Palau vol. 01 n. 01

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LITERATURA - MÚSICA - ARTES - IDENTIDADE

LITERATURA E ARTE

PALAU

MAIO 2015


ÍNDICE 90 anos de “O Grande Gatsby”

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Eduardo Galeano “Futebol à sombra e ao sol”

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Mallu - Memórias de uma trans

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Mário de Andrade vive - 70 anos da morte do mestre

15

Um autor para conhecer - Carlos Ruiz Zafón

18

Um ano de solidão - Gabriel García Márquez

22

Garrincha - Estrela Solitária

25

A filosofia em Oyasumi Pun Pun

27

30 anos de Rock in Rio

32

O Blues toca em Bauru - Banda Soul Station

35

Vocalista NDK - Uma tragetória pelo mundo da música

39

Rock Ex Machina - Festival de música independente

42

Kendrick Lamar - O voo da borboleta negra

47

Banda Sinfônica de Bauru - Música erudita para todos

50

Ballet - Os benefícios de uma arte milenar

53

O homem de la mancha - Miguel Falabella

58

Literatura Música Artes Identidade

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ÍNDICE Mestre em terras brasileiras - Pablo Picasso

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Terra Comunal + MAI - Marina Abramovic

63

Precisamos falar sobre Elena

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Um olhar sobre Sebastião Salgado

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O que houve com os cinemas daqui?

74

Arte Urbana - Grafite: do vandalismo à arte

76

Volta ao Mundo de Biciclet: Arthur Simões

78

O Grande Museu Egípcio do Cairo

80

TOREN: do Brasil para o mundo

83

HAPPY HOLLI - Quando Bauru ficou colorida

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Por trás das lentes de Claudia Regina - Dica de fotografia

89

O feminino - Evolução, Revolução e Re-evolução

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Cineclubes: amantes do cinema

94

Marvel X DC - Dos quadrinhos à TV

97

Babilônia: o boicote dos conservadores

102

Simpatia na boêmia Bauruense

104

Arquibancadas lotadas, corações pulsantes

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EXPEDIENTE Jornalismo Noturno 2014

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

2° Termo: Jornalismo Impresso

Reitor

Editor-sênior:

Júlio Cezar Durigan

Dr. João Eduardo Hidalgo

Vice-reitora

Editora-Chefe

Marilza Rudge

Talita Bombarde

Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – FAAC

Diretora de Arte

Diretor Nelson Ghirardello Vice-diretor Marcelo Carbonne Departamento de Ciências Humanas Chefe

Mariana Hafiz Diagramadores Ana Carolina Ribeiro, Bruna Hirano, Geizimara Oliveira, Lara Pires, Lívia Cadete, Lucas Rueles Redator-Chefe Lenes Moreira Revisores

Juarez Xavier

Gabriela Ravazzi, Isabella Marão, Juliana Oba, Thaís Fritoli, Yuri Ferreira

Vice-chefe

Repórteres

Ângelo Aranha Curso de Jornalismo Coordenador Francisco Belda Vice-coordenadora Suely Maciel

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Ana Carolina Brandão, Ana Carolina Mendonça, Ana Carolina Ribeiro, André Magalhães, Augusto Biason, Bárbara Pungi, Beatriz Akane, Bruna Hirano, Bruna Moura, Bruno Ribeiro, Camila Gallate, Caroline Mazzer, Edgard Vicentini, Érika Álfaro, Fábio Toledo, Felipe Assis, Gabriela Ravazzi,Geizimara Oliveira, Giovana Amorim, Gustavo Guimarães, Isabela Afonso, Isabella Marão, João Pedro Fávero, José Miguel Toledo, Juliana Borges, Juliana Oba, Lara Pires, Larissa Zapata, Lenes Moreira, Leonardo Biazzi, Lívia Cadete, Lucas Cinchetto, Lucas Guanaes, Lucas Janini, Lucas Rueles, Mara Carvalho, Maria Beatriz dos Reis, Mariana Hafiz, Marina Kaiser, Mario Pereira, Nilo Vieira, Rafael DeLucca, Rafael Guimarães, Renan Dercoles, Rodrigo Correia, Stephany Mello, Talita Bombarde, Thaís Fritoli, Tito Silva, Tomio Komatsu, Yuri Ferreira.


EDITORIAL

Editorial Depois de um longo ano, a edição de 2015 da Revista Palau traz ao leitor reportagens e entrevistas diversificadas nas suas quatro editorias. Em Literatura se pode conferir os 90 anos do lançamento do livro “ Grande Gatsby”, conhecer um pouco sobre as obras Carlos Ruiz Zafón, entender o universo dos quadrinhos filosóficos Oyasumi Pun Pun e entre outros marcos importantes da cultura literária. Na editoria Música, o tema está para os todos os gostos: da lembrança do 30 anos do Rock Rio a Banda Sinfônica de Bauru, análises do cenário de bandas independentes e do novo disco do Kendrick e outras matérias interessantes do cenário musical. Três exposições são apresentadas em Artes: Picasso, Marina Abramovich e Arthur Simões. Temas como Ballet e Sebastião Salgados são abordados e outras visões de mundo da arte são reveladas. E por último a editoria identidade transporta o leitor para assuntos ímpares e polêmicos. Desejo a todos um ótima leitura. - A Editoria

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O Grande Gatsbycompleta completa O Grande Gatsby 90anos anos 90

A obra prima que colocou F. Scott Fitzgerald na linha de frente da

A obra prima quemundial, colocoué considerado F. Scott Fitzgerald na linha de frente da literatura um dos maiores livros do século literatura mundial, é considerado um dos maiores livros do século XX XX Gabriela Ravazzi e Lucas Janini

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Gabriela Ravazzi e Lucas Janini

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P

ublicado em 1925, O Grande Gatsby é o grande romance realista americano. F. Scott Fitzgerald conseguiu, como ninguém, apresentar-nos ao século XX americano, os anos loucos, a era do jazz. Não houve, talvez, melhor momento financeiro para os Estados Unidos: o boom econômico pós a Grande Guerra nos trouxe a cultura do sonho americano, o lugar onde tudo é possível. A história é contada por Nick Carraway, um recémfalido que, assim como tantos outros, foi tentar ganhar a vida no ringue da bolsa de valores. Representando os antigos valores do Centro Oeste americano, centrado na agricultura e na pecuária, Nick tem uma grande surpresa ao chegar à Nova York – especificamente na baía de West Egg – e dar de cara com um continente próspero e cheio de oportunidades. Inicialmente, seu único contato na cidade era sua prima Daisy, extremamente rica e fútil, casada com Tom Buchanan, igualmente rico e fútil. Após uma temporada em Paris, Tom e Daisy seguiam a trilha do dinheiro e do polo – estariam onde pudessem ser ricos com outras pessoas. Mais rico ainda, é o vizinho de Nick: Jay Gatsby. Gatsby é um homem misterioso com um passado nebuloso, não se sabe ao certo como adquiriu tamanha fortuna, o que se sabe é que aos sábados, extravagantes festas são oferecidas em sua luxuosa mansão com tudo o que os anos 20 podiam oferecer: sexo, álcool e muito jazz. Jay Gatsby é a personificação do american dream: o típico novo-rico residente em uma Nova York comandada pela Wall Street que determinava cada vez mais as estruturações das classes sociais. Suas festas serviam de fachada para se aproximar de seu grande amor do passado, Daisy Buchanan, e apenas uma baía separava os dois: Gatsby era vizinho de Nick e Daisy residia em East Egg. Numa narrativa cheia de mistério, sensualidade e ostentação, o amor entre os personagens é um mero detalhe na narrativa de Fitzgerald – é a isca para captar a atenção do leitor. Não é à toa que O Grande Gatsby é um dos melhores livros de seu século. O autor não só contou de forma extremamente fiel a vida americana nos anos 20, como também mostrou o outro lado do sonho americano – o preço e as consequên-

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LITERATURA cias de tanta ambição. O personagem principal do livro não é Daisy, nem Gatsby e muito menos Nick. É o dinheiro. Ele é o único capaz de recuperar o amor de Daisy, de tornar as coisas possíveis e acessíveis, não só para Gatsby, mas sim para uma infinita caravana de pessoas que botaram sua fé na vida americana do início do século. O american dream transcendeu barreiras e continentes, levantou os vestidos e jogou fora os espartilhos. Por mais que o significado da busca pelo sonho americano tenha mudado ao longo da história, as aspirações eram basicamente as mesmas: oportunidade de se obter mais riqueza do que em seu país de origem, dar um futuro melhor para seus filhos e sua família, garantir igualdade e liberdade sem restrições baseadas na raça, religião ou classe social, o que valia também para os já residentes nos Estados Unidos. A geração pós Primeira Guerra veio quebrar os paradigmas e revolucionar os costumes vigentes. O sonho americano, encarnado em Gatsby, confunde-se com o individualismo e com uma cultura extremamente capitalista, baseada no sucesso material e na profissão exercida. Realmente, não importava onde e como o personagem havia conseguido tanta fortuna, importava que ele a tinha. Que Daisy e Tom a tinham. Os mordomos, as bebidas e os carros de luxo ditavam o lugar do indivíduo na sociedade. Essa é a face oculta do sonho que Fitzgerald nos conta. À sua imagem e semelhança Francis Scott Fitzgerald nasceu nos EUA em setembro de 1896. Filho de um rico fazendeiro, Fitzgerald cresceu com as regalias de uma classe média abastada - frequentou as melhores escolas da época e chegou a ingressar seus estudos na Universidade de Princeton sem, no entanto, conclui-los. Em 1917 foi recrutado pelo exército estadunidense, que participava naquele momento da Primeira Guerra Mundial. É interessante notar que Gatsby, seu personagem fictício, também lutou na guerra. Durante esse período, Fitzgerald conhece sua futura esposa, Zelda Sayre, membro da alta sociedade do

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LITERATURA

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que perdiam suas características principais. O alcoolismo e os problemas com a esposa passam a ocupar a vida do autor, que tentou se suicidar duas vezes. Zelda viria a falecer em 48, no hospício onde estava internada. Porém, a principal voz da geração glamorosa da “era do jazz” já havia se calado em 1940. Fitzgerald morreu em Los Angeles, vítima de um ataque cardíaco, oito anos antes de sua esposa. Deixou um romance inacabado, O último Magnata, lançado por Edmund Wilson, amigo do autor desde os tempos da faculdade. Com uma vida conturbada, embalada ao álcool e à ostentação, Fitzgerald se tornou uma obra de arte viva. Uma vida que exemplifica toda uma geração assombrada pelos horrores da guerra e encantada pela crescente potência econômica americana. Inspirou-se incontáveis vezes em sua própria vida para escrever seus romances, dando muito de si em suas criações. Com personagens que são feitos à sua imagem e semelhança, Fitzgerald e suas criaturas puderam desfrutar dos charmes e da tragédia de pertencer a uma geração perdida que soube festejar como nenhuma outra.

Adaptado para o cinema quatro vezes

Alabama. Casam-se em 1920, ano em que Scott lançou seu primeiro livro Este Lado do Paraíso. Já dispensado do exército, o autor pôde disfrutar de todo sucesso de sua obra, que foi bem acolhida pela crítica e pelo público. Durante esse período, Fitzgerald conhece sua futura esposa, Zelda Sayre, membro da alta sociedade do Alabama. Casam-se em 1920, ano em que Scott lançou seu primeiro livro Este Lado do Paraíso. Já dispensado do exército, o autor pôde disfrutar de todo sucesso de sua obra, que foi bem acolhida pela crítica e pelo público. Com toda a visibilidade, o casal passou a ser o centro das atenções da conhecida “era do jazz”, que teve início após o fim da guerra, onde os jovens procuravam sobretudo subverter os conceitos e criar novos costumes. O estilo de vida passou a ser repleto de glamour, festas, boemia e opulência, onde as pessoas buscavam aproveitar a vida ao máximo. Scott tornou-se um dos principais cronistas desse período, além de ser presença constante em eventos das classes mais abastadas. Em 1922, lançou seu segundo romance Os Belos e Malditos, firmando-se como porta-voz da conhecida “geração perdida’’. Foi em 1925 que sua obra mais celebrada entre os críticos seria lançada – O Grande Gatsby, porém, não vendeu muito na época. Com a virada da década, em 1930, sua esposa Zelda começou a apresentar os primeiros sintomas de uma esquizofrenia crescente. Entre textos e crônicas para revistas, Scott publica em 1934 Suave é a Noite, outro livro que fracassa nas vendas. Apesar de não ter sido bem recebido pelos leitores, o livro é de extrema importância para o autor, já que a história apresenta um casal, cuja esposa sofre de esquizofrenia, assim como Zelda. Além da doença, o próprio relacionamento conflituoso que tinha com a esposa servia como uma fonte inesgotável de inspiração. O mundo de festas e glamour foi ficando gradativamente para trás, dando lugar à uma decadência feroz e à frustrações constantes. . Fitzgerald resolve então, escrever roteiros para hollywood, porém seus escritos dificilmente eram aceitos, ou eram modificados tantas

1926

Warner Baxter e Louis Wilson

1949

Alan Ladd e Betty Field

1974

Robert Redford e Mia Farrow

2013

Leonardo DiCaprio e Carey Mulligan

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artes EDITORIA ARTES

LITERATURA

Foto: Agencia Cuartoscuro

Eduardo Galeano, escritor engajado, claro e filosófico, que considerava o esporte um caminho para a compreensão humana

Além das

Veias Abertas Em Futebol ao sol e à sombra, Eduardo Galeano homenageia outro lado da América Latina: o da paixão pelo futebol Fabio Toledo e Rafael De Luca

“(...) muitas pessoas pequenas, em lugares pequenos, fazendo que o uruguaio falou tanto sobre os coisas pequenas, podem mudar cânceres que acometem a América o mundo.” Latina em sua obra mais célebre, As veias abertas da América LatiEssa frase célebre define bem na, na qual trata das mazelas e exa obra do uruguaio Eduardo Gale- plorações sofridas pelos países do ano, morto em 14 de abril, vítima nosso continente desde a chegada de um câncer no intestino. Parece dos europeus, quebrando a abordauma consequência trágica do des- gem tradicional da história sobre a tino de Galeano nos deixar por América. conta de células cancerígenas, já

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Por essa abordagem o autor sul-americano que viveu por muito tempo em países como Argentina e Espanha, exilado durante a ditadura militar uruguaia e, posteriormente, argentina, tornou-se uma espécie de guru da luta esquerdista no continente e em todos os países do antigamente chamado Terceiro Mundo, a ponto de o ex-presidente venezuelano, Hugo Chávez, uma das principais figuras nacionalistas dos últimos tempos, presentear o presidente norte-americano, Barack Obama, com uma das edições do livro. Contudo, as últimas declarações de Galeano sobre a obra foram contrárias às ideias que nela se encontram: “O tempo passou e descobri diferentes maneiras de conhecer e de me aprofundar na realidade. Considero uma etapa superada. Eu não seria capaz de reler esse livro, cairia dormindo. Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é extremamente árida, e meu físico já não a tolera” disse, durante a 2ª Bienal do Livro e da Literatura de Brasília, em 2014. “As bactérias e vírus foram os aliados mais eficientes. Os europeus traziam consigo, como pragas bíblicas, as varíolas e o tétano, várias doenças pulmonares, intestinais e venéreas (...)” Sua análise em relação ao próprio livro mostra o quão crítico era este uruguaio de Montevidéu. Por outro lado, uma coisa o deixava alegre: como um bom uruguaio, era apaixonado por futebol. Em

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artes LITERATURA ARTES

ARTES bora um dirigente também tivesse seu espaço: o então presidente da FIFA, João Havelange, considerado por Galeano o responsável por transformar o futebol romântico em negócio, visando somente o lucro. “Com o corpo grudado no trono, rodeado por uma corte de vorazes tecnocratas, Havelange reina em seu palácio de Zurique. Governa mais países que as Nações Unidas, viaja mais do que o Papa, e tem mais condecorações que qualquer herói de guerra.”

época de Copa do Mundo, não saía de casa. Deixava uma placa pendurada à sua porta onde estava escrito “cerrado por fútbol” (fechado por futebol). Todavia, mantinha a crítica com relação a um futebol endinheirado, onde estádios viraram teatros e times viraram empresas. Ressaltava a importância dos atletas como verdadeiros atores do espetáculo, que é capaz de ser jogado até mesmo durante uma guerra. O livro no qual Galeano declara toda sua paixão pelo desporto mais praticado da América Latina é Futebol ao Sol e à Sombra, publicado há exatos 20 anos, mas cuja primeira edição no Brasil foi publicada apenas em 2004, pela L&PM Editores. Neste livro, Eduardo mistura situações pessoais, fatos relevantes e curiosos da história do futebol e algumas observações suas à respeito de determinadas personagens, principalmente atletas, em-

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Futebol ao Sol e à Sombra também passa pela história das Copas do Mundo, desde 1930 até 1994 (na versão atualizada da obra, incluem-se ainda os Mundiais de 1998 e 2002), onde é possível ter noção do que se passava no plane-

ta durante cada evento que, mesmo assim, virava o centro das atenções. Em 1962, por exemplo, em meio à independência da Argélia, após sete anos de guerra com a França, ao enforcamento do criminoso nazista Adolf Eichmann, à fabricação dos primeiros disquetes, às primeiras operações com raios laser, à venda do voto do Haiti para a Organização dos Estados Americanos expulsarem a comunista Cuba de sua organização, às mortes de Marilyn Monroe, Cândido Portinari e do pugilista cubano Benny Kid Paret, no meio do ringue no Madison Square Garden, ao protesto de Linus Pauling, vencedor dos Prêmios Nobel de Química e da Paz, em frente à Casa Branca contra as explosões nucleares, entre outros acontecimentos, teve início, no Chile, a Copa do Mundo. Galeano era torcedor do Nacional, clube de sua cidade, que possui uma grande rivalidade com o Peñarol. Mas desde garoto se encantava mais pelo bom futebol, viesse dele de sua equipe, do arquirrival ou dos mais longínquos rincões do globo. “Não passo de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão, e nos estádios suplico: - Uma linda jogada, pelo amor de Deus! E quando acontece o bom futebol, agradeço o milagre - sem me importar com o clube ou o país que o oferece.”

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EDITORIA artes ARTES

LITERATURA Livro: Futebol ao sol e à sombra Autor: Eduardo Galeano Ano da primeira publicação: 1995 publicação no Brasil: 2004 Editora: L&PM Editores Número de páginas: 230

“Obdulio tinha esfriado a partida, quando a avalanche nos caía em cima, e depois carregou toda a equipe nos ombros e com pura coragem impeliu-a contra ventos e marés. No final daquela jornada, os jornalistas acossaram o herói. E ele não bateu no peito proclamando somos os melhores e que não há quem possa com a garra nacional: - Foi casualidade – murmurou Obdulio, abanando a cabeça. E quando quiseram fotografá-lo, virou de costas. Passou aquela noite bebendo cerveja, de bar em bar, abraçado aos vencidos, nos balcões do Rio de Janeiro. Os brasileiros choravam. Ninguém o reconheceu. No dia seguinte, fugiu da multidão que o esperava no aeroporto de Montevidéu, onde seu nome brilhava num enorme letreiro luminoso.”

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Passagens interessantes no livro demonstram a paixão do uruguaio pelo futebol simples, onde qualquer menino pobre da periferia de Montevidéu poderia jogar e ser ascendido ao papel de craque. O craque poderia, em apenas um lance, ir do papel principal desse espetáculo para o de vilão mais cruel, que faz milhares de torcedores chorarem. Assim, Galeano conta os feitos e fracassos de muitos deles, como Friedenreich, Andrade, Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Barbosa, Di Stéfano, Garrincha, Didi, Carrizo, Puskas, Yashin, Eusébio, Pelé, Maradona, Cruyff, Müller, Platini, Zico, Romário, Baggio, entre outros. Entretanto, é a história de Obdulio Varela a que mais lhe cativou. O capitão da seleção uruguaia na Copa de 1950 foi seu grande herói de infância, na maior conquista do futebol de seu país, contra um Maracanã lotado. Mas nada disso tirou a simplicidade do caráter de Varela, que preferiu ser apenas mais um naquele importante momento do esporte mundial. São inúmeras as histórias contadas por Galeano em Futebol ao sol e à sombra, cada uma com seu brilho, ainda mais reluzente nas palavras deste escritor uruguaio que, apesar de morto, tem seu legado imortalizado na literatura geral e esportiva.

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LITERATURA

Malu, memória de uma trans

Malu, memórias de uma trans: O início do diálogo Enquanto nos envolvemos com as aventuras de Malu, podemos refletir sobre nossas posturas frente a pessoas que lutam diariamente contra o preconceito e por sua liberdade de gênero. Livia Cadete

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LITERATURA

Cordeiro de Sá, 41, arquiteto, ativista e artista visual, criou a história em quadrinho “Malu - memórias de uma trans”para falar de um assunto pouco verbalizado: a transexualidade. Malu foi a principal inciativa do selo RPHQ – Ribeirão Preto em Quadrinho, e desde seu lançamento já foi indicada a vários prêmioscomo o Prêmio HQMIX 2013. Sua história é contada em 40 páginas que misturam ilustração estilo cartum e fotografia em preto e branco. O roteiro foi criado a partir de depoimentos e casos reais do universo LGTB, convidando o leitor a refletir sobre identidade, plenitude e amor. Segundo Cordeiro, o incentivo pela ilustração veio desde criança por sua mãe e pelos quadrinhos da Turma da Mônica, porém sua verdadeira fascinação por esse mundo veio mais tarde.

Afinal, eu me sentei ao lado de uma travesti e não falamos sobre sexo. Nesse momento, veio o clique: seria legal contar a história de um ser humano que, por um acaso, é transexual, tirar um pouco o rótulo, o estigma que as pessoas trans carregam.” Malu também contou com a ajuda de uma militante transexual,Ágatha Lima. A espinha dorsal do roteiro da HQ vem de parte da história da vida de Ágatha. Segundo Cordeiro, o maior desafio enquanto produzia a história foi encontrar um caminho do meio, uma linha que cativasse as pessoas sem “pasteurizar” o tema.

