a materialização do Santo Graal glauberiano bem diante dos meus olhos. Hoje, o curta Di Glauber é item já muito antigo nas redes sociais e a justiça não conseguiu driblar a implacável evolução da tecnologia, mas eu o vi enquanto ainda permanecia trancafiado nos cofres das celeumas entre as famílias do diretor e do pintor modernista. Jamais esquecerei aquele momento. ***

Emiliano Di Cavalcanti, expressão máxima do modernismo brasileiro, faleceu em 26 de outubro de 1976. Glauber estava no Brasil, após as malfadadas experiências cinematográficas na Europa e preparando seu romance febril Riverão Sussuarana, que seria lançado no ano seguinte. Admirador do artista, o cineasta reuniu às pressas, naquela manhã, alguns velhos companheiros de Cinema Novo, incluindo o diretor de fotografia Mário Carneiro, e se abalou para o MAM-Rio onde o corpo do pintor estava sendo velado. Com a verve profana de sempre, Glauber adentrou o salão já aos gritos, dando ordens à equipe e, pasmem, aos presentes, para que ele pudesse armar seu “set” e “prestar as homenagens do Cinema Novo ao maior artista brasileiro que o mundo conheceu”. Perplexos, os presentes não conseguiram sequer reagir àquele ato sem dúvida um tanto desrespeitoso, mas coerente com o vendaval psíquico e físico em que Glauber havia se transformado ao longo dos anos anteriores. A certa altura, Mário Carneiro faz uma panorâmica dos pés ao rosto do morto deitado no caixão e Glauber, inadvertidamente, retira o véu que lhe cobria a face. A guerra estava declarada... Quando o filme foi finalizado e exibido, em 1979, imediatamente a família de Di Cavalcanti entrou com recurso na justiça que passaria a proibir a exibição de Di Glauber em todo o território nacional. O curta-metragem foi premiado em Cannes e seu diretor ainda tentou impedir o embargo, mas não conseguiu. Somente décadas depois, o filme chegaria clandestinamente ao Youtube e hoje já não é mais um item de colecionador, mas uma peça crucial para se compreender os anos finais de Glauber Rocha e sua obra seguinte e derradeira, A idade da Terra. ***


Di Glauber não é apenas o registro do funeral de um artista renomado. Após as cenas do velório, Glauber filmou algumas das telas do pintor expostas no próprio MAM e redigiu um solilóquio polifônico em que mistura samba, Villa-Lobos e Augusto dos Anjos, num autêntico exercício de antropofagia que daria orgulho a Oswald de Andrade. Sua homenagem não se destinava ao mero documento de uma era da cultura nacional que terminava no féretro. O filme colocava à prova alguns postulados glauberianos em torno da montagem atômica e da Estética do Sonho. O curta é um filme-ensaio desagregado, perturbado – e perturbador, em certo aspecto – e dotado de uma potência extracinematográfica que implode a noção de narrativa e trabalha no registro de profundas urgências intelectuais de ordem subconsciente. Enquanto tenta ressuscitar o cadáver de Di Cavalcanti, Glauber refaz o caminho daquele que melhor representou a mestiçagem brasileira em telas sensuais e festivas e agora repousava em forma de ideias para as gerações futuras. Em Glauber, Di revive como se estivesse num ritual xamânico regado a Ayahuasca e rapé. Desde que deixara o Brasil, em 1969, Glauber perambulou pelo globo em busca da raiz de um Terceiro Mundo forjado por europeus, índios e negros. Seus filmes O leão de sete cabeças (1970), Cabeças cortadas (1970) e Claro (1975), além do documentário experimental História do Brasil (1975), codirigido por Marcos Medeiros, já não tinham mais o compromisso da cartilha cinemanovista. Não buscavam respostas na tradição narrativa, mas no filme ritualístico, na verborragia de ideias desagregadas em busca de pontos de contatos com um inconsciente coletivo nacional e puro. Naquele momento, tudo parecia muito abstrato e um tanto louco, portanto indigno da devida atenção do público, da crítica e dos colegas de profissão. Quando Di Glauber foi mostrado pela

a A idade da Terra, que causaria polêmica em Veneza, em 1981. Um filme convulsionado, que refaz a Paixão dos Cristos terceiro-mundistas a partir de uma montagem puramente audiovisual, o que impede qualquer tentativa de mera descrição sinóptica ou lógica. Sem saber, Glauber estava encerrando uma teoria própria do cinema para o século 21, que se avizinhava.

*** Quanto a mim, fui embora do Tempo Glauber com a satisfação de que, se por um lado eu não havia tido o tempo necessário para ver mais itens raros daquele acervo, por outro levava na memória cada plano daquele pequeno tesouro que Dona Lúcia me mostrou em segredo. E gosto de pensar que, àquela altura, eu havia conquistado um privilégio para poucos. Deixei o Rio de Janeiro me sentindo um cinéfilo melhor. Donny Correia é doutor em Estética e História da Arte pela USP, crítico de cinema e de arte vinculado à ABRACCINE e à ABCA.


Diálogo entre a Pauliceia Desvairada de Mario de Andrade e o espetáculo teatral encenado pelo Teatro Didático da UNESP Por Wagner Cintra

Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são inúteis ambos. Os curiosos terão o prazer em descobrir minhas conclusões, confrontando obra e dados. Para quem me rejeita trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou. Está fundado o Desvairismo!


Dando-se ao direito à alguma licença poética, de alterar a ordem do texto; mudar a frase que abre o prefácio da obra de Mario de Andrade, usando-a no final do período, os criadores do espetáculo Pauliceia Desvairada encenado pelo Teatro Didático da Unesp, constroem o prefácio da peça; uma introdução que é uma espécie de abstração geométrica a exemplo de alguns artistas que no início do século XX produziram uma forma de arte que não representa objetos concretos da realidade exterior. Ao contrário, usam das relações formais entre as linhas, as cores e as superfícies para organizar a realidade da obra. Uma realidade não representacional. O texto acima, em um diálogo com a obra de Mário de Andrade traduz exatamente aquilo que ocontecerá no desenvolvimento do espetáculo.

O “desvairismo” na encenação refere-se a uma obra teatral na qual não há nada para ser representado. De uma certa maneira, isso também pode ser observado na Pauliceia Desvairada de Mário de Andrade. No prefácio, diz ele:

Acredito que o lirismo, nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada. A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer empecilho a perturba e mesmo emudece.

Arte, que, somada a Lirismo, dá Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado lírico para avisa-lo das pedras e cercas derame do caminho. Deixe que tropece, caia e se fira. Arte é mondar mais tarde o poema de repetições fastientas, de sentimentalidades românticas, de pormenores inúteis ou inexpressivos. Na Pauliceia do Teatro Didático da Unesp, espetáculo teatral de criação coletiva, a ausência de uma narrativa literária, ou mesmo simbólica, que determinaria algo a ser comunicado, traduz-se como construção visual puramente plástica, cujo conteúdo expressivo subjaz no profundo subconsciente dos seus interpretes/criadores. O lirismo literário da Pauliceia de Mario de Andrade, no caso da nossa concepção teatral, manifesta-se por meio de imagens, concretas ou abstratas, da São Paulo atual em uma espécie de passeio pela metrópole que no início do século XX era descrita por ele ora como “um palco”, ora como “minha noiva”, e ainda: “comoção da minha vida” ou “a grande boca de mil dentes”. As injustiças e os sofrimentos denunciados pelo poeta, no contexto da sua realidade, são agora documentados sob outra ótica, o da abstração teatral. Propriamente por meio de um espetáculo de Teatro Visual. O Teatro Visual é uma linguagem que nasce na Europa em meados dos anos oitentas do século passado, em um momento em que o texto e a própria representação teatral estavam em crise. Em meio a isso, um grupo de marionetistas cujas obras estavam cada vez mais próximas da performance devido a presença mais assídua do manipulador em cena em jogo direto com marionetes,


objetos, matérias diversas, criavam uma cena teatral performativa e de forte apelo à visualidade. Foi nesse panorama que Haddas Oprhat, sugeriu o nome de Teatro Visual para se referir ao fenômeno que então ocorria. O Teatro Didático da Unesp, desde o ano de 2008 pesquisa o Teatro Visual como linguagem, sendo Pauliceia Desvairada o terceiro espetáculo encenado. Na concepção do grupo, que trabalha com poetas brasileiros e que procura dialogar com o conteúdo ulterior das obras de poetas como João Cabral de Melo Neto, Augusto dos Anjos, Mário de Andrade, o Teatro Visual é um meio para se traduzir visualmente aquilo que está contido nas profundezas da poesia, expressa em palavras. Esses sentimentos e sensações profundas são materializadas em estruturas visuais que podem ser concretas ou abstratas, mas jamais ilustração, o conteúdo aparente das obras, nunca. No livro de 1922, o mapa humano da cidade e a visão crítica que o poeta dirigia a sociedade da sua época, principalmente no que se refere aos males da vida nos centros urbanos, é retomado no espetáculo como pura subjetividade, em um contexto de contradições espaciais, físicas e humanas. Tanto Mario de Andrade quanto os criadores do Teatro Didático, circulam pelas ruas e vielas da cidade de São Paulo construindo suas obras de puro lirismo. Mario por meio da literatura, o grupo por meio da visualidade. O trajeto que Mario de Andrade fez pela cidade, descrevendo a sua Pauliceia no início do século passado, através de quatro paisagens paulistanas em que o tema da injustiça social está sempre em destaque; o Teatro Didático da Unesp o refaz por meio das contradições físicas, espaciais, materiais e humanas de uma cidade que se faz e desfaz a todo instante. As contradições, no poeta, que notadamente são ideológicas, como pode ser observado no poema “Os Cortejos”, que mostra claramente questões da ilegitimidade

