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A diversão entra em campo
Pesquisas apontam que instalar “brinquedos” em currais traz bem-estar aos animais confinados, contribuindo para um melhor desempenho do rebanho
Não é novidade que o estresse é prejudicial ao desempenho dos animais, principalmente daqueles em sistema de confinamento de corte ou de leite. Mas, como solucionar o problema? Vários estudos realizados no país apontam que a alternativa pode ser a implantação de “brinquedos” no ambiente dos currais.
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Para comprovar a eficácia da técnica, a Fazu (Faculdades Associadas de Uberaba) iniciou uma pesquisa científica. Os currais de confinamento de bovinos da fazenda escola agora contam com um “playground” repleto de objetos com estruturas de cerdas, pneus e blocos de sal.
A proposta é avaliar se esse ambiente diminui o estresse e promove o bem-estar animal.
De acordo com a professora Danielle Matarim, orientadora da pesquisa, os confinamentos, apesar de proporcionarem condições para elevar o ganho de peso e eficiência do gado, fornecem uma complexidade ambiental limitada aos bovinos, uma espécie altamente curiosa e social. “Na ausência de estimulação adequada, os animais podem se envolver em comportamentos agressivos ou anormais. Assim, o enriquecimento ambiental é implementado para promover o bem-estar do animal e diminuir o estresse, podendo ainda aumentar a produtividade”, explica Danielle.
Outro ponto positivo do enriquecimento ambiental é o seu baixo custo de implantação nas propriedades rurais, uma vez que vários destes estímulos podem ser elaborados na própria propriedade, conhecendo o comportamento da espécie criada e adaptar materiais encontrados no local para serem utilizados como ferramentas de enriquecimento.
Resultados parciais coletados durante um projeto-piloto já demonstram uma redução do tempo em ócio e do comportamento agressivo. A avaliação contou com 12 animais antes e depois da implantação dos itens de enriquecimento, pneus e escovas. “Outro ponto importante foi a redução de sodomia, muito comum em confinamentos e que pode gerar grandes prejuízos ao sistema. Após o enriquecimento, conseguimos reduzir pela metade o número de animais que expressavam esse comportamento nos momentos de avaliação”, comenta Matarim.
Será construído um etograma com os principais padrões comportamentais. As avaliações serão realizadas em três momentos, início, meio e fim do período experimental. Serão três horas de observações diárias por 7 dias cipantes do Teste de Desempenho e Eficiência Alimentar (TDEA) da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), que se inicia em abril.
Durante o período experimental, de 56 dias, os animais serão avaliados via etograma, caracterizando o comportamento e a adaptação aos itens, o item de enriquecimento ambiental utilizado com maior frequência pelos animais e pela comparação da frequência de comportamentos no início, meio e fim do período experimental.
Melhoria no comportamento animal - A pesquisa vai avaliar se a interação com os objetos reduz casos, como: incidência de comportamentos agressivos, como cabeçadas – quando um animal agride o outro batendo cabeça com cabeça; empurrar – quando o animal afasta o outro com toques agressivos; tirar do cocho – quando o animal empurrar o outro, impedindo-o de se alimentar; perseguir – quando andar atrás de outro animal, impondo autoridade e isolamento, quando se afastar do grupo.
O comportamento social também será registrado e
Zona Rural
Ainda será observada na pesquisa a frequência de utilização dos itens, que serão três, para definir a preferência dos animais e assim possibilitar a indicação das melhores estratégias para produtores que queiram implementar o enriquecimento em confinamentos de bovinos de corte. “O bem-estar ainda será mensurado a partir de avaliações fisiológicas, como a frequência cardíaca, frequência respiratória e temperatura retal, nos momentos de pesagem que ocorrerão a cada 14 dias. Os dados serão apresentados de forma descritiva, detalhando a frequência de ocorrência de cada comportamento. Os comportamentos observados ainda serão comparados considerando os três períodos de avaliação, início, meio e final do período experimental”, destaca a aluna de Zootecnia e bolsista de Iniciação Científica, Thais Regina Ribeiro Silva, que é a autora do projeto e estará no dia a dia acompanhando e registrando o comportamento dos animais.
Benefícios em rebanhos leiteiros
A criação de bezerros na fazenda leiteira é uma das atividades mais complicadas, exigindo muito cuidado e atenção. Quando as instalações restringem de forma severa a possibilidade de as bezerras expressarem seu comportamento natural, o bem-estar fica comprometido.
Um estudo conduzido em 2022, por alunos do Curso Técnico em Agropecuária da Fundação Roge, avaliou comportamentos do desenvolvimento dos animais em bezerreiros coletivos quando submetidos às práticas de enriquecimento ambiental. A pesquisa foi feita em uma fazenda leiteira do município de Delfim Moreira/MG.