“Era preciso ser realista, mas se eu chocasse o leitor ou a leitora, sabia que os perderia, compreende? Por isso, o desenvolvimento do roteiro foi duro, depois veioa escolha da linha de arte. A ideia de usar cartuns, por exemplo, é justamente para dar uma amenizada no todo, mas ao mesmo tempo, as fotos reais dos fundos, estão na obra “Quando estava na faculdade, fui até São Pau- para lembrar que estamos tratando de verdades.” lo a passeio e enquanto esperava um amigo, entrei Cordeiro não se caracteriza como um miem uma banca e comprei “Batman - Asilo Arkhan”, litante na causa LGBT por não ser transexual, de Morrison e McKean. O texto e a arte me deixa- mas se considera militante dos direitos humanos. ram alucinado. Li de uma vez e até esqueci do ami- Sua falta de legitimidade na causa não o dá autogo. Decidi que não largaria as HQs nunca mais!” ridade para versar profundamente sobre o assunto, até porque em suas palavras: conheço o preCordeiro conta que a história do conceito, mas não o vivo diariamente na pele. livro nasceu de um reencontro e uma conversa no ônibus com sua antiga amiga de escola. alu foi concebida como uma

“M

“Quando me mudei de Valinhos para vir para as bandas de Ribeirão Preto, minha amiga ainda era um menininho. Quando a reencontrei, no Orkut e ao retomarmos contato via MSN, entendi que ela estava se transformando em mulher. Conversamos muito virtualmente e um dia, por coincidência, nos encontramos num ônibus. Conversamos muito sobre muitos assuntos e eu notei que as pessoas estranhavam.

ferramenta contra o preconceito. Espero com ela (Malu) começar a conversa a respeito do tema, humanizar o contexto em que o preconceito geralmente se desenvolve, justamente ao ajudar as pessoas a enxergarem o outro de uma forma mais complexa e até a se entenderem melhor.” Cordeiro de Sá

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LITERATURA

“Eu sempre atentei ao lado mais frágil das relações sociais. Não é à toa que fui Conselheiro da infância e adolescência por dois mandatos, estive a frente de uma unidade social muito grande aqui da cidade por nove anos e já participei de várias comissões de defesa de direitos, como a luta contra a violência contra a mulher e tal. Eu penso que é preciso usar o talento e os meios que temos para melhorar a vida das pessoas.” O cartunista não soube responder qual o ensinamento que a HQ poderia deixar para seus leitorespois acredita que a carga pessoal que uma leitura gera em cada um é pessoal, porém o seu ensinamento pessoal enquanto produzia foi imensurável.

“No período em que entrevistei as pessoas para montar o roteiro, percebi que a sociedade deixa à margem um grupo social riquíssimo. As pessoas trans têm que se virar diariamente contra o preconceito, inventando e reinventando estratégias de sobrevivência e geralmente se enfiam pelas artes. Logo, olha que capital criativo e empreendedor a gente joga fora, por puro preconceito e ignorância!” Malu é uma obra leve, quase lúdica, mas ao mesmo tempo é muito contundente. Serve para despertar boas dúvidas e nos convida a reflexão. Com ajuda do Programa de Incentivo à Cultura da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, a HQ tem sua distribuição gratuita para que o material chegue mais fácil ao maior número de pessoas. A Obra também pode ser baixada gratuitamente em PDF.

“As fotos reais dos fundos, estão na obra para lembrar que estamos tratando de verdades.”

Nessa cena, a HQ retrata o preconceito enfrentado pela protagonista na procura de empregos.

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LITERATURA

Mário de Andrade vive: 70 anos sem a presença do mestre “Sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta” Mário Lima

- A Semana de Arte Moderna foi o marco da nova literatura brasileira, o livro “Há uma Gota de Sangue em cada Poema” pode ser considerado o primeiro a mostrar que as mudanças estavam por vir? Este primeiro livro de Mário tem uma particularidade que é bem interessante. Segundo consta, ele foi escrito em 1917, portanto tendo ainda em curso a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Segundo Mário da Silva Brito (1974), esse livro nasceu em meio a um ambiente de brios nacionalistas, num clima “aliadófilo”, tendo a França como uma aliada sobretudo cultural do Brasil, e curiosamente Mário o publicou sob o pseudônimo de Mário Sobral. É um livro de versos, inspirado em grande parte na guerra, no conflito universal, e que revela um autor inseguro mas que já tem uma certa consciência de que se refere a um passado próprio com o qual precisa romper. Mário, depois, não renegará o livro, que na verdade teria sido escrito por um heterônimo seu, mas sim o tomará nessa chave especial de que ao menos o teria levado à descoberta de si mesmo e à necessidade de um rompimento com o passado.

- Mário de Andrade cria uma nova forma de escrever. Ele cria uma nova estética? Creio ser um pouco exagerado – ou talvez incorreto – dizer que Mário de Andrade teria criado uma “nova forma de escrever”, ou mesmo que ele teria criado uma “nova estética”. Em muitas oportunidades, lemos Antonio Candido dizer, com muita propriedade, que nem Mário, nem Oswald são exatamente divisores de águas na nossa literatura, uma vez que o divisor de águas propriamente dito foi o movimento modernista, coletivo, simbolicamente expresso na Semana de Arte Moderna de 1922, do qual eles foram protagonistas. Voltando o foco exclusivamente para Mário de Andrade como colocado na pergunta, podemos dizer que Mário em especial teria um compromisso muito mais elaborado com base na proposta modernista de promover uma verdadeira transformação, mais que estética, exclusivamente social, por meio da cultura. - O público do Theatro Municipal de São Paulo Crédito: Estadão - Cultura Literatura

O professor de Literatura Brasileira Nelson Luís Barbosa é doutor em Letras pelo Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Ele concedeu entrevista sobre os 70 anos da morte do escritor brasileiro Mário de Andrade e fala acerca das proposições e ideologias em vários campos da cultura que o intelectual arquitetou e construiu ao longo de sua vida.

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LITERATURA

UM AUTOR PARA CONHECER: CARLOS RUIZ ZAFÓN Pelos caminhos de Barcelona, o autor proporciona a seus leitores aventuras recheadas de mistérios e cenários de tirar o fôlego Isabela Afonso e Larissa Zapata

O autor Carlos Ruiz Zafón Isolde Ohbaum

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LITERATURA Carlos Ruiz Zafón nasceu em Barcelona, na Espanha, em 1964. Desde muito pequeno, Zafón já sabia que queria ser escritor, pois amava contar e inventar histórias para seus amigos e para sua família. Sua trajetória como escritor começou em 1993 escrevendo roteiros de teatro. Ainda no mesmo ano lançou seu primeiro romance O príncipe da névoa (1993) – que vendeu mais de 150 mil exemplares, ganhou o prêmio Edebé e foi traduzido para vários idiomas. Após o primeiro livro, Zafón fez cada vez mais sucesso com os seus romances posteriores. Abordando temas de suspense e com a cidade de Barcelona como cenário principal, o escritor publicou O palácio da meia-noite (1994), As luzes de setembro (1995), Marina (1999) e a famosa trilogia: A sombra do vento (2001), O jogo do anjo FORTALECE (2008) e O prisioneiro do céu (2011). Um (Carlos Ruiz Zafón, em A sombra do vento). fato curioso sobre a trilogia de Zafón é que ela pode ser lida em qualquer ordem, sem prejuízo no entendimento das obras. Carlos Ruiz Zafón – hoje considerado o mais bem-sucedido escritor contemporâneo espanhol – escreveu seus livros em catalão e todos foram traduzidos em mais de 50 idiomas e publicados em 45 países. Além disso, Zafón já ganhou prêmios em países como: Espanha, o Premio de laFundación José Manuel Lara com o livro mais vendido (A sombra do vento); Estados Unidos, o Gumshoe Award; França, o Prix duScribe; Canadá, o Premio de loslibreros de Canadá/Quebec, entre outros.

“Cada

vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos sob suas páginas, seu espírito cresce e a pessoa se .”

Alguns livros de Carlos Ruiz Záfon Isabela Afonso

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LITERATURA

Zafón atualmente vive em Los Angeles OBRAS escrevendo roteiros para cinema e trabalhanCom oito obras escritas, Zafón se tornou um dos do em um novo romance. O escritor possui um site - http://www.carlosruizzafon.com/ - em que grandes nomes da literatura espanhola contemporânea. expõe sua paixão por dragões e responde algumas Isso se deve ao sucesso de A Sombra do Vento - seu perguntas curiosas. Algumas delas, por exemplo, são: livro mais querido.

Uma frase:

“O que você escreve é o que você mais se assemelha”.

Um lugar: Planeta Terra.

Uma viagem:

Qualquer uma que me leve a um lugar desconhecido.

Uma fobia: O esnobismo.

Um herói: Orson Welles.

Um talismã: Minhas lembranças.

Um mau costume:

Confiar algumas vezes em quem você sabe que não pode confiar. (http://www.carlosruizzafon.com/)

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A leitura de suas obras transporta as pessoas para uma Barcelona nunca vista antes. Zafón mostra sua paixão pela cidade, detalhando cada lugar de uma maneira esplêndida, que proporciona sensações únicas aos leitores. Até quem nunca passou por lá, pode sentir que conhece um pedaço da cidade. Outra característica marcante dos livros do espanhol é o seu tom aventureiro e macabro. Cada página é uma nova surpresa, sempre com um gosto de suspense. Às vezes cenários que pareciam calmos, se tornam aterrorizantes, como é o caso do livro “Marina”, uma obra que questiona os mistérios da condição humana através de relatos de amor e morte. A trilogia de A Sombra do Vento, O Jogo do Anjo e O Prisioneiro do Céu têm em comum o cenário do Cemitério dos Livros Esquecidos, um lugar que seja no início ou no fim está presente como uma resposta ou como o início de um mistério que se desenvolverá ao longo do enredo. Apesar de os livros poderem ser lidos independentemente, há certa continuidade entre as histórias, que a cada livro deixa um gosto de “quero mais”.

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LITERATURA

Um pouco mais sobre a trilogia Em A Sombra do Vento, Daniel Sempere encontra no Cemitério dos Livros Esquecidos um livro que muda o rumo de sua vida, levando-o a uma série de descobertas sobre um autor sombrio que havia deixado suas lembranças no passado. Ao mesmo tempo, durante essa busca sobre um homem desaparecido, o personagem vai se reconhecendo não mais como um adolescente, mas sim, como homem. O livro mostra Daniel frente às suas inseguranças e paixões, o que leva o leitor a se identificar e querer ir além da história. Tendo em vista um rumo muito parecido ao do primeiro livro, O Jogo do Anjo transporta o leitor de volta ao mesmo cenário de A Sombra do Vento, porém com o intuito de oferecê-los intrigas e tragédias mescladas a um romance envolvente que confronta a amizade e a paixão. David Martín, um escritor obcecado por um amor improvável, é convidado por um editor misterioso a escrever um livro que transcenda qualquer outra obra já escrita em troca de uma fortuna, além de situações sinistras e inesperadas. O livro tem uma breve relação com os Sempere e sua livraria, no entanto, é o que dá uma abertura para o último livro de Zafón. O Prisioneiro do Céu é uma convergência entre os dois primeiros livros. Daniel Sempere e seu amigo Fermín são surpreendidos com a visita de um homem desconhecido na livraria dos Sempere, o que os levará a defrontar segredos de um passado que parecia estar distante, quando, na verdade, está mais próximo do que se imagina. Realmente, um livro que transborda fortes emoções e traz a tona histórias inesperadas. O enredo que fecha a trilogia proporciona a compreensão da história como um todo, porém o mais interessante é que ainda consegue deixar aquela ânsia por mais um livro que transporte o leitor a velha e boa Barcelona com todos os seus encantos e mistérios esquecidos. Vale a pena conhecer!

Apesar

de os livros poderem ser lidos independentemente, há certa continuidade entre as histórias, que a cada livro deixa um gosto de “quero mais”.

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LITERATURA

Um ano de solidão sem Gabriel García Márquez No último dia 17 de abril completou um ano da morte do escritor colombiano e para homenageá-lo dissertase sobre uma das suas principais obras, “Cem anos de solidão”. Bruno Ribeiro e Rodrigo Correia

Sua maravilhosa escrita lhe rendeu o prêmio Nobel de Literatura no ano de 1982. [...]Cem Anos de Solidão, publicado em 67, é tido como a mais importante obra em espanhol desde Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.

A

Divulgação

América Latina vivia um momento de turbulência na década de 60. Ditaduras e pressões internacionais definiam o contexto político de um continente que sempre esteve à margem do processo social e cultural global. Contudo, foi nesta década que os autores latinos vieram à tona, inserindo a região no mapa mundial da literatura. Nomes como Jorge Luis Borges e Alejo Carpentier são considerados os precursores do Realismo Mágico. A corrente literária ajudou a construir a identidade sociocultural latina, de modo que os autores tinham um pacto com o leitor: contar a realidade de uma América Latina empobrecida, mostrando elementos estranhos e sobrenaturais como algo habitual. O movimento encheu de criatividade os romances ocidentais, além de abrir caminho para Gabriel García Márquez eternizá-lo no grande expoente de suas obras: Cem Anos de Solidão.

Gabo na premiação do Prêmio Nobel de Literatura em 1982 na Suécia.

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O encantador mundo de Macondo Em sua obra-prima, Gabo narra a fundação da aldeia Macondo pela família Buendía, bem como a interminável marcha da estirpe em direção à solidão. O início da história é considerado um dos mais memoráveis e toda a literatura. Através de uma superposição de tempos narrativos, García Márquez nos fisga logo na primeira frase:


LITERATURA

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo” Quais teriam sidos os motivos e as consequências de tal fuzilamento? E por que esta situação poderia ser entrelaçada com um momento tão distinto como uma tarde entre pai e filho? Questionamentos comuns, rapidamente implantados na cabeça do leitor que logo se vê envolvido pela narrativa. A princípio apresentada como uma aldeia livre de divisões sociais e com certas riquezas naturais, Macondo vai se transformando em um palco da presença mítica, de processos de hibridização populacional, guerras pelo poder e marcas do imperialismo econômico. Tais processos encontram-se intimamente ligados à forma como é retratada a identificação cultural dos habitantes, que são expostos, nos diferentes períodos da existência da cidade, aos diversos deslocamentos nos costumes, nos hábitos e na organização social do local. A história da família Buendía começa com o casamento de José Arcádio com sua prima Úrsula. A primeira geração é composta por três filhos: o primeiro, batizado com o nome do pai. Forte e viril, o primogênito era totalmente o oposto de seu irmão Aureliano. Este, calmo e filosófico, viria a se tornar o grande líder militar da aldeia. Por fim, a introvertida e típica dona de casa Amaranta. Ao decorrer da construção do conto, vamos acompanhando o surgimento de novas gerações dos Buendía. A complexidade em relação ao número e nomes de personagens não atrapalha o sabor da leitura, pois a árvore genealógica presente no livro facilita o desencadear dos fatos. Entre diversos Arcádios e Aurelianos, percebe-se o movimento circular da história na cidade fictícia, a partir daí o Realismo Mágico prevale.

O autor envolve todas as dimensões da imaginação, combinando sonhos, religião e fantasia. Os limites da verossimilhança são transpostos sem perder a referência do real. A narrativa, além de reunir uma gama de sujeitos representantes da mistura de povos que formam a estrutura populacional do território, expõem eventos que ultrapassam as tênues fronteiras entre ficção e realidade. Episódios sobrenaturais, como o de “Remédios, a Bela”, são vistos como elementos corriqueiros. A mulher mais bonita que existiu no mundo, mesmo podendo ter qualquer homem para si, não se envolveu com nenhum dos que a seguiam e dos que morreram por ela. Sendo assim, um dia ascendeu aos céus, como um anjo sem malícias ou pensamentos complexos. Outra interessante passagem onde o concreto se confunde com a lenda: o dilúvio após a matança promovida pela companhia bananeira. Segundo Gabo, sua duração ultrapassa até a tempestade bíblica (que teria durado cerca de 400 dias):

“Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias. Houve épocas de chuvisco em que todo mundo pôs a sua roupa de domingo e compôs uma cara de convalescente para festejar a estiagem, mas logo se acostumaram a interpretar as pausas como anúncios de recrudescimento. O céu desmoronou-se em tempestades de estrupício e o Norte mandava furacões que destelhavam as casas, derrubavam as paredes e arrancavam pela raiz os últimos talos das plantações.” Revista RevistaPalau | 23 Palau | 3


LITERATURA Elementos externos à obra Todos os acontecimentos mágicos possuíam algum significado, seja dentro ou fora do contexto da história. Isso porque Gabriel García Márquez sempre fazia um paralelo entre Macondo e a América Latina. A trajetória de lutas (sempre terminadas em derrotas) presentes no percurso do líder militar da aldeia ilustra uma grande parcela do processo histórico latino americano em sua constante caminhada por autonomia política e territorial, iniciada no período da descolonização e seguido em épocas nas quais os regimes ditatoriais foram a tônica da configuração dos governos no continente. O colombiano, esquerdista declarado, foi um intelectual de seu tempo, nunca deixando de se posicionar politicamente. Vários foram os casos de suas manifestações: apoio ao amigo Fidel Castro, críticas aos EUA e greve contra o governo de Pinochet. Como passou sua infância com as tias, Gabriel García Márquez utiliza falas e resoluções calcadas no rico folclore colombiano. Narrando de maneira simples, como a ressurreição do cigano Melquíades, por exemplo, o autor relata episódios de caráter sobrenatural com a naturalidade de alguém que acreditava plenamente em tudo. Dessa maneira, Cem Anos de Solidão mostra-se um reino fantástico de homens alucinados e mulheres históricas. Todas as dimensões da realidade são alcançadas, mas sem escapar do visível e do crível. Ao término da leitura, o leitor se sente parte da estirpe condenada à solidão e, mesmo sendo destruída, Macondo permanece intacta em suas lembranças. Gabo não negava que o livro é a grande obra de sua vida. Sua maravilhosa escrita lhe rendeu o prêmio Nobel de Literatura no ano de 1982. No comunicado da premiação, a Academia, composta por doze membros, afirmou que “os grandes romances de García Márquez evocam os de Willian Faulkner e os de Balzac.” Cem Anos de Solidão, publicado em 67, é tido como a mais importante obra em espanhol desde Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.

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Literatura

LITERATURA

Um grande personagem

dois diferentes resultados

Uma análise do livro “Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha”, de Ruy Castro, que serviu de base para o filme “Garricha - Estrela Solitária”, dirigido por Milton Alencar Jr. Lucas Guanaes e Gustavo Guimarães

Ruy Castro é autor da mais completa biografia de Manuel dos Santos, popularmente conhecido como Garrincha, o maior camisa 7 da história do futebol mundial e famoso por sua passagem pela Seleção Brasileira e pelo Botafogo de Futebol e Regatas. É interessante notar que o escritor, ao contrário do que se possa imaginar, inicia o livro, não com o nascimento do craque, mas sim em Alagoas, terra dos bisavôs de Garrincha. Tal fato tem uma explicação, seus parentes eram indígenas. Não é só por inverter a lógica sobre como começar uma biografia que Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha pode ser considerado completo. Em suas 520 páginas, Ruy Castro derruba mitos sobre o mito. Um deles, talvez o mais importante para os que acompanharam sua trajetória, é o de que o craque chamava seus marcadores de João, segundo a lenda, o botafoguense não fazia distinção entre eles, portanto seria uma maneira de deboche. Outra desmitificação é com relação ao episódio do seu primeiro treino no clube carioca, em 1953, onde teria driblado várias e várias vezes um dos líderes da seleção

brasileira Nílton Santos, considerado, em 2000, pela FIFA, o maior lateral esquerdo de todos os tempos. Outro boato quebrado, entre os vários e que merece destaque, se passou em 1958, na Copa do Mundo: dizem que o trio de líderes da equipe, formado pelo capitão Bellini, Didi e Nílton Santos, conversou com o técnico Vicente Feola pedindo que o biografado fosse escalado no lugar de Joel, acontece que tal reunião jamais foi realizada. Como muitos dos jogadores de futebol, nosso folclórico personagem foi cercado de romances. O livro, claro, conta tudo, desde a iniciação sexual do craque – aos doze anos e com uma cabra - até seu último relacionamento com Vanderleia, passando pelo longo período em que esteve com a cantora Elza Soares. Também não foge das polêmicas, como o acidente de carro, em 1969, que vitimou a mãe de

Elza, sua sogra. A parte futebolística é bastante detalhada, desde seu início em Pau Grande, distrito de Magé-RJ, até a derrocada em times amadores de todo o país, passando pelas conquistas da Copa do Mundo de 1958 e de 1962. Garrincha morreu novo, com apenas 49 anos de idade, em 1983, em virtude de um edema pulmonar. O que motivou a doença foi o alcoolismo, iniciado pouco depois do seu nascimento, já que, em sua família, era comum dar às crianças o “cachimbo”, uma mamadeira contendo mel, cachaça e canela em pau. “A autópsia revelaria que seu cérebro, coração, pulmões, fígado, pâncreas, intestino delgado e rins já estavam parcialmente destruídos”- trecho do capítulo que trata da morte de Garrincha: O alcoolismo vencera a guerra.

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LITERATURA Literatura EDITORIA Por contar tudo, desde antes de sua infânciaaté o clima de culpa que se abateu sobre os brasileiros por terem abandonado um de seus mais ilustres filhos, é que Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha, é leitura obrigatória, não só para os amantes do esporte bretão, mas também para aqueles que se interessam por biografias e que exploram o lado humano dos grandes personagens da história.

Já o filme, quase homônimo, dirigido por Milton Alencar Jr, deixa a desejar por escolhas um tanto quanto infelizes. Preocupado em transmitir as dificuldades geradas principalmente pelo álcool ao longo da vida de Garrincha, o filme deixa um pouco de lado a parte

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futebolística do atleta para focar nos dramas de sua vida. Ora, até aí, seria plenamente aceitável, mas mesmo as cenas baseadas em fatos comumente conhecidos parecem inverossímeis com a realidade, um pouco forçadas talvez. Um dos exemplos é a cena inicial, que permeia quase duas horas da película. Nela, é mostrado um episódio, já do fim da vida do atleta, no qual ele é homenageado pela Estação Primeira de Mangueira, tradicional escola de samba carioca, no ano de 1980 e, no desfile, encontra-se extremamente dopado pelos medicamentos que tomava. É sabido, de forma documental, e também, pelos relatos de Ruy Castro, que nesta época, Garrincha já estava inchado e fora de forma, além, é claro, da apatia. A interpretação do ator André Gonçalves, porém, não traduz estes problemas de forma convincente, além do atleta estar bem magro nesta aparição. A ideia do diretor, guardadas devidas proporções, alude à Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas. O longa é narrado por Garrincha após sua morte, e o roteiro fica centrado em mostrar a vida do “diabo de pernas tortas” do ponto de vista das pessoas que o cercavam. Por último, as digressões foram feitas de boa fé, mas não atingiram o resultado esperado. Um ponto, que seria extremamente benéfico ao filme mas que gerou efeito contrário, foi a atuação das várias mulheres que cercaram a vida de Garrincha. Roberta

Rodrigues como a esposa Nair, Ana Couto como a amante Iraci, e, principalmente, Taís Araújo como Elza Soares, sua paixão fulminante, tiveram excelentes atuações, mas que acabaram por ofuscar o protagonismo de André Gonçalves, ou seja, Garrincha, que acabou em segundo plano. Talvez, a mensagem final, obviamente, um clichê que se aplica, seja: fique com o livro, não o filme.