Dsocial das classes mais baixas, incluso imigrantes italianos, portugueses e espanhóis, imposta pelos desmandos e preconceitos da alta burguesia paulistana. Os Cortejos Mário de Andrade Monotonias das minhas retinas... Serpentinas de entes frementes a se desenrolar... Todos os sempres das minhas visões! "Bon Giorno, caro." Horríveis as cidades! Vaidades e mais Vaidades... Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria! Oh! Os tumultuários das ausências! Pauliceia – a grande boa de mil dentes; e os jorros dentre a língua trissulca de pus e de mais pus de distinção Giram Homens baixos, fracos, magros.... Serpentinas de entes frementes a se desenrolar... Estes homens de São Paulo Todos iguais e desiguais, Quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos, Parecem-me uns macacos, uns macacos. No espetáculo, por sua vez, as contradições expressam-se através de contrastes diversos. Contrastes como o grande e o pequeno, o liso e o rugoso, o claro e o escuro, o concreto e o abstrato, o humano e o inanimado. Por esse caminho, temos uma cena em que uma grande máscara de papel e pernas humanas devora uma pequena marionete; marionete que anteriormente foi seduzida e maltratada por uma mão humana. Essa mesma mão materializa-se na língua da grande máscara e que sente o sabor da pequena marionete, similaridade da impotência humana diante da grande opressão, mas também da enorme sedução que todos os seus habitantes estão sujeitos. O poema “Os cortejos”, acima citado, como em outros dois momentos de textos que aparecem no espetáculo como parte da música composta por Diego Authaus, promovem uma ligação mais próxima


com o poeta, dando ao espectador a possibilidade de vislumbrar alguma possível ilação entre aquilo que está sendo ouvido, com aquilo que está sendo visto. Em geral, as expectativas do espectador são frustradas considerando o alto grau de abstração das cenas que estão, aparentemente, desalinhadas com a organização dos poemas no sentido de ilustração do conteúdo. Em resumo, cada cena tem autonomia e representa um microcosmos daquilo que é todo o espetáculo; disso decorre a força dos espetáculos encenados pelo Teatro Didático da Unesp. Os três poemas utilizados no espetáculo, como parte da música, também são autônomos naquilo que se refere não ao seu conteúdo, mas à sua forma sonora. No espetáculo, e no Teatro Visual de uma maneira geral, a autonomia da literatura está subsumida ao seu potencial sonoro que por sua vez deve ser capaz de suscitar imagens na imaginação do espectador. A Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade, pode ser entendida como um levantamento das experiências vividas, percepções e sensações estimuladas pelo processo de modernização da cidade de São Paulo. As relações contraditórias, manifestas visualmente pela encenação do Teatro Didático por meio de contrastes diversos, encontrados em Mário de Andrade, em um contexto pessoal e subjetivo que se manifesta de forma ambígua ao longo de sua obra. Para ele, a cidade em um momento é tumba de homens massacrados pelas "monções da ambição", de bandeirantes ou de burgueses capitalistas, e em outro é palco de multicoloridos festejos; como pode ser percebido no poema “Noturno”, no qual o carnaval dos bairros dos imigrantes é rememorado.

Arlequinal! Arlequinal! As nuvens baixas muito grossas, Feitas de corpos de mariposas,

rumorejando na epiderme das árvores... Mas sobre estas minhas grades em girândolas de jasmins, O estelário delira em carnagens de luz, E meu céu é todo um rojão de lagrimas!... E os bondes riscam como um fogo de artificio, sapateando nos trilhos, Jorrando um orifício na treva cor de cal.

A cidade de São Paulo retratada nos dois poemas assemelham-se, por se organizarem como cenas soltas de uma peça de teatro urbana. Diferenciam-se por ser, a obra de Mário de Andrade, um passeio que evoca a cenografia da cidade por meio dos seus bairros, parques, ruas, praças, bondes, barulhos, etc. Já a encenação do Teatro Didático é uma viagem visual pelas vias mais subterrâneas da vida na grande metrópole. Se os 22 poemas presentes no livro são organizados de forma a apresentar uma sequencia de cenas da cidade de São Paulo em que o poeta, como voyeur, observa as ocorrências da cidade como se estivesse em uma galeria observando, de longe, quadros ao ar livre, o espetáculo teatral, por sua vez, coincidentemente, em suas 22 cenas, mostra-se como irrupção das vivências mais subjetivas dos seus criadores, com a cidade e seu tempo. Em Pauliceia Desvairada, a obra literária, encontramos signos repletos de significados. Significados múltiplos que cabem aos espectadores decodifica-los, pois as pistas são palpáveis. Em Pauliceia Desvairada, a obra teatral, a narrativa visual não é construída em um contexto de organização simbólica, ou seja: a narrativa criada não objetiva a comunicação de conteúdos por meio de signos e não há direcionamento da leitura. Isso não significa que os signos não existam. No teatro, todo e qualquer objeto colocado em cena, mesmo que ao acaso, sempre será signo de alguma coisa e terá, necessariamente, conteúdo. Portanto, nos espetáculos do Teatro Didático da Unesp


no que se refere ao Teatro Visual, os signos surgem a posteriori e são de livre domínio e responsabilidade do espectador. Nesse contexto, as encenações do grupo, sobremodo Pauliceia Desvairada, por seu caráter idiossincrático, evoca infinitos significados de acordo com a experiência simbólica de cada expectador individualmente. Os signos a-priori não existem, pois, no processo de construção do espetáculo, não há nada que se queira comunicar do ponto de vista do conteúdo. O sentido ulterior que subjaz na obra do autor, uma subjetividade extrema e extremada, que não pode ser comunicada por meio de palavras, tanto na experiência do poeta com a cidade, como na experiência dos atores/criadores com a poesia e com a experiência pessoal de cada um com a metrópole, uma das maiores do mundo, manifesta-se performaticamente em uma relação real do jogo da matéria com o espaço. Dessa forma, o sentimento de Mário de Andrade em relação as mulheres espalhadas ao longo do seu poema, por exemplo, no espetáculo, temos somente um corpo nu compondo o espaço sob o olhar de uma marionete grotesca. Nesse interim, a assimilação da cena e possíveis ilações com o poema, do ponto de vista de um conhecedor da obra literária, é provável que seja uma relação de causa e efeito. Entretanto, para aqueles, desprovidos dessas informações, um torço nu de mulher no espaço evoca sensações diversas, mas a conotação sexual é quase que um imperativo. Essa forma, nos desvarios da Pauliceia real e atual, um corpo nu transfigura-se em imperativos morais, posto que em uma cidade cujo gigantismo e contradições são proporcionais ao seu tamanho, a decodificação dos signos da cidade exige um esforço assaz significativo. Viva virgem vaga desamparada... Malfadada! Em breve não será mais virgem nem desamparada! Terá o amparo de todos os desamparos!


Para o poeta, nos versos acima, intitulado “A Caçada”, em relação à problemática da mulher na obra, o olhar do poeta rompe com o tempo e adentra o futuro de personagens inominadas. As personagens do espetáculo também são anônimas. Um corpo nu no espaço, como exemplo, é somente um corpo nu no espaço e não importa a narrativa anterior e nem a posterior, pois sobre ele não é lançada nenhuma conotação simbólica. A sua existência enquanto objeto estético está garantida unicamente por sua forma, e não por seu conteúdo. Nenhuma cena se prolonga na outra. De uma certa maneira, isso também ocorre na organização interna dos versos dos poemas da Pauliceia Desvairada de Mario de Andrade, que se aproveitando da analogia com a música, os versos melódicos emancipam-se do verso harmônico de forma a possibilitar a vibração das palavras, descoladas umas das outras, que ficam à espera de um complemento ou de sentido que, em geral, não aparecem. Assim, é o leitor quem é solicitado a fazer as conexões entre o som e o sentido. No poema há aquilo que Mário de Andrade chamou de polifonia poética, algo como um agrupamento de frases soltas, passando umas às outras vibrações sonoras, como podemos perceber no poema os Cortejos: Monotonias das minhas retinas... Serpentinas de entes frementes a se desenrolar... Todos os sempres das minhas visões! “bom giorno, caro” Nesses versos, não observamos a organização de um pensamento lógico e encadeado. A ausência de verbos, exceto “desenrolar”, no infinitivo, que é utilizado como adjetivo, denota uma preocupação muito mais formal, considerando a estrutura sonora, do que de conteúdo, que é substituído por uma efusão emocional. De maneira semelhante, a única lógica presente nas cenas de Pauliceia Desvairada é aquela da relação plástica entre todos os elementos, que estão presentes no espaço de encenação.