Na propriedade avaliada, as bezerras em estado de estresse apresentaram comportamentos de mamada não nutritiva, relacionados com distúrbios comportamentais que não são associados a doenças. Além disso, elas estavam mastigando a madeira e o cocho da instalação, e comendo terra.
Os estudantes produziram brinquedos a partir de materiais reutilizáveis, avaliaram o ganho de peso e analisaram a mudança de comportamento dos animais, especialmente durante a mamada, após a implantação dos brinquedos. Um dos brinquedos instalado para maior socialização das bezerras foi uma bola, outro foi um pneu de bicicleta usado e uma garrafa pet com pedras.
Os animais tiveram um ganho de peso significativo e passaram a ser menos estressados na relação homem/ animal. “As propriedades leiteiras devem se organizar e estarem atentas aos benefícios que um sistema com o bem-estar proporciona aos animais. Estes benefícios retornam para os proprietários em forma de lucro, ou seja, animais calmos, sem estresse, que obtêm maior ganho de peso, entregam maior produção leiteira, e consequentemente, maiores rentabilidades ao proprietário”, apontam os estudantes.
Diversão nas granjas de suínos
Investir em elementos de enriquecimento ambiental nas instalações em que são criados os suínos é uma espécie de segunda onda do bem-estar animal na suinocultura brasileira. A primeira onda teve início em meados dos anos 2000 e focou na melhoria das condições básicas disponibilizadas aos animais do nascimento ao abate –espaço adequado, temperatura, qualidade do ar, limpeza, transporte e tratamento humanitários.
Propiciar as melhores condições de vida possíveis aos suínos é uma exigência cada vez mais comum entre consumidores de todo o mundo. Além disso, significa reduzir perdas econômicas. Animais estressados, em geral, diminuem sua capacidade de transformar ração em carne e oferecem uma matéria-prima de pior qualidade.
A introdução de “brinquedos” também vem ganhando espaço nas instalações em que os suínos são criados, visando reduzir os efeitos do confinamento intensivo. “Brinquedo é como são chamados elementos colocados nas baias com a intenção de permitir que esses animais expressem comportamentos naturais, iguais aos que eles teriam se estivessem soltos na natureza”, explica o pesquisador Osmar Dalla Costa, da Embrapa Suínos e Aves. A iniciativa pode contribuir para superar os desafios da cadeia produtiva em relação ao bem-estar. A produção global de carne suína aumentou quatro vezes nos últimos 50 anos e deve se manter em alta até 2050 devido ao crescimento da população mundial e do consumo per capita em algumas regiões do planeta, como a Ásia. Qualquer modificação que aumente o conforto do ambiente (como a diminuição no número de animais por baia ou a instalação de ventiladores) pode ser vista como uma ação de enriquecimento ambiental.
De acordo com o gerente executivo de Sustentabilidade Agropecuária na Seara Alimentos, Vamiré Luiz Sens Júnior, os “brinquedos” visam principalmente quebrar a monotonia, que podem provocar comportamentos anormais por parte dos suínos. Por exemplo, quando os animais experienciam estados de estresse e frustração, exibem com frequência atitudes sem função aparente, como mastigar com a boca vazia, ranger os dentes, morder barras de ferro ou lamber o chão. Os suínos que vivem em ambientes enfadonhos também demonstram mais propensão a interações sociais negativas. “Esse tipo de comportamento traduz-se, na prática, em episódios de agressividade dentro das baias. É daí que vêm problemas como a caudofagia, que ocorre quando um ou mais animais na baia sofrem mordeduras e consequentes lesões na cauda”, explica Dalla Costa.
Um estudo de 2016 feito na União Europeia mostrou que os custos associados a mordidas de cauda e orelhas atingiram 18,96 euros por animal agredido, o que equivale atualmente a, aproximadamente, R$95. Essa perda compromete em até 43% o lucro por animal afetado.
Além disso, o ganho de peso diário em suínos em crescimento com mordida de cauda pode ser reduzido entre 1% e 3%. Esses dados significam que cada animal afetado por problemas de confinamento intensivo representa uma oportunidade de redução de perdas econômicas.
A introdução de “brinquedos” para os suínos é respaldada pela instrução normativa número 13 (IN 13), publicada pelo Ministério da Agricultura em dezembro de 2020, que estabeleceu as boas práticas de manejo e bem-estar animal nas granjas de suínos de criação comercial. “Temos visto problemas menores nas baias com o uso de correntes. Quando bem manejadas, elas ajudam a manter os suínos mais calmos. Mas é importante destacar que os ‘brinquedos’ fazem parte de um contexto mais amplo de investimentos no bem-estar animal. Não é somente colocar algo na baia e deixar lá. Tem todo o ambiente, a ração e uma série de outras coisas que evoluíram muito”, garante Valdecir Folador, produtor de suínos da região de Barão do Cotegipe, no Rio Grande do Sul, e presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (ACSURS).