A filosofia em Oyasumi Pun Pun Lucas Rueles

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LITERATURA

Q

uestionando fortemente a existência do ser, o pensamento religioso e a capacidade de encontrar a felicidade, seja no amor ou na realização dos sonhos, o texto de Asano Inio se compara com os filosofos existencialistas do século XIX e XX. Sobre esta linha, Eli Vagner Francisco, doutor em Filosofia, irá falar sobre os principais conceitos:

“Para esta filosofia o homem tem liberdade, o homem como ente no mundo, é ele que irá construir seu projeto existencial, daí o termo existencialismo.” O projeto existencial, ou seja, aquilo que o homem irá se tornar, não está determinado de antemão na essência dele, assim, ele irá romper com a essência, quebrando também, uma relação com a teologia cristã e outras linhas da filosofia que partem do príncipio de que há uma essência no homem”. Porém, os paralelos entre o texto de Asano Inio e a filosofia existencialista se aprofundam. Seu pessimismo exacerbado poderia ser comparado ao trabalho de Émile Cioran. O pequeno Pun Pun, personagem principal do quadrinho, representado por um pequeno e frágil passarinho, é constantemente jogado entre suas escolhas e sofre por elas constantemente. Sua caminhada junto com a dos outros coadjuvantes, entre ele Harumi, um dos amigos de Pun Pun, é um embate cíclico entre escolhas que irão atuar fortemente na ordem de suas identidades. Entretanto, para Pun Pun e seus coadjuvantes não existe exatamente acerto, apenas o erro, uma incrível prisão do ser, talvez fazendo valer a máxima dita por Cioran: “seria a existência o nosso exílio e o vazio a nossa pátria?”. Mas não é apenas o caráter do existencialismo que diz respeito à formação da identidade dos personagens que constituem o quadrinho, o autor também encara a busca por negar constamente a mística do mundo que afetaria nossas vidas. Não são os deuses que decidem o destino de Pun Pun, eles aparecem ali, como uma mera forma de representar o que há de mais profundo

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no garoto tímido que ele é. Dessa forma, Inio nega a religião constamente em suas obras, nega sua necessidade e ao mesmo tempo reconhece o seu poder manipulador e controlador. Portanto, ele possui uma visão extremamente crítica da fé, apresentando ela como uma fuga da realidade feita por alguns indivíduos que não conseguem se auto completar. As imagens em Pun Pun Uma das coisas mais surpreendentes da obra é a construção da semiótica da história criada por Asano Inio. Em um primeiro momento ele faz o uso da família de Pun Pun como pássaros, indivíduos caricatos e constantemente apresentados como frágeis. Outra brincadeira que o desenhista faz com a imagem são os adultos presentes na fase inicial do mangá, como uma forma de representar a visão de uma criança diante das loucuras dos mais velhos, eles são demonstrados como insanos, pessoas vazias e sem equílibrio.

Sem dúvida, nenhuma figura é mais forte do que a do Daruma, explorando tanto sua imagem quanto a representação dela em outros indivíduos, o autor deixa no ar uma promessa que ficará presente em todo o mangá mas que só se concretizará ao final dele.


LITERATURA

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MÚSICA

TRINTA ANOS TRAZENDO O MELHOR DA MÚSICA

Completando três décadas de existência neste ano, o Rock in Rio se destaca entre os festivais de todo o mundo André Magalhães

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MÚSICA

I

magine, em uma noite, Queen e Ney Matogrosso. Em outra, Rod Stewart e Paralamas do Sucesso. Depois, AC/DC, Ozzy Osbourne e Erasmo Carlos. Tudo isso sendo assistido por mais de 100 mil pessoas por noite, chegando ao recorde de 470 mil só na primeira noite. Esse momento histórico na música brasileira completa em 2015, trinta anos de existência. Trata-se do festival Rock In Rio, que deixou um legado importantíssimo para o entretenimento brasileiro. Idealizado pelo empresário Roberto Medina, o primeiro Rock In Rio foi realizado em Jacarepaguá, em um terreno construído de 250 mil m², área equivalente a 12 estádios do Maracanã. O line-up era algo inimaginável para o Brasil, pois, nos anos 80, era muito difícil trazer artistas internacionais, por uma série de motivos. Queen, Rod Stewart, Iron Maiden, AC/ DC, Ozzy Osbourne, Whitesnake, B-52s, Yes, entre outros. Intercalando com estes nomes internacionais, estavam promissores nomes nacionais para a época, que ganharam muita visibilidade com os fãs. Os Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho e Blitz eram algumas das atrações, que ainda tinham medalhões como Erasmo Carlos e Rita Lee. Ao todo, foram nove dias de festival, dos dias 11 a 20 de janeiro. Estima-se que mais de um milhão pessoas passaram pela Cidade do Rock. Depois de 1985, o Rock In Rio teve mais quatro edições no Brasil, além dos eventos em Lisboa e Madrid. Em 1991, sem a Cidade do Rock, o evento foi sediado no Estádio do Maracanã. No dia da performance do grupo A-Ha, foram vendidos mais de 198 mil ingressos, um recorde de vendas para a época. Os principais destaques foram o Faith No

More, que ganhou enorme popularidade no Brasil, e o Guns ‘n’ Roses, que tocou em duas noites do festival. Em 2001, na terceira edição do evento, uma nova proposta, chamada “Por um Mundo Melhor”, propunha discussões socioambientais – ocorreram diversos debates sobre ecologia e cidadania. Na abertura do festival, houve um emblemático silêncio de três minutos com o motivo de fazer as pessoas pensarem em como fazer um mundo melhor. No line-up, bandas como Foo Fighters, Oasis, REM e o retorno do Guns’n’Roses, após um hiato de sete anos e sem a formação original. O festival só retornaria ao Brasil dez anos depois, em 2011, contando com uma mescla entre artistas do pop e do rock. Na edição de 2013, a mesma mescla foi mantida, contando com um adicional: juntar, no mesmo palco, artistas que nunca haviam tocado juntos. As apresentações de Sepultura com Zé Ramalho e de Lenine com a banda multiétnica Gogol Bordello estiveram entre as melhores do festival. Agora, o festival se prepara para receber mais uma edição no Brasil, no mês de setembro. E a celebração dos trinta anos de história não passará despercebida: será realizada uma série de homenagens a todas as edições do evento. A abertura do festival ocorrerá com uma apresentação especial, reunindo artistas como Dinho Ouro Preto, Paralamas do Sucesso, Frejat, Erasmo Carlos, Titãs, e muitos outros. Também ocorrerá um show de tributo a Cássia Eller, em reconhecimento à performance da cantora no Rock In Rio de 2001. Entre as outras

Primeira edição do Rock In Rio – festival trouxe mais de 1.380.000 pessoas / Foto: Divulgação

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MÚSICA atrações, destaque para Katy Perry, Rihanna, Metallica, Elton John e Queen com Adam Lambert. No dia em que as vendas de ingresso foram abertas, apenas um dos sete dias de festival não foi esgotado. O LEGADO DO ROCK IN RIO Roberto Medina conseguiu deixar um legado importantíssimo para o show-business brasileiro com o festival. A partir da primeira edição do evento, e reforçada depois pelo Rock In Rio II, mostrou-se que era viável e possível trazer grandes artistas internacionais para o Brasil. Exemplo disso foram os festivais Monsters of Rock e Hollywood Rock, que tiveram edições brasileiras nos anos 1990. O Hollywood Rock, inclusive, teve destaque ao trazer bandas do movimento grunge, que estava em alta na época, como Nirvana e Alice In Chains. Além disso, o Rock In Rio também foi inovador ao trazer ao mercado de festivais um conceito de franquia, promovendo a marca do festival com edições ao redor do mundo. Esse modelo, hoje, é visto em diversos festivais, como o Lollapalooza e o Tomorrowland, que possuem edições em mais de um país.

ROCK IN RIO INTERNACIONAL A partir de 2004, o Rock In Rio internacionalizou-se. Primeiro, partiu para Lisboa, onde recebe uma edição a cada período de dois anos. Já foram seis festivais ocorridos, mesmo número do Brasil. Em 2008, a cidade de Madrid também passou a ter sua edição do aclamado festival. A capital espanhola ainda teve mais dois eventos, em 2010 e 2012. Agora, o festival mira os Estados Unidos. No mês de maio deste ano, o Rock In Rio terá sua primeira edição em terras norte-americanas, com quatro dias de shows em Las Vegas. Confira as atrações:

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8 de maio: No Doubt Maná The Pretty Reckles Foster The People Gary Clark Jr entre outros. 9 de maio: Metallica Linkin Park Rise Against Deftones Sepultura com Steve Vai entre outros. 15 de maio: Taylor Swift Ed Sheeran Jessie J Charlie XcX entre outros. 16 de maio: Bruno Mars Sam Smith Empire of The Sun John Legend entre outros. Revista Palau | 3


Música

O LEGADO DO BLUES O estilo musical que muitos adoraram no passado, hoje acaba sendo representado por uma pequena parcela dos músicos. Edgard Vicentini Nativo de comunidades afrodescendentes dos EUA, o Blues surgiu no extremo sul do país no final do século XIX. Foi primeiramente uma mistura entre a música tradicional africana, a música folk europeia, cantos de fé religiosos, os chamados Spirituals, e dos cantos motivadores dos trabalhadores, as WorkSongs, como as que os detentos cantavam enquanto trabalhavam e as que os soldados cantavam enquanto marchavam. Portanto, durante muito tempo o estilo foi marginalizado nos EUA e considerado ruim por grande parte da população, sendo pouco divulgado e consumido. O grande salto que impulsionou o Blues foi a Guerra Civil Americana, sendo responsável por disseminar o espírito da população afro-americana. W. C Handy é considerado por muitos o “pai do blues”, apesar de não ter sido o primeiro a documentar uma gravação,tendo contato com esse estilo pela primeira vez em 1903, quando viajava e acabara observando um músico tocando seu violão com um canivete. Já o primeiro músico popular do blues foi CharleyPatton, que durante a década de 1920 fez bastante sucesso. Mais tarde outros nomes como Willie Brown, Leroy Carr, SonHouse e Bo Carter acabaram surgindo e ajudaram o estilo a ficar mais conhecido. Já na década de 1940, uma grande parte da população negra norte-americana emigrou para Chicago, em busca de melhores condições de vida, levando consigo o Blues na bagagem. E um grande avanço para a música se deu pelo fato de que os instrumentos elétricos foram incorporados no estilo, aumentando a gama de possibilidades dos músicos e ajudando ainda mais na dispersão do estilo. Durante esse mesmo período surgiu o primeiro músico de blues a ter reconhecimento internacional: Muddy Waters, que além da fama internacional, também eletrificou todos os instrumentos de sua banda, sendo uma grande influência para bandas que mais tarde seriam muito famosas como The Beatles e Rolling Stones. Não podendo deixar de citar também B. B. King, o “rei do blues”, que se destacou ao colocar a guitarra solo como elemento central de suas músicas, criando um estilo único na época. O estilo criado por ele é, ainda hoje, o mais caracterísB. B King - http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/6f/B.B._King_3011710050.jpg\ tico entre os que não conhecem tão bem outras vertentes do Blues.

“REI DO SOUL”

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MÚSICA

“Além

dos

Beatles e ROLLING STONES, Elvis Presley e até mesmo Led Zeppelin se basearam no Blues para a produção de seus sucessos.”

Capa do CD - http://www.thebeatles.com/album/beatles-sale

Nos anos de 1960, o gênero serviu de patamar para a criação de um dos maiores gêneros musicais que poderia existir: O rock. Como citado acima,a banda The Beatles além de se inspirar com o estilo, ainda se aventurou na gravação de faixas em alguns de seus CDs como o“Withthe Beatles” e o “Beatles for Sale”, nos quais clássicos do rock que tinham suas raízes fincadas no Blues, como Chuck Berry, Buddy Holly, Jerry Leiber, Mike Stoller e Richard Penniman, foram regravados pela banda inglesa. Um exemplo é a musica “Kansas City/Hey-Hey -Hey-Hey!”que retrata muito bem o estilo circular do Blues. Além dos Beatles e Rolling Stones, Elvis Presley e até mesmo Led Zeppelin se basearam no Blues para a produção de seus sucessos. A música “Travelling Riverside Blues”,da banda Led Zeppelin, caracteriza as origens sulistas e a influência de B. B. King nos solos de guitarra muito presentes na música.

Na década de 1970, porém, o estilo começou a perder espaço para gêneros com elementos eletrônicos, como o sintetizador, na famosa eraDisco. No começo da década de 1980, o lançamento de álbuns e as apresentações de blues começaram a ficar cada vez mais raros, porque o estilo ia contra a moda da época, como em seu surgimento, tornando-se pouco comercial e fugindo muito do que os consumidores queriam.

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Música Stevie Ray Vaughan, guitarrista norte-americano foi o responsável por trazer o estilo de volta do esquecimento e dar uma nova esperança aos fãs. O músico regravou clássicos e criou seu próprio estilo, unindo elementos típicos do antigo blues de Chicago, como Albert King, B. B. King e Howlin’ Wolf – guitarrista e gaitista que ficou famoso por sua voz rasgada -, com o de Jimi Hendrix. Após a morte de Ray Vaughan, o estilo musical nunca mais conseguiu ter a mesma força de antes e foi sendo esquecido pelas massas a partir dos anos de 1990. A falta de investimento por meio das grandes gravadoras também foi uma causa responsável por selar o esquecimento do gênero.

Stevie Ray Vaughan - https://riffsofwisdom.files.wordpress.com/2012/03/stevie_ray_vaughan.jpg

Sendo assim, algumas bandas ao redor do mundo, como a do músico angolano naturalizado brasileiro, Nuno Mindelis, tentam manter o blues no topo, como um estilo de primeira classe, e não como algo que apenas pessoas que se interessem por música e que vão atrás de saber mais conheçam.

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MÚSICA

O BLUES TOCA EM BAURU Originária da cidade de Bauru, a banda Soul Station toca esse estilo de música que é muito pouco explorado no Brasil. Formada inicialmente pela família Vannini, com Frederico na guitarra, Adriano no baixo e Caio na bateria, a banda surgiu da paixão mútua dos integrantes pelo estilo musical e pela cultura que o estilo cultua. Caio, pai de Frederico e Adriano, tocava nas noites bauruenses nas décadas de 1970, 1980 e até então estava longe dos palcos. Foi quando Frederico começou tocar guitarra com aproximadamente oito anos e Adriano decidiu aprender a tocar contrabaixo. Os três então começaram a ensaiar em casa, e a ideia de formar a banda surgiu por meio do pai baterista. Ao conseguir alguns lugares para se apresentar em Bauru, a banda acabou surgindo no ano de 2011. Além de se apresentar regularmente na região de Bauru, a banda também já alçou voos mais altos e já se apresentounos EUA, no estado do Kansas. Realizou, também, a abertura de shows como o de Donald Kinsey, guitarrista que tocou com Bob Marley, Peter Tosh e The Wailers em Bauru e se apresentou também no SESC, garantindo um espetáculo de muita qualidade aos que acompanham o blues.

Foto banda Soul Station - https://scontent-gru.xx.fbcdn.net/hphotos-prn2/l/t31.0-8/1097014_442762762503200_745730155_o.jpg

“Inspiração responsável pelo surgimento de muitos músicos que até

rock e por animar uma população que sofria com o preconceito e com as diferenças raciais nos EUA”.

hoje são lembrados, pela criação do

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MÚSICA

PERFIL: UMA TRAJETÓRIA PELO MUNDO DA MÚSICA Com um sorriso no rosto, o vocalista da banda NDK, fala um pouco sobre sua vida pessoal e seus projetos profissionais Camila Gallate

A

os 27 anos de idade, o jundiaiense Henrique Garcia Roncoletta, ou Rike, como é mais conhecido, é graduado em Licenciatura Plena em Educação Física pela UNESP de Rio Claro. Atua, porém, no ramo da música há nove anos, comandando o vocal da banda de Rock Universitário NDK. Formada em 2005, a banda, que inicialmente trazia o nome de NoDucky, surgiu quando o colégio que Henrique estudava em Jundiaí, promoveu um festival de talentos. Junto ao amigo baterista Marcola, ele começou a tocar apenas por diversão. Conheceu o guitarrista Chapola no estúdio em que ensaiava, e este trouxe Caio, também guitarrista, para o grupo. Há três anos, o baixista Mizão ingressou formando a NDK como é hoje.

A mudança de nome também é recente, ocorreu neste ano junto ao lançamento do novo disco Evoluí. “Visando públicos maiores, e o som que vamos trazer nesse novo disco, achamos o novo nome mais coerente e de fácil absorção”, explicou o vocalista Rike conta sobre sua paixão pela música: “Vem desde muito cedo. Quando criança, o passatempo dos finais de semana era assistir DVDs de shows com o meu pai. Ficávamos analisando o som, a estrutura do local”. O cantor também fala sobre a influência paterna para ingressar nesse meio: “Meu pai tinha uma banda com amigos durante a minha infância e isso sempre me chamava muito à atenção, até porque ele também cantava. Eu ia pros shows, cantava junto, me divertia. Com certeza vem daí o amor pela música”. Ele também demonstra apego ao mundo esporti-

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MÚSICA tivo: “Eu amo a relação interpessoal e os esportes, por isso minha formação em educação física”. Entretanto, hoje não se imagina envolvido em algum projeto além da música. “Sendo bem sincero hoje em dia só me vejo no palco, e nada mais”, diz Rike, entusiasmado. Sobre a sua relação com os fãs, ele afirma ser a melhor possível: “Tento ter a máxima proximidade com eles, afinal, são essas pessoas que vão ou não me levar pra algum lugar”. Comenta também sobre amizades que acabam surgindo, e acredita que “com toda proximidade e relação que vamos tendo ao longo dos dias, esses fãs vão se tornando amigos pra vida toda. Acho que esse é o nosso maior objetivo. Conhecer novas pessoas e fazer o máximo de amigos”. Quando questionado sobre alguma loucura de fã, Rike destaca a história de uma menina que foi até a porta de um show em São Paulo levar um presente e falar algumas palavras pra NDK. “Ela estava com uma doença grave e não deveria ter feito isso tudo. Pra mim uma loucura, mas no momento fiquei muito feliz e emocionado. Hoje ela está bem e eu com o presente (um terço) na carteira pra todo lado”, conta ele com emoção. Mas o cantor também já teve seus momentos de tietagem. “Eu era um fã alucinado de Charlie Brown Jr. Vivia na estrada pra pegar shows deles em cidades vizinhas e era mais alucinado ainda pelo Chorão em si”, relata saudosista ao lembrar dessa época. Hoje, o falecido vocalista da banda Charlie Brown Jr. ainda tem influencias sobre ele. “Inspirei-me com certeza muito nele pra buscar essa vida da música”, conta o jundiaiense.

“Nunca pensei em tudo isso! Nunca imaginei eu me envolvendo com grandes nomes da música. De verdade, não”

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O crescimento da NDK aconteceu de forma inesperada e hoje Rike já lida uma vida profissional. Com shows ao longo do país, o principal público é direcionado às festas universitárias, estando entre elas o InterUNESP, maior evento de jogos universitários da América Latina. “Nunca pensei em tudo isso! Nunca imaginei eu me envolvendo com grandes nomes da música. De verdade, não”, fala surpreso ao deparar-se com a proporção que o projeto ganhou. “É claro que sempre sonhei e tive vontades, mas realmente não imaginava que a gente fosse vir até tão longe. E que venha mais!”. Rike também fala a respeito de parcerias: “Acho que tudo está acontecendo no tempo certo pra nós dentro do meio musical, mas se tivesse que destacar um nome, destacaria a Pitty. Quero um dia gravar um som ao lado dela”. Ainda sobre sua vida profissional, ele destaca os pontos positivos e negativos da profissão. Acredita que a falta de rotina e a possibilidade de estar sempre rodeado de coisas e pessoas novas é com certeza algo bom, entretanto fala das dificuldades na questão financeira. “Pra você se estabilizar legal tem que correr muito e juntar várias pessoas e projetos ao mesmo tempo, mas esse problema nós vamos levando”, afirma Rike. Outro fator que acaba por influenciar nessa rotina é a distância, mas ele afirma lidar bem com a situação. “Hoje em dia já é algo normal tanto pra mim quanto pra minha família, mas é bem normal perder festas familiares, aniversários ou outros eventos importantes”, conta Rike que acredita que o jeito é sempre buscar um equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal, uma vez que, segundo ele, família e amigos são fundamentais.


MÚSICA

PING PONG Palau: O que você mais gosta nesse meio? Rike: A verdade que levamos em nossas vidas. Fazemos o que realmente amamos e a maioria das pessoas desse meio também! Não diria só na música, mas na arte em geral. Palau: Algum arrependimento? Rike: Realmente nenhum. Faço sempre tudo aquilo que sinto vontade ou desejo no momento. Autoconfiança é muito importante nesse meio. Palau: Se pudesse voltar no tempo, qual lembrança você escolheria? Rike: Voltaria com certeza pra minha infância, onde não tinha preocupações e só queria abrir figurinhas (risos).

Palau: Qual foi o melhor momento da sua vida? Rike: Cada dia vivo momentos melhores em minha vida, que completam os anteriores. E tenho certeza que os melhores ainda estão por vir! Palau: Quais as suas expectativas para o futuro? Rike: Quero fazer minha música ser ouvida por todos no Brasil, alçar vôos mais altos, tocar em todos os estados do país. Quero seguir vivendo do que amo e fazendo música. Palau: Quais são suas paixões? Rike: Amo muito a minha família e principalmente os meus amigos. Amo o fato de estar vivo e podendo a cada dia descobrir coisas novas. Além é claro, da música.