Todos esses elementos estão no mesmo nível de equivalência em cena não existindo protagonismo no teatro visual. Assim, o espetáculo foi construído de forma a valorizar as relações entre os diversos elementos constituintes das cenas. Como dito no começo desse artigo, a peça está fundamentada em parâmetros conceituais acerca da “arte abstrata”. Assim, o espetáculo teatral, ancorado em uma linguagem cujo conteúdo é tão somente uma relação plástica, temos uma obra teatral em que o conflito, elemento estruturante do teatro no ocidente, é substituído por um conjunto de tensões. A tensão no Teatro Visual ocorre exatamente pelas relações de oposição entre seus elementos. Lembrando que esses elementos têm seu valor expressivo ancorado na realidade plástica da sua existência, como objeto estético. Ou seja, a existência expressiva dos elementos componentes do Teatro Visual decorre das matérias que os compõem. Assim, o pequeno boneco que é engolido pela grande boca é feito somente por materiais simples, como jornal amassado e fita crepe. Disso decorre a sua força expressiva. A sua forma está diretamente relacionada ao material com o qual é feito. Isso ocorre com tudo aquilo que está na cena, incluindo a figura humana, entendida tão somente como matéria expressiva. A figura humana não detém mais a primazia de ser o centro do acontecimento teatral. Então, como não há nada a ser comunicado, evidentemente não há um conflito a ser resolvido. Portanto, o espetáculo, considerando as estruturas plásticas de ocupação do espaço, atua na interface com as artes visuais, sobremodo com a pintura. A tensão, por sua vez, surge das diferentes possibilidades de arranjos dos elementos em cena atribuindo à narrativa visual, um aspecto significativamente marcado pela performatividade. A Pauliceia de Mario de Andrade, em sua prerrogativa simbólica, pode ser compreendida como uma proposta de

libertação e afirmação do individuo de uma sociedade provinciana para outra moderna, essa, entretanto, pode assaltar a singularidade do indivíduo achatando-o e submetendo-o ao anonimato das aglomerações urbanas. Por um certo ponto de vista, essa singularidade que se perde é representativa na Pauliceia do Teatro Didático da Unesp, observada em um contexto em que não há mais protagonismos na realização do espetáculo teatral. Em uma obra em que as singularidades e individualidades só tem razão de existir em função de uma totalidade, a peça soa, a exemplo do poema, como uma obra polifônica. Tanto o poema quanto a obra teatral estão abertas à livre interpretação. Isso é fascinante no sentido ulterior de cada uma delas nos propiciar infinitas possibilidades de leituras. Entretanto, conforme o nosso entendimento, o lugar de fala das duas obras é feminino. Todo o complexo emocional dos poemas e também nas imagens da peça, nos remetem a um eu feminino, que surge e se esconde a todo o momento. Na Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade, a cidade é constantemente descrita como objeto do desejo; a mulhercidade em que o lirismo se expressa por meio do olhar desvairado do voyeur caminhante das ruas, das praças e dos bairros da São Paulo dos Modernistas. O “eu lírico” do poeta, manifesto como poesia, exibe alguns aspectos desse olhar inebriado pela cidade-mulher, como podemos observar no poema “Domingo”.

E o leito virginal... Tudo azul e branco! Descansar... Os anjos... Imaculado! As meninas sonham masculinidades... Futilidade, civilização.


Por sua vez, na Pauliceia Desvairada do Teatro Didático, a presença feminina funciona como uma espécie de amalgama que dá forma à narrativa visual, sempre ressaltando as contradições formais do corpo humano com os elementos inertes presentes no espaço de encenação. Ou seja: o corpo humano real está sempre em contato com a matéria inanimada, e essa relação, se pudermos falar em alguma conotação simbólica, refere-se exatamente a vida, ao belo em contraste com os males da cidade. Entretanto, essa é uma leitura a posteriori e não foi pensada para ser retratada dessa maneira durante o processo de criação do espetáculo. A sensação do feminino na peça, que é muito poderosa, é provável que decorra da presença ativa e em maior quantidade de mulheres no elenco. Assim, temos de considerar essa energia, força e sensibilidade na construção das cenas Concluindo, em ambas as Pauliceias Desvairadas, mesmo que separadas pelo tempo e pela forma, múltiplas são as possibilidades de leitura e entendimento. Os signos literários são carregados de significados ao passo as imagens do espetáculo nos induzem a múltiplas possibilidades de interpretação simbólicas. Sob a égide de um “eu lírico” fugidio, imerso em subjetividade, mas patentes de desejo de significação, as contradições de uma sociedade em transformação no tempo da Pauliceia de Mario de Andrade se entrelaçam com as contradições espaciais, materiais e humanas da Pauliceia do Teatro Didático da Unesp, promovendo um diálogo que une diferentes temporalidades por meio da poesia textual da obra literária, com a poesia visual do espetáculo teatral. Por seus arroubos estéticos, as duas Pauliceias, a de 1922 e a de 2019 são visões antirromânticas da poesia e do teatro, respectivamente, que se manifestam, no primeiro caso, como um grito de independência cultural de uma metrópole em pleno processo de modernização, contrário ao atraso do restante do país, e no segundo, como uma proposta de iberdade em relação ao drama e a

l

“submetei-vos a poda! Para que as artes vivam e revivam, use-se o regime do quartel!”.

Apaga-se a luz, final de espetáculo.


Relato sobre grandes directores del cine brasileño: Mário Peixoto, Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Ozualdo Candeias y Suzana Amaral por João Eduardo Hidalgo


El cine nació en 1895 como investigación científica, los hermanos Lumière registraron partes de la realidad, que enmarcaron como (supuestamente) registros científicos del mundo empírico. Una postura que hoy puede parecer muy ingenua, sustentada en una cultura audiovisual desarrollada que todos tenemos, pero que en su momento encontró eco en el mundo académico, que en un principio no le vio gran importancia, ni le dio una larga vida al cine. Fue solo con la introducción de la ficción en el cine, a través de Georges Méliès y su delirante magia, que nos llevaba a la luna y a los viajes imposibles, que el cine dio el paso fundamental para caracterizarse como una rama más de las artes visuales. En Brasil, el cine se presentó como una curiosidad por primera vez en Río de Janeiro, en 1896, en la Rua do Ouvidor, se proyectaron algunos cortometrajes, entre ellos La salida de la fábrica de los hermanos Lumière. La pareja Apolônia Pinto y Germano Silva trajeron de Europa el legítimo Cinematógrafo Lumière, como lo dieron a conocer, presentaron el 15 de julio de 1897, en el Teatro Lucinda de Río de Janeiro, un programa de 'cuadros' portugueses y otras de diversa procedencia, de Francia y de los Estados Unidos. En 1898, se abre el primer cine en Río de Janeiro, llamado ‘Salão de Novidades Paris no Río’, los hermanos italianos Paschoal y Affonso Segreto son los propietarios y filman en Brasil.

Utilizando el Animatographo Lumière, y proclamando que “buscaban atraer al espectador no sólo por lo que tendría que ver, sino también porque casi podría oír, tocar, oler y comer”, los cortometrajes de Georges Méliès son presentado por primera vez en Brasil. En la década de 1910 aparecen algunos pioneros que cuentan sus pequeñas historias, el más notable es José Medina (1894-1980) quien hace su Ejemplo regenerador en 1919. Medina, que comenzó su carrera como ayudante de proyeccionista, dirigió varios cortometrajes y, en 1929, un largometraje de gran éxito Fragmentos da vida. En la década de 1920, Humberto Mauro (18971983) emergió como una figura mítica del cine brasileño, que se convirtió en el primer gran director brasileño, con una obra larga y coherente. Una figura muy famosa de los inicios del cine brasileño es Mario Peixoto (1908-1992), con una película única y particular Límite de 1931. Estas figuras permanecen en la escena del cine brasileño en las décadas de 1940 y 1950, Brasil fundó una industria cinematográfica con la Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que tuvo una vida fugaz de 1949 a 1954. Para esta aventura, el cineasta Alberto Cavalcanti (1897-1982), brasileño radicado en París, donde dirigió películas como Rien que les hueres (1926) y luego participó de la escuela documental inglesa, realizando entre ellos Coal Face (1936), vino a Brasil. En este periplo brasileño,


ldestacase la película Simão, o caolho (1952), donde retoma el argumento de su episodio en la película inglesa Dead of Night, de 1945.En la década de 1960, Brasil entró en la modernidad cinematográfica y vio surgir a su gran representante internacional, Glauber Rocha (1939-1981). Figura central del Cinema Novo Brasileiro, su obra más conocida es Deus e o diabo na terra do sol (1964), que muestra el día a día del interior bahiano, con sus curanderos, bandidos y su pueblo sufriente, la banda sonora y canciones originales son el punto fuerte de la película, también son de autoría de Glauber. Una de las grandes obras del cine brasileño de este período es la película Vidas secas, del maestro, cineasta y profesor de Glauber Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), quien montó el primer largometraje de Glauber Rocha Barravento (1962), una película con muchos problemas. Dentro del Cinema Novo, un grupo produce con los pocos medios que tiene, y por estar ubicado en una zona algo (hoy muy) degradada de la ciudad de São Paulo se llama Cinema da Boca do Lixo. Uno de los grandes representantes del grupo es Ozualdo Candeias (1922-2007), quien realizó una primera película tan poética como extraña, dentro de la filmografía brasileña A Margen, en 1967. La película hace eco a Pasolini, que entiende y habla el mismo lenguaje de los marginados y aquellos que no tienen cabida en una sociedad capitalista y clasista, que se instala en un eufórico momento económico brasileño. En este comentario hablaremos de estos grandes representantes del cine brasileño clásico y nuevo, que luego abrirán las puertas a los autores contemporáneos.

Mário Peixoto (1908-1992) Limite de Mário Peixoto, 1931; guión, montaje, producción Mário Peixoto Fotografía: Edgar Brazil, assistente Rui Santos Reparto: Olga Breno, seudónimo de Alzira

lAlves, mujer 1 Taciana Rei, seudónimo de Yolanda Bernardi, mujer 2 Raul Schnoor, Raul, hombre 1 D.G. Pedrera (Brutus Pedreira) hombre 2 Carmen Santos, prostituta en el muelle Mário Peixoto, hombre en el cementerio Estreno Chaplin Cine Clube: 17 de mayo de 1931, Rio de Janeiro, Brasil. Trama: La idea principal de la película Limite se le ocurrió a Mário Peixoto en 1929 en París, cuando fue a recoger a unos parientes a la Gare do Nord y vio en un quiosco la Revista Vu (14.08.1929), que tenía un rostro de mujer en la portada, en primer plano, con las muñecas de un hombre esposado alrededor de su cuello. Fue la imagen que creó toda la película, según cuenta el propio director, que con apenas 22 años dirige esta mítica obra. La película está directamente ligada al cine de vanguardia europeo, vemos diálogos con El último hombre de F. W. Murnau, con La roue y Napoleón de Abel Gance, Las hurdes de Buñuel, El acorazado Potemkim de Sergei Eisenstein, entre otros. El grito que aparece en Limite es deudor directo del sonido volador de Der lezte mann. La trama es poco narrativa, vemos situaciones y expresiones de sentimientos de los personajes, dos mujeres y dos hombres, luego de un cataclismo navegan sin destino, con algunos flashbacks vemos particularidades de sus vidas. En el barco tenemos a dos mujeres y un hombre abandonados a su suerte, sin esperanza y con poca comida. Las partes de la película sólo tienen sentido cuando se perciben dentro de un todo, en ella aparece uno de los postulados de Sergei Eisenstein (18981948), el plano se yuxtapone al inmediatamente anterior y lo complementa, creando nuevos significados.


lTítulo: Ganga Bruta, 1933 Dirección: Humberto Mauro Productora: Cinédia Guión: Humberto Mauro y Octávio Gabus Mendes Fotografía: Edgar Brasil, A.P. Castro, Paulo Morano Música: Radamés Gnatalli, Humberto Mauro Reparto: Durval Bellini, Dea Selva, Lu Marival, Andrea Duarte.

Ganga Bruta es la obra maestra de Humberto Mauro (1897-1983), está al borde del cine mudo, tiene la interpenetración de los dos, intertítulos y partes sonoras. La trama trata de la historia del hijo de un industrial que busca en el campo distanciarse del trauma de su vida anterior. En las primeras escenas de la película asistimos a la tragedia: Marcos, en la noche de bodas, mata a la novia al descubrirla infiel. Absuelto del crimen, se dirige a un lugar idílico e incluso emprende una aventura personal. Allí conoce a Décio, el gerente de una fábrica, y a su prometida Sônia, se desencadena un nuevo conflicto. Al igual que El nacimiento de una nación de Griffith, la película tiene una historia bastante reprobable fuera de su tiempo, lo que queda es la extrema calidad de la fotografía, la edición y el uso del sonido, que era un recurso incipiente. La investigadora Fabia Kadayan comenta: “Ganga Bruta es una película marcada por conflictos, contradicciones e ironías, de las más diversas formas, que trasponen las denuncias sociales, religiosas, raciales, económicas y morales, mantenidas por herencia al imaginario nacional, en el siglo XX. La película comienza con la imagen de la boda del ingeniero Marcos Resende, hijo de un rico urbanista y difunto industrial de la capital de Río de Janeiro, quien asesina brutalmente a su esposa en la noche de bodas, al darse cuenta de que fue engañado, cuando infiere que ya no era virgen. El ingeniero es arrestado y

defensa del honor, cuyo hecho motivador del crimen se atribuye meramente a la conducta infame de la víctima.” lAl comienzo de la película, vemos planos de detalle que nos muestran una boda, de una forma un tanto expresionista, con detalles que inducen a la comprensión, como la colocación de un anillo de matrimonio en el dedo de una mujer. La calidad de las imágenes está ligada al talento de Edgar Brasil, quien fotografió Limite dos años antes. La película fue mal recibida, fue un gran fracaso para Mauro. Glauber Rocha hace una crítica muy consciente de la película, dice: “Ganga Bruta es una película que no se puede desglosar en cuanto a guion y dirección, aunque tuvo una historia escrita por Octávio Gabus Mendes. Se enmarca como una puesta en escena cinematográfica: el montaje no es una tiranía y es la visión del cineasta de cada fase dramática la que le impulsa a tal o cual elección de cámara, realizando el montaje desde un ritmo interior.”


Nelson Pereira dos Santos, prolífico e irregular diretor Vidas secas de Nelson Pereira dos Santos, 1963, adaptación de la novela de Graciliano Ramos (1892-1953) Dirección: Nelson Pereira dos Santos Producción: Herbert Richers, Luiz Carlos Barreto, Danilo Trelles Guion: Nelson Pereira dos Santos, Graciliano Ramos Reparto: Átila Iório, Genivaldo Lima, Gilvan Lima, Maria Ribeiro, Jofre Soares Estreno: Brasil, 22 de agosto de 1963

Un punto alto en la compleja obra de Nelson Pereira dos Santos, una adaptación que capta el contexto de la novela de Graciliano Ramos, publicada en 1938, y la transmuta en lenguaje audiovisual. Al comienzo de la película ya tenemos un hallazgo, la primera secuencia comienza con un sonido extraño, desagradable, similar a un lamento, que en un principio no identificamos; pero que poco a poco comprendemos que es el crujido de las ruedas de madera de la carreta tirada por bueyes, sobre su propio eje de madera. Una metáfora de la vida dura, seca, sin filtrar, del migrante del noreste, que va de un lugar a otro, luchando por no morir de hambre en el camino. La película cuenta la historia de una familia compuesta por Fabiano y su esposa Sinhá Vitória, sus dos hijos y la perra Baleia. Abandonan la región de origen diezmada por la sequía en busca de una vida mejor. Un verdadero éxodo migratorio vivido por familias del noreste brasileño que se inició en la época del Imperio, a finales del siglo XIX y se prolongó hasta el siglo XX. La sequía y la falta de recursos económicos siempre han sido la principal causa de este desastre humano. Un tema importante en la película es también la incomunicabilidad, en el desastre de sus vidas en el interior nororiental, Fabiano y Sinhá Vitória se pierden, ya no dialogan y entran en el delirio de poseer cosas materiales que

“Nelson utiliza en su película una estructura tradicional de la novela: el principio, el desarrollo de la historia y el final igual al principio (...) Nelson Pereira dos Santos con Vidas secas dio intensidad poética a la novela de Graciliano Ramos: Glauber Rocha, más cercano a Guimarães Rosa, por la similitud de tema y estilo, aún recuerda como concepción poética, 'Romanceiro da Inconfidência' de Cecília Meirelles. Del cine, dos estilos, dos universos: si Vidas secas es el clásico del cine brasileño, Deus e o diabo es un clásico al revés, como Ganga Bruta. El primero revela al estilista, al ensayista, en una película de exposición y crítica intrínseca; la segunda es la explosión desordenada de un joven talento que, violentando el propio medio cinematográfico, no satisfecho con la simple crítica social, se lanza en un desesperado intento de acción.”