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Rock Ex Machina O festival underground que entrou na mata e gravou a mente Beatriz Akane Kuroki e Giovana Amorim

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Vista do simplão. Aline Carrijo

V

ocê sabe a que remete o termo “indie”? O Indie vem da abreviação da palavra inglesa "independent", ou em português, independente. Ele se refere não apenas à música, mas a qualquer aspecto da produção cultural, como moda, comportamento, entre outros que seja ligado a aquilo que não possui ligação direta com a indústria ou a monetização. O movimento que surgiu na Inglaterra se alastrou por todo o globo, vindo parar em terras brasileiras e em meados dos anos 80, bem na época em que a ditadura militar se encaminhava para seu fim, pode-se notar o crescimento do entusiasmo nacional. Junto com toda essa animação o teatro Lira foi criado, onde músicos que não possuíam espaço dentro de grandes gravadoras pudessem se expressar. Levando em conta a estética e as características da indústria cultural, diversos artistas da época preferiram assumir uma produção independente e autônoma para que tivessem a oportunidade de expressar seus próprios ideais e suas essências, tornando a ação política. A variedade de estilos aumentou, assim como a inovação estética, exatamente pelo fato dos artistas não seguirem "regras" e ideais de consumo fonográfico. Um grande exemplo disso é o surgimento da Vanguarda Paulista no final da década de 1970 e no começo da década de 1980, quando as artes eram utilizadas, em grande parte, para criticar diversos assuntos que se destacavam e contribuir para a

mentalidade do tempo. Com o impacto e quebra que a internet causou na produção fonográfica, o que continua apoiando a cena independente são os festivais underground como o Rock Ex Machina que, nesse ano, pudemos acompanhar.

Simplão foi tão bom

O underground reflete psicodelia até no céu. Embaixo do roxo incomum da noite e no meio da mata atlântica verde aconteceu a décima edição do festival de música e arte independentes que recebeu cerca de 180 pessoas, organizado pelos próprios músicos e contando com o apoio do público. O camping e rock bar Simplão, localizado à 8km de Paranapiacaba na grande São Paulo, recebeu onze bandas de variados estilos musicais que, dentro da floresta, fizeram um intercâmbio musical de três dias durante o feriado da Páscoa. O palco, que ficava de frente para a entrada e atrás de um cogumelo gigante, foi rodeado de fumaça e de ouvintes na expectativa de poder experimentar a integração com os shows. Paulo Moreira, guitarrista da banda Blues Drive Monster descreveu a sensação de

MÚSICA estar naquele lugar “O Rock Ex Machina no Simplão, antes de tudo, é a reunião de pessoas que querem aquilo. Natureza, desligamento do cotidiano, música boa, espírito de comunhão e liberdade. Ninguém se desloca de tão longe e enfrenta todas as possíveis desventuras, se não porque quer estar ali. E logo essa atmosfera é passada a todos. É a união e curtição, tão desejadas no meio underground, imperando.” A primeira noite começou com abertura da banda de rock com levada grunge Vapor, também idealizadora e responsável pela organização do festival. Os eventuais acidentes com instrumentos mostraram como a vontade é maior que o imprevisto e que a união de quem quer ver e ser música não deixa ninguém para trás. Dija Dijones, que toca guitarra nas bandas Chabad e Penhasco confirma a importância da integração entre as bandas “Parte do sucesso do evento é por causa dessa cooperação entre bandas e organizadores. Tá todo mundo junto nessa”. E o som continuou fluindo lindamente, as cabeças continuaram balançando e, como diz o poeta, “o baixão estralou”. Dada a letra de como seria o evento dali para frente, vieram St. Louis Disaster, som stoner acompanhado de um fino saxofone, Penhasco, com um vocal alucinante, o instrumental pesado e a bateria bonita de O Grande Ogro, Sky Down com o grunge sujo e Chaiss na mala, que finalizou a loucura da sexta-feira tocando um inesperado Hendrix com a improvisação e o questionamento de Eder Martins,

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MÚSICA

“Entre a gente que faz parte das bandas que estão envolvidas nos corres por aqui, o Simplão é, fácil, o evento mais esperado, o mais gostoso de tocar, o mais libertador” o Jimmi brasileiro, querendo saber do grande se estava “todo mundo muito louco”.Sem dúvidas. Ainda dançando nos calcanhares, algumas figuras incansáveis continuaram alertas até a manhã de sábado.

“Jesus era hippie e Deus é o maior barato”

xofone surpresa, um guitarrista de joelhos para o fim de uma plateia. A música pesa; cansa mas engrandece. Como Dija reforça “Entre a gente que faz parte das bandas que estão envolvidas nos corres por aqui, o Simplão é, fácil, o evento mais esperado, o mais gostoso de tocar, o mais libertador”e sacolejando na estrada íngreme e triste de volta ainda era possível escutar algum vestígio do intercâmbio de ritmos e da coletividade criados no Rock Ex Machina. A Vapor deu, através do guitarrista e vocalista Diogo Dias, uma entrevista para a Palau em que ele conta mais sobre o a música e o independente.

Thiago (Mantega) e Diogo vaporizando (Foto: Igor Piaga)

O Grande Ogro em mais um Rock Ex Machina (Foto: Igor Piaga

Os frequentadores do rock bar acompanharam a passagem de som dos artistas da noite entre goles de cerveja e com a caminhonete vermelha da dona do lugar, a Cris, abençoando os passantes com a mensagem de “Jesus era hippie e Deus é o maior barato” tatuada em sua traseira.

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epois veio o duo muito consistente Urutao, seguido da Blues Drive Monster explodindo tanto (e tão bem) a cabeça de todos que o vocalista precisou de algumas pequenas pausas. Mas o show continua: vieram Hollowood com o som melodioso e dançante, e We Are Piano, que fechou belamente a noite. O domingo foi de Jam Sessions na despedida. Enquanto no palco o baterista da Vapor, Erik, tinha virado guitarrista e seu lugar era ocupado por Victor, o baixista, o público restante se aproximou timidamente do palco para pedir o isqueiro ou a baqueta. Depois, mais ansiosamente, foram revezando um a um em horas de instrumental e improvisação excelentes. Um sa-

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Dija e Eduardo (Boqa) da banda Penhasco (Foto: Igor Piaga)

MÚSICA

P: Como surgiu o Rock Ex Machina? A experiência com a Vapor influenciou na moldagem da ideia através do tempo? Diogo: O Rock Ex Machina começou um pouco mais de um ano depois de montarmos o Vapor. A ideia surgiu justamente da dificuldade que encontrávamos em conseguir nos apresentar com condições básicas e dignas. Muitas casas de show e bares sequer abrem espaço para bandas autorais independentes. Os que abrem, em sua maioria, buscam um lucro que bandas do nosso porte jamais darão e por isso inflacionam ingressos, cobram dinheiro das bandas, etc. Foi então que resolvemos montar um festival que resgatasse a música como mote principal e desse às bandas que curtimos uma oportunidade de tocar sem ter que passar pelas situações que passamos. P: Nas outras bandas dessa edição do Simplão eu pude perceber que tem uma vontade grande quando se trata de participar do evento, já que ele traz a experimentação e a qualidade musical que a música independente tem, mas que é pouco apoiada. Como é feito o contato com os outros participantes e qual a importância dessa interação para a cena independente? Diogo: A gente costuma dizer que o Rock Ex Machina é um festival artesanal, porque fazemos na raça, em poucas pessoas e sem qualquer intenção mercadológica. Isso faz com que, fatalmente, a coisa ganhe um pouco da nossa cara. Por isso, geralmente, as bandas que convidamos são bandas que conhecemos tocando por ai, que admiramos e achamos que possam agregar ao festival. Quando as chamamos pra tocar, explicamos a ideia do REM, deixamos claro que estamos ali por acreditar naquilo e não para montar uma vitrine ou coisa parecida. Acho que o tesão da galera que participa do festival vem do fato de que eles também passam a acreditar na ideia e nos ajudam a fazer a coisa toda acontecer.

Mais festivais independentes por aí TomaRRock (Boa Vista/PR) Armazen Rock Festival (Bauru/SP) Mojo Festival (Belém/PA) Amazonas Rock (Manaus/AM) Festival Integrado Grito Rock (Mundo)

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Victor (Pirulito), Erik e Diogo no show da Vapor (Foto: Igor Piaga) No baixo: Pirulito (Foto: Igor Piaga)

P: Além da qualidade natural das bandas que fizeram um intercâmbio de estilos, também houve a qualidade técnica da aparelhagem e o contato entre músicos praa ajudar uns aos outros caso rolasse algum imprevisto. Tem muito trabalho envolvido na produção desses eventos e é um suor diferente do Lollapalooza que aconteceu no Brasil pouco antes dessa décima edição do REM, por exemplo. Como é isso? Diogo: Quando eu escrevi ali em cima sobre "bandas que podem agregar" também é disso que estamos falando. Somos um festival independente, por isso não temos o apoio financeiro e profissional que um Lollapalooza consegue ter. Por isso, os eventos que nós e as bandas que convidamos organizamos são sempre feito no método DIY, com ajuda mútua na logística, produção e técnica. Claro que a contribuição artística das bandas é importante, mas o espírito de entrega também conta muito no cenário em que a gente atua. P: Pra finalizar, quão felizes vocês estão com a cena independente no estado hoje? E como vocês pretendem direcionar a produção dentro desse cenário? Diogo: Sinceramente, eu estou bastante feliz e otimista com o que estou vendo por aí. Há ótimas bandas tanto no interior como na capital, organizando seus próprios eventos, juntando cada vez mais pessoas, com trabalhos de qualidade. Acho que em alguns anos a cena paulista vai colher ótimos frutos do que está plantando. Eu considero que estamos no underground do underground, porque estamos construindo uma coisa da nossa geração, sem rótulos, com propostas de conversar com outras linguagens artísticas e sem o aval da galera das antigas (até porque a maioria nem conhece a gente ainda). O que a gente pretende é fazer algo que seja relevante e ajude o cenário independente de alguma forma. Em relação ao Vapor, estamos finalizando a produção do 5-way split Mónó, que vai contar também com as bandas Blues Drive Monster, Hollowood, Chabad e We Are Piano. Deve sair no início do segundo semestre. Também estamos compondo pra gravar o primeiro disco cheio que vai sair pelo selo Howlin' Records de São Paulo.

Blues Drive Monster sem pausa (Foto: Igor Piaga)

MÚSICA

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Créditos: Denis Rouvre/ Roberto “Retone” Reyes/ Diego Cambiaso

MÚSICA

Tomando a casa branca: capa da obra-prima de Kendrick Lamar

O VOO DA BORBOLETA NEGRA Em seu novo álbum, o rapper Kendrick Lamar foge do óbvio ao se aprofundar em suas raízes negras e na crítica social João Pedro Fávero e Nilo Vieira

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MÚSICA

Música erudita para todos Formada em 2002, a Banda sinfônica de Bauru atualmente conta com aproximadamente 55 integrantes Caroline Mazzer e Talita Bombarde

Por: Caroline Mazzer

A noite de quinta-feira, 16 de abril, foi fria e chu- trumento e não conforme o material usado. vosa em alguns pontos da cidade de Bauru. Porém, o Já a respeito de como se tornar um maestro, André público presente no Teatro Municipal animou os inte- aponta que o grande passo é a dedicação e o amor grantes da Banda Sinfônica local, que naquela noite pela música. “Estudem bastante seus instrumentos. apresentaram o repertório de Philip Sparke. Formada por jovens de 12 a 27 anos de idade, a Banda Sinfônica de Bauru teve início sob a regência do maestro Roberto Vergílio Soares. O atual regente da Banda, André Souza, contou como foi a sua entrada no grupo: “Ingressei como aluno, no instrumento trompete, o qual já estudava e tocava na igreja. Então, após alguns anos de estudo, passei a líder de naipe e professor de trompete e, há 3 anos, assumi a regência da Banda”. Em seu repertório, a Banda Sinfônica de Bauru traz compositores específicos, como Philip Sparke, John Philip Sousa, entre outros. O primeiro, autor escolhido para última apresentação da Banda, é um compositor britânico renomado com um repertório vasto, tanto para a banda de concerto quanto para a banda de metal. E, segundo o regente André Souza, o grupo Banda Sinfônica de Bauru em emocionante também executa “transcrições feitas para orquestra apresentação no Teatro Municipal como Villa-Lobos, Guarnieri, Beethoven, Tchaikovsky, Korsakov e outros”. Compositores bauruenses também são valorizados e tocados pela Banda. A Banda de Bauru é considerada Sinfônica pois é composta apenas por instrumentos de cordas, enquanto que as Orquestras são compostas por instrumentos “A música deve ser sentida. de sopro, madeira e cordas. De acordo com o ma- Vivenciada. Quase que tocada. Ela é estro, a Banda Sinfônica de Bauru é formada espeuma arte feita instantaneamente, e só cificamente por instrumentos de sopro, percussão e contrabaixo. O sopro é dividido em madeira (instru- será sentida daquela forma naquele mentos como clarinete, flautas, fagote e saxofone) e momento exato” metal (como trompetes, trombones, eufônios, tubas, trompas) – vale ressaltar que a separação entre madeira e metal é de acordo com o timbre do ins-

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MÚSICA

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todos se tornam iguais ao ingressarem na Banda. Todos encontram as mesmas dificuldades ao estudar um instrumento, ao aprender a teoria musical, e ao se deparar com uma nova realidade e ter de enfrentar uma rotina desgastante dos estudos”. Além disso, segundo André, a Banda procura sempre ir de encontro com a população ao levar música e arte sem preconceitos e, portanto, propiciar um acesso a todos a uma arte que é de suma importância para a formação cidadã.

Por: Caroline Mazzer

Se dediquem. Procurem uma escola ou professor de regência. Mas, acima de tudo, amem e sintam a música em seus corações”. A Banda Sinfônica de Bauru também está aberta para a participação de novos integrantes. Segundo André, aos interessados é realizado um curso preparatório para ingresso, o qual se destina a jovens de 11 a 15 anos de idade que não possuem conhecimento musical. Já aqueles que já tocam, deverão procurar a Banda para a realização de um possível teste prático, mediante a existência de vagas para o instrumento escolhido. Os membros da banda possuem compromissos pedagógicos e artísticos de segunda a sexta. Essas atividades consistem em ensaio por naipe (grupo de instrumento), aulas individuais e ensaios gerais. Após a escolha do instrumento, o integrante precisa se dedicar com tempo e concentração para assim aumentar a qualidade da sua performance em cada ensaio e concerto. De acordo com o maestro, é a dificuldade do programa e a proximidade do concerto que vão determinar o tempo e a duração dos ensaios. A Banda Sinfônica costuma ter cinco grandes apresentações no teatro municipal além de participações em escolas, universidades e em outras cidades da região. Os grandes concertos são divulgados pela mídia e prefeitura local. Bauru é uma cidade privilegiada por ter uma Banda Sinfônica Municipal, pois ela possibilita o acesso de jovens ao estudo de um instrumento musical e a estilos musicais aos quais eles não teriam acesso fácil pela mídia. Isso porque atualmente vivenciamos uma sociedade consumista em que no geral a mídia pretende atingir a maior audiência possível e, para tanto, são veiculados conteúdos cada vez mais simplistas e populares, além de matérias com temas menos abrangentes, como a música erudita, que quase não são publicadas. Outro aspecto importante para a população bauruense é a questão da democratização da cultura proporcionada pela Banda Sinfônica. Segundo o regente isso ocorre “pois os alunos vêm de todos os cantos da cidade e também de todas as classes sociais, mas

Jovens tem oportunidade de aprender sobre música erudita e de demostrar seus talentos musicais ao tocar na banda

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MÚSICA

Por: Caroline Mazzer

A jovem Beatriz Estevez Marciano, 15 anos, contou um pouco da experiência de integrar a Banda Sinfônica de Bauru. - Qual instrumento você toca? Clarinete. - Por que você escolheu esse instrumento? Porque desde pequena tive influência de familiares que também tocam clarinete. - Quando surgiu a vontade de entrar para a Banda Sinfônica de Bauru? Quando meu irmão mais velho entrou e fui ver a apresentação.

- Qual a importância para você de fazer parte dessa Banda? A importância é que me ajudou a crescer musicalmente, devo tudo que aprendi a - Por que você acha que a música clássica normalmente não é muito popular entre os jovens? Porque os jovens de hoje em dia estão cada vez mais perdendo a sua cultura em questão de música, e geralmente os adolescentes da minha idade escutam mais as coisas que estão em auge e que tocam na rádio. - Quais outros tipos de música você costuma ouvir? Escuto muito as músicas mais antigas ou que me fazem refletir na letra, como Legião Urbana, por exemplo. - Qual dica você daria para os outros jovens que tem vontade de fazer parte de uma Banda Sinfônica? Eu diria para eles se dedicarem e estudarem muito, por que na música nunca vai estar bom o suficiente, sempre vão ter várias coisas para aprender e sem dedicação eles nunca vão conseguir chegar aonde eles querem.

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Beatriz é uma das clarinetistas da Banda Sinfônica de Bauru

Por: Caroline Mazzer

- Há quanto tempo você está na Banda? Há três anos.

Regente da Banda Sinfônica Municipal de Bauru, André Souza

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ARTES

artes

Ballet:

Os benefícios

Arte milenar

de uma

Geizi Polito e Mariana Hafiz

A dança sempre existiu, de uma forma ou de outra,

através das civilizações humanas e uma das mais antigas é o balé, datado desde a Renascença italiana. Dentre seus benefícios principais encontram-se o desenvolvimento da coordenação motora e mental, além do incentivo a um ouvido musical atrelado a um sentimento de satisfação ao responder fisicamente à música. Além disso, de um ponto de vista estritamente físico, os benefícios do balé incluem o fortalecimento dos músculos cardiovasculares e um potencial aumento de flexibilidade. Há também a criação de um conhecimento do bailarino de sua própria postura e de seu próprio corpo em geral, além de uma melhoria no alinhamento da coluna. Ainda devido aos movimentos envolvidos na prática do balé, dançarinos de todas as idades constroem músculos dos braços e pernas alongados e fortes. Já numa posição cognitiva, o estudante de balé desenvolve certa determinação e agilidade, construindo também mais autoconfiança. Esse estilo de dança ajuda a criar noções de graciosidade, além de criar uma tendência a ótimas habilidades de organização, devido à disciplina exigida dos movimentos e da prática. Maior concentração, compreensão, comprometimento e a propensão para a expressão pessoal também são notadas quando se estuda os praticantes do balé clássico. A prática desta, assim como a de outras danças, promove um desafio para a capacidade de memorização de uma pessoa, além de melhorar a noção de espaço que ela toma. O balé também oferece ao bailarino uma satisfação de atingir objetivos a longo prazo, uma espécie de prêmio não mais tão pertinente neste mundo acelerado atual. Além desses fatores, o balé pode ser uma opção para pessoas com certas limitações, lesões ou patologias, levando em conta que certos passos têm a função de minimizar dores e ferimentos. RevistaRevista Palau | 1Palau | 53


ARTES artes EDITORIA Foto: Lara Pitres

Mariana Hafiz - Bailarina desde os três anos

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artes

ARTES

ANATOMIA Dançarinos de balé utilizam todos os grupos de músculos, mas alguns deles predominam. Um bailarino passa grande parte de seu tempo não apenas trabalhando em técnica e forma, mas também dedicando parte de seu treino em fortalecimento e alongamento muscular. Dançarinos devem ser capazes de atingir uma vasta quantidade de movimentação e por isso eles trabalham especificamente a flexibilidade das costas, quadris e tornozelos. Dentre os músculos mais usados pelos bailarinos, estão: - Músculos da lombar, tendo como suporte os músculos abdominais; - Músculos dos quadris, relacionados com a pélvis; - Coxa da perna, é o mais importante por ser utilizado em quase todos os passos; - Abdômen, incluindo os músculos transversais e da espinha vertical. “É preciso amar a dança para persistir nisso. Ela não te dá nada em troca, nem manuscritos para guardar e nem poemas para serem impressos e vendidos. Ela não te dá nada além daquele momento único quando você se sente vivo.” ercier Cunningham, bailarino

dores Há quem diga que pé de bailarina é sempre “feio”, porém nem sempre essa é uma constante. Visitas periódicas à um podólogo e o uso diário de hidratantes minimizam os efeitos das sapatilhas. Porém, as famosas dores enfrentadas são reais. Os alongamentos gradativos requeridos pelo balé envolvem uma adaptação diária do corpo, o que sem dúvida causa algum desconforto, mas nada que não possa ser superado com alongamentos constantes e bastante treino.

Alongamento Flexibilidade é a habilidade dos tecidos dos músculos, tendões e do tecido conjuntivo de ampliar o alcance de movimentos de uma parte do corpo. Ela pode ser dividida em dois componentes, dinâmico e estático, sendo o primeiro a possibilidade de mover algumas juntas através da contração de músculos, e o segundo é o movimento total atingido durante um ato passivo, com ajuda de uma força externa produzindo movimento, como quando um dançarino usa a mão para puxar a perna além da altura que normalmente iria. Ambas categorizações de flexibilidade são importantes, mas a estática é a referente à prevenção de lesões, pois é ela que atinge uma variedade maior de músculos que se alongam além do esperado. São várias as possiblidades de alongamentos para partes específicas do corpo, podendo variar quanto à sua efetividade e ao tempo requerido para que os resultados na flexibilidade sejam aparentes. Entretanto, todos são efetivos quanto ao aumento do alcance de movimento e à redução de ferimentos. Graças a esses fatores, o alongamento é uma prática fundamental para todos os tipos de danças e, voltado para o balé, recomenda-se que todos os bailarinos incorporem um programa de alongamento em seus treinamentos diariamente ou ao menos de três a quatro vezes na semana. As áreas que devem receber enfoque são os flexores do quadril, as diferentes partes das coxas e a panturrilha. Um(a) bailarino(a) precisa de flexibilidade para exercer seus movimentos de forma aparentemente natural e sem esforços, provocando leveza para quem assiste. Além disso, os músculos dos dançarinos precisam estar preparados para casos em que os passos exijam uma flexibilidade maior e ainda não alcançada, pois se não estiverem, há a possiblidade de distensão dos músculos ou maiores lesões, dificultando certos movimentos. Dores sentidas diariamente nas aulas de balé também podem ser diminuídas através do alongamento, pois ao se alongar o fluxo de sangue no músculo em questão aumenta, não provocando possíveis dores.