Glauber Rocha, el gran nombre internacional del cine de Brasil Deus e o diabo na terra do sol de Glauber Rocha, 1964. Dirección: Glauber Rocha Producción: Jarbas Barbosa, Luiz Augusto Mendes, Glauber Rocha, Luiz Paulino dos Santos Guion: Glauber Rocha, Walter Lima Jr. Reparto: Geraldo Del Rey, Yoná Magalhães, Maurício do Valle, Othon Bastos Música original: Sérgio Ricardo, Glauber Rocha Fotografía: Waldemar Lima Dirección de arte: Paulo Gil Soares Montaje: Rafael Justo Valverde

Epopeya glauberiana que tiene su inspiración en dos grandes autores de la literatura brasileña, Euclides da Cunha con su libro Os sertões de 1902 y Graciliano Ramos con Grande Sertão: veredas, de 1956. Deus eo Diabo na Terra do Sol (1964) es el segundo largometraje de Glauber Rocha (1939-1981). Con Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), y Os Fuzis (1963), de Ruy Guerra (1931), todas rodadas en el interior del noreste al mismo tiempo, funcionan como una tríada de inauguraciones obras del llamado Nuevo Cine Brasileño. En el argumento de la película vemos el viaje del vaquero Manuel y su esposa Rosa, quienes luchan por sobrevivir en un entorno donde la naturaleza es hostil al ser humano. Además, Manuel vive bajo la mano despótica de un terrateniente, que lo explota y no le paga los intercambios de ganado pactados. Manuel lo mata y tiene que escapar de la policía, del castigo. Termina uniéndose a un grupo mesiánico, que predica la transformación de la realidad y la redención de los explotados. El líder de la secta Sebastião preocupa a los terratenientes y a la iglesia católica, que juntos contratan a Antônio das Mortes, el personaje mejor construido de

auber y que regresa en otras obras, incluso como protagonista. Se produce el enfrentamiento y el grupo es diezmado, salvando sólo a Rosa y Manuel, que huyen al interior del sertão y se esconden en la caatinga. En ese ambiente, encuentran a otro migrante, el ciego Julio, quien es el narrador de la epopeya de Glauber, guía a la pareja al encuentro de un grupo mítico de la región, el Bando de Lampião, un forajido que entró en el imaginario de la cultura brasileña. Lampião era un bandolero, ‘cangaceiro’ en el vocabulario de la región, que atacaba haciendas, pueblos y saqueaba sus provisiones y riquezas, algunos lo consideraban un héroe y muchos otros un bandido. En la película, Lampião y su esposa Maria Bonita habían sido asesinados y Corisco, uno de los líderes secundarios de la pandilla, huía de la policía y sabía que estaba con sus días contados. Rosa y Manuel se unen al grupo, pero sigue la tragedia, Rosa y Manuel vuelven a huir, y esta vez Glauber crea una escena para el final en la que la pareja corre en la caatinga hacia el mar, al rato Rosa cae y Manuel solo sigue corriendo, corriendo, desesperado. Aquí tenemos una idea de cómo Glauber también improvisó y colocó accidentes dentro de su película. En una entrevista para la edición remasterizada de la película de 2003, la actriz Yoná Magalhães, que interpretó a Rosa, dice que el escenario de la carrera era diferente, debían correr, correr en el ambiente de la caatinga. Yoná dice que al rato se cansó y eligió un lugar para desplomarse y Glauber, que iba arriba de un vehículo conduciendo a los dos, le gritó a Geraldo del Rey (Manuel), -déjala, corre, corre, corre... e nunca obtendrán. El cineasta Paulo Cesar Saraceni recuerda sobre la película: “Glauber estuvo increíble, en lugar de solo pensar en su película, estaba pensando en el destino de sus amigos y el movimiento. Parece que su ansiedad le hizo tener que hacer mil cosas a la vez. Su productor s ería Luís Carlos (Gugu) Mendes, casado


con Yoná Magalhães, quien interpretaría a Rosa, la protagonista de Dios y el Diablo. Este papel sería interpretado por Helena Ignês y, posteriormente, por Regina Rosenburg. Para terminar la película en Brasil contaría con el productor Jarbas Barbosa y créditos del Banco Nacional. Othon Bastos sería Corisco. Gerardo del Rey, Manuel. Como prueba de su genialidad, Glauber llamó a Mauricio do Vale, un actor de Río de Janeiro, de Grajaú, formado por la chanchada, y que cerraría la boca a los críticos, esperando siempre con todas las piedras en la mano. Do Vale será el mayor personaje masculino del cine brasileño.” Glauber tuvo una muerte súbita e inesperada, espantando y entristeciendo a Brasil, en la revista Veja del 2 de septiembre de 1981 (Editora Abril, n. 678), una semana después de su muerte aparece un amplio reportaje, no anunciado en portada, sobre sus últimos momentos. Destaco una parte de esta noticia: “La película que pocos vieron y casi nadie entendió (título). De los 18 millones de cruzeiros que Embrafilme invirtió en la producción de 'La edad de la Tierra', la última película dirigida por Glauber Rocha, sólo 2,5 millones fueron recuperados en taquilla. Un monumental fracaso de audiencia, visto solo por 23.000 personas. En el público no estaba ni siquiera buena parte de los amigos que, el domingo, enterraron al cineasta con acusaciones sobre el desprecio que el país dedicaba a su obra. Roberto Farias, por ejemplo, ex director general de Embrafilme, nunca lo ha visto. 'Casi no voy al cine', se disculpa. El poeta Ferreira Gullar siguió el consejo de su mujer, Teresa Aragão, y tampoco vio: 'Me dijo que era muy bonito, pero aburrido. Ya lo había dejado a la mitad de su anterior película, ‘Cabezas cortadas’. El exministro João Paulo dos Reis Velloso dice que cenó varias veces con Glauber y lo animó a hacer la película, pero nunca se enfrentó a sus imágenes delirantes, “cuando se estrenó en los cines, yo estaba de viaje”. Los actores Hugo Carvana y Yara Amaral, más

el cantante Raimundo Fagner, repiten a coro que también estuvieron de viaje en las tres semanas de exhibición de la película. Hubo, por otro lado, los que vieron, pero no entendieron el mensaje. “No podía ponerme de humor”, confiesa la actriz Dina Sfat. Pocos piensan que lo han logrado, como el político Wellington Moreira Franco y la actriz Ítala Nandi. Sílvio Tendler, que dirigió un documental sobre el funeral del cineasta, piensa que La edad de la tierra fue un discurso sobre el callejón sin salida”. La muerte de Glauber Rocha seguramente cambiará el estado de ánimo de quienes, a partir del lunes, quieran ver La edad de la Tierra en el cine Rian, en Río de Janeiro. ‘Haga un homenaje a Glauber, vea sus películas’, es el eslogan de Embrafilme que acompañará una serie de retrospectivas en todo el país”. Una crítica muy particular, personal, vista ahora, fuera del contexto cultural y social de la importancia de la obra de Glauber Rocha, pero que muestra cuán controvertida fue la recepción de sus películas en Brasil, en el extranjero fue mucho más madura y contextualizada, especialmente en Francia.


Ozualdo Candeias el comionero que se volvió director sensible A margem de Ozualdo Candeias, 1967 Dirección, guion, montaje y producción: Ozualdo R. Candeias Fotografía: Belarmino Manccini Música: Luiz Chaves y Zimbo Trio Reparto: Mário Benvenutti, Valeria Vidal, Bentinho, Lucy Rangel, Telé, Karé, Paula Ramos, Brigitte, Ana F. Mendonça, Paulo Gaeta y Nelson Gasparini Basada en noticias periodísticas, hechos reales, la trama cuenta la historia de vida de cuatro personajes, que viven en la pobreza a orillas del río Tiete, que atraviesa la ciudad de São Paulo; son casi invisibles para la gente del pueblo, que pasa junto a ellos en sus coches de lujo. La película le debe mucho a Pasolini y su tesis de cine-poesía, porque en este A margem los diálogos son sintéticos y muchas veces inexistentes; la situación dramática informa plenamente al espectador del significado de la escena. Para Pasolini, las imágenes contienen significados en sí mismas y, en paralelo al sistema de signos lingüísticos básicos, existe otro, que es el sistema de signos mímicos constituido por el rostro, apariencia de las personas que pasan, sus movimientos, sus actos, sus silencios, sus expresiones faciales y su comportamiento. Esta obra pertenece a la segunda fase del Cinema Novo Brasileiro y se realizó dentro de un subgénero, denominado ‘Cinema da Boca do Lixo’, nombrando un cine realizado con pocos recursos, con un grupo de directores y actores que frecuentaban una zona degradada de la ciudad de São Paulo, donde funcionaban algunos estudios y las oficinas de algunas productoras. Esta película figura entre las mejores de la cinematografía brasileña, pero al igual que Límite de Mário Peixoto, es poco o nada conocida por el público, ya que circuló poco. Merece ser revisitado una y otra vez, es una completa obra de arte. Arthur Autran escribió para el catálogo

conmemorativo del 80 aniversario de Ozualdo Candeias: “Los personajes centrales caminan alrededor del río Tiête, caminan entre matorrales desiertos, caminan cerca de obras de construcción, caminan entre los escombros de una iglesia, caminan por el centro de la gran ciudad. Caminan, caminan y caminan, y no encuentran descanso en un lugar, instigadora representación cinematográfica del deambular de la conciencia humana a través de culpas, ausencias, represiones, miedos, pasiones y resentimientos. Con A margem solo se apunta a todo esto, sin hacer que los personajes declinen largos discursos sobre su situación o resaltando tales problemas, el poder de representación se vuelve exponencialmente mayor.”


Suzana Amaral una operária del cine de Brasil A hora da estrela de Suzana Amaral, 1985 Dirección: Suzana Amaral Producción: Assunção Hernandes Guion: Suzana Amaral, Alfredo Oroz, basado en la novela de Clarice Lispector Reparto: Marcélia Cartaxo, José Dumont, Tamara Taxman, Umberto Magnani, Dirce Militello, Fernanda Montenegro Música: Marcus Vinicius Fotografía: Edgar Moura Edição: Idê Lacreta

Trama triste y con una carga de situaciones psicológicas propias de la obra dela escritora Clarice Lispector (1920-1977). Macabea es una nororiental pobre, sin familia, virgen y que disfruta bebiendo Coca Cola y comiendo hot dogs (perritos calientes). Una trama aparentemente banal, pero con la que Lispector hace un análisis social de la realidad brasileña de la época. De inmediato vemos que Macabea es un personaje que no tiene forma de defenderse en una gran ciudad, Río de Janeiro, que está todo organizada y funcionalmente contra seres como ella. Lo que se valora es el poder económico, la astucia, la posición social, todo retransmitido por la tele, que Macabea ve de lejos por la ventana, ni siquiera tiene acceso a esa forma de consumo. La pensión donde va a vivir Macabea está sucia, oscura y casi maloliente, la dueña es poco confiable y nada agradable. Macabea es acosada por un conquistador tan poco dotado de belleza o cualidades personales como ella, su galán tiene el nombre de Olímpico de Jesús. La principal experta brasileña en Lispector Nádia Batella Gotlib infiere: “La novela fue escrita al final del camino – en los últimos años de su vida y en un momento de tensión de un largo, necesario y difícil diálogo con el otro, enfrentándolo ahora en la perplejidad sufrida ante su casi miseria social insoportable y sucia. ¿Sería su puerto de

llegada? (...) El personaje presenta un doble rasgo: obedeciendo a un personaje reiterado en el universo de creación de Clarice, es, al mismo tiempo, puro e idiota, trágico y medio cómico. (...) En este inframundo ronda Macabea, sola, aunque rodeada de otros personajes. Gloria, la compañera de oficina, a pesar de brindarle atenciones maternales, le roba el novio. Olímpico Jesús. Este, como hombre, es un ‘conocedor de cosas’ (¡qué ironía en su nombre¹!); como 'chivo asqueroso', es un ladrón y asesino del norte; y tiene ambiciones de ser rico y famoso: quiere 'hablar bien’, habla en clichés; quiere ser diputado; y se enorgullece de tener un diente de oro.” En un debate con alumnos de la carrera de Artes Escénicas del Instituto de Artes Unesp, São Paulo, Brasil, en agosto de 2016, Suzana Amaral habló sobre un laboratorio que le entregó a Marcelia Cartaxo. Le mandó hacer una bata de noche de tela de saco de azúcar blanqueado y ponerlo para dormir todos los días, sin lavarlo, durante un mes, para que sintiera la pobreza, la limitación, el olor de su personaje Macabea. Gotlib también llama la atención sobre el nombre Macabea, recordando el conflicto de los Macabeos, que resistieron el ataque griego al templo del monte Sion. Su pareja se llama Olímpico de Jesús y su amiga que tiene suerte en la vida y en el amor, Glória, se llama todo lleno de significado. La elección de los actores estuvo muy bien hecha por Suzana, José Dumont, actor nororiental ya conocido en el cine y en TV es -Olímpico y la joven actriz Cartaxo faz- Macabea de la provincia de Paraíba, noreste pobre de Brasil. Las habitaciones de la pensión y del trabajo son oscuras, estrechas, nos falta el aire y no queremos quedarnos mucho tiempo en ellas. La casa de la adivina tiene aire de consultorio médico en espera y de película de terror, con luces que vienen desde abajo sobre el expresivo rostro de Fernanda Montenegro durante la 'consulta', que tiene revelaciones tan falsas como sus flores de plástico. El final


lrealista es la puerta de salida de una trayectoria inmutable. Algunas informaciones sobre el Cine de Brasil El primer gran premio internacional para el cine de Brasil fue en 1954, la película Sinhá Moça (1953) dirigida por Tom Payne y Oswaldo para la Companhia Cinematográfica Vera Cruz (intento de gran estudio de producción), que gana el León de Plata en el Festival de Venecia. Pese que internacionalmente no sea tan famoso y circule poco, el cine brasileño ganó premios importantes en certámenes internacionales. Glauber Rocha es un nombre mundial, José Padilha, joven director ganó Oso de Oro en Berlín con Tropa de elite de 2007, y después hizo películas en Hollywood, el actor Rodrigo Santoro está por ahí hace décadas. Fernando Meirelles conquistó el mundo con su Ciudad de Dios y dirigió fuera de Brasil Dos papas. Walter Salles, hijo de un banquero, conquistó Oso de Oro en Berlín con su Central de Brasil, y Fernanda Montenegro el Oso de Plata (festival de Berlín), New York Film Critics Circle Awards, Los Angeles Film Critics Association Award, Internaitonal Film Festival Fort Lauderdale, National Board of Review, no ganó el Oscar de mejor actriz pues hay un lobby proteccionista en Hollywood, no hay comparación de su trabajo con el de Gwyneth Paltrow (¡por favor!). En 1963 Brasil ganó Palma de Oro en Cannes, con El pagador de promesas de Anselmo Duarte. Nelson Pereira dos Santos en 1964 concurrió a la Palma de Oro con el film Vidas secas, solo ganó el Office Catholique de Cinéma y Mejor Filme de Arte y Ensayo los dos del Festival de Cannes. Suzana Amaral ganó el Premio de la Crítica en el Festival de Berlín en 1986 con A hora da estrela y la actriz Marcélia Cartaxo el Oso de Plata de Mejor Actriz. En 1987, en el mismo Festival de Berlín la película Vera dirigida por Sergio Toled

En 1963 Brasil ganó Palma de Oro en Cannes, con El pagador de promesas de Anselmo Duarte. Nelson Pereira dos Santos en 1964 concurrió a la Palma de Oro con el film Vidas secas, solo ganó el Office Catholique de Cinéma y Mejor Filme de Arte y Ensayo los dos del Festival de Cannes. Suzana Amaral ganó el Premio de la Crítica en el Festival de Berlín en 1986 con A hora da estrela y la actriz Marcélia Cartaxo el Oso de Plata de Mejor Actriz. En 1987, en el mismo Festival de Berlín la película Vera dirigida por Sergio Toledo, que trata de la historia de vida de una transexual, dio el Oso de Plata de Mejor Actriz para Ana Beatriz Nogueira. Fernanda Torres, hija de Fernanda Montenegro, ganó la Palma de Oro de Mejor Actriz en 1986 con la película Eu sei que vou te amar, de Arnaldo Jabor. En 2008 la actriz Sandra Corveloni repitió, llevó La Palma de Oro a la Mejor Actriz por la película Linha de passe de Walter Salles y Daniela Thomas. En 1982, la gran actriz brasileña Marilía Pera (1943-2015) recibió el Premio de Mejor Actriz del National Society of Film Critics de Nueva York por la película Pixote de Hector Babenco. Del mismo Babenco El beso de la mujer araña de 1986 llevó las indicaciones de Mejor Film, Mejor Director, Mejor Guión Adaptado y Mejor Actor – vencido por William Hurt. Una historia siempre elige algunas películas y directores y deja de fuera otros, pero aquí intentamos dar una idea de que el cine brasileño tiene una trayectoria consistente y fuerte, con actrices, directores, productores, montadores que hicieron obras relevantes y algunas notables. En la última década el cine de Brasil tiene ocupado muchas más salas de exhibición, con un número cada vez más grande de películas, por el abaratamiento de las producciones digitales, que muchas veces se rueda con cámaras pequeñas y bastante ágiles y la colaboración de los canales de televisión brasileños y ahora de las plataformas de streaming, que son el gran fenómeno de producción actual y ya


han mudado el panorama en el mundo. El cine de Brasil está en la red y puede ser visto, y lo merece, por todos los amantes de la séptima arte. Referencias: BENTES, Ivana (org.) Glauber Rocha. Cartas ao mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. CAVALCANTI, Alberto. Filme e realidade. São Paulo: Martins Fontes, 1947. DAHL, Gustavo et ali. Cinema moderno, cinema novo. Rio de Janeiro: José Alvaro Editor, 1966. GUIMARÃES ROSA, João. Gran sertão: riberes. Barcelona: Edicions 62, 1990, traducción catalana Xavier Pàmies. GOTLIB, Nádia Batella. Clarice, uma vida que se conta. São Paulo: Editora Ática, 1995. KADAYAN, Fábia Giordano Guilherme. Humberto Mauro, o mestre do cinema brasileiro: Lábios sem beijo, Ganga bruta e O canto da saudade. São Paulo: UNESP, 2019, Dissertação de mestrado. file:///C:/Users/duduh/AppData/Local/Te mp/kadayan_fgg_me_ia.pdf MELO, Saulo Pereira de. Mário Peixoto. Salvador: Casa Rui Barbosa, 1996. PASOLINI, Pier Paolo; ROHMER, Eric. Cine de poesía contra cine de prosa. Barcelona: Anagrama, 1970. PUPPO, Eugenio. Ozualdo Candeias 80 anos. São Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil, 2002. ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. São Paulo: Cosac & Naif, 2003. ______. Deus e o diabo na terra do sol. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. SARACENI, Paulo César. Por dento do Cinema Novo. Minha viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. TORRES, Augusto M. Glauber Rocha y ‘Cabezas cortadas’. Barcelona: Anagrama, 1970 VIANY, Alex. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1959.