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ARTES artes artes EDITORIA Fonte: Secretaria de Cultura do estado do Espírito Santo

Homem Cia de Dança Contemporêna

Tabus Infelizmente a prática do ballet é permeada de estereótipos e exigências pré-determinadas. No Brasil, por exemplo, há muita resistência das famílias em matricular seus filhos em escolas de balé, muitas vezes por acreditarem que a dança potencializa a feminilidade. Há também verdadeiras bailarinas escondidas em suas casas por considerarem que sua altura, peso ou idade atrapalham seu desempenho. Mas, estudiosos e profissionais de dança deixam claro que sexo, altura, idade, porte físico ou qualquer outra característica, não são obstáculos para a prática do balé. O único fator necessário para alcançar um bom resultado é a determinação. Associado a delicadeza, sapatilhas de ponta e saias de tutu, o balé, raramente, é lembrado como uma dança de homens. O que não se justifica, pois a dança exige características encontradas facilmente

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em homens, como treino, força, postura e disciplina, além de contribuir consideravelmente para a concentração e desenvolvimento de ritmo e de equilíbrio. Vale lembrar que o balé era considerado pela corte italiana renascentista como um símbolo de nobreza, força e inteligência. “Sou alta e magra, posso praticar balé? Tenho seios grandes e coxas grossas posso ser bailarina?” Outro fator que está sempre ligado à bailarinas é altura e porte físico. “Sou alta e magra, posso praticar balé? Tenho seios grandes e coxas grossas, posso ser bailarina?” Essas são perguntas comumente ouvidas nas academias de dança e que quase sempre recebem respostas afirmativas. O tamanho dos seios e das coxas significam uma quantidade maior ou menor de gordura que pode ser equilibrada à medida que os


ARTES

artes Foto: Gene Schiavone

Quatro perguntas fundamentais do alongamento Quando alongar: alongue após a aula quando os músculos estiverem aquecidos, mas não o faça logo antes de uma apresentação ou ensaio, pois pode comprometer os efeitos dos saltos. O quê alongar: alongue músculos e

seus tecidos conjuntivos e evite ligamentos alongados ou algumas juntas do corpo.

Por quanto tempo alongar: é recomendado que se alongue de três a cinco séries de trinta segundos.

Quanto alongar: depende do corpo

do dançarino. Alguns bailarinos são mais flexíveis que outros e, portanto, o alongamento é proporcional à flexibilidade de cada um.

Boston Ballet’s Lia Cirio em The Second Detail

músculos trabalhados começarem a ser fortalecidos pelos movimentos. Já a altura não atrapalha, pelo contrário, ajuda a potencializar o equilíbrio e a consciência corporal. Há também escolas de balé voltadas para atender o público acima dos 30 anos que apesar de possuírem mais dificuldades para acompanhar os treinos, com determinação e autoconfiança conseguem ‘subir na ponta’, muitas vezes em menos de três meses. Doenças vasculares, comuns nessa faixa etária, têm melhoras consideráveis com essa prática, já que os constantes alongamentos melhoram o fluxo sanguíneo e fortalecem as articulações. A conclusão, portanto, é clara: não há restrições para a prática do balé! A dança fortalece a musculatura, exercita o corpo e a mente equilibrando o emocional e o físico. E quanto a isso não há contraindicações.

Para os dançarinos que possuem facilidade em alongamento, aumentar sua mobilidade pode reduzir a estabilidade de suas juntas.

Foto: Lara Pires

Mariana Hafiz - Bailarina desde seus três anos

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ARTES

Dirigido por Miguel Falabella o musical “O Homem de La Mancha” é sucesso absoluto entre público e crítica O espetáculo, que encerrará sua temporada ao final de junho, já recebeu quatro importantes prêmios Mara Carvalho Espetáculo

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enlouqueceu. Com isso arruma um novo nome, um cavalo, pega a velha armadura do bisavô e se aventura mundo a fora levando junto seu vizinho, Sancho Pança, que é analfabeto e carrega consigo o tesouro da lealdade. O escritor do livro, Miguel de Cervantes, conseguiu unir e retratar em um único personagem a loucura de suas ações e a sensatez de seus pensamentos. O espetáculo mantém a mesma versão. Durante a trama, os vizinhos Quixote, que é um intelectual, e Sancho Pansa, que é um analfabeto, mostram em uma linguagem simples e bem humorada a vida como ela é, além de tratar, de maneira formidável, da importância da fidelidade na amizade. No percurso, Quixote conhece a prostituta Aldonza, a quem chama de Dulcinéia e a enxerga como sua donzela. Ele se apaixona e declara seu amor. Tudo acontece com um enredo bem divertido.

Crédito: Acervo Público da Peça

“O Homem de La Mancha” está fazendo sucesso com o público e a crítica. Baseado na história de Dom Quixote, o segundo livro mais vendido do mundo, que só perde para a Bíblia, de acordo com a atriz do musical, Sara Sarres que interpreta a personagem Aldonza. A peça leva ao palco a graça e a magia da literatura. Isso está encantando o espectador. Mais de 100.000 mil espectadores assistiram ao musical e esse número certamente será maior, porque a temporada está prevista para ir até o final de junho deste ano. A musicista, Beatriz Rodrigues de Lima, comenta a respeito do musical: “O que vi, foi à junção da literatura e da música, foi um espetáculo que eu fiquei emocionada. A qualidade do canto, da interpretação, do figurino, a junção de tudo me deixou extremamente emocionada. Eu veria tudo de novo”. O musical tem direção e versão de Miguel Falabella Em 2014, ganhou quatro prêmios, sendo dois pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) de melhor ator para Cleto Baccic, que interpreta O Homem de La Mancha, e de melhor espetáculo. Um de melhor espetáculo musical pelo júri técnico da premiação do Guia Folha, e o de 3° Prêmio Aplauso Brasil de Teatro. A obra de Dom Quixote é para todas as idades. As crianças se divertem, os jovens apreciam e os idosos encontram muitas lições importantes, pois sua essência esta centrada nos grandes valores da humanidade, nos grandes princípios, na questão da verdade, da justiça. Isso o torna surpreendente. História Na história, Dom Quixote foi um homem culto que

Dom Quixote e Sancho Pança

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ARTES Crédito: Eduardo Hidalgo

artes

Hall do Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo

trinta artistas espanhóis contemporâneos de Picasso, entre eles Juan Gris, Salvador Dalí e Joan Miró. Com curadoria de Eugenio Carmona, professor de História da Arte da Universidade de Málaga, a mostra diferencia-se pela sua singular disposição espacial, fugindo da tradicional demarcação das pinturas de Picasso em fases azul, rosa e cubista. As noventa obras estão divididas em oito módulos, ocupando diversos andares do prédio do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Dentre os módulos, destaca-se a seção A Tragédia, dedicada ao processo criativo de Picasso na concepção e execução de Guernica, quadro que leva o nome de uma pequena cidade basca destruída por um bombardeio nazista durante a guerra civil espanhola. Nessa seção, diversos esboços e textos explicam melhor Guernica em seu contexto histórico, permitindo que o visitante se aprofunde no imaginário do grande artista, esmiuçando toda a complexidade do quadro, com o seu uso de cores e suas representações alegóricas, incluindo o cavalo, a mulher que chora e o touro, este tão recorrente nos trabalhos de Picasso. Em Guernica Interativo o público pode ex-

O mestre

em terras

Brasileiras

São Paulo e Rio de Janeiro recebem obras de Picasso e de grandes pintores espanhóis no CCBB Ana Carolina Brandão e Tito Silva Pablo Picasso (1881 – 1973) é um dos maiores nomes da história da arte, suas obras revolucionaram a pintura através de sua acentuada sensibilidade e capacidade de inovação estética. Contendo obras do acervo do Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía e da Fundación Bancaja, a exposição Picasso e a Modernidade Espanhola passou inicialmente por Florença, na Itália antes de chegar ao Brasil. Ela também conta com pinturas e esculturas de mais de plorar o quadro de uma maneira inusitada. Através de uma projeção da obra e de “lanternas”, é possível escolher quais esboços do quadro se deseja ver mais detalhadamente.

A mostra diferencia-se pela sua singular disposição espacial, fugindo da tradicional demarcação das pinturas de Picasso em fases azul, rosa e cubista. As noventa obras estão divididas em oito módulos, ocupando diversos andares do prédio do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

Outro tema largamente abordado pelo artista espanhol e que também recebe um importante destaque na mostra, é a inspiração na figura feminina. Quadros em que mulheres nuas posam para artistas aparecem ao longo da exposição, como O pintor trabalhando (1963) e O pintor e a modelo (1963). Também estão RevistaRevista Palau | 1Palau | 61


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ARTES

TERRA COMUNAL MARINA ABRAMOVIC + MAI A mostra tem lotado os instagrans paulistanos e até mesmo de gente que vem para a cidade só para usar os sapatos de cristais.

Isabella Marão e Stephany Mello

A

QUANDO? ONDE? COMO? 10 de março a 10 de maio SESC POMPEIA Entrada Gratuita

Imagem da exposição Isabella Marão

exposição mais comentada ultimamente tem nome e lugar. Terra Comunal - MAI, da artista Marina Abramovic, acontece no SESC Pompeia, em São Paulo. O contato com a arte estimula os sentidos, transmite ideias, emoções, pensamentos e formas de vida. Por esse motivo, a sérvia Marina Abramovic explora todos os sentidos e dimensões da arte de forma extrema. A artista tem como foco desbravar inquietações e limites extremos do corpo, os significados da dor e do vazio existencial submetendo o indivíduo à situações que trazem à tona camadas desconhecidas. Na exposição, o espectador torna-se sujeito da obra.

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ARTES

Precisamos Falar Sobre Elena Uma história sobre tristeza e resiliência que documenta a realidade de forma profunda e única Ana Carolina Ribeiro Elena como personagem:

“Elena, sonhei com você essa noite. Você era suave, andava pelas ruas de Nova York com uma blusa de seda. Procuro chegar perto, encostar, sentir seu cheiro. Mas quando vejo, você está em cima de um muro, enroscada num emaranhado de fios elétricos. Olho de novo e vejo que sou eu que estou em cima do muro, eu mexo nos fios buscando tomar um choque e caio do muro bem alto. E morro! ” ELENA começa com a voz em off de Petra Costa, diretora do longa, dizendo essas palavras. Com uma introdução bela e poética ela resume a temática de seu filme e mostra a intensidade de conexão entre duas pessoas separadas fisicamente e unidas pela alma. Um documentário nacional sobre memória, arte, amor e tristeza. Lançado em 2012, ELENA conta a história da irmã de Petra que se muda para Nova York para tentar ser atriz de cinema. Oscilando entre a vida de Petra e as memórias sobre Elena o filme funde duas vidas entrelaçadas que se ligam e se repetem numa história repleta de música, brilho, beleza e sentimento. Petra consegue passar para o seu espectador de maneira muito sensível toda a complexidade de uma família atingida por uma perda e todas as consequências que tal fato pode gerar em cada um dos integrantes.

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Elena é música, movimento, poesia e charme, mas Elena é triste. Ela sabe que quer ser atriz desde os 4 anos de idade. A dança emana e surge em seu corpo como se fosse algo vivo, pulsante e sai dela sem esforço, sai como poesia, como dom. É a maneira que seu corpo encontra para dizer o quanto dela é arte e beleza e encanto e tristeza. Elena dança com a lua, ela gosta de achar brilho e graça em cada detalhe de luz e música. Elena ensina Petra a cantar e encenar, sempre acha uma maneira de contracenar com ela. Elena cresce e se torna uma ótima atriz, ensaia compulsivamente buscando sempre a perfeição. Vai pra Nova York tentar ser atriz de cinema e é lá que sua tristeza ganha corpo, forma! Em meio a testes e várias tentativas para ser modelo e atriz ela se vê sozinha, frustrada, tão perto e tão longe de seu objetivo, daquilo que a faz vibrar, cantar e dançar. Elena tem depressão e vontade de morrer. Igual a sua mãe quando jovem. A mãe de Elena dos 13 aos 16 anos sente uma angústia muito grande, ela também queria ser atriz e não via caminhos para chegar nesse objetivo, por isso sentia vontade de morrer. Elena morre, aos 20 anos de idade. Toma um frasco de aspirina com cachaça, não sabe se queria mesmo morrer ou apenas encenar algo parecido com a morte. O fato é que ela morre, se suicida. A vida perde uma alma encantadora que não se via ocupando espaço sem ser em palcos ou telas de cinema deixando seu brilho como rastro.

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Crédito: www.elenafilmes.com

ARTES

Crédito: www.elenafilmes.com

“As memórias vão com o tempo, se desfazem, mas algumas não encontram consolo, só algum alívio nas pequenas brechas da poesia. Você é minha memória inconsolável, feita de pedra e sombra e é dela que tudo nasce e dança”

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ARTES Por que devemos falar sobre Elena? Porque Elena tem uma das doenças do século, segunda causa de morte entre jovens de quinze a vinte e nove anos. E isso a levou a morte, abalou sua família. Deixou marcas que jamais se apagarão. Devemos ficar atentos com tristezas parecidas com a de Elena, a depressão ainda hoje é um tabu e quase não é discutida. Precisamos refletir sobre os motivos da depressão ser o mal do século, sobre a sociedade que estamos construindo, refletir sobre solidão, sobre superação, sobre tratamento e prevenções. Precisamos de mais conscientização.

consegue achar seu brilho. A arte se torna superação, libertação. Uma experiência única e imperdível, é essa a sensação que a obra nos deixa. Um filme que dança e te faz querer dançar com ele. É a alma de Elena traduzida em imagens e sons. Parece que Elena vive e dança, dança... Quem é Petra? Petra Costa nesceu é diretora e atriz. Nasceu em Belo Horizonte em 1983. É formada em Antropologia.

ELENA como documentário: Elena morre para o mundo e nasce dentro de Petra. Outros trabalhos: Como uma forma de eternizar essa memória tão íntima e fundamental Petra decide fazer um documentá- - Olhos de Ressaca rio que fale sobre Elena. Que guarde essa lembrança tão doída, intensa e vital. - Olmo e A Gaivota

Uma lição de como uma perda tão brusca e fatal pode afetar cada membro do todo. Elena deixa em Petra um arrombo, um buraco que jamais será preenchido, apenas superado. Se vai com o tempo, escorre feito água. Vira memória. Petra constrói uma obra que deve ser verificada, mas acima disso discorre sobre uma realidade presente na sociedade que precisa ser discutida e tomada como exemplo. É um documentário que tem, como qualquer outro, uma característica social.

Crédito: www.elenafilmes.com

Uma obra de arte. Petra consegue concretizar sua dor, transcender a ela e a transforma num documentário. Numa sequência de imagens, sons, luz, silêncios e poesia ela nos mostra como foi sua caminhada com e sem Elena e como a escolha por ser atriz a liberta de todas as angústias da irmã que se repetiam nela. Uma história sobre resiliência, transformação.

O dom de transformar a dor em poesia, em arte. Assim como Elena, Petra se mostra uma artista nata, mas diferente da irmã, ela encontra na arte a libertação e

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ARTES

artes EDITORIA

Tribo dos Zo’és. O último contato com o “mundo civilizado” havia sido feito na década de 50 quando missionários norte-americanos vieram cristianizar os índios. A Funai interveio.

Um olhar sobre

Sebastião Salgado

“Minha fotografia não é uma militância, não é uma profissão. É minha vida.” Lara Pires e Lenes Moreira

O maior nome da fotografia brasileira é, sem sombra de dúvidas, Sebastião Salgado. Nascido no ano de 1944 em Aimorés, Minas Gerais, o fotógrafo percorreu o planeta e registrou imagens raríssimas. Reconhecido no mundo todo, Sebastião já ganhou prêmios como o de Melhor Repórter Fotográfico do Ano pelo Internacional Center of Photography de Nova York e o Grand Prix, da Cidade de Paris. Mas nem tudo começou com a fotografia em sua vida. Passou sua infância em uma fazenda no interior do Vale do Rio Doce e posteriormente formou-se em Economia pela Universidade Federal do Espírito Santo. A pós-graduação foi feita na Universidade de São

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Paulo, onde teve aula com professores renomados e ligados à esquerda política.’ Casou-se com Lélia Deluiz Wanick, uma pianista que e tornaria a mãe de seus dois filhos e sua companheira em todos seus trabalhos. Em 1969, os dois se refugiaram na França, após ligarem-se a um movimento da esquerda armada. Lá, fez seu doutorado enquanto Lélia estudava arquitetura. Trabalhou como economista para a Organização Internacional do Café, em Londres. Em uma de suas viagens à África, encomendada conjuntamente pelo Banco Mundial, Sebastião decidiu levar a Leica de sua esposa. Foi paixão à primeira vista.

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ARTES artes Trabalhou para agências como Sigma, Gamma e Magnum. Os prêmios mais importantes do fotojornalismo estão em seu currículo. Por ter se refugiado da ditadura brasileira, Sebastião iniciou sua vida fotográfica com viés social em lugares de revgimes também ditatoriais, como África e América do Sul. Seu objetivo era retratar o mundo subdesenvolvido de onde veio. Com forte engajamento político, buscou no primeiro momento de sua carreira mostrar a fome.

© Sebastião Salgado[Foto e legenda retiradas do livro Da minha terra à Terra]

Projetos Seu primeiro livro é intitulado Outras Américas e retrata a pobreza da América Latina. Em sequência, foram publicados Sahel: Homem em Pânico, sobre a seca no norte africano. Trabalhou em um projeto de 1986 a 1992 que consolidaria sua carreira como documentarista: Trabalhadores rurais. Seu objetivo era captar os últimos suspiros do trabalho manual que em breve seria substituído pela tecnologia.

Oração de agradecimento ao Deus Mixe Kioga pela boa colheita e por mais um ano de vida. Oaxaca, México, 1980.

Garotos do Sudão fogem para o Quênia para escapar do recrutamento. Sebastião utiliza a técnica da contraluz. Em sua autobiografia, conta que esse tipo de imagem já estava presente desde a sua infância, quando via apenas a silhueta de seu pai vindo em sua direção nos pastos da fazenda onde cresceu. Sudão,1993.

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artes EDITORIA

ARTES

Fazenda Bulcão, 2001

Fazenda Bulcão, 2013

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ARTES artes Exôdos

Gênesis

O próximo e ainda mais impactante trabalho que realizou foi Êxodos. Uma década marcada pela migração da população rural para as cidades – o fotógrafo caminhou a pé, de ônibus e de trem para registrar as razões e os motivos do homem que migra. Desde guerras à fome, a busca pela sobrevivência é uma característica que o ser humano tem em sua essência. Essa obra monumental também foi um êxodo para Sebastião Salgado, que parou o projeto quando se viu tomado por infecções. O sofrimento que presenciou, especialmente em Ruanda, quase o levou à morte. Tinha perdido a fé na humanidade.

Em meio a esse cenário, surge seu último livro, Gênesis, no qual o gênio da fotografia se volta para a natureza. Nele, Sebastião trabalhou por oito anos, em visitas a Galápagos, Madagascar entre outras ilhas em que há grande preservação de espécies. O homem, em suas origens, também faz parte do livro. Tribos indígenas que mantiveram seus costumes e vivem no Brasil de 500 anos atrás estão presentes nessas 500 páginas.

“Lélia e eu constatamos que o mundo está dividido em duas partes: de um lado a liberdade para aqueles que têm tudo, de outro, a privação de tudo para aqueles que não têm nada.” (De minha terr a à Terr a)

I n s t i t u t o Te r r a Decidiu voltar ao Brasil com Lélia e seus dois filhos e, ao chegar na fazenda onde cresceu, deparou-se com a devastação que o desmatamento havia causado. O que era floresta havia se transformado em pasto, um lugar que abrigava em torno de 35 famílias que viviam daquilo que plantavam, transformou-se em uma terra infértil, abrigando apenas o caseiro. Assim nasceu o Instituto Terra, projeto criado pelo casal a fim de reflorestar toda aquela área. Conseguiram plantar mais de 2 milhões de mudas, todas de espécies nativas da região, através de parcerias com empresas e com o governo. Sebastião tem o sonho de expandir esse projeto pelo mundo todo – e parece que nada vai impedi-lo. Essa experiência para o fotógrafo foi como renascer. Sair da morte que vivia cercado e acompanhar o nascimento daquela floresta o ajudou a criar outras perspectivas.

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A pata da iguana que percorreu o mundo todo. Como um evolucionista, Sebastião conta que quando se deparou com ela, se sentiu vindo do mesmo lugar, da mesma espécie. “Mas ao observar uma de suas patas dianteiras, de repente vi a mão de um guerreiro medieval. Suas escamas me fizeram pensar numa cota de malha, sob a qual reconheci dedos parecidos com os meus. Pensei: essa iguana é minha prima.”

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ARTES

artes EDITORIA O S a l d a Te r r a Em 2014 foi lançado um documentário sobre sua vida. Em O Sal da Terra, os diretores Juliano Salgado e Wim Wenders buscam retratar suas visões sobre o universo tão particular de Sebastião Salgado. A produção ítalo franco-brasileira, indicada ao Oscar de melhor documentário e ganhador do César na mesma categoria, é uma junção única de cinema e fotografia. O espectador é transportado para fotos que retratam os dramas, as emoções e os problemas ao redor do mundo que formam um registro único do ser humano. Os relatos impregnados de emoção de familiares e amigos formam um significado especial para cada uma das imagens exibidas que dão ao público a sensação de estar em uma galeria com retratos e imagens marcantes. Os tons em preto e branco, marca registrada do fotógrafo, criam uma atmosfera totalmente própria. A narração muito particular sobre a vida de Salgado, feita por Wenders, nos aproxima do homem por trás da fotografia ao olhar para sua história e sua intimidade.

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Com narrações também do próprio Sebastião Salgado passamos a conhecer melhor a história de suas fotos. Marcado por uma narrativa não convencional, o documentário tem com uma de suas principais características a ausência de diálogos. Toda narrativa é feita a partir de monólogos de Salgado, seu filho Juliano e de Wenders. Esses monólogos nos oferecem diversos aspectos sobre as fotos e a personalidade do fotógrafo. “sua fotografia possui três características específicas: grandes reportagens a longo prazo, uma vertente social e o preto e branco.”

Ao contar a história de Salgado de forma não linear, ao misturar os trabalhos do passado e do presente, os diretores criam um diálogo entre ambos em uma montagem extremamente rica. É perceptível como as experiências vividas por Sebastião moldaram o homem que ele é hoje. Os diretores também conseguem evidenciar seu lado humano ao mostrar suas crescentes dúvidas em relação ao homem, fazendo com que o público se identifique ainda mais com as fotografias que são mostradas. A vida e a morte se mesclam no documentário quando o espectador é confrontado com as perturbadoras imagens de zonas de guerra e áreas de extrema pobreza. O longa-metragem, todavia, termina otimista, assim como Sebastião Salgado. Sebastião diz que sua vida é a fotografia. Não gosta de ser chamado de fotojornalista, documentarista ou fotógrafo antropológico. Além de toda sua trajetória política, Sebastião tem uma identidade. Acredita ser megalomaníaco. Seus projetos levam quase dez anos para serem concluídos. Decidiu que sua fotografia possui três características específicas: grandes reportagens a longo prazo, uma vertente social e o preto e branco. A última vez que fotografou em colorido foi na década de 80, por encomenda, pois acredita que somente o preto e o branco podem transmitir a essência de seu trabalho.