______ (Coord.). Humberto Mauro, sua vida, sua arte, sua trajetória no cinema. Rio de Janeiro: Embrafilme, 1978. Xavier, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001.


por Larissa Pelúcio e Marina Duarte

Ser imigrante não é ser uma pessoa delinquente, não é ser bandida, ser migrante é apenas uma pessoa que não está de acordo com a lei da imigração. Então, eu digo pra elas, vocês têm que colocar na cabeça que vocês não são delinquentes (Camille Cabral)

"A gente tem três grandes inimigos: a feiura, o tempo e a natureza". Contra o primeiro, Geovana, encontrou uma forma de enfrentamento: sair do Brasil. Como muitas travestis e transexuais brasileiras, foi nas intricadas tramas da rede de migração para o mercado transnacional do sexo que ela conseguiu também desafiar o tempo e se tornar uma sobrevivente. No Brasil, onde a média de vida de travestis e transexuais é de 35 anos (Bortoni, 2017), não há tempo para envelhecer. Migrar pode significar, simplesmente, sobreviver, vencendo-se, assim, mais um "inimigo", o tempo. Como muitas brasileiras que deixaram o país em busca de vidas mais habitáveis, Geovana, Estela Rocha, Rosa Baiana, Sabrina, Patrícia, Camille Cabral, Pamela, Carol, Samantha foram para Paris, cruzando fronteiras nacionais e simbólicas. Lá, enfrentam os desafios de serem o "outro" exótico, a travesti prostituta do Bois de Boulogne, rótulo que, como todos os estereótipos, são redutores e, por vezes, autorizam violências de toda ordem. De forma que a natureza, o terceiro inimigo listado por Geovana, torna-se quase inofensiva, diante das barreiras políticas, sociais e culturais contra as quais elas se batem quase diariamente no Brasil ou na França.

torna-se quase inofensiva, diante das barreiras políticas, sociais e culturais contra as quais elas se batem quase diariamente no Brasil ou na França. O Voo da Beleza nos leva a Paris. Dirigido e produzido pelo antropólogo Alexandre Fleming Câmara Vale, o documentário foi lançado em 2012. "A cidade luz", onde travestis e transexuais brasileiras têm habitado, pelo menos desde meados da década de 1970, é o cenário desse filme que, apesar do tempo, ainda mantém sua atualidade. Em 2021, o Brasil ainda é o país que naturalizou um projeto de marginalização das travestis" (Benevides, Nogueira, 2021, p. 7). Projeto que a crise sanitária, provocada pela pandemia da Covid-19, apenas agudizou, penalizou fortemente travestis e transexuais, a maior parte delas trabalhadoras do sexo. A pandemia fechou fronteiras, capturando sonhos de mobilidade. Para muitas travestis e transexuais brasileiras, migrar, tem sido há décadas uma saída em busca de vidas mais habitáveis, um projeto de vida, mais do que simples de sobrevivência, para se alcançar o direito de uma existência sem medo e, desejavelmente, glamourosa (Pelúcio, 2009. Duarte, 2019).


Esses voos migratórios não promovem apenas deslocamentos geográficos, eles implicam também em mudanças simbólicas. Alargam-se horizontes culturais; aprendesse a falar outro idioma; deixasse para trás lares violentos e sonhasse com a possibilidade de ter seus talentos reconhecidos. O Voo da Beleza é preciso e delicado em apresentar esses projetos, encarnados na histórias contadas pelas entrevistadas de Alexandre Fleming Câmara Vale. Quem são as travestis brasileiras que vivem em Paris? Essa talvez seja a pergunta fundamental do documentário, de 84 minutos, dos quais a maior parte é dedicada às falas das brasileiras que emigraram. A Paris do Voo da Beleza não é aquela dos previsíveis cartões postais e dos monumentos clichês, mas a dos "banlieues" (das periferias), dos territórios marginais, dos lugares plurais, onde brasileiras, peruanas, taitianas, indonésias, convivem. É para essa cidade invisibilizada que nos leva o diretor, imergindo em trilhas etnográficas. As rotas d'O Voo da Beleza não são lineares. O documentário nos conduz por muitos caminhos, sem ser exatamente um guia, um roteiro, mas um convite. Talvez aí esteja sua riqueza e, paradoxalmente, o que o faz também mais previsível como produto. Ainda que o filme tenha alguns momentos de intertextualidade e citações como a reprodução de cenas de outros filmes ou a exibição de documentos ou fotos, ele é construído praticamente pela justaposição dos relatos e histórias de suas protagonistas. O ir e vir de depoimentos alinhavados pelas escolhas do diretor, a alternância de vozes que compõem o elenco principal, a participação pontual de homens, quase todos ligados às associações de apoio às imigrantes, são recursos narrativos largamente utilizados em documentários. Mas, em O Voo da Beleza, o inusitado sempre vem e perturba o previsível. De repente, uma voz de barítono preenche a tela, é Bruna que canta Avec le temps, de Léo Férré, à beira do Sena. Aliás, a textura

sonora do documentário nos ambienta na rotina das entrevistadas. São sons de notificações que chegam aos celulares, o ruído da rua, a TV que rivaliza com as vozes das entrevistadas e, vez ou outra, a própria voz do diretor. A primeira cena do filme é a imagem da cantora e atriz Estela Rocha sentada diante de uma penteadeira maquiando-se e durante toda sua entrevista ela continua a repetir o ato de pintar-se. Essa cena nos remete a uma importante parte da vida das travestis ou mulheres trans que é o “se montar”, se reinventar e se transformar. Remete também a história da migração de transformistas, transexuais e travestis a Paris para integrar o elenco de espetáculos no Carrousel de Paris ou brilhar como estrela em cabarés menores. "Aqui você realiza", explica Patrícia. "Aqui, se você tem vontade de mudar de sexo, você trabalha, você consegue", é ainda Patrícia, elencando as facilidades de uma vida, que mesmo indocumentada, é materialmente mais sustentável que no Brasil. O relato agora é de Camille. Ela explica que ser trans, travesti ou transexual tem, hoje em dia, relação com o gênero, e não com a genitália. "Só se falava em genital, genital, genital. Aliás, quando eu estava na escola e vocês estavam na escola, vocês se lembram muito bem, gênero… então, era um pouco sútil a diferença entre sexo e gênero". O gênero é performático. Não no sentido do espetáculo, da teatralização, mas no sentido butleriano do termo. Para Judith Butler, seguindo o linguista John Austin, a performatividade baseia-se na reiteração de normas que são anteriores ao agente, e que, sendo permanentemente reiteradas, materializam aquilo que nomeiam (Butler, 2002 e 2002a). Assim, aprendemos a ser mulheres ou homens, a partir da incorporação literal dessas normas. Os investimentos diários no projeto de feminilização é parte da trajetória de vida das travestis ouvidas por Vale. Dos hormônios ao silicone industrial para moldar quadris e nádegas, das roupas à impostação de voz, a transformação do


corpo é estético-moral, por isso exige um compromisso cotidiano que pode começar por investimentos epidérmicos, como relata Geovana: pintar as unhas, deixar os cabelos longos. Transformações que todas relatam, trouxeram dificuldades em todas as instituições socializadoras, como a escola e a família. A família é sempre um assunto conflituoso nas histórias de vida da grande maioria das travestis. Não obstante, muitas vezes depois de chegarem a Paris e ascenderem financeiramente, empenham-se em retomar esses laços por meio de presentes e ajuda material oferecida a seus parentes. Estela ainda se maqueia quando traz suas memórias: o açaí bem grosso servido pela mãe a cada retorno ao Brasil; o caso da travesti que tentou sucídio desiludida pelo relacionamento amoroso; a participação em filmes franceses; o "voo da beleza", quando flagradas "sem papéis" (documentos) são deportadas para o Brasil. "Travesti? Travesti o que que é? Travesti significa beleza! Transexual é beleza! É glamour! Então, como é expulsão de travesti, significa o “voo da beleza", explica Sabrina. A viagem é sempre uma questão primordial. O voo da beleza pode ser pensado também como a viagem que possibilitará ganhos financeiros, plásticas e reconciliação familiar, fazendo a vida mais bela. Desde a primeira onda migratória nos anos 1970, a expulsão do território Francês é uma realidade e um dos maiores medos das brasileiras indocumentadas. Estela, Rosa, Pamela e Sabrina relatam com detalhes como embarcaram no “voo da beleza”, e como a extradição é, muitas vezes, executada com níveis de humilhação e violência. Ao longo dos anos, as expulsões se intensificaram e foram embasadas em novas leis e políticas governamentais, numa atmosfera de crescente sentimento anti-imigração. A lei de racolagem passive instaurada em 2003 no governo de Nicolas Sarkozy foi especialmente