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ARTES

O que houve com os cinemas daqui? A pergunta que dá nome ao documentário é um questionamento que o próprio diretor, Henrique Sezara, fez a si mesmo.

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Juliana Oba

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rações que não tem esse conhecimento, por meio do documentário. “Quero mostrar a importância de Rio Preto no cenário nacional, pois quando o cinema estava chegando no Brasil, por volta de 1911, os cinemas de rua também chegaram aqui. É uma história bem antiga e que não pode se perder. Quero resgatá-la e preservá-la.”, explica Henrique. Além de trazer ao conhecimento geral, tem o objetivo de fazer o espectador refletir, para que assim, haja uma maior valorização e respeito com a história dos cinemas, por parte das pessoas. “Rio preto tem fama de matar história, patrimônios históricos e arquitetônicos, que foram importantes para a cidade,

Juliana Oba

história do cinema na cidade de São José do Rio Preto começou em 1911, com o Cine Éden Parque. Nas décadas de 50 e 60 teve os seus anos de ouro, onde os filmes eram mais comerciais e o cinema de rua era um meio de entretenimento popular, muito frequentado pelos jovens. Com a chegada da televisão e, depois, da internet, os cinemas de rua foram perdendo seu público. O Cine Eldorado, último cinema de rua em Rio Preto, teve seu fim em 2012, e poucos anos antes deixou o caráter comercial de lado e passou a segmentar para um público mais cinéfilo. Apresentava mostras de filmes franceses e era ponto de encontro para discussão de filmes cults. A ideia de fazer um filme sobre os cinemas de rua da cidade, partiu do produtor audiovisual, Henrique Sezara de 22 anos. Formado em Publicidade e Propaganda e com uma especialização em direção de fotografia, participou da produção do curta “Pra você dançar”, fazendo a fotografia e a captação de imagem. Há aproximadamente um ano, ao passar pela Rua Penita no centro da cidade de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, percebeu que ali não existia mais o Cine Eldorado, antigo cinema de rua. Impactado pela rapidez com que histórias são perdidas, e curioso para saber o que aconteceu com todos os cinemas de rua da cidade, começou a pesquisar e descobriu que existiram, aproximadamente, 20 cinemas de rua em Rio Preto. A vontade de produzir um filme casou com a curiosidade, o que levou Henrique a começar um projeto para resgatar a história do cinema na cidade. Fã de cinema e do tradicionalismo, o produtor pretende mostrar a importância da história para as ge-

Henrique Sezara, diretor do filme “O que houve com os cinemas daqui?”

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ARTES

Juliana Oba

vão se perdendo, assim como a história do cinema”, argumenta o diretor. Com o decorrer das pesquisas e entrevistas foi sendo descobertas algumas curiosidades sobre os cinemas de rua. “Antigamente, o ator que estrelava um filme ia pessoalmente ao cinema e fazia uma encenação depois do filme. O cinema era um espetáculo”, conta Henrique. Além disso, o cinema era segmentado. Se hoje uma distribuidora vende seus filmes para todos os cinemas, antigamente, cada distribuidora vendia para um determinado cinema, portanto cada cinema exibia um tipo de filme. Havia também diversas reações ao longo da sessão, o cinema continha mais emoção e interação com o público, que tinham reações como os gritos, alguns até levantavam das poltronas, nervosos ou com medo, diferentemente de hoje, já que as pessoas assistem aos filmes de uma forma mais mecanizada.

“Esse filme será de descobertas, para uns, e de lembranças, para outros”, conclui Sezara. O longa é de cunho independente e está em fase de pré-produção. A data de lançamento depende de sua finalização, estimada para novembro deste ano. Um dos pontos levantados pelo diretor é a falta de editais de incentivo audiovisual por parte do governo, que ajudaria financeiramente a concluir e divulgar o projeto. Outra opção será buscar apoio de empresas para um financiamento coletivo. Seu lançamento será no Sesc São José do Rio Preto. Henrique Sezara pretende enviar o filme para ser exibido em festivais, mostras e cinemas de rua de São Paulo. “Esse filme será de descobertas, para uns, e de lembranças, para outros”, conclui Sezara.

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O filme tem objetivo de resgatar e preservar a história do cinema.

Página no facebook https://facebook.com/cinemasderua Página do tumblr http://cinemasderua.tumblr.com/

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ARTES

Arte Urbana

Grafite: do vandalismo à arte. Como a expressão artística da periferia superou o preconceito e invadiu os muros de toda a cidade?

O Grafite é uma forma de manifestação artística de rua, caracterizada pelos seus desenhos em locais públicos, que surgiu no início da década de 70, na cidade de Nova York, nos Estados Unidos. Nesta época, o mundo passava por um momento complexo de sua história que colaborou para wpotencializar a expressão artística: a conhecida Guerra Fria. A bipolarização entre EUA e União Soviética – em um cenário de tensão entre o capitalismo e o socialismo – aliada a outras problemáticas - como as crises do petróleo e, no caso brasileiro, a ditadura militar – contribuiu para a difusão da cultura urbana. Foi também nesta década que surgiu a cultura hip-hop. Para esse movimento, o grafite é a forma de expressar, nos muros, a opressão presente nas periferias, refletindo a realidade das ruas. Como já dito, o grafite desembarcou no Brasil durante o período da ditadura militar, mais precisamente na cidade de São Paulo, ao final da década de 70. A época é marcada pela rigorosa censura, na qual toda arte tradicional estava sujeita a ser silenciada pelos militares. Nesse contexto, os grafiteiros se apropriaram do espaço público a fim de transmitirem mensagens de cunho político, social, cultural, humanitário e, sobretudo, artístico. Assim, a arte passa a ser vista não somente dentro dos museus ou dos centros culturais, mas, principalmente, nas paredes e muros das ruas. Um museu a cada esquina Morando longe do centro e dos lugares tidos como polos culturais da cidade, sobra para os moradores das periferias – que em sua maioria não têm oportunidade de mostrar seu talento ou mesmo de ter acesso a

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Por Augusto Biason

Augusto Biason e Renan Dercoles

demonstrações culturais – desenvolver e difundir sua própria arte, levando conhecimento e ideias que tirem os jovens da alienação e do cerceamento sociocultural imposto a eles pela sociedade. A arte de rua é, nos tempos atuais, talvez a mais importante demonstração cultural da cidade de São Paulo. Segundo o muralista (como prefere classificar seu trabalho) Eduardo Kobra, a capital paulista “é a principal cidade do mundo em arte pública”. E essa arte não se restringe apenas ao grafite. “Grafite é uma parcela, mas tem várias outras manifestações acontecendo na cidade”.

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ARTES artes EDITORIA mmm

Exposição fotográfica de Arthur Simões no Sesc Bauru

Viagens pelo mundo Registros de um roteiro inesquecível Está disponível do Sesc de Bauru a exposição sobre Arthur Simões, jovem que desafiou os seus limites em uma viagem de mais de três anos ao redor do mundo. Érika Alfaro e Juliana Borges

Volta ao Mundo de Bicicleta: Viagens Internas por Diferentes Destinos é o nome da exposição que retrata o olhar do viajante e fotógrafo Arthur Simões, que em 2005 iniciou um projeto chamado Pedal na Estrada. Esse projeto consiste em uma viagem pelo mundo a fim de conhecer novas culturas e ter um momento de reflexão e autoconhecimento. Arthur Simões é o jovem viajante de São José dos Campos que deu a volta ao mundo de bicicleta em três anos e dois meses. Formado em direito pela Universidade Mackenzie, Arthur diz que essa vontade de viajar pelo mundo surgiu durante a faculdade, quando começou a realizar viagens de bicicleta e percebeu

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o quanto podia ir longe com esse meio de transporte. Por isso, abandonou o Direito e decidiu se dedicar ao que realmente sonhava e amava. “Coragem ajudava, mas não era tão importante quanto tempo e desapego, para deixar tudo pra trás”, afirma ele. Ele ainda diz que começou a viajar com 14 anos e desde esse momento não parou mais, pois a sensação de liberdade e o aprendizado decorrente de novas culturas e costumes são as partes mais fascinantes de uma viagem. O projeto da volta ao mundo foi inicialmente planejado entre Arthur e um amigo, porém logo nas primeiras dificuldades do planejamento, o colega desistiu da ideia. “Naquele momento descobri que aquele


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artes era um sonho meu e que nem todos estavam dispostos a deixar tudo pra trás para realizar uma longa viagem. Assim, decidi que sozinho ou acompanhado, eu iria realizar aquela viagem”, relata o viajante. Ele também diz que escolheu realizar a viagem de bicicleta, pois com ela é possível se movimentar numa velocidade mais humana, com tempo para observar a paisagem, conversar com as pessoas ou parar para tirar fotos e descansar. Além disso, a bicicleta era um ótimo cartão de visita. Ele fala que, geralmente, era muito bem recebido pelas pessoas nos locais pra onde ia. “Quase sempre me ofereciam ajuda, comida e lugar para dormir”, conclui ele. Foram 5 continentes, 46 países, 40.000 km pedalados em 3 anos e 2 meses de viagem. Ele também planejou com cautela o roteiro da viagem, estudando diversos países e diversas rotas históricas, já que durante o projeto ele visava levar informações aos estudantes brasileiros. Além disso, ele também procurou ficar entre os trópicos para evitar as temperaturas muito baixas, já que precisaria de equipamentos mais técnicos para enfrentar um inverno rigoroso. Na escolha dos países, foram privilegiados os menos visitados. Para conhecer detalhadamente sua rota, basta entrar no site www.pedalnaestrada.com.br Durante a viagem, o país que mais o cativou foi Mianmar, o país mais fechado do Sudeste Asiáti-

Foto: Divulçação do blog “Chegar Lá”

Artur Simões

co. “Nele entrei em contato com uma cultura que parecia estar intocada há décadas e era diferente de boa parte do mundo. Lá também encontrei as melhores pessoas de meu caminho, sem maldade e muito religiosas, quase sempre dispostas a ajudar. Era um mundo diferente e aquilo foi algo inesperado para mim, pois sempre o que eu ouvia de Mianmar estava ligado à terrível ditadura que sufocava o país havia décadas. A ditadura de fato era um grande problema, mas as pessoas faziam um contraponto à altura”, relata Arthur. Ele diz que Acesse: www.arthursimoes.com.br E leve para casa um registro dessa incrível viagem. A cada imagem adquirida, uma porcentagem do valor é destinada a instituições sociais e ONGs brasileiras que trabalham com a educação de crianças e adolescentes.

além de Mianmar, também gostaria de retornar para o Iêmen e o Paquistão. Essa aventura ensinou muito a Arthur. Conhecer tantas pessoas, lugares e culturas mudou a maneira como ele encara a vida. “Perceber que a vida é curta e pode chegar ao seu fim a qualquer momento é capaz de mudar a forma como se vive e se relaciona com tudo a sua volta. Viver uma vida simples e dar valor às pequenas coisas está entre as lições mais importantes para mim”, diz ele. Para contar tudo sobre a experiência que teve, com um olhar realista dos locais por onde passou, Arthur escreveu o livro O Mundo ao Lado. Por sempre ter gostado de escrever, o livro veio de maneira natural, graças aos registros, feitos de maneira detalhada, daquilo que vivia em um diário. Estudou e trabalhou com fotografia, uma vez que se apaixonou por ela durante a sua jornada. RevistaRevista Palau | 3Palau | 79


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O Grande Museu Egípcio do Cairo, a quarta pirâmide no Planalto de Gizé Este grande tesouro da humanidade deverá ocupar um novo espaço de 100 mil metros quadrados, situado nas margens do Rio Nilo, ao lado das lendárias pirâmides João Eduardo Hidalgo

Crédito: Divulgação

já está bem adiantada e o chamado Grande Museu egpício

Ilustração da Fachada do Grande Museu Egípcio

O Museu do Cairo, um dos mais importantes e famosos do mundo, que atualmente ocupa um palácio neoclássico construído entre 1897 e 1901, na famosa Praça Tahrir, no centro do Cairo, terá uma nova sede no Platô de Gizé. O objetivo é aumentar o seu espaço de exposição e proporcionar melhores condições de arquivo e pesquisa para as suas mais de 150 mil peças. Segundo o Ministro de Antiguidades do Egito, Mohamed Ibrahim, a terceira e última fase da construção do novo museu, que terá vista para as grandes pirâmides, já está bem adiantada e o chamado Grande Museu Egípcio -Grand Egyptian Museum GEM-

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(www.gem.gov.eg), deverá ser inaugurado em agosto de 2015. O projeto foi criado pelo polêmico arqueólogo Zahi Hawass, conhecido pelo seu comportamento de estrela midiática, em 2002; em 2003 aconteceu um concurso internacional para selecionar o melhor projeto. O vencedor foi o arquiteto Shih-Fu Peng, da Heneghan Peng Architects, um escritório baseado em Dublin e a pedra fundamental foi colocada em maio de 2005. A ideia é poder abrigar melhor a grande coleção do museu, que tem obras inestimáveis como o tesouro de Tutancâmon, descoberto por Howard Carter, no Vale do Reis em 1922; imagens de faraós de vários reinos, rainhas como

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ARTES Nefertiti, Neferteri, mobiliário, joias, barcos, papiros, uma sala com as múmias reais e um sem fim de itens. Em 2006 um colosso de Ramsés II, que tinha sido retirado de Memphis nos anos 1950 e fora colocado numa praça do Cairo, foi levado para a área do museu e ficará no hall de entrada, quando este for inaugurado. Em janeiro de 2011 um movimento popular que foi chamado de Primavera Árabe tomou as ruas e principalmente a Praça Tahrir, onde estão os principais prédios públicos. Protestos contra o governo de Hosni Mubarak, que já estava há três décadas no poder, surgiram e ficaram fora de controle. Neste cenário de revolta, bombas incendiárias destruíram a sede do Partido Democrático Nacional (de Mubarak), situado exatamente ao lado esquerdo do Museu do Cairo, a comunidade internacional temeu pelo destino das obras, que pareciam estar em um local de grande fragilidade. No final de janeiro alguns manifestantes inflamados chegaram a pular as grades de proteção do museu, mas a população fez um cordão de isolamento e abraçou o edifício sede de sua memória faraônica ancestral.

Até a queda de Mubarak não houve tranquilidade entre os amantes da cultura e do patrimônio histórico da humanidade. Muitos se lembravam do saque feito ao Museu Nacional do Iraque em Bagdá, em 2003, logo depois da queda de Saddam Hussein, que perdeu mais da metade de seu acervo; e da agressão maior, a destruição dos budas de Bamiyan, no Afeganistão, em março de 2001. Com a renúncia de Mubarak e a destituição de seu protegido do Ministério de Antiguidades, Zahi Hawass, em fevereiro de 2011, o Museu do Cairo foi deixado em paz pelos radicais. Quando estive no museu do Cairo em janeiro de 2012, um ano depois dos acontecimentos, ao ficar ao lado do pequeno chafariz que tem no centro exemplares da famosa planta papiro (foto), pude ver o edifício ao lado (sede do partido de Mubarak) ainda com as marcas do incêndio que o destruiu, e que por sorte poupou a humanidade de uma perda imensa, não atingindo o museu. No final de 2014 foram levados para a reserva do Grande Museu do Cairo, que permanece em construção, muitos itens da coleção de Tutancâmon e outros itens do acervo de arquivo. Quanto estiver terminado o complexo do museu terá um prédio para o museu, uma área de vivência, com vários restaurantes e cafés, um centro de conferências, um centro de educação e um museu especial para

Crédito: JoãoEduardo Hidalgo

“O Grande Museu Egípcio transformará o Egito no maior centro especializado de estudo da história faraônica e no local mais visitado pelos egiptólogos do mundo.” Site oficial The Grand Egyptian Museum.

Museu do cairo, 2012

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ARTES as crianças. A fachada principal do complexo terá uma parede de 45 metros de altura e 600 metros de comprimento em alabastro transparente. A população já apelidou o projeto de a quarta pirâmide (ilustração). O complexo ainda terá um parque o Land of Egypt Park, nas margens do Nilo, onde os visitantes poderão andar entre plantações dos produtos que o Rio Nilo proporciona ao Egito, com suas cheias fertilizantes. O local escolhido para o Grande Museu Egípcio está somente a dois quilômetros das pirâmides, entre o deserto e a cidade. Segundo os criadores do projeto o museu será um portal entre o passado (o deserto) e a modernidade (a megalópole) do Cairo de 10 milhões de habitantes. O chamado Platô de Gizé fica nos limites da antiga cidade imperial de Memphis, onde ainda pode-se visitar sua imensa necrópole; o conjunto das três pirâmides (Quéops, Quéfren e Miquerinos), que possuem as necrópoles de nobres, sacerdotes e agregados. Ao lado da grande pirâmide há o Museu do Barco Solar, que exibe um dos barcos do Faraó Quéops, que tem mais de 2.500 anos de idade e

foi descoberto em 1954. E a maior joia do platô, a Esfinge (foto), com 60 metros de comprimento e 20 de altura, num corpo de leão e cabeça humana, sua idade é controversa, mas deve ter em quatro e seis mil anos. Esperamos que este imenso sítio cultural que deverá começar a funcionar este ano traga para os monumentos e obras, um maior cuidado na sua exibição e conservação. Em janeiro de 2012 pude comprovar como muitos dos objetos do Museu do Cairo estavam cobertos de poeira e vários não tinham placa de identificação. As pirâmides estão invadidas por hordas de ambulantes esfomeados que perturbam a visita dos turistas, e o pior, a esfinge estava coberta de pombos e o produto de suas refeições desenhava linhas brancas, marrons e negras no rosto milenar. Que os 550 milhões de dólares que foram investidos neste incrível megaprojeto, digno da herança dos antigos reinados egípcios, traga uma melhor condição de visita, pesquisa e de transmissão desta cultura que merece todos os esforços que a humanidade possa ter para que seus traços nunca sejam esquecidos.

Crédito: JoãoEduardo Hidalgo

Platô de Gizè, 2012

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ARTES

Toren já é destaque mundial na indústria dos games/Divulgação/Site oficial

TOREN: DO BRASIL PARA O MUNDO

Primeiro game da produtora gaúcha Swordtales sai em maio de 2015 para PC, MAC e PS4 Bárbara Pungi Villela e Tomio Komatsu

Games podem ser arte?

V

ideogames, jogos eletrônicos ou, simplesmente, games, são uma indústria que, a cada ano, tem conquistado mais e mais espaço no campo do entretenimento, por fazer circular bilhões de dólares em seu mercado e criar milhões de empregos por todo o globo. E, junto a essa evolução econômica, trazem consigo a evolução artística dentro de diversos títulos produzidos. Todavia, o Professor Doutor Marsal Avila Alves Branco (Universidade Feevale, Porto Alegre - RS), pesquisador na área de Jogos Digitais e Indústria Criativa, pondera a importância de diferenciarmos técnicas artísticas, que são basicamente elementos componentes e de apoio como trilha sonora, gráficos e roteiro de um game, de manifestação artística, que é a obra como um todo, o significado, valor e/ou sentido que um título quer passar ao jogador.

Então jogos eletrônicos são obras de arte? Essa é uma clássica pergunta que até hoje não possui uma resposta definitiva, sendo tema de discussão de inúmeros jogadores, estudiosos, desenvolvedores de games e críticos de arte. Mas, para Marsal, “quando perguntamos se um jogo é arte ou não, falamos muito mais que de seus aspectos de design, imagético, sonoro ou de roteiro; levamos em consideração que, ao jogar determinado jogo, "algo" nos afetou e mudou. Quando uma obra nos toca não ficamos indiferentes.” Segundo o pesquisador, essa experiência é frequentemente alcançada não só pelos games, como também em outras áreas da cultura e do entretenimento, como o cinema, a música e a literatura; contudo, se isso não ocorrer não necessariamente significa algo negativo, mas apenas “o jeito como as coisas são”, afirma. Games podem ser considerados arte quando “algo nos resta mesmo depois que a experiência (o ato de jogar) passou. Isso, claro, vale para tudo.”

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ARTES

Da faculdade para o mundo

O título é o primeiro trabalho da Swordtales. Divulgação/Site oficial

Dentro desse eterno debate surge Toren, título em desenvolvimento pela Swordtales, pequena desenvolvedora de Porto Alegre – RS com apenas cinco jovens brasileiros, mas que levou o país do futebol e do samba a ter grande destaque, também, na indústria de games. Toren tem data de lançamento prevista para metade de maio de 2015, e tem como plataformas os sistemas operacionais Microsoft Windows (PCs), Apple Macintosh (MACs) e o console da oitava geração da Sony, o Playstation 4. O título, segundo descrição do site oficial (www.toren-game.com), faz o jogador entrar na pele de uma jovem princesa, que deve explorar uma grande torre em um ambiente dotado de enigmas e elementos filosóficos; “Um jogo para ser vivenciado, onde o jogador irá crescer e se transformar juntamente com o cenário e seus heróis.” – elementos que se encaixam perfeitamente à descrição de Marsal.