brasileiras, pois ela permitia apreender prostitutas que estivessem “vadiando” pelas ruas. Se estas não tinham visto de permanência, eram expulsas, tornandose passageiras dos "voos da beleza". Como realizar o voo no sentido contrário, Brasil-França? Para chegar à capital francesa conta-se com a rede formada por quem conhece o território e seus códigos. O mais comum é que uma veterana “traga” outra por meio de empréstimo para passagem, para os primeiros gastos no exterior, que facilite o alojamento, como quarto para alugar, e um ponto onde possa trabalhar. Caroline relata que ao ter dinheiro sobrando, o investe “financiando” a viagem de uma novata disposta a imigrar, pois apesar do alto valor da passagem e dos gastos da viagem o trabalho em Paris já foi lucrativo e garantia o pagamento da dívida, acrescido de juros e do cumprimento de certas condições do acordo. A rede de imigração internacional das travestis não é caracterizada pelo que se entende como tráfico de pessoas, mas sim por acordos firmados entre as próprias travestis para viabilizar a viagem à França. (Duarte, 2018) Isso não significa que esses acordos sejam feitos de maneira horizontal, ao contrário, em algumas ocasiões eles podem adquirir um teor exploratório. Ainda assim, a maior parte delas não nomeará a transação como tráfico, mas sim como exploração (Piscitelli, 2008). Muitas vezes associando-a a ruptura do trato à falta de caráter, mas não a um crime. O combinado entre as partes deve incluir amparo e proteção. E isso, elas sabem que não é barato. Ainda assim, espera-se que os valores pactuados não subam depois da chegada da novata à Europa, tanto quanto se espera que o prometido corresponda ao que encontrarão ao chegar. Sobretudo, espera-se que o local para trabalharem esteja garantido.Como entender as dinâmicas do mercado do sexo local? As veteranas entrevistadas por Vale respondem essas perguntas mostrando a tensão entre a amparo mútuo e a concorrência que o mercado do sexo


demonstrações de solidariedade é manifesta na ajuda para o alojamento. A cidade de Paris tem uns dos aluguéis mais caros do mundo e se o inquilino(a) é imigrante ou trabalhado(a) do sexo ou residente ilegal o valor se eleva consideravelmente. Para amenizar essa exploração, a ocupação da Villa Biron foi uma das estratégias das imigrantes trans (não só brasileiras) para se agrupar e assim ter um local seguro para morar. Muitas cenas de Geovana e Samantha são feitas ali, um prédio de onze apartamentos situado em Saint-Ouen, na periferia de Paris, onde moram somente mulheres trans e travestis. No âmbito do trabalho a maior parte delas se sustentam como trabalhadoras do sexo, mesmo que algumas sejam atrizes ou se estabeleçam em empregos ditos formais. Em uma cena no histórico Bois de Boulogne, Rosa Baiana relata o que ela entende como ser o histórico da prostituição das brasileiras em Paris. Ela afirma que nos anos 1980, a legendária região de Pigalle, local onde até hoje está o Moulin Rouge, era o local onde muitas brasileiras trabalhavam até o momento em que a polícia encerrou essa atividade no bairro e então elas se viram obrigadas a se descolar. Foram então empurradas para porte de la Muette e para porte de Saint Cloud (entradas do Bois de Boulogne). “O Bois de Boulogne é onde todo mundo libera as maldades e o êxtase”, avalia Geovana. Essa contradição relativa ao parque é paralela ao que representa Paris para as entrevistadas. Ao mesmo tempo em que a cidade é lugar de glamour e sucesso financeiro, é também espaço de dificuldades, exploração e violências. O Voo da Beleza é primoroso nesses registros, que a escuta atenta do diretor traz para a edição do documentário. Como muitos filmes engajados, o Voo da Beleza aposta na fórmula “Nós falamos de nós para eles” (Nichols, 2005, 197). Vale fala pouco, mas o diretor e pesquisador está na diegese do filme, construindo o diálogo. Em certas ocasiões escutamos alguma pergunta, ou comentário, mas

implicitamente ele é uma presença constante é parte integrante do cenário, está sempre na condução das conversas com as personagens. Assim, o diretor privilegia a autopercepção e autodescrição feitas pelas entrevistadas (Idem, ibd. p. 193). A história da imigração de travestis brasileiras em Paris começa ainda nos anos 1970 e continua até os dias de hoje. No documentário, como em etnografias atuais (Duarte, 2019), podemos localizar pelo menos duas gerações que imigraram para a capital francesa. As personagens do Voo da beleza são em sua em sua grande maioria da segunda geração, isto é, imigraram por volta dos anos 1990. Uma exceção, por seu pioneirismo, é Camille Cabral, idealizadora e diretora da associação Prevenção Ação Saúde e Trabalho para Transgeneros (PASTT). Fundada em 1992 em razão e consequência da epidemia do HIV/SIDA por Cabral, a PASTT se tornou referência para as travestis e o local se consolidou como ponto de assistência para questões sociais e sanitárias para elas. A associação foi também um ponto de referência e um facilitador para a realização do documentário. Algumas cenas e entrevistas são rodadas no local da associação, localizada no 10° distrito de Paris na rua La Fayette - mundialmente conhecida por ser o local da galeria de mesmo nome - e outras são feitas no trailer da associação durante as rondas noturnas para a prevenção do HIV no Bois de Boulogne. Momento em que se serve também café, chá e preservativos. A logomarca da PASSTT aparece no início do filme, creditado como instituição de apoio, mas no enredo, sua história ou atuação social não é destaque, o interesse é voltado para as experiências das entrevistadas. As personagens contam fragmentos de suas histórias pessoais de forma intimista, certamente um dos pontos mais ricos do documentário. A "confiança" é, em Antropologia, mais que um substantivo que sustenta relações, é um lugar ético de encontros confidentes. A relação de confiança que


entre o etnógrafo e professor Alexandre Valle reflete na condução do diretor de o Voo da Beleza. Essa cumplicidade apenas insinuada nas cenas, mas bastante flagrante para quem desenvolveu pesquisas antropológicas, têm efeito nos depoimentos: eles são autênticos. Uma autenticidade que não está implicada no sentido de verdade factual (não é esse o ponto). Relatos pessoais sempre contém traços de ficcionalização de si, a autenticidade a que nos referimos está no tour que Geovana faz, apresentando para a câmara, um pouco à maneira das reportagens de rua, os bastidores da vida na Villa Biron ou a possibilidade de estar no ônibus da PASTT em conversas longas com as usuárias do serviço. As experiências de insucesso, deportações e figurações em filmes e séries francesas vão dando a espessura densa das vidas e nos aproxima das histórias das mulheres que integram o documentário. "Ser mulher não é monopólio de quem tem vagina", posiciona-se Camille Cabral. Travestis e transexuais não são "um tipo", tampouco se definem pela sexualidade, "ali não nasceu um monstro, nasceu um ser humano", sentencia Geovana enquanto explica como culturas de matriz ocidental desumanizaram transgêneros. Se às margens as une, não as homogeniza ou as define. O filme nos convida a olhar muito tempo para além das fronteiras normativas, lá encontramos pessoas intensas, contraditórias, indignadas, galhofeiras, irônicas, absolutamente humanas. As margens se revelam, então, como um recurso estratégico de poderes entronados em um centro hegemônico, que exila e persegue os corpos que o desafiam.Por tudo isso, o filme de Alexandre Valle é político! Faz parte de um conjunto de documentários que buscam evidenciar grupos minoritários que vivem uma experiência de opressão e subjugação. Umas das poucas cenas que não são depoimentos, é a série de tomadas da parada gay de Paris com o áudio de comentário de Louis George Tin do círculo

de promoção da diversidade étnica e sexual na França, que chama atenção para o protagonismo das travestis na história do movimento LGBT mundial. São cenas exibidas na parte final do filme que exaltam o tom engajado no documentário. Outro aspecto social e político do filme é a sua função memorial. (Tomaim, 2016) Os testemunhos filmados se tornam documentos, rastros das vidas dessas pessoas que muitas vezes foram reduzidas ao silêncio, ao campo da abjeção. Nesse sentido, o filme empreende uma função ética em homenagear essas atrizes sociais e históricas que por vezes sofrem a injustiça social e violência quotidiana. (SeligmannSilva, 2010) É por isso que não há no filme depoimentos anonimizados, todas as pessoas têm nome, rosto, uma vida e uma trajetória singular. A última cena no filme é emblemática nesse sentido, pois ela mostra já no momento dos créditos, as brasileiras assinando, na mesa da associação, o contrato de autorização de suas imagens. A fala de Sabrina encerra e coroa esse momento: “eu sou Sabrina, sempre Sabrina e dou autorização de vocês poderem usar (as imagens) até pra dar uma moral pros transexual”. Ficha técnica: O Voo da Beleza de Alexandre. Direção e produção: Alexandre Fleming Câmara Vale. Produção de Set: Clébio Viriato Ribeiro. Pós produção: Valdo Siqueira. Consultoria para Finalização: Paula Morgado. Direção de Fotografia: Alex Meira. Câmeras: Alex Meira; Clébio Viriato Ribeiro. Trilha Sonora Original: Edinho. Direção Musical: Alexandre Câmara Vale; Valdo Siqueira. Decupagem: Bruno Xavier. Montagem: Rui Ferreira; Arnaldo Formiga; Bruno Xavier; Léo Fuser; Débora da Costa. Finalização: Débora da Costa Revisão de Legendas: Edson Rodrigues. Créditos iconográficos: Estudo Antropométrico de homossexuais Efeminados, Extraído de Além do Carnaval de Jammes Green, 2000. Designer Gráfico e Capa da Mídia: Alexandre Santos.


Pessoas Entrevistadas: Camille Cabral, Estela Rocha, Geovana Telles, Tina Rodrigues, Sabrina, Patricia, Rosa Baiana, Samantha, Cindy, Ingrid, Celso Coutinho, Louis-Georges Tin, Marcos Gutierrez, Marc Auguin, Allan.

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