“Um jogo para ser vivenciado, onde o jogador irá crescer e se transformar juntamente com o cenário e seus heróis.” Fruto de um trabalho de conclusão de curso

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de pós graduação em games na PUC-RS, a Swordtales tem como primeiro projeto o game Toren, que segundo os desenvolvedores, é inspirado na série The Legend of Zelda (Nintendo), em ICO (Playstation 2) e em filmes do estúdio de animação japonesa Ghibli. Alessandro Martinello, diretor de arte da Swordtales, contou em entrevista para o site O Player 2 (www. oplayer2.com.br, realizada por Tomio Komatsu) que as principais dificuldades de se criar um jogo independente, começando pelo preconceito sofrido no Brasil devido ao visual tridimensional, dado o alto custo desse estilo em detrimento à sua qualidade; outro ponto levantado foi a dificuldade de se conseguir incentivos financeiros, que surgiram apenas depois do projeto ser reconhecido pela Lei Rouanet, do Ministério da Cultura, e conquistado diversos prêmios e nomeações internacionais, como um dos melhores projetos artísticos na IndiePub da europa e na Indie Game Festival, o maior evento de jogos independentes do mundo. Em entrevista exclusiva para a revista Palau, Alessandro conta a experiência vivenciada pela Swordtales durante todo o trajeto de criação de Toren: “A gente basicamente descobriu como criar games durante a jornada, e todo o universo de investidores, distribuidores, consoles e demais portas abertas.” Quando questionado se tudo isso afeta a liberdade de criação, o desenvolvedor afirma: “Uma coisa não exclui a outra; aprendemos como nos posicionar autoralmente


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Equipe Swordtales, pequena desenvolvedora gaúcha. Da esquerda para direita: Vitor Leães (produtor), Alessandro Martinello (diretor de arte), Luiz Alvarez (programador líder), Conrado Testa (líder de animação). Não apareceu na foto Christian Ritter (programador júnior). Arquivo pessoal/Site O Player 2

Abrindo portas e abrindo olhos Tão importante quanto a trajetória de sucesso da Swordtales, está o reconhecimento internacional de Toren, sendo constantemente citado em veículos internacionais de jornalismo de games como a Eurogamer, da europa e IGN, dos Estados Unidos da América; isso não apenas leva o nome do Brasil para o mundo, como também incentiva novos e velhos criadores brasileiros a trabalharem em títulos cada vez melhores e consolidarem uma forte indústria no país, que já há muito tempo se mostra talentosa, mas muito pouco reconhecida pelo próprio governo e, consequentemente, sofre de muito pouco investimento – uma das causas pode ser a direção tomada pelos desenvolvedores nacionais, que, segundo o pesquisador, estão muito focados às técnicas artísticas e muito pouco no fazer artístico. Apesar do próprio não

considerar essa característica necessariamente negativa, podemos enxergá-la como um dos motivos para a negligência do governo, tendo em vista o próprio projeto Toren, com repercussão mundial e o pioneiro em ser reconhecido pelo Ministério da Cultura apenas por fugir à essa regra. A pequena princesa brasileira chegou para mostrar aos seus conterrâneos que games são sim brincadeiras e entretenimento, mas, nem por isso, deixam de fazer parte da cultura de uma sociedade e trazem junto reflexão, crítica, sentimento, ideologia e até filosofia; uma verdadeira obra de arte. Abrindo o caminho para o Brasil na criação de games. Divulgação/Site oficial

sem machucar oportunidades com todo mundo que valoriza isso lá fora.” Alessandro revela ainda que há não somente um, mas três novos projetos em andamento. Sem ceder mais detalhes, o diretor de arte diz apenas quais serão as plataformas contempladas: um game será para web (browsers), um para dispositivos mobile (smartphones) e outros para os já conhecidos por todos os gamers: consoles (aparelhos como o Xbox One, Playstation 4, etc)

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HAPPY HOLI QUANDO BAURU FICOU COLORIDA A festa de origem Hindu chegou à cidade no último mês e só sobrou pó para contar história Ana Carolina M. Alves e Yuri Ferreira

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magia do Holi – Festival das Cores chegou à Bauru. No último domingo de abril, 26, o estacionamento do Boulevard Shopping Nações foi tomado por uma explosão de cores. Isso porque o local recebeu cerca de 12 mil pessoas, durante oito horas, que festejaram ao som de música eletrônica e brincaram com pós coloridos na primeira edição do evento na cidade. Os ingressos custaram entre 50 e 100 reais. A festa foi organizada pela empresa portuguesa Welove Events e teve inspiração na tradicional e milenar comemoração de origem hindu que ocorre todos os anos na Índia. A ideia de trazer a festividade para Bauru surgiu depois da grande onda de edições em outras cidades do país, como a de São Paulo, no ano passado, que reuniu cerca de 80 mil pessoas no Parque do Ibirapuera. O evento propõe uma mistura de cor, música e diversão onde centenas de pessoas, de todas as idades,

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Créditos: Cobertura Social Bauru – Gabriel Woelke

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vestem-se de branco e se transformam numa paleta humana de cores, criando um ambiente leve e agradável. Em Bauru, seis DJs, nacionais e internacionais, fizeram a festa da multidão, tocando música eletrônica e hip-hop. Eles foram os responsáveis de anunciar, a cada 45 minutos, o Colorblast, que em inglês significa explosão de cores. Nestes momentos, o público era convidado a lançar para o alto o gulal, pó colorido que receberam na entrada do evento. No telão, um relógio fazia a contagem regressiva para o ápice da festa. O pó colorido que foi distribuído no evento é biodegradável, feito com componentes naturais e orgânicos, e não oferece riscos à saúde humana e ao ambiente. “Toda vez que a gente jogava o pó para cima era mágico, um momento de muita alegria e diversão. Meus amigos e eu fomos de branco, para que as cores ficassem mais visíveis” conta Guilherme Martinez, estudante da UNESP que participou da edição bauruense.

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IDENTIDADE O estacionamento do Boulervard Shopping Nações foi preparado com espaços para alimentação, bares, com e sem venda de bebidas alcoólicas, e ambulatório para poder receber o público e atender às suas necessidades, visto que, uma vez dentro do evento, que teve como tema “Música, Cor e Alegria”, as pessoas não poderiam sair até que a festa acabasse. TRADIÇÃO HINDU O Holi – Festival das Cores é uma tradição milenar hindu e original da Índia. Foi idealizado com o objetivo de celebrar a chegada da primavera e de propagar a paz, promovendo a união das pessoas e reafirmando a igualdade entre todos. A origem remete à lenda de Holika, irmã má do rei de Multan, Hiranyakashipu. De acordo com as histórias, o rei recebeu uma benção que o transformou em um ser indestrutível e esse poder fez com que ele se tornasse arrogante e se denominasse deus, obrigando todos ao seu redor a adorá-lo. Porém, seu filho Prahlada era devoto de Vishnu (um dos principais deuses do hinduísmo) e não concordava com suas atitudes, enfurecendo seu pai, que submeteu o garoto à punições cruéis. Um dia, Holika atraiu seu sobrinho, Prahlada, até uma fogueira e o fez sentar com ela sobre o fogo, já que ela estava protegida por uma capa que a fazia imune às queimaduras. Enquanto o fogo se alastrava, a capa se soltou de Holika e voou até o garoto, que sobreviveu, enquanto sua tia queimou e virou cinzas. Vishnu então apareceu e matou o rei Hiranykashipu. O festival celebrado no fim do inverno, na última lua cheia do mês lunar, acontece no final de fevereiro ou começo de março e tem cerca de três dias de duração. As festividades começam no ritual de Holika Dahan, quando fogueiras são feitas para simbolizar a queima de Holika, ou seja, a vitória do bem sobre o mal. Quando o fogo se acalma e apaga no dia seguinte, as cores invadem as ruas durante o Holi (ou Dhuli), onde há muita comida, dança, música e amor. Depois de toda a comemoração, as pessoas então se limpam e visitam seus familiares e amigos.

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APROPRIAÇÃO CULTURAL? As discussões acerca da apropriação de diversas culturas são legítimas e não podemos deixar de relacionar a problemática ao Happy Holi. O ritual hindu tem origem em lendas e representa comemorações de diversos momentos importantes dentro de sua cultura, porém, se pensarmos em suas adaptações ao redor do mundo, todos esses elementos são ignorados em prol da realização de uma simples festa colorida.

“Toda vez que a gente jogava o pó para cima era mágico, um momento de muita alegria e diversão. Meus amigos e eu fomos de branco, para que as cores ficassem mais visíveis” O site oficial do evento diz que as pessoas e as cores se juntam em “um momento único de celebração de pura alegria” e incentiva, quem participar, a viver um dia de “muita cor, música e alegria”. Estes preceitos lembram os da festa usada como inspiração, mas não seria a Happy Holi uma forma de ganhar dinheiro em cima de uma tradição religiosa de uma cultura que não é nossa? Tomar frente de um costume milenar e transformá-lo em uma festa sem sentido e monetizada, apenas para divertir e servir como cenário para fotos bonitas e coloridas, é errado e ofensivo para aqueles que levam isso a sério e acreditam no significado da celebração. Estamos tão acostumados a usar elementos de outras culturas, chamá-los de exóticos e transformá-los em produtos da moda, que nos esquecemos de questionar o que representa fazer de um ritual repleto de significado uma série de festas que circula o mundo.

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“Gostei e aproveitei muito, mas o espaço não comportava totalmente o público e a pista estava muito lotada”. Helena Simões de Moraes, estudante da UNESP Créditos: arquivo pessoal

E POR ONDE A HAPPY HOLI VAI PASSAR? 13/06 • Cuiabá 14/06 • Goiânia 21/06 • Campinas 15/08 • Brasília

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POR TRÁS DAS LENTES

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Claudia Regina é fotógrafa e dona de um dos mais famosos blog sobre fotografia na internet, o “Dicas de Fotografia” Bruna Hirano

uem se interessa por fotografia provavelmente conhece o blog “Dicas de Fotografia”, um dos mais famosos na área, criado por Claudia Regina. O blog conta com quase 130 mil curtidas no Facebook e é visitado frequentemente por fotógrafos, amadores e interessados no assunto. Com um design light e de fácil acesso, o blog conta com posts sobre dicas e diversos temas da fotografia como edição, equipamentos e negócios. Claudia utiliza uma linguagem simples e direta, o conteúdo é sempre detalhado e, por vezes, didático, destinado para quem realmente quer aprender sobre fotografia. Aos que não entendem nada do assunto e nunca pesquisou sobre, o blog é ideal. Natural da “Pequena Londres”, Londrina, no Paraná, Claudia conta que o seu interesse por fotografia surgiu quando conseguiu um emprego em um estúdio fotográfico na parte de edição de fotos. Ao mostrar o seu interesse, sua chefe procurou ensiná-la tudo o que podia, a levava para fotografar eventos, primeiro apenas como assistente para segurar a luz, depois, como segunda ou terceira fotógrafa, e assim, Claudia se interessou profundamente pela a área. SOBRE O BLOG E SUA CRIAÇÃO

eventos e com leituras e pesquisas na internet. Tais pesquisas eram baseadas em sites em inglês, pois na época não havia muito conteúdo didático sobre fotografia em português. Com isso, Claudia decidiu criar o blog “Dicas de Fotografia” em 2008. “Quando comecei não tinha condições de fazer um curso, então tentei aprender com a ajuda dos meus chefes, de livros e da internet. Não tinha muita coisa na internet, ainda mais em português, por isso resolvi criar o blog, para ter onde colocar dicas fáceis, para iniciantes, em português”, conta. O blog logo começou a ser notado e mencionado, entre os fotógrafos e amadores, pelos seus posts diretos e sem enrolações, o que facilitava o entendimento sobre o assunto. O blog “Dicas de Fotografia” foi uma ferramenta essencial para que Claudia aprendesse mais sobre o assunto e compartilhasse seus aprendizados com outras pessoas. Para quem tem em mente criar um blog, seja pessoal, para dar dicas ou para escrever sobre determinados assuntos, Claudia aconselha: “não pense muito na estética, no layout, nem nada disso de início, e, quando for pensar, contrate alguém que saiba o que faz. Escreva sem ter medo de compartilhar informações”.

“Fotografia pra mim é uma ferramenta, dentre as disponíveis, para aplicarmos nossa ética na sociedade.”

Créditos: Claudia Regina

O emprego no estúdio foi o empurrão que Claudia precisou para entrar de vez no mundo da fotografia. Aprendeu com sua chefe, com a experiência de

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IDENTIDADE SOBRE A PROFISSÃO: FOTÓGRAFA

Créditos: Claudia Regina

Em relação à profissão, Claudia Regina fotografa, com amor, principalmente ensaios de mulheres. “Faço fotos de pessoas, específicamente mulheres, pois esta pode ser uma forma de questionar pressões a respeito de seus corpos e suas escolhas”, afirma. Seus ensaios femininos celebram a própria mulher: sua vida, suas conquistas, suas escolhas e seu jeito de ver o mundo. “Sempre amei fotografar mulheres. Que me perdoem os homens, mas em um mundo onde nós mulheres ainda lutamos pelo nosso lugar ao sol, esta é a forma que encontrei para fazer arte”, conta com entusiasmo. Seus ensaios são sem produção de revista e sem truque de Photoshop, pois a sua intenção é captar a essência da mulher e que ela se reconheça com alegria nas imagens, sem tabus. “Assim, ao fotografar mulheres, eu não busco enquadrá-las em um padrão de beleza, de sensualidade, de fotogenia. Nada é obrigatório, tudo é permitido. O ensaio mulher é fluido. Como todas nós somos”.

Créditos: Claudia Regina

A figura feminina é o tema central das fotografias de Claudia Regina

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Para Claudia Regina, se os fotógrafos iniciantes querem se destacar em um mercado de trabalho cada vez mais cheio e concorrido, o primeiro passo é, exatamente, querer parar de se destacar e, assim que entrar na área de fotografia, pensar por qual motivo se está usando essa ferramenta. “Antes de pensar em como ser um fotógrafo ou uma fotógrafa de sucesso, pensar em como ser um fotógrafo ou uma fotógrafa que faz bem aos outros”, aconselha. Ainda virão muitos ensaios, eventos, casamentos, histórias e mil formas de Claudia aplicar a sua ética na sociedade por meio da fotografia. “Fotografia pra mim é uma ferramenta, dentre as disponíveis, para aplicarmos nossa ética na sociedade”, conclui sorridente.

PING PONG Nome completo: Claudia Regina Data de aniversário: 17 de março Natural de: Londrina, Paraná Formação: nenhuma Hobbys: cozinhar Ídolo: não possuo Fotógrafo(a) preferido(a): não possuo Um sonho: viver de forma auto-sustentável Um filme preferido: não possuo Um CD que marcou: não escuto música Um livro: “Walden” Uma frase preferida: pode ser um haicai? “De mãos vazias, seguro a pá. Ando a pé, montado no touro. Cruzo a ponte, e ela flui, mas a água não.” – Bodisatva Fudaishi Uma viagem: Cuba Qualidade: pessimismo Defeito: pessimismo Felicidade para você é... uma possível prisão.


A evolução, A revolução e A re-evolução Quantos espartilhos já tiraram o fôlego das damas de 1900? Quantas cenas dramáticas já mancharam de rímel o rosto de quem tinha um coração partido? Quantas lutas foram necessárias para que você, hoje, pudesse usar seus cílios postiços? Maria Beatriz dos Reis

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do mundo” e acabou ficando com a fama. Em meio aos anos dourados, as mulheres são “educadas” para se tornarem donas de casa, mães e acima de tudo respeitar e tolerar qualquer tipo de atitude de seus maridos, já que o sucesso conjugal era de total responsabilidade delas (lembrando que manter sua virgindade era um dos requisitos para ser uma boa esposa). As roupas são excessivamente femininas, como uma forma de lembrar às mulheres de que elas são mulheres, contrastando com os direitos sociais que haviam sido recentemente adquiridos. A mídia, nesse ponto, exerce grande influência sobre os tipos de comportamento. Carla Bassanezi, em “Mulheres dos Anos Dourados”, cita que as revistas que tratavam de ‘assuntos femininos’ nos levam ao encontro das ideias sobre a diferença sexual predominantes nessa época e que nela eram promovidos os valores de classe, raça e gêneros dominantes. Aliás, é nesse momento que surge a idéia de que não vale mais a pena sofrer pela falta de beleza. A forte influência norte-americana trouxe os cosméticos e o cultivo ao uso dos mesmos. Os conselheiros, agora, são homens e mulheres e a principal regra é: só é feia quem quer. É sempre bom lembrar que a participação feminina no mercado de trabalho começa a ganhar força nesse momento. Contudo, Bassanezi cita que a “ideia de incompatibilidade entre casamento e vida profissional

Maria Beatriz dos Reis

O

feminino é, particularmente, um tema que sempre chamou minha atenção. Passei grande parte da minha infância ouvindo que “menina não faz isso”, “menina não faz aquilo” e sempre me perguntei o porquê disso. Essa necessidade de rotular e diferenciar o que é de um sexo ou de outro nunca fez muito sentido para mim. Hoje, entendo que a cultura tem um peso gigantesco na maneira como as pessoas se comportam e enxergam a vida. Minha avó, por exemplo, viveu uma época na qual provar sua feminilidade, em meio ao corpo social, talvez fosse uma obrigação. Nascida em 1928, às margens da posse de Getúlio Vargas e da ditadura brasileira, presenciou a metamorfose pela qual a visão em relação à mulher e, também, a dela em relação ao seu gênero passou. Creio que tenha conhecido os remédios contra a feiura que circulavam desde 1900, e também deve ter ouvido que ser excessivamente vaidosa podia ser sinônimo de outra coisa. A mulher usava sapatos menores que seus pés e espartilhos apertadíssimos, além de ser vista como um bibelô. Aliás, foi somente entre 1910 e 1919 que as feministas decretaram o fim do espartilho e as roupas passam a ser mais práticas e de menor volume. Antes dos anos 50, a mulher brasileira já tinha direito de voto, mas não o de julgar e ditar quais seriam os padrões para si mesma. Segundo Denise Bernuzzi de Sant’Anna em seu livro “Políticas do Corpo”, durante décadas, a maior parte dos conselheiros de beleza era formada pelo gênero masculino, sendo eles médicos ou escritores moralistas. Um exemplo da dominação de sexos que ainda imperava claramente. Então surgiu o biquíni, que foi a primeira peça de roupa feminina confeccionada com menos de um metro de tecido e recebeu esse nome devido a uma bomba atômica testada pelos Estados Unidos no Atol de Bikini em 1946. Alguns dias após o episódio, o francês Jacques Heim elaborou o “atome”, apresentando-o como “o menor maiô do mundo”. Entretanto, a patente da invenção é de outro francês, Louis Réard, que surgiu com um “bikini, menor que o menor maiô

Eu quero é ver o circo pegar fogo!


Maria Beatriz dos Reis

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Liberdade para borrar o batom vermelho com quem quiser tinha grande força no imaginário social”, já que, trabalhando, a mulher não seria capaz de dar a devida atenção aos afazeres domésticos. Dos anos 50 aos 60, a mulher é introduzida aos benefícios de uma boa higiene, ainda com a visão machista de que ela deveria manter a si e a sua casa limpas para que seu marido não a abandonasse. O cultivo ao prazer de se embelezar sem muita dificuldade e sem sofrimento também é difundido. Já a partir dos anos 60, acredito que começamos a ver o embrião do comportamento feminino atual. O movimento hippie e o surgimento da pílula anticoncepcional trazem certa confiança e as jovens passam a se exibir em minissaias, biquínis e jeans. Aliás, a minissaia foi criada pela estilista Mary Quant e o sucesso foi tanto que a butique de Mary em Londres, a Bazaar, ganhou mais de 100 filiais e se transformou em símbolo de vanguarda. A liberdade para se maquiar, se vestir, conhecer e amar a si e ao próprio corpo parece ficar mais forte. Na sala de casa, uma foto em preto e branco em um

escuro e o cabelo impecável preso com um grampo. É incrível imaginar por quantas mudanças e adaptações minha avó teve que se submeter para que hoje nós pudéssemos ter essa - talvez utópica - liberdade para sermos quem nós somos.

“Hoje, entendo que a cultura tem um peso gigantesco na maneira como as pessoas se comportam e enxergam a vida.” Devemos um muito obrigada à Cleópatra, Joana D’arc, Marilyn Moroe, Janis Joplin, Joan Jett, Malala, Anne Frank, Elizabeth Taylor, Maud Wagner (a primeira tatuadora dos Estados Unidos), AmeliaEarhart, Audrey Hepburn, Madonna, Angelina Jolie, Beyoncé, Elis Regina, Michelle Obama, minha avó, e muitas outras que ajudam e inspiram as mulheres a serem ainda mais fortes e únicas.

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IDENTIDADE Sala de Cinema Reprodução Janela de Cinema

Amantes do Cinema resistem com Cineclubes Críticos da indústria atual de cinema se reúnem em clubes fechados para ajudar o cinema artístico a sobreviver. Marina Kaiser e Rafael Guimarães

O cinema tradicional brasileiro, aquele de rua, onde as famílias se encontravam nos finais de semana, já praticamente não existe mais. Como os shoppings são locais aonde as pessoas vão para consumir, os cinemas acabaram se mudando para esses ambientes, visando, no início, a sobrevivência e, a longo prazo, o lucro. Com salas de exibição cada vez maiores, os cinemas de shopping procuram ocupar cada assento, para isso encontrando aliados nos “blockbusters”, filmes com pouca expressão artística e grandes investimentos, atraindo grande parte da população através de enormes campanhas de marketing. O amante do cinema artístico fica assim, órfão de locais para assistir a filmes de maior sensibilidade. A alternativa encontrada por eles é a criação de cineclube, onde cinéfilos se encontram para assistir e discutir o cinema. Segundo Frederico Souza, membro de um cineclube de Bauru, ainda existem muitas pessoas interessadas em filmes mais críticos e recheados de significado. “Com a moda dos filmes cheios de explosões, as pessoas preocupadas em atuações e beleza estética se sentem abandonadas. A única alternativa é nos unirmos para resgatar o bom cinema”, afirma Frederico, fã do cineasta Akira Kurosawa.

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Para Raul Gasparin, presidente do cineclube Brisas Suaves, de Votuporanga, a experiência do cinema de rua se perdeu completamente. Ele crê que a internet, vista pelo mercado cinematográfico como vilã nos lucros, é a maior aliada daqueles que querem ver arte na telona. “No nosso cineclube, compramos a maioria dos filmes em DVD e Blue Ray, mas alguns filmes mais antigos só conseguimos encontrar através de sites que disponibilizam para downloads.” No Brisas Suaves, trinta pessoas se reúnem em uma chácara para assistir filmes pré-blockbusters em uma tela improvisada com um aparelho de data show. Cada membro do clube participa com setenta reais para a compra de equipamentos e mídias, necessários para o funcionamento do cineclube. Mas não é de hoje que as pessoas se reúnem para discutir cinema em clubes. Diversos cineclubes mais antigos eram simples pontos de encontros para discutir após as seções dos cinemas de rua, como o Kinema, em São José do Rio Preto, do qual fazia parte Jorge Gusmão. “Na época, o cinema era um evento. Eram todos nuns prédios bonitos, com entradas grandes, que a gente ia e conseguia até ver o mesmo filme mais de uma vez com um mesmo ingresso. Lembro que eu fiz isso com O Guarda-Costas, até hoje um dos meus favoritos”, nos conta Jorge, que hoje só assiste filmes em sua casa: “Hoje cinema é só no Shopping, cheio de gente, com cadeiras gigantes, pipoca gigante, tudo gigante. E um ar-condicionado absurdo.” Tanto Frederico como Raul criticam a postura dos fãs de cinema dos dias de hoje. Para eles, as pessoas estão menos preocupadas em pensar e focadas apenas na diversão do cinema.

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“Com

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a moda dos filmes cheios de explosões, as pessoas preocupadas em atuações e beleza estética se sentem abandonadas.” “Algumas pessoas tem o preconceito de que

um filme que causa uma reflexão deverá ser chato, quando essa é na verdade a maior diversão do cinema,” critica Frederico. Para Raul, foi a própria indústria de Hollywood que causou a mudança.“É mais fácil pra eles vender um filme bobo que um filme revolucionário.” Ainda existem, para os cinéfilos, filmes de qualidade sendo feitos nos dias atuais. O problema para eles é que estes filmes recebem uma atenção reduzida perto das franquias bilionárias, além de encontrarem como única possibilidade de lucro o sucesso no Oscar. “Antigamente, fazer um filme bom era um princípio. Agora, todo mundo só pensa no prêmio, pra servir de propaganda, e ficam uns filmes engessados,” opina Jorge, “não basta o orgulho de fazer um filme icônico”. Um exemplo do foco da indústria cinematográfica em seu lucro é a profusão de sequências produzidas atualmente. Para extrair ao máximo as possibilidades de uma propriedade intelectual, os produtores buscam a criação de franquias, e não histórias.

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“Você começa a ver um filme, e só vai saber o final da trama quatro ou cinco filmes depois,”

reclama Frederico. A busca de um cinema alternativo ao exibido nos shoppings não é uma tarefa barata. O amor pelo cinema cobra investimentos em mídias de DVD, Blu-rays e aparelhos eletrônicos. Para Raul, “é tudo um hobby, e como um hobby exige um certo investimento de tempo e, no caso, dinheiro, que nem todos os interessados tem para esbanjar”. O cineclube Brisas Suaves, do qual ele faz parte, já gastou em conjunto mais de 50 mil reais em um data show de qualidade e DVD, motivo que os leva a cobrar uma mensalidade de quem quer participar. No meio dessas alterações de mercado, quem fica abandonado é o cidadão menos favorecido financeiramente. O governo, por intermédio do Vale Cultura, tenta incentivar a propagação de produtos culturais como o cinema nas classes D e E, mas acaba por favorecer ainda mais o mercado de blockbusters, uma vez que os cineclubes não são credenciados para o uso do Vale em seus gastos. “Essas pessoas ficam limitadas a assistir aos filmes recheados de explosão, e acabam nunca conhecendo o cinema de Scorcese, Kurosawa e Kubrick”, critica Frederico, “nós, que temos condição, temos a opção, enquanto nem isso eles têm. É triste.”

Cinema de Rua Reprodução Vírgula, Uol

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MARVEL x DC:

DOS QUADRINHOS À TELEVISÃO Lucas Cinchetto e Thaís Fritoli

“O

lhe! Lá no céu! É um pássaro? É um avião?”. Em 1938, período de crise econômica, cerceado pelo fantasma de uma segunda guerra mundial, usando um collant azul, uma capa e uma letra S estampada no peito, o Super -Homem fazia sua primeira aparição nas histórias em quadrinhos da Action Comics, revista publicada pela editora Detective Comics, iniciando assim a chamada “Era de Ouro” dos super-heróis em quadrinhos. Anos depois, em 1941, pouco após o bombardeio à Pearl Harbor, a figura de seres capazes de proteger uma nação com seus super-poderes tornou-se mais necessária em território norte-americano. Com o patriotismo em alta, surgiu um herói cujo nome resumia seu propósito, o Capitão América, criado pela Timely Comics, que posteriormente viria a se chamar Marvel Comics, outra gigante do segmento. Setenta anos após o surgimento do Super -Homem, os super-heróis voltam a fazer sucesso. Agora não apenas em revistas em quadrinhos, mas no cinema e em séries de televisão, com heróis como

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O Flash, Arqueiro, Demolidor e Os Vingadores. MARVEL Quem lê quadrinhos ou espera ansioso para ver um novo filme ou série da Marvel pode não saber, mas a maior editora de historias em quadrinhos dos Estados Unidos - e uma das marcas mais rentáveis no ramo do entretenimento atual - passou por inúmeras dificuldades desde a sua criação, estando inclusive, perto da falência há apenas 15 anos. Fundada na década de 1930 por Martin Goodman e com nome inicial de Timely Comics, a Marvel publicava inicialmente historias de faroeste. Apenas depois da explosão ocasionada pela segunda guerra é que a Marvel passou a publicar definitivamente as historias de super-heróis. Com o fim da Segunda Guerra Mundial a Marvel enfrentou sua primeira grande crise. Acabado a guerra, os super-heróis perderam palco e a editora apenas conseguiu se reerguer devido ao sucesso da

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QUEIMA, BABILÔNIA! Perseguida pelo conservadorismo brasileiro, novela das 21h volta a reagir na audiência José Miguel Toledo

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A nova novela conta com duas vilãs frias e cruéis, um assassinato no capítulo de estreia, traições, filha agredindo a mãe, prostituição e o famigerado beijo lésbico entre as personagens idosas de duas grandes damas da dramaturgia: Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. Mesmo não sendo mais novidade nas tramas globais, o beijo das atrizes causou burburinho nos lares da chamada família tradicional.

Felipe Monteiro/GShow

m seu aniversário de 50 anos, a Rede Globo en- audiência – para se ter ideia, a novela antecessora, frentou um grande susto: sua principal atração, “Vitória”, alcançava apenas 7 em seus melhores dias. a novela das 21h, enfrentou uma rejeição nunca antes vista. Não que tudo que o canal produza seja bem aceito pelo público, afinal, ano passado a novela “Em Família”, de Manoel Carlos, fechou com média geral de apenas 30 pontos (a meta para o horário é 35). Mas a estreia de “Babilônia”, tendo o experiente Gilberto Braga como principal titular, prometia ser uma homenagem às grandes obras da dramaturgia nacional.

Casal lésbico de “Babilônia” é proibido de se beijar Como entrave, “Babilônia” ainda encontrou o SBT, que visa atrair o público com o jargão “novela para a família é aqui”. Contra o folhetim global, a emissora de Sílvio Santos apresenta uma bem-sucedida reapresentação da novela infantil “Carrossel”, que embora não ameace a liderança da concorrente, lhe arranca alguns pontos no Ibope. A saga da angelical professora Helena, aliás, parece ser um pesadelo para o novelista Gilberto Braga, que já enfrentara rejeição a uma obra sua no início da década de 1990, com “O Dono do Mundo” – em cartaz no canal por assinatura Viva. A obra, tendo Antônio Fagundes como personagem-título, foi rejeitada pelo ‘excesso de maldade’ e o público da época preferiu ver a versão mexicana da novela infantil.

Em uma breve associação política, o Brasil conta com a bancada mais conservadora em seu congresso desde a época da ditadura militar. Em tempos em que tudo aquilo que é chamado de liberal parece ofender e agredir moralmente, “Babilônia” foi gravemente ferida. Sua audiência caiu para a casa dos 20 pontos – o que é um verdadeiro caos para a Vênus Platinada – e passou a ter como concorrente, indireta, a novela bíblica da Record, “Os Dez Mandamentos”. Os cristãos, que se posicionam contra homossexuais com argumentos bíblicos, embarcaram na ideia de boicotar a suposta imoralidade global para acompanhar a história de Moisés diariamente na emissora do bispo Edir Macedo. As novelas não se enfrentam diretamente, Atão falada ‘maldade’na ficção é uma das justificativas mas a trama bíblica registra cerca de 13 pontos de para o afastamento do público em relação à nova trama

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IDENTIDADE das 21h. . No enredo central, encontramos a história da arquiteta Beatriz (Glória Pires), que se casa por interesse, mata o amante e é chantageada por anos por sua inimiga de infância, a invejosa Inês (Adriana Esteves). Corre por fora a mocinha da novela, Regina (Camila Pitanga), uma jovem batalhadora e honesta, que vejam só, foi rejeitada pelo público por ser “muito ética e moralista”. A contradição esbarra em novelas bem-sucedidas do horário. Em 2012, o fenômeno “Avenida Brasil” fez sucesso iniciando sua trajetória com uma madrasta maltratando uma criança e lhe abandonado à própria sorte no meio de um lixão. No ano seguinte, “Amor à Vida” estreou com um vilão sequestrando a própria sobrinha recém-nascida e a abandonando em uma caçamba. Maldade por maldade, “Babilônia” não traz nenhuma novidade nesse quesito.

após uma crise de audiência sofrida pela TV aberta brasileira num geral, parece que todas encontraram um pouco de alívio (à exceção de “Babilônia”). A própria Globo respira aliviada com uma história de amor e rivalidade política, bem rural e leve, no horário da tarde: é a bem-sucedida reprise de “O Rei do Gado”. Um casal carismático, denominado Perina, também eleva os índices da atual temporada da novela juvenil Malhação. As românticas e leves histórias de amor das 18h e 19h, “Sete Vidas” e “Alto Astral”, também vão bem, obrigado. Chama a atenção um caso isolado, na Band, que exibe com relativo sucesso uma novela turca, “Mil e Uma Noites”. A obra conquistou uma legião de fãs no Brasil trazendo uma história excessivamente romântica como enredo central. Se a hipótese de que o brasileiro sente falta de boas histórias de amor parece verídica – já que o casal de mocinhos de “Babilônia” não apresenta química alguma –, estranha-se a rejeição sofrida por Beatriz e Inês. As vilãs foram, são e sempre serão o grande patrimônio das novelas. Até hoje nomes como Odete Roitman e Nazaré Tedesco são vivos no imaginário popular. E desde que “Avenida Brasil” com sua vilã meteórica, Carminha, saiu do ar, o público cobrava da Globo uma megera de verdade no horário nobre. Para a falta de uma, Gilberto Braga e seus co-autores trouxeram duas. E ambas foram rejeitadas por estarem supostamente fazendo muitas maldades.

Foram feitos grupos de discussão e avaliação da obra de Gilberto Braga com donas-de-casa da nova classe C, principal público das telenovelas globais. Elas opinaram que sentiam falta de uma história de amor e que a vida real já está muito cruel com tanta corrupção na política, agressões, crimes e tudo de mais horroroso que se pode ser noticiado em telejornais; no caso, a novela seria uma válvula de escape e não precisaria esfregar a realidade nua e crua na cara do brasileiro trabalhador. Pedidos atendidos, a Globo transformou a garota de programa Alice (Sophie Charlotte) em uma mocinha romântica e sofredora e cortou todas as demonstrações de afeto e intimidade entre as lésbicas Em seu terceiro mês, após sofrer diversas reformuda história. Explica-se: o público não rejeitou de for- lações, é que “Babilônia” começa a superar o massama alguma as personagens, ditas justas e honestas, cre covarde que sofreu. A crise, afinal, foi superada. mas sim suas demonstrações “exageradas” de amor. E o conservadorismo não queimou essa Babilônia. Se por um lado tudo isso soa como uma grande hipocrisia e o massacre sofrido por “Babilônia” parece ser nada mais nada menos do que homofobia pura, o que não seria novidade em um ambiente em que, na década de 1990, um casal fictício de lésbicas precisou morrer na explosão de um prédio para elevar os índices de audiência de uma novela global, a tese do ‘mais amor, menos maldade’ até parece fazer um pouco de sentido. Em 2015,

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IDENTIDADE

Simpatia na boemia Bauruense Bar do Vardi é a resistência contra a moda gourmet Felipe Assis e Leonardo Biazzi

Com sua bebida, seja lá qual for, na mão, você pode sair da área interna e contemplar o ambiente que te espera na externa, principalmente porque o interior do local já deve se encontrar lotado de pessoas, em leve situação de embriaguez, assistindo a algum jogo de futebol na televisão de última geração na parede, que contrasta com todo o ambiente de forma paradoxal, inclusive, com os frequentadores jurássicos que lhe trazem o questionamento sobre a utilidade do álcool na manutenção da vida eterna. Na área externa você perceberá, como se diz no jargão local, um fervo de pessoas de todos os tipos, mas muito especificamente estudantes com suas peculiaridades e trajes típicos.

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Enquanto beberica seu líquido de algum copo ou lata, você pode também se surpreender com o Seu Vardi em sua pausa no serviço, fumando um cigarro e trocando algumas palavras (algo entre reclamações, insultos leves, e piadas de duplo sentido) com os frequentadores que desatinam em risos descontrolados.

Por Felipe Assis

Se existe um personagem digno de homenagem no Jardim Panorama, em Bauru, este personagem é o bar do Vardi. O bar em si, junto com o dono, acumula história e fomenta a diversão de baixa renda no bairro. O local não se apresenta como os bares contemporâneos, com mesas de madeira, cadeiras confortáveis, luzes de neon e cerveja importada. É como deveriam ser os bares há 30 e 40 anos: ao se aproximar do recinto, você será cumprimentado com poucas mesas de metal (com as clássicas propagandas de cerveja) espalhadas pela calçada, chão e paredes de ladrilho e azulejo low budget, porções tradicionais de alimentos de gosto e validade duvidosa, e por fim de citação mas pelo começo da noite, a cerveja barata lhe será entregue pelo proprietário a custo de um preço módico, algum xingamento e uma piada sobre seu corte de cabelo.

Fachada do bar Estação Panorama, o bar do Vardi O velho proprietário não liga se o estabelecimento é sujo, se os clientes derrubam bebida no chão do recinto, se a fumaça do churrasco impregna o ambiente com cheiro de carne de segunda categoria ou se alguém demanda papel higiênico em algum dos toilettes. Seu jeito de lidar com os negócios é incisvo, preto no branco: é cerveja gelada, dose de destilado, espetinho e refrigerante, sem nenhum rodeio e

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IDENTIDADE

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de conversa fiada e risos. A cultura universitária, num geral, se encontra permeada de um leve hedonismo ao redor do álcool e isso se mostra perceptível quando, quase toda diversão nesses espaços, oferece algum tipo de bebida.

“Quer papel higiênico? Vai pra Getúlio Vargas então, pagar oito reais numa breja!” Infelizmente nem tudo são flores. Da mesma maneira que o álcool faz bem em algumas convenções sociais, deixando o ambiente mais alegre e descontraído, alguns acabam abusando do uso e passando mal, como lamentavelmente ocorreu em uma conhecida festa universitária, a InterReps, onde um estudante de engenharia entrou em óbito. A cultura do álcool deve ser questionada a partir do momento em que não se consegue inwteragir sem ele ou em casos em que algum indivíduo é coagido a consumir. E já no começo da noite (exceto em dias de jogo do São Paulo), por volta das 22 horas, Vardi apressa os clientes educadamente, “Bebe logo essa cerveja, rapaz, bebe logo que eu tenho mais coisa pra fazer! Vai orar!”. Bem antes das 23h o movimento se dilui no escuro da noite e o proprietário termina o expediente, provavelmente a reclamar, fecha a porta de aço do bar.

Por Leonardo Biazzi

preferencialmente em dinheiro vivo, pagando na hora e sem miséria de passar seis reais no cartão de débito. É curioso como o Bar do Vardi tem o poder para criar personagens, as famosas “figurinhas carimbadas”. Não importa o dia que você vá lá, você sempre encontrará alguns dos mesmos frequentadores. Seu Zé é um dos mais carismáticos: um senhor com quase 80 anos de idade, que aparece todos os dias, por volta das 17 horas, sempre acompanhado de sua muleta e de seu boné azul, diz odiar as segundas-feiras por ser o único dia da semana em que o bar não abre, tendo que se locomover para outro bar, muito mais longe de sua residência. Este senhor que possui um carisma digno do mais assertivo político, chega silencioso, manso, mas já abraçando os outros e contando alguma história engraçada de sua vida ou uma piada suja e, antes mesmo que possa perceber, você já estará pagando uma dose de pinga do barril para o aprazível velhinho. Vardi conseguiu estabelecer um elo muito forte com a comunidade são paulina que vive em Bauru. Por ser são paulino, sempre exibe os jogos do São Paulo em alguma TV do bar, estabelecendo um ambiente totalmente tricolor. É claro que os rivais são igualmente bem vindos, podendo até tirar sarro quando o São Paulo é derrotado, desde que não seja de forma acintosa, recomendam os torcedores são paulinos. Uma das histórias mais clássicas do Bar do Vardi, ocorreu quando um cliente voltou do banheiro, indignado com a falta de papel higiênico, e se dirigiu ao dono do bar, questionando-o: “Valdir, não tem papel higiênico não?” O fato de chamá-lo de Valdir já pode ser visto como um erro pelos clientes mais antigos, pois apenas os clientes mais velhos possuem tal permissão. Vardi relevou tal fato e bradou: “Se quer papel higiênico, vai pra Getúlio Vargas pagar oito reais numa breja.” É nesse tipo de ambiente que estudantes gastam suas tardes livres (e às vezes nem tão livres), ouvindo as histórias uns dos outros, bebendo um pouco do que o bolso suporta numa pequena cultura boêmia que permanece guardada na gaveta dos dias de labuta. Não há quem chegue no bar e não peça logo algo para umedecer a garganta para as conseguintes horas

Vardi vestindo seu semblante de labuta

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ARQUIBANCADAS LOTADA

Dois entrevistados, apaixonados pelos seus times, falam um po

Bruna

O Flamengo é o time com o maior número de t

Fonte: Site Geraç

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AS E CORAÇÕES PULSANTES

ouco desse sentimento inexplicável e da difícil tarefa de torcer

Moura

torcedores do Brasil, com preferência de 16,2%.

ção Rubro Negra

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IDENTIDADE Já ouviu a expressão: “uma torcida que possui um time”? É uma das frases mais ditas por torcedores. Explicar essa paixão que toma arquibancadas de estádios e ginásios é praticamente impossível, como o esporte, que em geral é irracional, lotado de histórias e personagens místicos. A escolha do time se dá pela identificação, um ídolo, como o Neymar que atraiu muitos torcedores para o Santos Futebol Clube e, na maioria das vezes, de pai pra filho, passada de geração para geração. Um torcedor do Palmeiras e integrante da torcida organizada Mancha Alvi Verde, que não quis se identificar, falou um pouco sobre isso:

“C

omecei a torcer pelo meu time, por causa do meu avô. Minha família inteira é Palmeirense, principalmente ele. Lembro-me que desde muito pequeno, ele me dava coisas do Palmeiras, como camisetas, bermudas, bonés e todos os meusaniversários tinham enfeites do meu time. Aos domingos, eu e meu avô, sentávamos juntos para assistir aos jogos”.

Os torcedores são chamados de loucos. Loucos por largarem suas famílias, seu trabalho, sua cidade para ir atrás de seus times, por ficarem embaixo de sol e chuva cantando e vibrando sem parar, por fazerem coisas que pessoas que não possuem essa paixão não entendem. Junior Valverde, vice-presidente da Torcida Uniformizada Esquadrão, organizada pelo time XV de Novembro, possui várias tatuagens relacionadas ao time e a torcida, já pulou muros de estádios e faltou a diversas datas familiares. O torcedor palmeirense também já fez diversas loucuras, chegou a terminar um namoro de anos – a namorada não aguentava mais dividir a atenção e o intimou: o Palmeiras ou eu? Cada torcida tem sua característica, o Grêmio a avalanche, a do Borussia Dortmund é conhecida por seus mosaicos, as torcidas argentinas não param de cantar e transformam os estádios em verdadeiros caldeirões, tem ainda bandeirões, faixas e as músicas que arrepiam e empurram muito os jogadores dentro das quatro linhas.

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A Muralha amarela, conhecida por empurrar os jogadores do BVB. Além dos mosaicos tradicionais,apostam nos mosaicos 3D. Créditos: Divulgação Borussia Dortmund

Cada torcedor também possui característica própria – não assiste cobrança de pênaltis, usa a mesma camiseta, faz sempre o mesmo caminho até o estádio. Juninho usa sempre cueca preta e branca em dias de jogos do “XVzão”. Hoje em dia o número de torcedores que vão aos estádios está diminuindo, muito por conta da violência, poucas famílias continuam frequentando esse ambiente. Os dois torcedores falaram também sobre isso, o da Mancha Alvi Verde disse:

“Já

perdi dois amigos, companheiros, irmãos que andavam comigo, iam aos jogos, por causa de briga. Um deles levou um tiro e o outro levou uma pancada na cabeça e teve traumatismo craniano.” Uma torcida organizada apresenta o mais variado tipo de torcedor, desde o que vai para torcer, até, infelizmente, o que vai atrás de briga, o que acaba manchando os jogos disputados no Brasil e o nome das torcidas. O vice-presidente da Esquadrão falou sobre essa mancha que as torcidas organizadas carregam:

“E

xiste um pré-conceito que sofremos por ser de organizada, acham que todo torcedor é

marginal, bandido.”

é

vagabundo,

é


IDENTIDADE

“Já amei, já odiei, já gritei e às vezes choro vendo a

bola correr no meio do campo. Nem mesmo das mais subalternas emo-

ções da alma humana, o futebol tem me poupado o coração. Já sofri tanto vendo a bola correr no meio do campo, que nem posso me queixar se um dia a morte vier me buscar no momento de um gol.” Armando Nogueira Mas o que muita gente não sabe e o que acaba não sendo divulgado é que as torcidas organizam muitos projetos sociais.

“Torcida

organizada não é só briga, tem muitas coisas boas, você aprende a respeitar o próximo. Tem muitas ações sociais que nós já fizemos e vamos continuar a fazer, mas vou falar uma que acho sensacional. Todos os dias quando fecha a sede da torcida, damos um Kit higiene para os moradores de ruas, eles tomam banho e quando eles terminam, nós damos comida.” Disse o torcedor palmeirense. Juninho que completou com algumas ações de sua torcida:

“A

rrecadamos leite para elas, (instituições), campanhas de brinquedos, agasalhos, doações de sangue, churrascos para arrecadar dinheiro, dentre outras”. Todos unidos por um sentimento que vem do coração, nas arquibancadas não existem diferenças sociais, todos são iguais. De time não se troca.Na derrota, o amor aumenta; na vitória, é só felicidade – parar de apoiar jamais. Não importa a divisão, não importa se é de várzea, amador, universitário ou profissional. A adrenalina vai junto para casa, o jogo não acaba após o apito final. Ir aos jogos é um momento de cultura para muitos, que preferem ver esportes a ver cinema ou teatro, estar dentro de estádios e ginásios faz com que as pessoas se esqueçam de seus problemas, que fiquem um tempo sem a pressão do dia a dia, só pensando em torcer pelo seu time. Os torcedores entrevistados pontuam:

do

“Mesmo

ou

não

e

meus mesmo

pais querendo ou não, minha namorada querendo

mesmos ou não:

meus amigos quereneu amo o Palmeiras”.

E o torcedor do XV:

“O

XV é tudo, vivemos em prol do XV, tudo gira em torno, como amizades, baladas e festas, contato, uma paixão inexplicável!”.

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